sábado, maio 25, 2019

Os fetiches do pornô culinário - MARCOS NOGUEIRA

FOLHA DE SP - 25/05


Ovo com gema mole deixa em ponto de bala os voyeurs do pornô de comida (foto: Marcos Nogueira)


Food porn ou, em português, pornografia gastronômica. São aquelas imagens de comida lânguidas e lascivas. Elas fazem o indivíduo salivar, seu estômago roncar, suas mãos buscarem a carteira para comprar uma porcaria qualquer no mercado ou no fast-food mais próximo.

A publicidade conhece bem o pornô gourmet. Fotógrafos especializados sabem todos os truques para fazer até o hambúrguer mais muxibento parecer delicioso.

Recentemente, a produção de sacanagem foi democratizada com as câmeras de smartphone e aplicativos como o Instagram. Qualquer zé-ruela pode fotografar o macarrão com salsicha que comeu no almoço e jogar na rede. “Amateur food porn”, classificariam os “XVideos” da vida.

Ainda segundo os critérios da pornografia clássica, essa safadeza caseira fica nos domínios do softcore –erotismo sutil, quase inocente.

O pornozão pesado você encontra nos canais de vídeo especializados em receitas. Aqueles que têm uma câmera fixa que mostra do alto o preparo de uma comida qualquer. “Tastemade” é o Buttman da gastronomia; “Tasty Demais” é a Brasileirinhas.

Esses vídeos exploram alguns fetiches alimentares. Ovo é o mais conhecido. Gema mole leva o público ao êxtase. Se ela escorre no pão torrado, veja bem, eu não me responsabilizo mais pelos meus atos.

Queijo derretido é outro recurso certeiro para atiçar o voyeur de comida. As receitas desses canais usam quantidades indecentes de queijo. Quando querem chocar a sociedade conservadora, põem um brie inteiro para assar no forno.

Aí a cena final muda a perspectiva da câmera, com uma espátula que remove uma fatia da comida pronta e revela o queijo –que se estica em tiras elásticas e provocantes. É o clímax, o momento em que o internauta revira os olhinhos de puro prazer.

Qualquer coisa que derreta, escorra ou lambuze faz sucesso no pornô da gastronomia. Chocolate. Chantili. Leite condensado, ai, ai.

Assim como na pornografia sexual, a meleca é apenas insinuada. Tudo é limpo, organizado, parece fácil demais. Picar cebola não é sexy, mas é excitante ver cinco cebolas se desfazendo em um átimo pela magia da edição de vídeo.

A food porn prende a atenção, hipnotiza, desconcentra. Vicia. Antes que você perceba, já estará dependente. O dia de trabalho não rende mais. Você passa o expediente fantasiando lasanhas e bolos de carne, em vez de terminar a planilha que o chefe encomendou.

Há casos de gente infeliz que largou tudo e torrou as economias de uma vida numa faculdade de gastronomia. Para descobrir, lá adiante, que precisaria lavar a louça dessa lambança toda.

Pornografia não tem nada a ver com aquilo que a gente faz na vida real. Vale para o sexo e para a cozinha.

Domingo! Vai ter pixuleco do Maia? - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 25/05

Ato também vai ter suco de laranja em canecas da Havan e seguranças milicianos!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Piadas Prontas! “Banda baiana lança a versão ‘Senta no Shallow Now’”. “Edir Macedo pede que Deus remova quem se opõe a Bolsonaro.” Se for para Paris eu topo! E que tal remover OS DOIS: o Edírzimo e o Bozo? Rarará!

E o chargista Nani vai entregar 2019 na seção de Achados e Perdidos! “Olha, eu achei 2019 aqui no chão e vim entregar no Achados e Perdidos.” Rarará!

E atenção! Dia 26! EU VÔ, MITO! Rarará! Fazer manifestação a favor do governo parece coisa do Maduro! E todos de camiseta da seleção. Da Holanda! Laranja! Rarará!

Ato a favor do Bolsonaro e CONTRA O RESTO DO MUNDO! Os bolsominions culpam todo mundo pela incapacidade de governar do Bozo! E eu só vou se o Queiroz passar aqui em casa pra me levar. De Tempra roxo! Rarará!

Trilha oficial do ato: “Domingo ela não vai”, com a Carla Perez. Farta distribuição de suco de laranja nas canequinhas da Havan, pixuleco do Maia e segurança garantida pelos milicianos! E diz que agora são apenas dois temas: “Reforma da Presidência” e “Mete no centrão”. Rarará!

Ausências: Janaina, MBL, Lobão e Fiesp, o pato amarelou! Presenças confirmadas: Maroni do Bahamas e Alexandre Frota. Um dono de puteiro e um ator pornô! Rarará!

E corre na internet o apelido do ato: CARNAMINION! Com o grande hit “Um Cabo e Um Soldado”! Não pode nem dançar homem com homem nem mulher com mulher! Patrocínio: Imobiliária do Flavinho!

E eu queria saber uma coisa: esse povo vai para as ruas pedir desculpas? Rarará!

E O LULA VAI CASAR! “Lula está apaixonado e vai se casar! Então não é mais Lula Livre! #gleisimagoou! Os lulistas passaram dois anos gritando “Lula livre”, aí ele sai da cadeia e se casa! Cadeia de novo!

Rarará! Vai se casar com uma socióloga. E eu achava que ele ia se casar com a tia da quentinha! Rarará!
E sabe o que a Gleisi vai cantar no dia do casamento?

“Senhor juiz, paaaare agooora.” Rarará! E a namorada não sabe, mas ela vai se casar com um amigo do Lula! Rarará! Namorada do Lula se casa com um amigo do Lula!

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico

Cuidados de Bolsonaro - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 25/05

Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Congresso e o Palácio do Planalto


Quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu anunciar publicamente que não participará nem incentivará as manifestações de domingo, além de pedir a seus ministros que delas fiquem distantes, no fundo o que ele fez foi buscar proteção contra um eventual pedido de impeachment por crime de responsabilidade. Porque a Lei 1.079/1950, que define os crimes de responsabilidade e as regras do julgamento, diz que é crime atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados (item II do artigo 4.º); tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras (parágrafo 1.º do artigo 6.º); incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (parágrafo 7.º do artigo 7.º); entre tantos outros constantes da lei que possibilitou o impeachment de Fernando Collor (1990/1992) e de Dilma Rousseff (2011/2016).

