Para não dar um passo à frente e dois atrás
VALOR ECONÔMICO - 30/10/09
Nunca na história desse país um presidente da República teve tantos entreveros com o Tribunal de Contas da União. Em seus 118 anos de existência, é a primeira vez que o TCU exerce tão plenamente seus poderes.
O que um natural conflito político decorrente do aperfeiçoamento das instituições, não pode - pela soma de personalismo do presidente e oportunismo do Congresso - é engendrar retrocessos numa trajetória de permanente avanço do controle externo do Executivo.
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Com a Constituição de 1988 veio a participação do Legislativo na indicação dos ministros do tribunal, prerrogativa antes exercida apenas pelo presidente da República. Hoje dois terços do Tribunal são indicados pelo Congresso. Dos três ministros de indicação do presidente, dois devem ser egressos do corpo técnico da instituição.
Se vagas atribuídas ao Legislativo são reservadas a políticos em fim de carreira em busca de uma aposentadoria estrelada, é outra história. É um avanço que o Congresso detenha o controle das indicações. Cabe aperfeiçoar a escolha desses ministros com exigências técnicas de conhecimento da máquina pública e não minar a origem democrática de sua indicação.
A última mudança significativa nos poderes do TCU decorreram de um escândalo amplamente explorado pela oposição petista no final do governo Fernando Henrique Cardoso.
O tribunal ganhou poderes para embargar obras quando veio à tona que diversos relatórios que apontavam indícios de irregularidades na sede do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo haviam sido ignorados pelo Legislativo e pelo Executivo. Só depois que o prédio já estava erguido é que foram comprovadas as irregularidades que levaram o juiz Nicolau dos Santos à cadeia.
É a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que, anualmente, reitera o poder de embargo do TCU. A partir dali, o tribunal viu crescer o número de obras paralisadas graças ao trabalho de um dos mais bem conceituados corpos técnicos da capital federal.
Bruno Speck, cientista político da Unicamp e um dos maiores especialistas brasileiros em tribunais de contas, considera o embargo um dos mais importante poder adquirido pelo TCU na centenária história da instituição.
Na LDO de 2010 o Executivo tentou emplacar uma mudança que, sob o manto da discussão tecnicista do parâmetro de preços usado pelo TCU, praticamente acabaria com o critério mais eficiente à sua disposição para averiguar o superfaturamento de uma obra e decidir sobre sua paralisação.
O teto dos preços das obras públicas é estabelecido por uma tabela elaborada a partir de um banco de dados do IBGE gerido pela Caixa Econômica Federal. Esse teto, tivesse prevalecido a pressão governista, deixaria de ser limite, para passar apenas a balisador do preço a partir do qual o TCU julga a regularidade de obras.
O que o governo conseguiu, com o aval da oposição, foi acrescentar um dispositivo que dá uma flexibilidade maior às exigências de preços unitários mas não detona o poder de embargo do TCU. Se o Executivo foi obrigado a recuar da mudança maior pretendida é porque o respeito que o Tribunal de Contas ganhou nos últimos anos levaria a ofensiva governista a ultrapassar os ditames da moralidade.
O poder de embargo é um dos poucos que o TCU preserva independentemente de outros órgãos. O tribunal, em todos os estudos comparativos de Speck, aparece como um dos mais poderosos do mundo. Pode responsabilizar administradores públicos, aplicar multas, excluir fornecedores de licitações e elaborar lista de administradores inelegíveis.
Essa delegação, no entanto, não prescinde da colaboração da Advocacia-Geral da União (AGU), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do próprio Congresso. Nas contas de Speck, por exemplo, 300 administradores chegam a ser multados anualmente mas o ressarcimento desses valores é inferior a 1% porque a execução dessas multas cabe à AGU.
O Executivo tem um encontro marcado com o avanço institucional do país no julgamento que ocorre, sob sigilo, na AGU. A Controladoria Geral da União (CGU) que tem, para o controle interno, funções similares ao TCU no externo, quer fiscalizar o BNDES.
O banco resiste à investigação sob o argumento de que, apesar de gerir recursos públicos, tem, como instituição financeira, que respeitar os sigilos fiscal e bancário. Em disputa semelhante, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Banco do Brasil está sujeito à auditoria do TCU.
O debate da corrupção é promessa de audiência certa em debates eleitorais. Tratado como fraqueza pessoal, eleva paladinos da moralidade pública a candidatos respeitáveis. Eleitos, transformam o compromisso de acabar com a corrupção em grandiosos e inexequíveis projetos de reforma política, quando o verdadeiro avanço, no mais das vezes, está em deixar as instituições funcionarem.
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