Pior para nós que na mesma semana em que o presidente Barack Obama perdeu dois assessores, porque eles erraram na declaração do Imposto de Renda, a Câmara tenha escolhido um corregedor que acha que políticos não devem julgar quebra de decoro porque "têm o vício insanável" da amizade. Pior para nós os bate-bocas, troca-trocas e negociatas dos últimos dias no Congresso. Barack Obama já perdeu quatro do time escalado e viu seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, em apuros, explicando por que errou no Imposto de Renda. Um jovem brasileiro me perguntou: "Mas isso é escândalo?" A pergunta é reveladora. Está errado não pagar imposto, e isso é tão sério que foi o que levou Al Capone à cadeia. Mas, para muitos brasileiros, tem sido difícil definir a partir de que ponto um escândalo é escandaloso, já que o patamar das nossas irregularidades tem ficado cada vez mais alto.
Os atingidos do time do presidente Obama deram explicações e pagaram os impostos atrasados. Mas só um deles se salvou. Nancy Killefer não tinha recolhido impostos trabalhistas de ex-empregados. Tim Geithner contratou um imigrante em situação irregular e, quando era do FMI, entendeu que por trabalhar em órgão internacional não devia certos impostos. Tom Daschle perdeu o cargo fundamental que teria na equipe de Obama porque usou um carro de uma empresa à qual prestava consultoria e não pagou impostos sobre esse ganho extra. Todas as descobertas e cobranças foram feitas pelo Congresso americano, de maioria governista. Bill Richardson disse que provará que não fechou contrato com uma empresa que o financiou, mas, enquanto não prova, desistiu da Secretaria de Comércio.
O que diriam alguns dos nossos parlamentares desses deslizes? Provavelmente nem considerariam que isso era erro.
Corregedor é aquele que corrige, é o que zela pelo decoro, mas o deputado Edmar Moreira não se preocuparia com o tipo de falta que derrubou Daschle. O que é não declarar um carro cedido pela empresa quando se esquece de declarar um castelo? Sua tese, de que o Congresso não pode julgar colegas porque eles são todos amigos, faria até sentido, afinal foram tantos os casos de absolvição indevida. Mas, para isso, ele teria que, em seguida, pedir a extinção do cargo de corregedor que fez tanto esforço para ocupar.
Deslizes tributários também não devem produzir maiores preocupações no senador Renan Calheiros, que jamais explicou como foi mesmo que envelopes de R$12.000 por mês eram entregues à mãe de sua filha na sede de uma empreiteira; ou ao senador Eduardo Azeredo, que teve contas de campanha pagas por empresas de publicidade num esquema parecido com o do mensalão. Mensalão este que, quando foi descoberto, mostrou ser uma extensa rede de tráfico de influências e de pagamentos de gastos de campanha feitos por fornecedores do governo.
O tipo de deslize que derrubou Tom Daschle, que seria peça-chave no governo Barack Obama na reforma do programa de assistência médica, não faria derrapar o Fiat Elba do ex-presidente Fernando Collor. Afinal, segundo seu então e desafortunado tesoureiro, o objetivo do collorismo era arrecadar R$1 bilhão.
O deprimente dos escândalos de Obama é a dificuldade de o Brasil se escandalizar com eles. Aqui, a anestesia com os desmandos faz parecer normais certas frases, comportamentos e fatos extravagantes e desviantes.
Os Estados Unidos vivem ainda o espetáculo estimulante da renovação do poder, enquanto no Brasil tantos perdem os fios tingidos de cabelo para se manter agarrados às mesmas cadeiras tantas vezes ocupadas por eles mesmos no passado.
A idade em si não torna alguém moderno ou antiquado. Há jovens ultrapassados e velhos atualizados. Nos virtuosos, a idade confirma as virtudes. Nos outros, ela convalida defeitos, e um dos piores é ser obstáculo à renovação.
Certos erros da juventude o tempo apaga, mas servir lealmente a uma ditadura não é um desses. Quem cometeu esse erro indesculpável deveria, ao menos, poupar os interlocutores e não falar que será a "consolidação da democracia", como fez o presidente do Senado, José Sarney.
Não deve também prometer corte de gastos e austeridade quem tem o desejo manifesto de tirar, do contribuinte, dinheiro para sandices como cobrir os atos dos deputados em seus estados de origem na TV Câmara, como fez o deputado Michel Temer. Na melhor das hipóteses, é perda de dinheiro. Mas pode ser pior.
Em todo parlamento há negociações e disputas para a ocupação dos cargos-chave e comissões decisivas. Nada normal é o balcão de negócios que virou essa distribuição no Congresso brasileiro estes dias, o troca-troca, os bate-bocas, os acordos secretos, as traições públicas.
Infeliz é a coincidência. Lá, as exigências éticas aumentam e quem errou é punido. Aqui, todo erro é aceito e, com o tempo, esquecido. O Brasil está ficando menor - e não falo do PIB - e o Congresso tem escolhido ficar desimportante. |
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