Não que se pense que Bolsonaro fosse infringir qualquer uma dessas vedações. Apesar de dizer que o mal do Brasil é a classe política, ele não atacou o Congresso com seu raciocínio. E depois se incluiu no grupo dos que ele criticou. Tem pregado o respeito às instituições que são pilares do estado democrático de direito e prometido que jamais se voltará contra a liberdade de expressão e de imprensa. Mas haveria o risco de alguém associá-lo a uma das vedações da Lei do Crime de Responsabilidade caso viesse a participar das manifestações, ou mesmo incentivá-las.

Sabe-se, pelo teor das convocações, que alguns grupos que anunciaram a presença nas ruas, amanhã, poderão exibir faixas pedindo o fechamento do Congresso e do STF, além de fazer provocação à desobediência dos militares. Por isso mesmo é que os movimentos de direita racharam e alguns, como o MBL, decidiram ficar de fora dos protestos. Também foi por essa razão que a deputada Janaina Paschoal (PSL), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, disse que não via nenhum sentido nos protestos. E que tantos líderes da direita tentam limitar as manifestações ao apoio à reforma da Previdência, ao pacote do ministro Sérgio Moro (Justiça) de combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção e à manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça.

Mesmo sem a presença ou o incentivo de Bolsonaro, é possível que as manifestações deste domingo se transformem num marco político desses dias tão conturbados. Se forem muito grandes, darão uma prova ao presidente de que ele ainda goza de apoio popular, apesar de as pesquisas, como a mais recente da XP/Ipespe, divulgada ontem, dizerem que sua popularidade está caindo rápido. Se o número de manifestantes ficar abaixo das expectativas, o presidente terá nas ruas o testemunho de que a tendência verificada pelas pesquisas reflete-se na movimentação de seus apoiadores.

A depender do grau de agressividade às instituições – se alto, baixo ou nenhum – que for mostrado nas ruas, o Congresso terá ainda um termômetro para orientar o enfrentamento que tem mantido com o governo de Jair Bolsonaro, principalmente os parlamentares de centro e de centro-direita que integram o Centrão e que são os mais achincalhados nas redes sociais pelos integrantes do movimento chamado de olavo-bolsonarista.

Hoje existe uma tendência de divórcio entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Essa separação só pôde ser concretizada porque Bolsonaro decidiu montar um governo sem negociações políticas. Com isso, o Congresso despertou e começou a tocar uma agenda própria. As manifestações pró-Bolsonaro dirão se o Parlamento deve seguir nesse caminho.

Despedida e reencontros - MARCOS SAWAYA JANK

FOLHA DE SP - 25/05

Chegou a minha hora de voltar ao Brasil; despeço-me hoje desta coluna na Folha


Vivi quatro anos na Ásia, a região mais dinâmica e populosa do planeta. Um caleidoscópio de civilizações milenares, países descolonizados há menos de 80 anos e cidades-estado muito ricas. A palavra-chave, que sintetiza o continente, é multiplicidade: étnica, religiosa, linguística, cultural, social, política e econômica.

Uma região que incorporou com sucesso as grandes conquistas do Ocidente: direitos de propriedade, cumprimento de leis, competição, educação, medicina, segurança.

Uma área hiperpopulosa com deficiência crescente de recursos naturais. Um continente com disputas fronteiriças e étnicas, mas onde as ruas são muito mais seguras do que na América Latina, pois a punição aos transgressores é cultural e exemplar.

Sabe-se pouco no Brasil sobre a história e a geografia da Ásia. Nascemos em um mundo dominado pela cultura e pelos valores ocidentais. Mas nossos filhos e netos crescerão num mundo onde a Ásia volta a ocupar uma posição central, ao recuperar 20 pontos percentuais do PIB mundial desde 1990, perdidos para o Ocidente a partir do século 19.

O maior indício da retomada do mundo asiocêntrico é a primeira guerra hegemônica do século 21, em que os EUA questionam as bases do novo poder comercial e tecnológico da China. Mas, além da China, temos o crescimento acelerado das nações do Sul e do Sudeste Asiático, além do Oriente Médio. Mais à frente, Índia e África.

Aos que querem sair do Brasil por algum tempo, recomendo fortemente que pensem seriamente na Ásia como destino e no mandarim como segunda língua após o inglês, apesar do grande desafio que é aprendê-lo. Já tivemos os séculos do Mediterrâneo e do Atlântico. Agora estamos no século do Índico e do Pacífico, que cercam os lugares do mundo onde o desenvolvimento ocorre a olhos vistos, de forma acelerada.

Para quem pensa em viver na Ásia, recomendo especialmente Singapura, “joia rara” que oferece organização, segurança, beleza (“the city in a Garden”), infraestrutura, tecnologia e eficiência público-privada. Trata-se da cidade que hoje abriga a mais rica confluência de diferentes povos do Ocidente e do Oriente (“the Ocean in a drop”).

Em quatro anos, escrevi cerca de uma centena de colunas para a Folha sobre essa região e o Brasil. Nesses textos, enfatizei principalmente as oportunidades e os desafios do agronegócio, o setor mais internacionalizado da nossa economia e com crescente dependência pela Ásia e China.

Trata-se de um casamento inevitável, sem opção de divórcio, cujas bases ainda estão atrapalhadas por dificuldades de distância, cultura, comunicação e modos de se relacionar e fazer negócios.

Chegou a minha hora de voltar ao Brasil e restituir uma parte do que aprendi para as novas gerações. No total, foram dez anos entre Europa, Estados Unidos e Ásia, sempre trabalhando com temas internacionais do agronegócio.

Assumi neste mês a posição de professor sênior de agronegócio global no Insper, com planos para criar um centro de estudos estratégicos e capacitação sobre esse tema nessa jovem e dinâmica instituição. Assumi também o ciclo 2019 da Cátedra Luiz de Queiróz em sistemas agropecuários integrados da Esalq-USP.

Despeço-me hoje desta coluna na Despeço-me hoje desta coluna na Folha. Agradeço ao jornal por abrir essa janela de opinião e debate a partir do exterior, como parte da louvável política de manter um grupo diverso e competente de articulistas que sempre escreveram com total liberdade e estímulo.

Agradeço também à atenção e aos retornos que recebi dos leitores desta coluna. Certamente continuarei escrevendo artigos ocasionais para a Folha e outros veículos.

