domingo, maio 24, 2009

DANUSA LEÃO


Adeus, nicotina

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/05/09


Só eu sei do prazer que sinto quando consigo aumentar as distâncias debaixo d" água, e vejo o quanto fumar é absurdo



ÀS VEZES, a gente entra em uma fase de tomar grandes resoluções, e consegue cumprir muitas delas, o que nos faz muito bem. Eu estou tentando melhorar: me tornar uma pessoa mais doce, mais suave, digamos assim.
Parar de ficar dando palpites sobre tudo e de dizer verdades para os amigos -aquelas que ninguém quer ouvir-, mesmo me arriscando a virar outra pessoa e ninguém mais me reconhecer.
Minha intenção é, claro, ser mais querida, mais aceita. Não sei bem para que, pois não tenho necessidade nem vontade de ter mais amigos. Os poucos que tenho já preenchem minha vida; talvez para que eles não deixem de gostar de mim.
E melhorei. Melhorei, e o principal vou contar agora: anuncio orgulhosamente que consegui, enfim, parar de fumar - dessa vez pra valer. E entrei na natação, para expandir meus pulmões. Essa foi uma grande vitória.
Só eu sei do prazer que sinto quando consigo aumentar as distâncias nadando debaixo d" água, e vejo o quanto fumar é absurdo.
Acender um tubinho de papel, engolir fumaça e depois não conseguir subir uma escada como o Obama faz, por falta de ar? Chega a ser ridículo, e palmas para mim, que eu mereço. Mas nada é perfeito: meus pulmões estão maravilhosos, com a natação diariamente, já os meus cabelos... melhor não falar. Mas outro dia acordei péssima, péssima mesmo. O corpo doendo, os olhos ardendo, e a vontade de ir para a cama, fechar as cortinas e botar a TV bem baixinho, num canal alemão, até me sentir bem de novo; será que isso aconteceria algum dia?
Mas tive que me levantar e ir fazer coisas inadiáveis. Fui. Às quedas, mas fui.
O dia foi horrível, e eu sabia exatamente do que se passava: com a mudança de tempo e a chegada de uma frente fria, tinha pegado uma gripe que se anunciava braba. Não devia ser a suína, mas a gente se conhece.
Cheguei em casa, tomei um banho quente de banheira e me enfiei debaixo das cobertas. Na mesa de cabeceira, a menos glamourosa das cenas: uma caixa de lenços de papel, um vidro de vitamina C, outro de mel, um pires com uma colher e uma latinha de lixo ao lado da cama.
Esse é um dos momentos da vida em que se deve agradecer a Deus por não ter um homem ao lado, nem para trazer um chá. No dia seguinte, acordei ainda pior, e o termômetro acusou 38C, razão mais do que suficiente para não sair da cama, e dane-se a vida.
Mas não podia me dar a esse luxo: tinha que entregar um trabalho naquele dia sem falta. Levei o laptop para o quarto e tentei raciocinar, coisa praticamente impossível, quando se tem uma gripe. E o trabalho tinha que ter 4.000 toques, ninguém merece.
Pensei em minha mãe, que se fosse viva não ia entender; mães sempre acham que uma filha tem, em primeiro lugar, que cuidar da saúde, e não conseguem compreender que a realidade não é bem assim. Só se pode ficar doente nos fins de semana e nas férias.
Mas onde foi parar aquela mulher cheia de força de vontade, que há uma semana se sentia uma Maria Lenk, praticamente? Pois aquela mulher descobriu que uma simples gripe é capaz de acabar com ela - física e psiquicamente.
E me dei conta do quanto posso ser antipática e arrogante quando estou com saúde, e que todas as pessoas deveriam ficar doentes uns três dias por mês, para serem um pouquinho mais humildes. Eu, inclusive. Tudo, qualquer coisa, mas sem nicotina, que felicidade.

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