domingo, setembro 15, 2013

ÍNDICE DAS POSTAGENS DE HOJE NO BLOG - 15/09

A um voto da eternidade - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA 
Ninguém resumiu melhor o sentimento de frustração com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal na quarta-feira passada do que seu presidente, o ministro Joaquim Barbosa: "Casuísmo seria protelar (...) levar um julgamento à eternidade (...), isso é uma grande contradição". Barbosa reagia ao voto do ministro Luís Roberto Barroso, o primeiro pela aceitação de recursos regimentais em favor dos réus, o que, se vier a se concretizar, vai atrasar ainda mais a execução das sentenças de um processo que já completou oito anos. Justiça que tarda falha, sabem tão bem os brasileiros que sofrem no seu cotidiano os efeitos perversos de protelações de decisões judiciais por até décadas nos casos mais extremos, embora dolorosamente comuns.
Não cabe aqui fazer juízo técnico ou de valor sobre os votos dos ministros que podem levar o caso do mensalão para a "eternidade", nas palavras do ministro Barbosa Cada um deve ter votado de acordo com sua consciência e seu entendimento da lei. A semana terminou com o plenário igualmente dividido por cinco votos pela eternização do julgamento do mensalão e cinco a favor de sua conclusão imediata. Caberá ao ministro Celso de Mello, decano do STF, desempatar e, assim, dar a decisão definitiva em nova sessão nesta quarta-feira, dia 18.

Uma decisão protelatória do Supremo teria diversas consequências. A mais grave seria a reafirmação melancólica de que a sociedade brasileira vai continuar vivendo com a certeza da impunidade para os ricos e poderosos, capazes de contratar a peso de ouro formidáveis advogados e de contar com juízes sempre solícitos a encontrar dispositivos que os favoreçam nas decisões. As pessoas comuns não podem contar com esses privilégios. Para elas, a lei é implacável, sem casuísmos, sem tecnicalidades salvadoras, sem o benefício da retórica impenetrável dos juristas.

Se em oito anos os réus do mensalão não tiveram direito pleno à defesa, como sustentam seus advogados, por que o teriam nos próximos anos, já que as leis, os crimes, as provas e o tribunal são os mesmos? O olhar destreinado do leigo não consegue enxergar a justiça sendo servida aqui - e só pode concluir que, a despeito do saber jurídico dos ministros do STF, o adiamento para a "eternidade" da sentença dos mensaleiros significa apenas o triunfo definitivo da impunidade no Brasil.

Um "recall" para políticos com defeito - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA 
Faz tempo que nós, eleitores céticos ou idealistas, somos apontados como vilões das podridões morais dos políticos brasileiros. O povo não sabe votar. "Povo" no sentido de "população", o coletivo de todas as classes sociais. É isso mesmo?

Somos ignorantes... ou a Justiça é lenta, o corporativismo e a impunidade ajudam a alimentar o Partido dos Picaretas e Corruptos (PPC) no Congresso e na Presidência? O PPC é uma coalizão transpartidária cujo credo é o ditado popular "a ocasião faz o ladrão". Você certamente já votou num candidato do PPC.

Somos coadjuvantes desse teatro, bobos da corte mascarada. Os protestos contra a corrupção murcharam como um suflê, rapidamente. A violência dos Black Blocs afastou a classe média e as famílias das ruas. E assim continuamos a eleger representantes que não honram sua gravata Armani - muito menos as promessas de defender o interesse público. Se somos obrigados a votar, deveríamos ter um direito garantido pela Constituição: punir quem não tem estofo para exercer o cargo. Deveríamos poder processar quem rouba do povo e se refestela em mordomias absurdas num país com tantas carências básicas.

A saída pode ser, numa reforma política, instituir o "recall" do eleito. Ou seja, o político perde o mandato por meio de uma consulta aos que o elegeram. Depois, pode até ser processado por danos causados à comunidade.

Utopia? Essa sugestão me foi enviada por um leitor, quando escrevi a coluna "Como processar quem não nos representa". Bernardo Scheinkman, de 65 anos, é arquiteto e urbanista nascido em Curitiba, divorciado, três filhos. A sugestão de Bernardo parecerá perigosa a todos os que rejeitam a mera menção de uma democracia direta. Seria prenúncio de golpe, caça às bruxas, ameaça às instituições e aos partidos políticos.

