segunda-feira, setembro 28, 2009

MARCO ANTONIO ROCHA

A tentação que pode assombrar Lula

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/09/09


O presidente Lula deu sorte, no ano passado, ao profetizar que o efeito da crise financeira internacional no Brasil seria "uma marolinha". Os fatos dão-lhe razão. Mas, ao dizer o que disse, ele não tinha nada em que se apoiar - foi puro "chute". Chutou para animar a galera, pois nenhum presidente avaliza o pessimismo e, em matéria de "pensar positivo", Lula é mestre. Também os prognósticos sombrios que então partiram de muitos economistas e analistas respeitadíssimos eram puro "chute", pois nada os fundamentava. A crise parecia muito grave porque tinha características inéditas. E era, de fato, grave, tanto assim que ainda assombra o horizonte da economia mundial.

Mas Lula já tinha sido saudado por vários jornais europeus pelo acerto do seu palpite sobre os efeitos da crise no Brasil. E, hoje, além de ver que a economia brasileira atravessou bem o período de turbulência, saboreia, com volúpia, é claro, os elogios nacionais e internacionais à maneira como seu governo conduziu as medidas anticrise.

Um dos resultados - nada desprezível - dessa boa governança veio na semana passada na forma de elevação do Brasil ao grau de investimento, pela agência de classificação de riscos Moody"s. Outras duas agências já haviam elevado a nota do Brasil - a S&P e a Fitch - no primeiro semestre do ano passado. A Moody"s, não. Mas com isso o País se torna o primeiro a alcançar grau de investimento depois da crise internacional. O que tem implicações práticas importantes, pois reforça a entrada de capitais internacionais tangidos pela aversão ao risco, que já vinha aumentando.

A boa estrela de Lula ainda teve mais um lustro na semana passada, com a entrevista que deu à revista norte-americana Newsweek e com a reportagem que a acompanhou, cujo autor, o jornalista Mac Margolis, o classifica como "o político mais popular do planeta" - o que, no momento, ele deve ser mesmo, já que o planeta está despossuído de cabeças brilhantes e os governos em geral, até em razão da crise que ainda grassa, amargam baixa popularidade.

O foguetório internacional em torno do nosso presidente foi alimentado também por sua participação e seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, pelo prêmio que recebeu em Washington, do Woodrow Wilson Institute, e por sua presença no encontro do G-20, em Pittsburgh, onde também exortou os dirigentes dos países líderes do mundo a batalharem na direção daquilo que é óbvio: políticas que enfrentem com eficácia as ameaças da poluição e do gás carbônico; políticas que promovam o comércio internacional e evitem o protecionismo; e políticas que controlem a ciranda financeira e ponham os bancos a serviço do desenvolvimento saudável, e não a serviço apenas dos próprios lucros e da insegurança para os investimentos produtivos - uma agenda que qualquer pessoa de bom senso aplaude em cena aberta.

Se vai ser ouvido... é outra história. Tomara que seja.

Mas os bons ventos que enfunam as velas do barco lulista não foram soprados apenas por Fortuna, deusa da sorte e da esperança dos romanos, ou, se quiserem os brasileiros que se embasbacaram com recente novela da TV Globo, por Lakshmi, sua correspondente hindu. O que ele nunca dirá de público nem o PT divulgará é que esses bons ventos se levantaram quando ele aderiu aos postulados da ortodoxia monetária e financeira, firmando nos cargos e garantindo, contra seu próprio partido, por vários anos, a política do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional (CMN), que já vinha de antes dele. Em outras palavras, quando ele optou por não mudar tudo o que estava aí e, ao contrário, por assegurar o que já estava funcionando.

Não serve à oposição dizer essas coisas, pois isso não muda um milímetro na astronômica aprovação popular de que Lula desfruta e que ele tenta transferir para a trôpega candidatura que escolheu para lhe suceder. Se vai conseguir, também é outra história... Também não serve para alimentar as candidaturas que se lhe oponham, pois um candidato da oposição não pode sair dizendo que vai continuar fazendo o que já está sendo feito, embora seja este o caso, pois se trata de um programa de governo que deu certo, continua dando certo e dará mais certo se apenas for aperfeiçoado.

De modo que os cenários entrevistos a distância, para o ano que vem, são basicamente os seguintes: 1) consolidação da recuperação econômica e vitória da candidata lulista; 2) consolidação da recuperação econômica e derrota da candidata, o que implica ascensão da oposição; e 3) nova crise financeira internacional e repercussão na economia brasileira, com queda do prestígio de Lula.

Os vaticínios de que certo descontrole fiscal/financeiro que o governo já exibe pode desandar ainda mais no ano eleitoral e prejudicar a campanha de Lula não parecem sólidos, pois não há tempo para que a popularidade se torne impopularidade. Mas servem para avaliar o legado do governo Lula.

O principal legado que ele recebeu foi a inflação sob controle. E entendeu o valor disso, pois barrou propostas de partidários que continham o vírus de retomada da inflação. Ainda agora tem dito que quer gastar, que o governo tem de gastar ("a tese do Estado mínimo está superada"), mas, ao mesmo tempo, adverte que a inflação deve ficar sob controle, o que não é fácil, e ele sabe disso, daí sua constante exortação aos empresários para que invistam mais. Se o investimento produtivo acompanhar o aumento da demanda - gerado por gastos do governo, pelo facilitário do crédito e por aumentos salariais -, haverá pouco espaço para a inflação. Se não acompanhar, ela arreganha os dentes. No aumento dos investimentos é onde Fortuna está morando agora.

Será que, para ganhar a eleição, ele resistirá à tentação de jogar fora a austeridade? - era o que perguntava o jornalista da Newsweek. A resposta é que, se houver investimentos, não haverá essa tentação.

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