Marcos Sawaya Jank
É professor sênior de agronegócio global do Insper e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP em 2019

Brexit envenenou toda a política britânica - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 25/05

Com renúncia de Theresa May, saída britânica da UE já derrubou dois primeiros-ministros


Três anos depois do plebiscito que decidiu pelo brexit, o único “exit” (saída) até agora produzido é a porta aberta do número 10 de Downing Street, residência e gabinete dos primeiros-ministros britânicos, pela qual já saiu David Cameron e, em breve, sairá Theresa May.

Mas, a bem da verdade, a pira que consome os conservadores nas suas relações com a Europa já queimou líderes com estatura bastante maior, caso, por exemplo, de Margaret Thatcher. E de seu sucessor, John Major.

Todos foram obrigados a deixar Downing Street porque não conseguiram unificar o Partido Conservador em torno de uma política para as relações com a Europa.

De certa maneira, aplica-se a todos eles o sardônico comentário de Marina Hyde, colunista do Guardian, para a batalha pela liderança dos conservadores, que corria surda até agora e será escancarada com a partida de May.

Hyde chamou a luta pela liderança como “uma espécie de acampamento de verão para adultos excluídos, com atividades que incluíam fratricídio agravado".


Na verdade, toda a política britânica transformou-se nesse ridículo acampamento de verão, a ponto de o mais antigo Parlamento do mundo —e, como tal, teoricamente o mais capaz de demonstrar sensatez— ter rejeitado todas as hipóteses de saída da União Europeia. A dura, a branda, a mais ou menos —nenhuma delas angariou votos suficientes para ser aprovada. É a causa mais imediata do “exit” de May.

Prova de que foi o conjunto do mundo político o que fez papel ridículo está dada pelas pesquisas que apontam o fracasso de conservadores e trabalhistas na eleição para o Parlamento Europeu, realizadas quinta-feira (23) mas cujos resultados só saem domingo.

As pesquisas colocavam à frente, disparado, Nigel Farage, o folclórico político que criou o Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido) e dele saiu para se lançar agora pelo Partido do Brexit. O único programa dessa agrupação é tirar o Reino Unido da Europa. O que fazer depois, nem pio.

Vale o mesmo para o mais provável sucessor de Theresa May, o também folclórico Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, ex-ministro do Exterior. Foi um dos líderes da campanha pelo brexit e quer lustrar sua biografia com o rótulo de ter sido o premiê que tirou o Reino Unido da Europa. Mas é outro que não diz o que fazer depois.

A confusão é absolutamente natural: o Reino Unido está dividido praticamente ao meio entre os “leavers” (os que querem sair) e os “remainers” (que preferem ficar). O plebiscito deu 52% a 48% para os primeiros, margem insuficiente para sacramentar uma iniciativa tão impregnada de dificuldades e perigos.

Tantos perigos que o brexit acabou tendo um efeito paradoxalmente positivo para a União Europeia: o caos por ele provocado acabou fazendo com que “as forças antieuropeias em alguns países se vissem obrigadas a substituir sua oferta de abandonar a UE pela de ‘reformá-la’ por dentro", escreveu para El País Jaume Dauch, porta-voz do Parlamento Europeu.

No Reino Unido, no entanto, o cenário de combate fratricida não muda com a renúncia de May. Nem entre os conservadores nem no conjunto dos partidos políticos. No público em geral, só se poderia saber se houvesse uma nova votação, a única maneira de fazer com que o acampamento de verão se transformasse em um exercício sério de política.

O desgaste de Bolsonaro - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 25/05

Desgaste da avaliação é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente como no governo Bolsonaro


Em apenas 144 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro atravessou uma importante linha de desgaste. Há mais pessoas achando que sua administração é ruim e péssima do que avaliando que é boa e ótima. É o presidente desde a redemocratização cuja popularidade caiu mais rapidamente no primeiro mandato. Interessante também notar que há uma quase unanimidade de que a relação dele com o presidente da Câmara deveria ser melhor, e a maioria considera que o presidente poderia ser flexível para que suas propostas passem no Congresso.

A pesquisa XP/Ipespe ouve mil pessoas, e por telefone. É metade da amostra do DataFolha, mas tem sido capaz de apontar as tendências do eleitorado. O governo deveria olhar com cuidado esses sinais, porque tem três anos e sete meses pela frente e muita necessidade de aprovar mudanças difíceis para que a economia saia do descaminho em que entrou.

Apenas 10% acham que a crise atual é culpa do presidente Bolsonaro. De forma justa, eles responsabilizam mandatos passados, principalmente os do PT, quando o país entrou em recessão e o desemprego passou a aumentar. Mas eram 5% na última pesquisa. Quanto mais o tempo passar, mais subirá a tendência de pôr na conta do atual governo o que estiver dando errado.

De fevereiro para maio, aumentou de 17% para 36% os que fazem avaliação negativa do governo Bolsonaro e caiu de 40% para 34% os que têm visão positiva. Os que consideram regular eram 32% e agora são 26%. Essa turma do meio está indo para a visão de que a administração é ruim ou péssima.

Há um número maior de brasileiros com expectativa positiva para o resto do mandato, ou seja, achando que esse tempo de dificuldades iniciais será superado. São 47% os que têm esperança de um desempenho melhor no tempo restante, mas eram 63% em janeiro. Hoje são 31% os pessimistas e eram 15% no começo do ano.

O desgaste é natural, mas não é comum que aconteça tão rapidamente, antes ainda de se completar os seis meses. Os estrategistas do governo deveriam pensar mais profundamente, e sem terceirizar a culpa, sobre o que está acontecendo para essa queda ser tão rápida. Há uma relação direta entre popularidade e capacidade de o governante atrair parlamentares para os seus projetos. Quando ela cai, há a lógica centrífuga no presidencialismo de coalizão: os deputados e senadores se afastam. E o caso recente mais perfeito disso foi o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, quando a inflação subiu rapidamente, a economia afundou na recessão, e em três meses ela chegou a 60% de rejeição. No primeiro mandato ela teve um recorde positivo nesta fase inicial: 47% achavam ótimo e bom o seu governo, segundo o Datafolha, e apenas 7% consideravam ruim e péssimo. Ela perdeu esse capital ao longo dos anos, foi reeleita, mas imediatamente caiu num vácuo. O PT passou a dizer que a ex-presidente foi vítima de golpe, mas deveria olhar com objetividade o que disseram os números de popularidade e da economia, e a relação desses dados negativos com os seus problemas no Congresso, para evitar, na eventualidade de voltarem ao poder no futuro, a repetição dos mesmos erros. A terceirização da culpa dá um conforto temporário, mas não muda o quadro.