O "recall" tem um advogado de peso: o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Ele defendeu o "recall" de eleitos em junho, no auge das manifestações, diante da "grave crise de representação política" no país. Seria um mecanismo para o eleitor fiscalizar os atos dos eleitos... já que os congressistas só fingem fiscalizar alguma coisa, mesmo assim sob pressão.

Basta lembrar que Renan Calheiros (PMDB) é o presidente do Senado; Henrique Alves (PMDB), da Câmara; Marco Feliciano (PSC) preside uma Comissão de Direitos Humanos e Minorias; o deputado presidiário Natan Donadon mantém o mandato; e Janira Rocha (PSOL) leva grana de seus próprios correligionários - em nome da causa ou da consequência? Um monte de raposas que dizem lutar por "uma nova sociedade".

"O recall tem o efeito muito claro de criar uma identificação entre o eleito e o eleitorado, impor ao eleito responsabilidade (...), especialmente nos órgãos legislativos", afirmou Joaquim Barbosa. Ele disse à presidente Dilma Rousseff que acha necessário "introduzir pitadas de vontade popular" na vida política do país. "Temos sim de trazer o povo para a discussão. O que se espera dos poderes públicos são soluções, não discussões estéreis sobre questões puramente doutrinárias."

Para Joaquim, o povo está cansado dos "conchavos de elites". Elites partidárias, sindicais, políticas, que eternizam a si mesmas. Por que o mandato no Legislativo pode ser renovado ad aeternum? Por que a aposentadoria é vitalícia, integral e cumulativa? Por que todos (incluindo dependentes) têm direito a plano de saúde até morrer? Vergonha alheia.

Falta agilidade a todos os Poderes, e Joaquim Barbosa sabe que o Judiciário é um dos mais lentos. Na pele de presidente do Conselho Nacional de Justiça, ele cobra o julgamento, até o fim deste ano, dos 121.850 processos de improbidade administrativa e crimes contra a administração iniciados até 2011.

Nem precisamos abrir esse baú bolorento dos tribunais. É só olhar o caso recente de Donadon. Pois bem. As acusações de desvio de verba pública e formação de quadrilha contra ele datam de 1995 e 1998. Os crimes só foram julgados pelo STF em 2010. E aí começou a lenga-lenga dos embargos, até sua condenação e prisão inéditas, recentemente. Donadon reclamou da xepa da prisão e se ajoelhou lacrimejante na Câmara, grato aos colegas que mantiveram seu mandato.

Câmara e Senado brincam de morde e assopra. Depois do vexame do danadinho, a Câmara se faz de paladina da moralidade e aprova por unanimidade o voto aberto em todas as questões. Os senadores querem manter o voto secreto, abrindo apenas para cassação de mandatos. Querem o voto aberto fatiado, igual a picanha. Congressistas rebaixam tanto sua função que vários deveriam ser recolhidos por defeito de fabricação ou extinção de prazo de validade. Como carros, iogurtes ou enlatados. "Recall" neles.

Estacionados na arrogância - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 15/09

Um dos problemas das grandes cidades, e até das pequenas, é encontrar lugar para estacionar. Uma vaga livre, hoje, é um bilhete premiado. Imagino que você, que dirige, concorde com isso. E deve ficar, como eu, indignado com motoristas que não dão a mínima para as linhas amarelas que delimitam o espaço para os automóveis nos estacionamentos de shoppings e demais áreas comerciais.

Sei que o assunto não é relevante, mas você entenderia se fosse colunista de jornal há quase 20 anos e tivesse a impressão de já ter escrito sobre tudo. Aliás, creio que até já mencionei o desrespeito às linhas sinalizadoras amarelas, mas voltarei ao assunto: escrever é se repetir.

Então lá vem o piloto, com pressa. O estacionamento está quase vazio, há várias vagas ainda disponíveis. Ele nem titubeia: imbica o carro de qualquer jeito, sem reparar que avançou em cima da faixa amarela, impossibilitando que outro motorista estacione a seu lado. Ele está ocupando duas vagas e não se importa, pois não enxerga além do próprio umbigo e não é da sua conta se daqui a pouco aquele estacionamento estará lotado de pessoas procurando vaga – ele não foi programado para pensar nos outros.

