sexta-feira, julho 03, 2009

COISAS DA POLÍTICA

A gripe suína e os sustos do mundo

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 03/07/09

A morte é tema incômodo, mas talvez seja certa a hipótese de que o homem só cresceu, e se distinguiu na natureza, porque descobriu que poderia morrer. Nesse momento, negociou com o Mistério o contrato no qual reconhecia a transcendência e nela se amparava. Embora poucos acreditem na morte absoluta, os crentes e os agnósticos se agarram à esperança da continuidade da vida em nossos descendentes. Estamos protegidos pela ideia de que, embora todos morram, a Humanidade continuará. Estaremos na carne, na inteligência, na memória e nos sentimentos dos que vierem. Só realmente nos atemorizam os recados de que a vida humana pode desaparecer um dia do Universo, da mesma forma como provavelmente tenha surgido: por acaso.

Os sustos estão se tornando mais frequentes. Há cinco anos, o tsunâmi do Oceano Índico matou 220 mil pessoas. Não foram muitos os mortos, se os compararmos às dezenas de milhões abatidos nas guerras do século passado e destes primeiros anos do novo milênio. Consequência mais preocupante do maremoto foi a alteração da velocidade de rotação da Terra, com repercussão na velocidade de translação, segundo os cientistas. Isso nos mostra que, como a existência de cada um de nós, a vida do planeta é concessão das circunstâncias.

Alastra-se a pandemia da gripe suína pelo mundo. Os governos entregam a solução do problema às autoridades sanitárias. Estas não parecem ter conseguido estabelecer ação internacional homogênea e coordenada. A produção de uma vacina poderá – ou, não, quem sabe? – evitar a catástrofe, mas dificilmente será possível imunizar os pobres de todos os continentes. É bem provável que os eugenistas sociais contem com o vírus, a fim de limpar o mundo daqueles que eles consideram imprestáveis e descartáveis, já que a castração dos pobres não trouxe os resultados esperados. O problema – e já houve especialistas que deram seu aviso – não é apenas técnico; é político. Produzida a vacina, deverão ser escolhidos os primeiros a imunizar-se. Em processo dessa natureza, cada minuto é um risco. O ideal seria que todos se imunizassem ao mesmo tempo. No Brasil, o Ministério da Saúde decidiu – dentro de aceitáveis critérios científicos – não medicar os contaminados, a fim de prevenir a mutação genética do vírus, que o poderia imunizar contra o único medicamento conhecido, o tamiflu (fosfato de oseltamivir). Essa resistência já está sendo registrada. De acordo com as autoridades, só serão medicados os mais débeis – crianças e idosos. Para surpresa dos especialistas, o primeiro óbito no país foi o de um caminhoneiro gaúcho, de 29 anos.

Repetem-se os mesmos movimentos do vírus durante a pandemia de 1918. De letalidade discreta, no início, a gripe fortaleceu-se no inverno europeu, matando impiedosamente naqueles meses. Tendo chegado ao Brasil por volta de setembro – ou seja, em nossa primavera – a espanhola, como indevidamente se chamou, foi democrática em sua brutalidade: dela não escapou nem mesmo o presidente Rodrigues Alves, que havia sido eleito pela segunda vez, e morreu antes da posse, em janeiro de 1919. Naquela primeira irrupção, quando os registros estatísticos eram precários, o número de mortos foi calculado entre 40 e 50 milhões em todo o mundo.

Segundo reconhece o New England Journal of Medicine, datado de segunda-feira passada, o vírus provavelmente foi libertado de um laboratório de pesquisas, em 1977 – depois de a enfermidade ter sido extinta em 1957 – e, pouco a pouco, foi reocupando o mundo. O fato é que não estamos, os governos e os cidadãos, dando muita importância ao perigo. O número de contaminados cresce quase exponencialmente, embora – tal como no passado – a letalidade permaneça reduzida nesta fase inicial. O secretário-geral da ONU convocou a comunidade internacional ao exercício de solidariedade efetiva, e de redobramento dos esforços, a fim de impedir o pior. Ninguém pode prever quantos morrerão quando a pandemia chegar a seu auge. Mas a comunidade internacional parece mais preocupada em desestabilizar o governo reeleito do Irã e em combater o islamismo, como faz Sarkozy ao proibir o uso da burca em território francês.

No Brasil, fora os esforços do Ministério da Saúde e de alguns secretários estaduais, os homens públicos estão aplicando toda a sua retórica e articulações no processo sucessório, como se pudesse haver sucessão no caos.

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