Nesta pesquisa da XP/Ipespe o governo pode culpar a imprensa, mas isso não resolverá seu problema. A percepção das pessoas ouvidas é de que o noticiário está mais desfavorável: 56% acham isso, contra 45% na última pesquisa. A culpa é da notícia ou dos fatos? O governo criou problemas para si mesmo, teve uma agenda negativa, com essas brigas entre alas da administração que derrubaram um ministro e vários funcionários de segundo escalão, como os três presidentes do Inep. O presidente fez declarações polêmicas ou falsas, e seu grupo atacou políticos com os quais poderia fazer alianças. Ao todo, 48% acham que ele deveria flexibilizar suas posições para aprovar as medidas no Congresso. Bolsonaro tem bloqueado esse caminho quando inventa que negociar é aceitar a corrupção.

A maioria, 70% dos entrevistados, quer que o Brasil permaneça presidencialista, mas o eleitorado, como se sabe, nunca deu ao partido de qualquer governante a maioria das cadeiras no Congresso. Quem ocupa a Presidência precisa conquistar isso negociando a coalizão. E é exatamente o que Bolsonaro não faz.

A real ameaça - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

BLOG MÃO VISÍVEL

TERÇA-FEIRA - 21/05



Li o artigo de André Lara Resende no Pravda (perdão, Valor Econômico) à busca de argumentos que justificassem a ênfase dada pelo jornal ao autor. Pode ser um problema com meus óculos, mas não vi nenhum. Vi, sim, inúmeros espantalhos, mas argumento assim, dos bons, daqueles que nos fazem pensar com afinco sobre determinado assunto, não pude achar.

O primeiro é uma suposta “obsessão pelo equilíbrio fiscal de curto prazo”. Curiosa obsessão, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias projeta déficits primários (isto é, descontado o pagamento de juros sobre a dívida) até 2022! Considerando o período desde a aprovação do teto de gastos (em 2016), o “curto prazo” de Lara Resende se estende por nada menos do que seis anos (um mandato presidencial e meio). Imagino que sua definição de “médio prazo” abarque algumas décadas e que seu longo prazo envolva a extinção da espécie humana.

Talvez o governo volte a produzir superávits primários a partir de 2023 (dependendo do resultado da reforma da previdência), mas nada que seja suficiente para reverter a trajetória de endividamento antes de, por baixo, 2025-2026. Em outras palavras, a tal “obsessão de curto prazo” pode ser melhor descrita como um ajuste fiscal lento, que tomará praticamente uma década para gerar resultados, se chegarmos lá.

O “chegar lá”, por sua vez, depende, como assinalado, da capacidade de aprovar uma reforma que reduza o ritmo de crescimento dos desembolsos com aposentadorias e pensões de modo a conciliar o mandamento constitucional do teto de gastos (que, como expliquei semana passada, requer queda leve, porém persistente, do dispêndio federal como proporção do PIB ao longo de vários anos) com a manutenção de um mínimo de flexibilidade no orçamento. Sem a reforma não será possível simultaneamente atender ao requisito constitucional e manter a máquina pública funcionando, mesmo que de forma precária.

Tal funcionamento inclui, é bom deixar claro, a já diminuta capacidade de investimento, não só do governo federal, mas dos governos locais, que, sufocados pelo peso de pessoal e inativos (e diga-se, não sujeitos ao teto de despesas), reduziram severamente seus gastos de capital.

A insistência na reforma decorre desta aritmética simples. Em que pese o oba-oba oficial acerca dos efeitos da reforma sobre o crescimento, economistas sérios têm insistido que se trata de condição necessária para a recuperação da atividade, mas não um elixir mágico que faria o país crescer aceleradamente da noite para o dia.

Muitos, eu entre eles, apontam para as dificuldades de estabilização da dívida pública como obstáculo à retomada do investimento. O risco é que em algum momento o governo de plantão ceda à tentação de se livrar da dívida por meio da inflação. Este horizonte se torna mais curto a cada dia que atrasamos o enfrentamento da questão fiscal no país, fenômeno que afugenta o investimento (quem quer correr o risco de inaugurar sua fábrica em momento de forte instabilidade econômica?) e, portanto, a recuperação.

Já a comparação com a Grécia é fácil, mas forçada. Há pontos em comum, como regras generosas de acesso à previdência para os grupos mais bem colocados na escala de renda, mas Lara Resende ignora as diferenças marcantes de regimes monetário e cambial.

A Grécia está presa a uma união monetária, sem, portanto, capacidade de desvalorizar sua moeda exceto pela queda considerável de seus custos relativamente aos de seus parceiros de euro, que só pôde atingir depois de recessão bíblica. Da mesma forma, a determinação da taxa de juros básica atende aos condicionantes da Zona do Euro como um todo, mas não ao ciclo econômico grego.

O Brasil, em contraste, passou por desvalorização considerável da moeda (já ajustada à inflação) e o BC maneja a taxa de juros com base no nosso ciclo econômico. Não é por outro motivo que discutimos a possibilidade de nova rodada de redução da Selic no futuro próximo, fenômeno que, tal como a desvalorização, deve ajudar na retomada da atividade.

A opção pelo ajuste fiscal não decorre, portanto, de instinto suicida, mas da constatação que, em sua ausência, não haverá como manter o frágil equilíbrio macroeconômico dos últimos anos. A volta da inflação, esta sim, é a real ameaça econômica à nossa democracia. Não é, insisto, algo para se preocupar em 2019 ou 2020, mas, se não pusermos as contas em ordem, enfrentaremos problemas sérios nesta frente no final do atual mandato, ou, no mais tardar, no começo do próximo.

É triste constatar que Ivan Lessa jamais deixou de ter razão: a cada 15 anos o Brasil esquece o ocorrido nos 15 anos anteriores.

Refis de ganho de capital - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/05

É bem mais abrangente do que atualizar o valor dos imóveis. No projeto, era aplicável a quaisquer bens ou direitos


A estimativa do presidente Bolsonaro de o governo arrecadar mais de R$ 1 trilhão com a permissão da atualização do valor venal dos imóveis no Imposto de Renda, em troca de uma taxação menor do que o imposto sobre a valorização patrimonial está baseada no montante de bens e direitos declarados pelos brasileiros em 2017, e não apenas nos imóveis: R$ 8,9 trilhões.