O que ele deveria fazer, sem gastar mais do que 10 segundos do seu precioso tempo, era manobrar (para frente e para trás, isso) até deixar o carro reto entre as duas faixas, com espaço suficiente para ter vizinhos que, além de estacionarem, conseguirão abrir as portas de seus veículos. Eu costumo manobrar até deixar o carro retinho e, juro, não perco os braços, o consumo de combustível não se altera e a gentileza dura mesmo 10 segundos, ou até menos, se você for um às do volante.

Aí você me diz: “Pois é, penso como você, mas às vezes encontro uma vaga em que o cara do lado estacionou mal, invadindo o espaço alheio, e aí não me resta alternativa a não ser fazer o mesmo. Depois o engraçadinho sai com o carro e fica o meu ali atravessado, parecendo que eu é que estacionei errado desde o início”.

Conheço a situação. Não é fácil. Mas aí a sociedade conta com sua beatitude: não estacione errado só porque seu irmão o fez. Procure outra vaga. Dê voltas. Esmurre a direção, pragueje contra o infeliz, mas não repita o que ele fez, pois se o fizer criará uma corrente em que todos, durante todo o dia, estacionarão em cima das faixas amarelas e o resultado será menos vagas disponíveis.

Eu poderia estar roubando, matando, mas estou apenas esmolando sua compreensão. Se você estacionar seu carro direitinho no espaço destinado a ele, sem deixar torto, sem avançar na vaga alheia, sem abandoná-lo com displicência, sua contribuição será reconhecida e há grande chance de nós, daqui a algum tempo, não termos que pagar multa por causa disso também, já que a única didática eficaz do país é mexer no nosso bolso.

Vamos tentar ser educados de graça.

Unha encravada - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 15/09

O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja do Ministério da Fazenda, seja do inferno


Finda, em 1945, a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a viver sob a ameaça de guerra nuclear. Foram anos terríveis, que levaram muita gente ao pânico, a ponto de construir abrigos antiatômicos, providos de alimentos para tentar sobreviver a uma possível hecatombe atômica.

Felizmente, a guerra nuclear não houve. De fato, dificilmente haveria, uma vez que os dois lados em conflito possuíam bombas e foguetes suficientes para se liquidarem mutuamente. Terminaram por instalar, em Washington e Moscou, telefones que lhes permitiriam evitar o desastre.

O fim do sistema comunista pôs termo à histeria nuclear. Só quem viveu aqueles anos pode avaliar o quanto é bom livrar-se de semelhante pesadelo. E pode dizer a quem não o viveu: você é feliz, cara, e não sabe!

É verdade. Sucede que o homem é um bicho especial, particularmente porque o que lhe interessa é ser feliz agora. Se a vida poderia ser pior --como naqueles anos-- pouco importa. Importam mesmo as aporrinhações de agora. A ameaça nuclear se foi, mas ficaram outros problemas, menos assustadores, mas, ainda assim, chatos para cacete.

Um deles é a burocracia. E você dirá: não dá para comparar uma coisa com a outra. Tem razão, mas que a unha encravada dói, dói. Claro, é melhor ter unha encravada do que câncer no estômago, mas bom mesmo é não ter nem uma coisa nem outra. Noutras palavras: a ameaça nuclear era terrível, mas passou, e a burocracia, não; pelo contrário, nos aporrinha cada dia mais.

Não estou querendo dar uma de terrorista, mas às vezes me pergunto aonde vai chegar a burocracia que silenciosamente continua se infiltrando e tomando conta de todos os setores de nossa vida.

Você vai achar que eu exagero, mas a gente só se dá conta do problema quando se vê anulado por ele.

Um pequeno exemplo foi o que ocorreu comigo no banco onde recebia minha aposentadoria. Ia lá todo mês, apresentava meu cartão de aposentado, a carteira de identidade e recebia o dinheiro.

A senhora que me atendia já sorria para mim quando eu chegava ao guichê, reconhecendo-me. Mas eis que um dia esqueci a carteira de identidade e essa mesma funcionária não me pagou a aposentadoria.

Argumentei: mas a senhora me conhece, recebo esse pagamento de suas mãos todos os meses. E ela: "Sim, claro, mas mediante a apresentação de sua carteira de identidade; sem ela, de acordo com as normas do banco, não posso pagar". E não pagou.

O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja do Ministério da Fazenda, seja do inferno. Quando me chega uma carta de qualquer dessas entidades, entro em pânico: é aporrinhação na certa.

