sábado, abril 25, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Caminho da china

O GLOBO- 25/04/09

As exportações brasileiras para a China cresceram 135% só em março e fecharam o trimestre com alta de 63%. O país já é o segundo maior mercado brasileiro lá fora, atrás apenas dos Estados Unidos, mas o governo parece não entender a oportunidade. A visita que o presidente Lula fará à China em maio terá apenas dois dias, menos tempo do que na Turquia, que era uma “parada técnica”.

Ainda não existe uma agenda para a viagem do presidente à China, o que dificulta a mobilização de empresários brasileiros e chineses, apesar de ontem ter terminado uma reunião de dois dias do Ministério do Desenvolvimento com os chineses. Para o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Rodrigo Maciel, o governo quer deixar claro que está descontente com a falta de investimentos e as dificuldades de acesso ao mercado de carnes chinês e que, dessa forma, desconfia se o país realmente considera o Brasil como parceiro estratégico. Mas duvida que esta é a melhor forma de lidar com eles. “Parece birra. Dizem que é de propósito, para mostrar insatisfação, mas não pode ser assim. Esta resposta, com a viagem, vai ser desastrosa. Não vai ajudar em nada, e justo na hora em que a China está mostrando interesse na América Latina.”

Só no primeiro trimestre, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 3,4 bilhões, apenas US$ 200 milhões a menos que para os EUA, o maior comprador dos produtos brasileiros. O CEBC fez um estudo e constatou que dos produtos que os chineses compram, o Brasil poderia exportar 619 para lá. Destes, 147 poderiam ser vendidos rapidamente, “hoje mesmo”, segundo Maciel, como alimentos, toda a parte de produtos lácteos, carnes, cosméticos, produtos de higiene, autopeças, todo o setor de metalurgia, máquinas e eletroeletrônicos. A expectativa dos empresários era elevar as exportações brasileiras para 3% do total que a China importa até 2010, passando de US$ 16,4 bi em 2008 para US$ 30 bi em 2010, ampliando os produtos. “Não vamos conseguir. Podemos chegar no valor, mas com mais exportações de minério, soja e petróleo, sem diversificar a pauta. O valor é importante, mas é preciso diversificar. Com essa postura do governo, a China vai continuar comprando commodities aqui e ponto.”

Negociar com a China é diferente, porque tudo passa pelo governo. É preciso que o país leve os empresários para lá e mostre a disposição de se tornar um parceiro comercial. Os governos devem fazer parte deste processo, mostrando aos chineses as oportunidades de investimento. Em 2008, por exemplo, a Espanha mandou ao país 42 missões empresariais, com o apoio oficial. O México também ampliou as conversas e o comércio com a China já cresceu cerca de 20% no primeiro trimestre de 2009. “As exportações brasileiras para a China subiram, em março houve uma corrente de comércio absurda, eles já são o segundo maior parceiro no comércio internacional. Mas a atitude do governo é como se eles fossem um país irrelevante”, diz Maciel.

A China iniciou diálogos estratégicos com alguns países, entre eles o Brasil, em 2007. De lá para cá, apenas duas reuniões entre brasileiros e chineses foram realizadas, contando com a desta semana, enquanto representantes dos EUA se encontram seis vezes ao ano com eles. Os EUA conseguiram a abertura do mercado chinês para produtos farmacêuticos e aviação comercial e a adoção de projetos de controle de emissão de dióxido sulfúrico pelo governo chinês, por exemplo.

Segundo Maciel, o Brasil não corre o risco de se tornar alvo de dumping da China caso reconheça a economia do país como de mercado, um dos assuntos que devem ser debatidos. O que tem problema, para ele, é exatamente não reconhecer, desde 2004, a economia chinesa como de mercado. “Se tiver dumping, faz processo, investiga e, se resolver corretamente, não vai ter prejuízo para a relação. O que prejudica é o governo não se mostrar disposto a negociar.”

Até para se defender das exportações chinesas, que chegam mais baratas a diversos países e tomam mercado brasileiro, a saída seria a parceria com a China. Ontem mesmo eles aumentaram a devolução de impostos aos produtos têxteis exportados. “Existem projetos de integrar a cadeia de produção chinesa com outros países, como os da América Latina. Um exemplo seria o setor automotivo. Há discussões no BID para eles financiarem empresas da América Latina para elas serem fornecedoras das indústrias chinesas.”

Aqui, a Vale e a Baosteel tinham um projeto na área de siderurgia, mas ele naufragou em janeiro. A Vale, aliás, está com dificuldades para negociar a venda de minério e já perdeu mercado para concorrentes indianos pelo aumento de preços no fim de 2008. “Os chineses estão deixando claro que vão procurar outros fornecedores, mas eles sabem que não podem ficar sem a Vale.”

A China é um dos poucos países que crescem neste momento, é objeto de desejo de todos os mercados mundiais. É um desses fatos inevitáveis da vida atual. O presidente Lula ir lá é uma boa decisão; encurtar a visita e dar mais tempo à Turquia, para quem a gente vendeu só US$ 85 milhões neste ano, é uma esquisitice que só mesmo a diplomacia do governo Lula pode explicar.

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