Uma taxa de 10% sobre esse total, que inclui aplicações financeiras e outros ativos, redundaria em um ganho para o governo de R$ 890 bilhões. Ser todos aderissem ao programa, o que é improvável. Essa taxa de 10% foi prevista em um projeto apresentado em 2017 pelo então senador tucano Flexa Ribeiro, que não se reelegeu.

Provavelmente foi essa proposta, arquivada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no final da legislatura passada, que deu origem à discussão atual. É bem mais abrangente do que simplesmente atualizar o valor dos imóveis. No projeto, era aplicável a quaisquer bens ou direitos.

O advogado Luiz Gustavo A. S. Bichara assessorou o senador nessa proposição, e continua convencido de que é uma solução ganha-ganha. O projeto acrescenta o art. 22-A na Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, “para prever a possibilidade de atualizar o custo de aquisição de bens e direitos sujeitos à tributação do ganho de capital mediante a incidência de alíquota reduzida”.

A diferença entre o custo de aquisição do bem ou direito de qualquer natureza e seu valor de mercado atualizado seria taxada por uma alíquota única de 10%, a título de ganho de capital.

Diz o advogado Luiz Gustavo Bichara que, à época, buscou-se uma solução “para aumentar a arrecadação, beneficiando o contribuinte”. A proposta era conhecida como “Refis de ganho de capital”. Ele considera uma idéia boa para o Governo, pois ganharia com essa arrecadação inesperada. E também para os contribuintes, que ganhariam com o recolhimento de um Imposto de Renda com alíquota menor.

O problema é que o fato gerador é incerto, pois a venda do bem pode até jamais ocorrer. Para o governo é bom, porque ele recebe uma receita de tributação inesperada, e de um fato gerador que pode nem ocorrer.

Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, os estudos estão sendo feitos com base em uma alíquota entre 3% e 5% o que, se torna mais viável a adesão do contribuinte, diante de uma alíquota mínima de 15% na hora de vender, reduz a estimativa de ganho de receita a cerca de R$ 300 bilhões.

Isso porque o estoque de imóveis declarado foi de R$ 3,3 trilhões em 2017. A tributação sobre a venda hoje de um imóvel é baseada em uma tabela que vai até 22,5%. Quem pegasse essa “janela” estaria evitando uma tributação muito maior na hora da venda.

A idéia do projeto era abrir um período pequeno, de seis meses por exemplo, para quem desejasse se beneficiar da redução. O grande pulo do gato, segundo Bichara, é o ganho de capitais nas participações societárias.

Todo mundo que tem cotas de uma empresa, que pretende um dia vender, ou fazer uma transação, vai atualizar, imagina ele. Seria, portanto, útil para quem quisesse atualizar o valor de participações societárias, por exemplo.

Se o governo está precisando de dinheiro, como hoje, pode ser uma boa tentativa, mas não pode ser vendida como sendo uma ajuda à classe média. Na verdade, os mais ricos serão os beneficiados, assim como na repatriação de capitais.

Tema que deve ser discutido é a ocorrência de prejuízo na venda. Nos Estados Unidos, se o contribuinte paga Imposto de Renda sobre o lucro, e até 3 anos depois tem prejuízo, recebe de volta o equivalente que foi pago. Aqui iria ser devolvido o que se pagou?

Outro problema é que temos impostos estaduais (sucessão, doação) e municipais (venda), quando o imóvel é alienado. Vão também ser antecipados? E se tiver que devolver depois, alguém acredita que prefeituras e governos estaduais vão fazer isso?

Fumaça, ruído e desertos - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

O Estado de S. Paulo - 25/05

Presidente não percebe que sua atuação corrói a República ao esvaziar a atividade política. Ou...?



O que faz um governo eleito governar? A resposta canônica é conhecida, mas nem sempre é praticada. Consta de três pontas. Em primeiro lugar, apoio social, expresso na manifestação eleitoral dos cidadãos, mas reproduzido ao longo da gestão. Votos que elegem nem sempre são os votos que sustentam os atos governamentais ou coonestam as atitudes do governante. São colhidos em muitos cestos e orientados por variadas escolhas, até a de impedir a vitória de alguém. Precisam ser organizados enquanto se governa. É a batalha da legitimidade. A tentação de permanecer em campanha após a eleição demonstra o medo do eleito de perder os apoios manifestados nas urnas, muito mais do que a pretensão de conquistar novos. Sem novas adesões, porém, restringem-se suas condições de futuro.

Em segundo lugar, uma boa equipe de governo, um bom Ministério, com adequada estrutura de pessoal, técnica e gerencial, sem o que o governo não terá como formular propostas, levá-las à execução, controlálas, avaliar o que consegue realizar. Em sociedades complexas, com Estados avantajados e repletos de atribuições, a equipe de governo responde por boa parte do sucesso. Ministros pouco qualificados, estranhos às suas pastas, guindados ao primeiro plano com pretensões eleitorais ou em busca de prestígio são tão perniciosos quanto ministros que se prestam a funcionar como meras extensões do chefe (e de seu partido, se for o caso) ou como lobistas de segmentos da sociedade.

Em terceiro lugar, capacidade de articulação política e disposição para construir consensos parlamentares, algo decisivo em qualquer situação. Num regime presidencial como o brasileiro, por exemplo, por suas características, isso implica manter uma agenda aberta à interação com dezenas de partidos e grupos de parlamentares, dialogar com governadores e corporações, movimentar-se para ouvir demandas, auscultar os humores políticos, conceder entrevistas. É o trabalho principal do chefe, que só em pequena dose pode ser delegado a auxiliares, posto que a parte nobre, mais pesada, dependerá sempre da palavra final e da modelagem do vértice superior.

Essas três pontas sofrem o efeito do que se poderia chamar de “carisma” do chefe do governo. Quanto mais brilho próprio e trajetória heroica tiver um presidente, por exemplo, mais facilidade terá de municiar a articulação política ou converter apoios eleitorais em apoio político. Sua capacidade de comunicação e sua clareza de visão estratégica são fundamentais para dar coesão e rumo à equipe de governo. Presidentes ou chefes sem dotes políticos costumam infernizar a vida dos assessores e contribuem demais para o desgaste da imagem governamental.

Considerando a situação brasileira, pode-se dizer que o governo Bolsonaro conta somente com a primeira dessas pontas. E mesmo aí não de forma perfeita, tanto que “continua em campanha”, sem conseguir ampliar sua base social e conquistar novas adesões. Seus índices de popularidade não estão subindo, mas declinando, e o governo, para tentar sair do isolamento, chega mesmo a impulsionar uma mobilização de rua para manifestar apoio social, o que pode piorar ainda mais a situação.