A burocracia emperra nossa vida e a própria vida do país. Outro dia, vi na televisão uma reportagem que mostrava toda uma rede de turbinas tipo cata-ventos instaladas no Nordeste para a geração de energia eólica. Dezenas de turbinas espalhadas por milhares de quilômetros, que custaram uma fortuna e não produzem energia nenhuma. Sabem por quê? As linhas de transmissão não foram construídas porque o processo burocrático, que autorizaria sua instalação, nunca chega ao fim.

Enquanto isso, grande parte da energia que consumimos está sendo produzida por geradores movidos por óleo e carvão, que são caros e altamente poluidores. A produção de energia limpa, essa a burocracia inviabiliza.

Não sei se você se lembra do ministro Hélio Beltrão, que foi nomeado com o objetivo de desburocratizar o Brasil. Criou-se o Ministério da Desburocratização, faz mais de 30 anos. Eu, como sempre, otimista que sou, vibrei. Pois bem, esse ministério não existe mais e, em vez da desburocratização do Estado brasileiro, o que aconteceu foi exatamente o contrário: nada mais burocrático no Brasil do que o nosso serviço público.

Outro dia soube de mais uma: um pequeno produtor de cinema conseguiu aprovar pela Lei Rouanet o projeto para um filme, mas antes de terminá-lo, achou que era melhor mudar-lhe o nome.

Quem disse que pôde? A resposta dos burocratas foi a seguinte: se trocar o nome do filme, perde o financiamento, vai ter que entrar com outro pedido que será aprovado ou não. Como tinha levado quase um ano para conseguir a aprovação do tal projeto, desistiu de mudar o nome do filme.

Impactos de um suicídio - JAIRO BOUER

O ESTADÃO - 15/09

A morte do baixista Champignon, de 35 anos, no início da última semana, trouxe o tema do suicídio novamente para o noticiário. Além do triste desfecho, alguns aspectos dessa história chamam a atenção. Em primeiro lugar, não parece mera coincidência o fato de três músicos que se conheciam - e eram praticamente de uma mesma geração - terem morrido de forma dramática em um intervalo tão curto de tempo. Outro ponto importante: essas mortes todas acontecem entre ídolos dos jovens, faixa da população em que está havendo um crescente número de casos de suicídio.

A primeira reação de muitos fãs ao saber, logo nas primeiras horas da madrugada da última segunda-feira, da morte de Champignon deve ter sido a incredulidade por mais um músico dessa turma morrer. Após a overdose de cocaína que matou Chorão (parceiro na banda Charlie Brown Jr. e grande amigo do baixista), em março, e o suicídio de Peu Sousa (ex-parceiro na banda Nove Mil Anjos), que foi encontrado enforcado em sua casa na Bahia, em maio, a morte do baixista podia parecer parte de uma sequência trágica de eventos.

De fato, alguns estudos apontam uma possibilidade maior de suicídio em pessoas que já conviveram com esse drama. Assim, filhos e parceiros de pessoas que cometeram suicídio estariam mais expostos ao risco. É como se "vivenciar" intensamente a perda de alguém próximo por essa causa tornasse o suicídio uma possibilidade mais concreta na vida das pessoas.

Na maioria das vezes, existe algum transtorno emocional ou psiquiátrico por trás do planejamento da própria morte. A depressão aparece como uma das principais causas de suicídio em todo o mundo. Talvez a experiência (perda de alguém de forma trágica) e os sintomas depressivos não estejam assim tão dissociados. Assim, quem conviveu com o suicídio pode carregar a depressão por anos a fio e, em algum momento da vida, por algum tipo de "descompensação", acaba tendo potencializado o risco de se matar. Pelas notícias publicadas na última semana, talvez cobranças e críticas que vinham sendo feitas pelos fãs ao músico por assumir o posto de vocalista em uma nova banda, ou, ainda, dívidas financeiras, teriam sido a gota d'água. Mas, nesse ponto, essas considerações são mera especulação.

Outro aspecto que chama a atenção é que o músico era jovem e fazia sucesso entre os mais novos. Artigos publicados na revista científica Lancet, em 2012, chamavam a atenção para o suicídio como um problema crescente de saúde pública entre os jovens. Dados da publicação apontavam o suicídio como segunda principal causa de mortes entre jovens em todo o mundo. Entre as garotas de 15 a 19 anos, foi considerado a principal causa de morte. Entre os garotos dessa faixa de idade, foi a terceira causa, atrás dos acidentes de trânsito e dos homicídios. Ainda de acordo com a Lancet, de 1980 a 2000, a taxa de suicídio aumentou cerca de dez vezes entre os jovens: de 0,4 para 4 em cada 100 mil pessoas. No Brasil, estima-se de 20 a 25 suicídios por dia, e se supõe que o número de tentativas seja 20 vezes superior ao de mortes.

