terça-feira, março 10, 2009

CLÓVIS ROSSI

Déficit de civilização

Folha de São Paulo - 10/03/09

LONDRES - Desço em Heathrow, o principal aeroporto britânico, e logo estou no trem que, em apenas 15 minutos, vai me deixar na estação de Paddington, praticamente no centro de Londres. Parece o cúmulo de civilização: o meio de transporte mais civilizado, apenas 15 minutos para fazer um percurso que em São Paulo só Deus sabe quando tempo tomaria, nada de aperto.
O banho de civilização dura apenas o tempo de começar, na telinha do trem, o noticiário da BBC. Primeira notícia: o atentado que matou dois soldados britânicos estacionados na Irlanda do Norte, as primeiras mortes em 12 anos, desde que a maior parte do IRA (Exército Republicano Irlandês) depôs as armas.
Mas um tal de Real IRA continua matando gratuita e estupidamente. Menos mal que o Sinn Fein, que foi o braço político do IRA nos tempos dos "problemas", como se aludia elipticamente ao conflito na Irlanda do Norte, condenou sem hesitações o atentado, ao contrário de certas esquerdas tupiniquins que continuam achando que as Farc são uma força revolucionária, e não assassinos.
Qualquer pessoa dotada de um cérebro ativo sabe que não será matando que se vai conseguir a abolição da monarquia na Irlanda, a introdução da república e a fusão com a outra Irlanda.
Segunda notícia: o ditador Omar Bashir, do Sudão, aparece desafiante em Darfur, fazendo um comício dias depois de ter sido pedida a sua prisão pelo Tribunal Penal Internacional de Haia. Bashir é um bárbaro, como todos os ditadores, Darfur parece fora do mundo civilizado -e o mundo civilizado não se incomoda. Antes de chegar a Paddington, já estava achando que os grampos do delegado Protógenes Queiroz, contados pela revista "Veja", eram o menos letal dos casos de déficit de civilização.

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