Sua promessa inicial era compor uma equipe avessa ao intercâmbio parlamentar e integrada por técnicos qualificados. O Ministério formado, porém, não corresponde a isso. Flutua ao sabor de jatos de personalismo, de fanatismo hidrófobo, de subserviência à camisa de força ideológica e nefasta de provocadores estranhos à vida nacional. Alguns ministros funcionam, mas a maioria vive a bater cabeça e a tartamudear. Os filhos do presidente intrometem-se em tudo, distribuindo cotoveladas em ministros, aliados e parlamentares. A ideologia, processada em dimensão obscurantista e paranoica, intoxica o discurso do Executivo, atritando os demais Poderes e abrindo fendas profundas no que deveria ser a coesão governamental. Como consequência, impossibilita a ampliação dos apoios, a negociação das propostas no Congresso, a criação de um clima “positivo” que abra espaço para a atuação “construtiva” do governo.

Ainda que haja indícios de que falte inteligência política ao governo, não se trata de um governo irracional. Há nele uma dose de cálculo, um estilo de atuação, uma opção por certas armas de combate no lugar de outras. É um governo que faz escolhas, sendo a principal delas a da hostilidade como procedimento, método com o qual cria crises e inimigos para justificar sua falta de ação e, ao mesmo tempo, agregar sua base mais fanatizada. A “velha política” e a oposição de esquerda seriam, para ele, a expressão de um sistema que não permitiria governar.

A hostilidade como procedimento tem mantido o governo em campanha, mas não o faz governar. Cria fumaça e ruído, produz problemas sucessivos e nenhuma solução, destrói sem construir, como se seu programa fosse mais negativo do que positivo. Vai assim demolindo pontes, envenenando áreas, erodindo a sociabilidade, criando desertos por onde passa. Oferece em troca tão somente a promessa redentora do “mito”, a cavalo de um Deus confuso e vingativo.

O resultado é que o componente propriamente bolsonarista do governo continua do mesmo tamanho, se não menor. Permanece heterogêneo e sem coesão, sem estrutura organizacional, dependente de bots e ativistas digitais, falando consigo próprio. Mantém-se, na verdade, como uma seita, que tem seus ritos e símbolos, seus devotos, sua máquina de descobrir traidores e inimigos a cada dia.

No caso brasileiro, o horror e o espanto crescem na opinião pública. O governo desfila sua indigência e nada entrega, a crise econômica se aprofunda, a ético-política se prolonga. O presidente não percebe que sua atuação corrói a República ao esvaziar o principal mecanismo que a dignifica, a atividade política. Ou estaria ele querendo precisamente isso?

PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS E ANÁLISES INTERNACIONAIS DA UNESP

O Brasil e as tentativas de reforma tributária - RICARDO LACAZ MARTINS

O Estado de S. Paulo - 25/05


Momento é propício a discutir propostas, desde que não se jogue o bebê com a água do banho



A necessidade de reforma tributária é um antigo consenso. Governos anteriores, desde Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula e Dilma Rousseff, discutiram e tentaram implementar as alterações constitucionais para, potencialmente, melhorar o sistema tributário. Como sabemos, nenhum deles obteve sucesso, mesmo com o elevado apoio popular e uma sólida base parlamentar construída.

Novamente muito se discute, em certa repetição do passado recente, sobre a unificação de tributos federais, incluídos, ainda, os de competência estadual e municipal, a recriação da CPMF, agora alargada e renomeada para Contribuição sobre Pagamentos (CP), com uma possível contrapartida da extinção da tributação sobre a folha de salários, similar à desoneração implementada pelo governo Dilma, todas medidas de alto impacto na vida dos contribuintes que, de fato, têm potencial para reorganizar o sistema tributário nacional, para o bem ou para o mal.

Embora tenha sido tímido em discutir e votar uma reforma constitucional ampla, no passado, o Congresso foi pródigo em aprovar leis ordinárias aumentando a carga tributária dos contribuintes. Não caberia aqui a menção a todas essas medidas, mas para não deixar de exemplificar podemos citar a substituição do Finsocial (2%) pela Cofins (3%), a criação do PIS e da Cofins não cumulativos (a alíquotas máximas de 9,25%) e, mais recentemente, o aumento da tributação sobre o ganho de capital de 15% para até 22,5%, provocando um aumento na carga tributária de 20,38% do produto interno bruto (PIB) em 1988 para 32,43% em 2017.

Se o passado nos ensina algo que nos ajuda a entender e nos preparar para o futuro, pelo menos em matéria tributária podemos temer a repetição do mesmo enredo: discussões e debates de uma reforma constitucional ampla, com a implementação, ao final, de medidas na legislação ordinária de caráter pontual que provocam aumento de carga tributária para o contribuinte. Se assim for, o contribuinte deve ficar atento às alterações que não demandam modificação constitucional, dentre elas as alterações na sistemática de tributação dos lucros e dividendos, do lucro presumido e do Simples.

Temos visto uma verdadeira cruzada contra a tributação simplificada do lucro presumido e do Simples. Muito se alega, e passou a ser voz corrente, que essas formas de apuração simplificada possibilitariam o planejamento fiscal abusivo, por meio de empresas prestadoras de serviços que seriam, na verdade, formas de encobrir uma relação empregatícia, a chamada “pejotização”, causando uma redução fiscal dos 27,5% aplicáveis aos salários para 11,33% a 19,53% (IR, CSL, PIS, Cofins e ISS) sobre a receita dessas pessoas jurídicas.

Tememos que essa busca por fazer justiça fiscal em relação a esses contribuintes venha a prejudicar a enorme maioria de empresas que utilizam a tributação simplificada como forma de tornar viáveis seus pequenos e médios negócios. É importante, assim, entender a repercussão econômica e social de tal medida.

Nos últimos dados publicados pela Receita Federal do Brasil verificamos que pouquíssimos contribuintes (3,02%) são responsáveis pela geração de grande parte da receita tributária (78,31%), ainda mais se considerarmos que aproximadamente 50% dessas empresas se encontram em situação de prejuízo fiscal. As empresas optantes da tributação pelo Simples e pelo lucro presumido têm, por sua vez, pequena participação na geração de receita fiscal (5,42% e 13,75%, respectivamente), mas representam a parcela mais relevante do número de empresas no País (91,32%).