Identificar fatores de risco talvez seja o primeiro ponto importante para a redução das tentativas de suicídio. Alterações agudas de comportamento, sintomas depressivos, quadros psiquiátricos graves, história recente de perdas trágicas, grandes problemas familiares, inconformismo com o fim de relacionamento amoroso, grande desmoralização por questões financeiras ou sociais e problemas crônicos de saúde são alguns desses fatores.

Alguns trabalhos recentes mostram que, em tempos em que tudo acontece nas redes sociais, declarações e publicações em páginas pessoais poderiam dar pistas para amigos e parentes das intenções de alguém que enfrenta sérias dificuldades. Estar atento a esses sinais poderia ajudar a evitar suicídios.

GOSTOSA


Interessante - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 15/09

O espaço para comments na internet é, em geral, um paraíso para os que têm parafusos a menos


RIO - Gostaria de ter tido tempo para refletir antes de escrever. Mas aconteceu o contrário. Trabalhos dobrados se sobrepõem à montanha de assuntos de que eu queria poder tratar aqui hoje. Então vai tudo sem reflexão mesmo (não que isso seja uma novidade nesta notoriamente caótica coluna). Claro que vi um bom número de tweets ofensivos à minha pessoa por causa da foto com máscara tipo Black Bloc. E posts longos de blogueiros variados. Não vou evitar comentar: resumo dizendo que tudo parece maluquice pura. E lembrando que Paulo Francis dizia que quem escreve cartas para a redação é doido: o espaço para comments na internet é, em geral, um paraíso para os que têm parafusos a menos. Mas coisas mais interessantes do que eu mesmo se impõem. Um comentário de acompanhante de famoso blog direitista (o do Reinaldo Azevedo, que, não sei por que, se alegra em fazer sucesso com aquele tipo de plateia) protesta contra a manobra “esquerdista” da TV Globo ao pôr no ar, no “Fantástico”, reportagem sobre a espionagem americana no Brasil. Para ele, a TV Globo é um veículo da conspiração comunista internacional. O que, para nós brasileiros, soa mais estapafúrdio do que as reiteradas afirmações de Olavo de Carvalho sobre o “New York Times”, que ele retrata como uma espécie de braço do movimento comunista. A Globo, que os blogs de esquerda — e muitos manifestantes de rua — chamam de líder da mídia golpista, da trama que o venerável Mino Carta, dono da “Veja” do Lula, denuncia semanalmente. (O fato é que compro sempre uma “Veja” e uma “Carta Capital” para ler no avião — além da “The Economist” — quando tenho de cantar “Abraçaço” em distantes cidades brasileiras ou não brasileiras: preciso saber o que dizem os chamados dois lados para poder me manter centrista aqui.)

Porém, mais do que essas loucuras propriamente brasileiras, me impressionou um documentário russo que vi na internet, prefaciado por um nosso compatriota que se diz comunista. Para um velho como eu, parecia um pesadelo que se passasse na Guerra Fria. É tudo tão louco que não sei se o link para tal vídeo me foi enviado por alguém que foi comigo e Sidney Waismann falar com Beltrame ou se foi sugerido por outro comentarista do Azevedo (perdi muitos e-mails dos diálogos com a turma boa que foi à Central — e procurar no blog da “Veja” o comment em que talvez estivesse a sugestão me tomaria horas que não tenho). Mas dei busca no YouTube e achei: trata-se do site chamado “comunista” (www.comunista@spruz.com), e o documentário é da TV russa. Soldados do exército regular da Síria aparecem dançando passos folclóricos da região, empurrando crianças em balanços sob árvores, namorando à beira de riachos límpidos. Depoimentos de cidadãos civis sírios dão conta de que o país era, até a entrada dos rebeldes, um exemplo de paz e tolerância, sem nenhum traço de tensão entre grupos religiosos, um ambiente de doce camaradagem. Os rebeldes, segundo a versão da TV russa, não têm nada que se pareça com a Primavera Árabe, nem mesmo com a Síria, sendo todos mercenários a soldo do Qatar e dos EUA. O prefaciador brasileiro diz que essa é uma visão mais realista da guerra civil síria, que a imprensa ocidental só diz que os rebeldes lutam pela democracia. Bem, eu leio muita coisa da imprensa ocidental e, da “Economist” à “Carta de Mino”, passando pelo “Globo” e a “Folha”, nunca fiquei com a imagem de que os levantes sírios — por mais simpáticos que parecessem logo ao eclodirem — fossem harmônicos e tivessem a democracia como motivação única (ou mesmo principal) e como meta indisputável. Mas o crítico da imprensa ocidental que fala no vídeo não se peja de reafirmar o que diz o documentário pós-soviético: que os rebeldes sírios são homogeneamente maus e motivados apenas pelo dinheiro que recebem de fora.

