Depois de muitos anos sendo o "patinho feio" da economia mundial, a América Latina não é o problema e pode vir a ser parte da solução da crise internacional, pois é das poucas regiões do mundo que ainda mantém uma previsão de crescimento positivo nesses tempos tumultuados. A situação do Brasil, então, é um destaque dentro da região, mas as expectativas de orgulhosos membros do governo e empresários aqui presentes são um tanto exageradas. Se é verdade que o país está sendo considerado um dos poucos que têm se saindo relativamente bem nessa crise econômica internacional, é verdade também que as expectativas de crescimento do PIB brasileiro só fazem cair, à medida que a crise se mostra mais devastadora a cada dia que passa.
Apesar do relativo otimismo em relação ao desempenho da região como um todo, e do Brasil em particular, há um temor de que a crise econômica severa reavive tendências populistas, para tentar evitar que seus efeitos afetem as políticas sociais que tiveram bons resultados nos últimos anos, tirando da extrema pobreza milhões de pessoas.
A questão é que aumentar os gastos públicos para tentar estimular a economia ou aumentar a proteção aos mais necessitados, como está fazendo o Brasil neste momento ampliando o alcance do Bolsa Família, em vez de política anticíclica tradicional, pode se transformar em fator de desordem da economia e fonte de inflação a médio prazo. E assim vai destruindo os fundamentos que estão dando, neste momento, o suporte para enfrentar a crise com um mínimo de estrutura. E é o controle da inflação que permite avanços nos programas sociais.
No Brasil, a recente medida de dificultar as importações, revogada pelo governo, é um exemplo do que não deve ser feito para proteger a economia. Sem citar a medida explicitamente, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que devemos evitar que, para enfrentar uma crise de origem externa, criemos problemas econômicos que podem vir a se tornar problemas internos mais adiante.
Como aconteceu nos anos 1970 do século passado, quando, para enfrentar a crise do petróleo, o governo Geisel criou um programa de substituição de importações, e manteve investimentos que provocaram inflação e aumento da dívida externa, desaguando na crise dos anos 1980.
Outro receio, e este afetando não apenas a America Latina, mas outras partes do mundo seria o ressurgimento de um espírito protecionista no comércio internacional. A cláusula que dá preferência à utilização de produtos americanos nas obras a serem financiadas pelo Plano de Recuperação Econômica que está sendo aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos, se confirmada na versão final, pode ser um sintoma de recrudescimento do protecionismo americano, que desmente a intenção de Barack Obama de fortalecer o comércio internacional através da retomada da rodada de Doha.
Obama se disse disposto a retomar as negociações em telefonema ao presidente Lula, e o chanceler brasileiro Celso Amorim ficou bastante estimulado com essa promessa, que foi confirmada a ele pela secretária de Estado, Hillary Clinton.
O novo negociador para comércio internacional americano, ex-prefeito de Dallas Ron Kirk, não tem experiência na área, mas apoiou politicamente o Nafta e a normalização de relações comerciais com a China. Apontado como defensor da liberalização, quando candidato ao Senado, em 2002, foi contra a concessão pelo Congresso do mandato para negociar ao presidente Bush (fast track), esperemos que mais por razões políticas do que por convicção contrária à necessidade de liberalização do comércio internacional.
Por não ter sido ainda aprovado pelo Senado, o negociador americano não está participando dos encontros aqui em Davos, e por isso não serão dados passos concretos na direção de uma efetivação das negociações.
O mais preocupante, porém, é que o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, não recebeu ainda nenhuma indicação formal da nova administração americana de que está mesmo interessada em retomar as negociações.
Com aprovação da cláusula conhecida como buy american no programa de recuperação econômica dos Estados Unidos, a União Européia já ameaça entrar com uma ação na OMC, o que inviabilizaria o ambiente para uma retomada das negociações.
O chanceler Celso Amorim, que está aqui em Davos empenhado em reabrir o diálogo, já achava antes desse fato novo surgir que sairia de Davos apenas uma exortação pela retomada da Rodada de Doha, nada mais que isso, sem a presença do negociador americano.
A postura da nova administração dos Estados Unidos em relação a Davos não tem sido das mais favoráveis. O presidente da Comissão Nacional de Economia, ex-secretário do Tesouro Larry Summers, cancelou sua presença aqui, e foi substituído por Valerie Jarrett, assessora especial de relações intergovernamentais e ligação com o público, que fez um pronunciamento banal.
Em que pesem as declarações generalizadas, inclusive do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, de que a crise só será resolvida em comum acordo de todos os países, não há ainda uma definição clara do novo governo americano sobre de que maneira se dará essa colaboração internacional.
E a semente de protecionismo incluída no meio do pacote de mais de U$800 bilhões é um mau sinal que estão enviando ao mundo. |
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