As propostas discutidas que afetariam as formas de apuração simplificada mencionadas passam pela extinção da modalidade cumulativa (3,65%) do PIS e da Cofins, com a implementação da unificação das referidas contribuições exclusivamente na sistemática não cumulativa em uma nova exação denominada Contribuição para a Seguridade Social (CSS), com alíquotas superiores aos atuais 9,25%, o que resultaria num aumento de, no mínimo, 5,6% sobre a receita na carga tributária final das empresas.

Da mesma forma, a proposta de tributação dos lucros distribuídos afetaria diretamente as empresas optantes, que sofreriam um aumento na sua carga tributária: para as empresas prestadoras de serviços, dos atuais 14,53% para até 27,35%, e para as empresas comerciais e industriais, dos atuais 6,73% para até 19,77%, todos sobre a receita, se considerarmos a alíquota de 15% sobre a distribuição de lucros.

Se a proposta gera aumento da arrecadação e promove justiça fiscal sobre essa parcela de contribuintes, às “pejotinhas”, então, ela seria benéfica, correto? Novamente a resposta não é fácil.

Em primeiro lugar, porque o aumento de arrecadação obtido seria pouco representativo. Ou seja, esse aumento seria exigido de quase 92% das empresas, as quais representam menos de 19% de geração de receita tributária. É dizer, muito esforço para pouco resultado.

Em segundo lugar, o aumento de carga para pequenas e médias empresas – isto é, o grande público do lucro presumido e do Simples Nacional – poderia tornar seus negócios inviáveis, fazendo-as propensas a retornar à informalidade por excesso de carga tributária. Logo, o aumento de arrecadação inicial poderia produzir efeitos negativos para a economia, até mesmo com a perda de arrecadação e a consequente redução do emprego formal. Resultado: o mecanismo que almeja promover justiça pode culminar numa grande injustiça, pois, visando a tributar poucos, pode prejudicar muitos, notadamente o grupo de empresas que mais oferecem empregos no País.

É fundamental repensar o sistema tributário brasileiro e o momento é propício para discutir as novas propostas, desde que haja o devido cuidado de não jogar o bebê fora com a água do banho.

Profissão de fé política - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 25/05

Legado democrático de Joaquim Nabuco, de defesa dos valores da representação política, há de ser defendido dos aventureiros, hoje e sempre


O Congresso Nacional está sob ataque do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais. Por ora, são ataques retóricos, mas embutem um profundo desprezo pela política e bastam para provocar perniciosos efeitos na relação entre os Poderes e na construção de uma agenda de interesse do País.

Quando se lança uma turva névoa de suspeição sobre todos os parlamentares e quaisquer negociações políticas, a vigência da Constituição corre riscos. A Lei Maior proclama a democracia representativa logo em seu preâmbulo. E não há símbolo maior de sua vitalidade do que o pleno funcionamento do Congresso Nacional.

Em 128 anos de história – desde a Constituição de 1891, que determinou que o Poder Legislativo seria exercido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado –, as duas Casas tiveram de lidar com toda a sorte de ameaças e violências. Não foram poucos os períodos em que o Congresso Nacional esteve subjugado. A luta para acabar com os vácuos de liberdade e restabelecer a democracia no País foi árdua e contou com a união de várias forças da Nação. Sem Congresso livre, não há democracia. E democracia é um regime frágil que requer a diuturna vigília de todas essas forças.

As novas investidas contra o Congresso vêm na forma de uma demonização indiscriminada da atividade política, como se tudo que dela deriva fosse espúrio. Não raro, este sentimento tem sido promovido por autoridades que, por dever de ofício, dever moral ou simplesmente decoro, deveriam formar a primeira linha de defesa de um Congresso altivo e da política como locus e meio para a concertação da miríade de interesses que merecem atenção em Estados Democráticos de Direito, como é o caso do Brasil.

É evidente que a sociedade, imperfeita como todos os indivíduos que a compõem, não haveria de estar representada por 594 parlamentares imaculados, cada um deles cioso de seu papel e capacitado para o exercício do múnus público. Assim fosse, estaríamos falando de outra coisa, não de democracia representativa. A liberdade corre perigo quando desvios das partes são usados para desqualificar o todo.

As redes sociais subverteram a mediação do debate público, para o bem e para o mal. Deram voz e alcance a indivíduos que antes não eram levados a sério. É nesse terreno virtual que viceja a praga liberticida. Nele houve significativos avanços, mas houve quem enxergasse na massa caótica de insatisfação e ressentimento o fio condutor ideal para seus desígnios antidemocráticos.

O sentimento de aversão à política floresceu em meio às jornadas de junho de 2013. Foi estimulado por alguns membros do Ministério Público e do Poder Judiciário na esteira da Operação Lava Jato. Os indiscutíveis méritos do trabalho da força-tarefa fizeram alguns de seus protagonistas se arvorarem em paladinos da moralidade e da salvação nacional. Para tanto, julgaram-se acima de todos, em especial dos políticos, das leis e da Constituição. A eleição de Jair Bolsonaro é corolário dessa anomalia.

Sua ascensão à Presidência da República representou o triunfo da aversão à política. Negociações legítimas são apresentadas como “conchavos” para escamotear a inaptidão e a incompetência do presidente para conduzi-las. Não há, no entanto, nada melhor do que a boa política para dar conta dos problemas nacionais. Aí está o resultado do “novo paradigma”: um País cindido e paralisado.

Em 1868, Joaquim Nabuco, um dos mais notáveis brasileiros, escreveu um ensaio chamado O povo e o trono: profissão de fé política, no qual faz enfática defesa dos valores da representação política. “Em vez do regime pessoal”, escreveu Nabuco, “virá o puro governo representativo. Em vez da vontade de um só, virá a voz da praça pública. Em vez do imperialismo, teremos a democracia.”

Ainda transcorreriam pouco mais de duas décadas até que a representação política sonhada por Nabuco triunfasse na ordem constitucional do País. É este o legado democrático que há de ser defendido dos aventureiros, hoje e sempre.

Manifestação errada em hora inadequada - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/05

Mobilização de bolsonaristas amanhã em nada ajuda o governo nos desafios políticos


O presidente Jair Bolsonaro diz que não irá às manifestações de amanhã, alegadamente para defendê-lo e a seu governo de um suposto avanço da esquerda, demonstrado pelas passeatas em defesa da Educação. As derrapagens do governo no MEC criaram mesmo um chamativo pretexto. Mas não havia apenas a cor vermelha nas passeatas.