É incrível que um documentário tão demagógico em seu tom quanto os filmes de propaganda do período stalinista seja anunciado como revelador da verdade que a imprensa “livre” oculta.

Hoje (sexta) acordei para as notícias de que Putin propõe que Assad entregue as armas aquímicas (ué, mas não disseram que não havia e que tudo era invenção dos americanos, como no caso do Iraque?) e que o supermandante sírio responde com o pedido de prazo de um mês, o que o governo americano não aceita.

Enquanto isso, 5x5 no STF, sentimentos cruzados no petismo e no antipetismo. Se houver ainda manifestações, ou seja, se nós da classe média (que, ao contrário de Marilena, eu respeito e amo) não desistirmos de gritar por medo dos BBs de Cora, o que será dito sobre Barroso e Barbosa? Não resta dúvida de que vivemos um tempo preocupantemente interessante. Talvez demais para o meu gosto.

Nosso tempo - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 15/09

O Alfredo contou para o Binho que estava escrevendo um livro sobre o nosso tempo. O Binho entendeu que o Alfredo estava escrevendo sobre o nosso tempo no sentido, assim, de O Nosso Tempo. O século 20. A era moderna. Mas o Alfredo esclareceu:

– Não, não. O nosso tempo. Nosso, da turma. A nossa juventude.

Depois disse: – Nós aprontamos algumas, hein Binho?

O Binho fez uma cara de “sei não”.

O Régis ficou sabendo do livro pelo Binho e telefonou para o Alfredo. Era verdade que o Alfredo estava escrevendo um livro sobre a turma, sobre “aquele nosso tempo”? Era, confirmou, o Alfredo.

– Romanceado? – perguntou o Régis.

– Como, romanceado?

– Você vai usar os nomes verdadeiros?

– Claro. – Você acha? – Por que não? Tem histórias fantásticas. Aquela vez em que nós fomos com a Maria Estela pra...

– Alfredo, usa pseudônimo!

Quem procurou o Alfredo não foi a Maria Estela. Foi o Argeu, que, apesar de tudo, tinha casado com a Maria Estela. Queria saber sobre o livro.

– Não tem nada demais – começou a dizer o Alfredo.

Argeu o interrompeu. – A Maria Estela faz muito trabalho na igreja.

– Sim, mas...– Não põe a Maria Estela no livro, Alfredo.

O próximo foi o Pinto, que não fez rodeios. – Que história é essa de livro?

– Pois é. Estou pensando em escrever sobre aquele nosso tempo. Acho que tem algumas histórias...

– A da galinha no velório, por exemplo?

– É. Essa é uma delas. – Não bota o meu nome.

– Mas você foi um dos que...– Não bota o meu nome. Ou bota um pseudônimo.

– Mas foi uma coisa de adolescente, perfeitamente...

– Você sabe o que eu sou hoje, Alfredo? E você se lembra de quem era o velório?

– Mas...– Quer um conselho? Esquece esse livro.

O Alcides disse que era uma boa ideia escrever o livro, que o livro resgataria uma época, que seria divertido e ao mesmo tempo importante, que muitas gente ia se lembrar do seu próprio passado lendo o livro, e meditaria sobre as loucuras e os sonhos perdidos de uma geração, e que o Alfredo devia, sim, escrever o livro – desde que não o citasse. Explicou que sua terceira mulher tinha uma carreira e que o livro poderia prejudicá-la. E, além do mais, ele já era avô.

– Pô, Capitão – disse Alfredo. – Capitão?

