quinta-feira, maio 28, 2009

ROLF KUNTZ

Chávez? Perguntem aos argentinos


O Estado de S. Paulo - 28/05/2009
 
O companheiro Hugo Chávez não planeja estatizar empresas de capital brasileiro, segundo informou em Salvador, onde se reuniu na terça-feira com seu admirador Luiz Inácio Lula da Silva. "Estamos em fase de nacionalização de empresas no país. Menos as brasileiras", esclareceu o líder bolivariano, candidato, com apoio do Palácio do Planalto, a entrar com carteirinha de sócio nas conferências de cúpula do Mercosul. Na Argentina, o empresariado já lamenta a aprovação de seu país à pretensão de Chávez. Mas a presidente Cristina Kirchner não parece disposta a abandonar o compromisso já oficial. No Brasil, o assunto ainda tramita no Senado. Pelo menos por isso não convém ao presidente venezuelano criar caso com empresas brasileiras - embora esse risco pareça não impressionar muito o presidente Lula e seus estrategistas diplomáticos.

Para os argentinos, já comprometidos com Chávez, as condições são diferentes. Na semana passada, o presidente venezuelano desapropriou três siderúrgicas ligadas ao Grupo Techint, criando um embaraço para a presidente Cristina Kirchner e seu marido, Néstor. O casal havia recebido nos dias 15 e 16 o amigo Chávez. Os Kirchners teriam sido informados e ficado quietos? A suspeita já se espalhou na Argentina e o governo, empenhado nas eleições parlamentares, ficou em dificuldade.

"Hugo, o assunto cresceu muito nos meios de comunicação e nas câmaras empresariais. Peço que me ajudes a resolvê-lo", teria dito a presidente ao colega venezuelano, por telefone, segundo fonte citada pelo jornal La Nación. Embora pressionada politicamente, Cristina Kirchner não protestou claramente contra a decisão do governo venezuelano. Mas censurou o Grupo Techint por não depositar na Argentina a primeira parcela de US$ 400 milhões paga por Caracas pela estatização da Sidor no ano passado.

A posição dos Kirchners ficou ainda mais difícil quando se divulgou a conversa de Chávez com Lula, ouvida acidentalmente pela imprensa, em Salvador. O presidente venezuelano, como lembrou a reportagem do La Nación, descumpriu o acordo bilateral de proteção de investimentos - ou decidiu cumprir, seletivamente, apenas o acerto feito com o Brasil.

Há, nesse caso, uma curiosa coincidência. Há poucas semanas, um alto funcionário de Brasília defendeu o ingresso da Venezuela no Mercosul como forma de aumentar a segurança jurídica das empresas brasileiras naquele país. A mera referência a graus diferentes de segurança jurídica, para investidores de diferentes países, já seria um bom argumento contra a admissão da Venezuela de Chávez. A violação do compromisso, no caso de empresas de capital argentino, é um alerta muito mais claro. Descrever essa violação como ato de soberania é simplesmente grotesco, porque a promessa de segurança também é um gesto soberano.

Além do mais, seria uma tolice tomar como garantia as palavras de Chávez em Salvador. Por que as empresas brasileiras teriam tratamento diferente? A nacionalidade dos grupos controladores não pode ser um fator de diferenciação. Uma lei com distinções desse tipo seria uma aberração. Logo, a garantia não pode ser legal. A segurança, nesse caso, fica na dependência dos interesses do momento - e esses interesses podem corresponder simplesmente às conveniências políticas do companheiro Hugo Chávez ou de qualquer de seus aliados internos ou externos.

Nenhuma ilusão sobre segurança jurídica e respeito a contratos poderia subsistir, depois da desapropriação, na área do Lago Maracaibo, de empresas fornecedoras da PDVSA. Foi uma forma de aliviar a situação financeira da mais importante companhia venezuelana, sangrada pelo governo para financiar sua política social, debilitada pela falta de investimentos e pesadamente endividada.

Com a recessão global e a queda do preço do petróleo, a principal fonte de recursos do Estado venezuelano deixou de fornecer o dinheiro necessário às ações nacionais e internacionais de Chávez. A nova onda de estatizações foi a forma escolhida pelo governo para retomar a ofensiva e atenuar as dificuldades imediatas.

O Mercosul já está emperrado sem Hugo Chávez como sócio com direito a voto. Há muito tempo a integração comercial dos quatro países-membros foi paralisada. Não há livre comércio de fato nem no interior do bloco nem ações importantes para inserção do conjunto na economia global. A Venezuela de Chávez nada acrescentará de positivo ao Mercosul. O contrário é muito mais provável, como indicam os últimos atos do companheiro bolivariano.

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