O estranho é fazer manifestação como se estivéssemos em período eleitoral. Diante da evidência de que o movimento foi criado a partir das redes sociais, por onde transitam frações da extrema direita e suas propostas radicais, inconstitucionais, o presidente, que teria chegado a admitir comparecer, recuou. Seria uma sandice ir. Ele mesmo, em viagem ao Paraná na quinta-feira, criticou quem planeja levar às ruas pedidos de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Em café da manhã, também quinta, com jornalistas, para o qual O GLOBO não foi convidado, o presidente afirmou que quem defender essas palavras de ordem no domingo “estará na manifestação errada”. Fechar instituições republicanas é “golpe”, o que também era defendido pelo lulopetismo quando pregava a convocação de uma ilegal “Constituinte exclusiva”, para alterar a Carta sem quorum qualificado, ao seu bel-prazer.

O presidente comparou este tipo de manifestação com as que têm sido arregimentadas pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro, isolado no poder, até agora sob a proteção da cúpula militar. E aplaudido por claques de beneficiados pelo assistencialismo estatal, enquanto o país dissolve.

Em vez de gastar tempo e energia num ato extemporâneo, os bolsonaristas devem procurar entender que o jogo político é travado no Parlamento, onde são negociados projetos. Quem costuma ir às ruas é a oposição, que se mobiliza em momentos críticos, de impasse. Não é o que acontece.

Transita pelo Congresso um projeto de reforma da Previdência, crucial para a economia enfim se livrar de travas fiscais. É uma tarefa de que a classe política se esquiva há pelo menos 25 anos, desde que Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente, com propostas reformistas. Uma delas, a previdenciária. Não teve condições de aprová-las como gostaria. Depois, vieram Lula e Dilma, ideologicamente contrários ao ajuste das contas públicas, por acharem que ele seria feito contra os “pobres”, grave engano. Mesmo assim foram forçados a avançar alguns passos em mudanças na previdência dos servidores públicos. A hora, portanto, é de o governo e aliados atuarem no Congresso para viabilizar mudanças que se tenta fazer há um quarto de século.

A própria bancada do PSL, partido do presidente, precisa entender o que se passa. A foto publicada pelo GLOBO, de deputados pesselistas gravando “lives” no plenário da Câmara, simboliza a dessintonia entre bolsonaristas e a realidade. Redes sociais podem ter ajudado na campanha. Mas não auxiliam a governar.

Medo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 25/05

Bolsonaro fomentou protestos de rua porque teme governar na democracia


"Aqui tem olavetes, intervencionistas, católicos e templários", explicou uma certa Elizabeth Rezende, que está entre os organizadores das manifestações deste domingo (26) mas esqueceu-se de elencar os trilobitas, os entoproctos, os braquiópodes, os caminhoneiros e os reptilianos.

"Aqui", contudo, não tem Bolsonaro. O líder inconteste, "Mito" e "Messias", traiu a fauna paleozoica de seus devotos. O porta-mentira oficial, general Rêgo Barros, precisou ler uma nota que qualifica os eventos como "espontâneos". De fato, a mobilização foi incitada (com "c", viu Weintraub?) pelas redes do clã presidencial, mas o capitão recuou para a retaguarda, abandonando seus soldados na trincheira enlameada.

Medo. A incitação e a fuga têm motivo idêntico. Mais: o medo é a melhor chave explicativa do comportamento geral do presidente da República.

Na política, o medo está sempre presente. FHC temia, mais que tudo, o retorno do monstro inflacionário. Daí, a sobrevalorização do real, seu único grave erro de política macroeconômica. Antes de surfar a onda ascendente do ciclo global, Lula temia a ruptura da estabilidade econômica herdada. Daí, o acerto decisivo na escalação da equipe econômica de seu primeiro mandato. Os medos de FHC e Lula referenciavam-se, principalmente, no interesse nacional. O medo de Bolsonaro, pelo contrário, referencia-se exclusivamente no interesse pessoal. Ele fomentou a mobilização de rua porque teme governar na democracia e desertou, assustado, porque teme o impeachment.

O medo é a sombra inseparável de Bolsonaro. Cabe ao psicanalista investigar a dimensão íntima de seu medo, que se manifesta na conjunção da homofobia com a obsessão pelo cano de uma arma. Já a ciência política deve iluminar seu temor de exercer o cargo de chefe de Estado.

Nos idos da minha infância, as crianças ainda brincavam na rua. Lembro de um garoto ruivo, provocador, geralmente ignorado pelos demais, que corria para o refúgio de sua casa quando algum de nós reagia a suas afrontas. Durante 28 anos, Bolsonaro habituou-se a praticar o esporte do insulto e da difamação, abrigando-se na barra da saia da imunidade parlamentar. A fortuita ascensão ao Planalto privou-o da redoma protetora. Fora do santuário, exposto às sanções da democracia, ele experimenta o peso insuportável de sua inadequação. Estamos, todos, condenados a participar da aventura do valentão de opereta cindido entre seus dois medos.

Originalmente, as manifestações foram convocadas sob as bandeiras do fechamento do STF e do Congresso. "Essa pauta está mais para Maduro", esclareceu Bolsonaro, finalmente. Mas, mesmo após a operação sanitizadora, a presença do presidente nas ruas o implicaria em atentado contra as instituições, um crime de responsabilidade bem mais sério que as pedaladas fiscais dilmistas.

Cedendo ao medo do impeachment, Bolsonaro ganha a chance de viver mais um dia no Planalto. O problema é que essa perspectiva o aterroriza: no poder, o gesto adolescente da arminha não substitui o imperativo de entregar resultados seguindo as regras da democracia.

A saída é ceder ao medo de governar, utilizando o pretexto clássico da facada nas costas. "Dolchstosslegende": o mito nasceu na Alemanha, na esteira da derrota na Primeira Guerra Mundial, como fonte da narrativa da extrema direita. A Alemanha, diziam, teria vencido a guerra se o Exército não tivesse sofrido a traição doméstica dos políticos de esquerda, da imprensa esquerdista e dos diabólicos judeus.

O discurso bolsonaro-olavista segue trilha paralela, invocando as facadas nas costas desferidas pelo Congresso, pelo STF e pela imprensa "comunista" (Folha, Globo) como justificativa antecipada do eventual fracasso do governo.

Dessa vez, Bolsonaro recuou diante do medo do impeachment. Na próxima, movido pelo medo de governar, avançará até o abismo?