– Você não se lembra? Seu apelido na turma era Capitão Fumaça.

– Sabe que eu não me lembrava?

Alfredo decidiu reunir a turma para falar na sua ideia para o livro. Explicou que ele mesmo financiaria a edição. O que significava que seria uma edição pequena, que sua circulação seria restrita, que poucas pessoas leriam.

Explicou que sua intenção era capturar um momento na vida deles, da turma. Para que todos pudessem lembrar “aquele nosso tempo”. O tempo em que todos eram jovens, e o que eles sentiam, e pensavam, e tinha aprontado. Ninguém seria prejudicado, só se divertiriam. Tudo tinha acontecido há muito tempo. Como se fosse em outro país. E com o tempo, disse Alfredo, tudo vira literatura. Mesmo com os nomes verdadeiros.

Aí o Pinto disse: – Tá doido.

E o Régis disse que se o livro saísse com o nome dele, ele processava. E o Argeu anunciou que e Maria Estela fosse mencionada, embargaria a edição. E a Suzaninha disse que queria mais era esquecer o seu passado, mas se o Alfredo insistisse em escrever o livro de qualquer maneira, queria que seu pseudônimo fosse Tatiana.

Amigas são mais que amigas - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 15/09

As mulheres são incríveis. Elas têm amizades para todas as tarefas e assuntos. Não dispensam uma segunda opinião. Sempre coletivas em suas decisões.

Perguntam até o que já sabem, para não sacrificar o costume, para ter certeza de que fizeram a melhor escolha.

Enquanto o homem é genérico, elas são específicas, altamente especializadas. Não querem correr o risco de se enganar, de cometer uma injustiça e unem suas curiosidades e somam seus talentos. Odeiam serem passadas para trás, adquirir algo pelo dobro do preço e sofrer os juros da pressa.

Minha namorada Katy, por exemplo, quando vai comprar roupa conta com a escolta de duas amigas. Suas amigas superam a condição de amigas, ganham a dimensão de consultoras. Ela parte para o shopping com uma ou com outra, jamais convida as duas juntas. Por quê? Cada uma atende um propósito diferente.

A Letícia é chamada quando é o caso de garimpar peças e promoções. Há uma cota X para gastar e não tem como extrapolar. É a companhia da grana curta, da economia, com o faro do particular e do acessível em grandes lojas. Opera milagre com pouco. Transfigura água com gás em vinho. Ajuda a Katy a cumprir a meta. Não foram poucas as vezes em que ela voltou com sete peças festejando o orçamento de R$ 350.

Já Júlia é convocada no momento de uma superfesta, na hora de esnobar as etiquetas. É para procurar O Sapato, O Vestido, A Blusa, o artigo definido do figurino. As duas tumultuam as lojas mais chiques. Sequer mexem nos cabides, despem logo os manequins da vitrine. Saída fadada à falência e para se arrepender do exagero cometido com as demais amigas.

Depois que regressa da expedição nababesca, Katy não realiza propaganda nenhuma, permanece calada, nunca confessa quanto gastou, e suspira mais seguido diante do espelho. Ela adquiriu uma saia na última semana e nem por chantagem abrirá os dígitos do investimento.

A Letícia é a inteligência da simplicidade, colega com traquejo para caçar nas araras um modelo incomum, revirar pilhas, bagunçar os provadores e aproveitar o que quase saiu de moda, mas ainda mantém o toque eterno do estilo.

Júlia é o equivalente a um sequestro. Compõe o momento faraônico, de puro e insano arrebatamento. É uma boa orientadora do que entrará em estação, da cor dominante, dos acessórios de tendência. Cúmplice da bebedeira consumista, com direito a ressaca e esquecimento financeiro nos próximos meses.

Ao partilhar suas dúvidas, a mulher encontra testemunhas de sua felicidade. O que é uma obrigação se transforma em intimidade, o que é um passeio se converte em autoconhecimento.

Comprar roupas é vestir amizades.

Em busca do biscoito perdido - HUMBERTO WERNECK

O ESTADÃO - 15/09

Cada Marcel Proust tem a madeleine que merece, e a minha, se eu merecer, é a mulha.

Não adianta procurar no dicionário, onde essa esquisitice verbal poderia ocupar o espaço ainda vago entre "muletim" e "mulher". Aos lexicógrafos de plantão: mulha, substantivo incomum, é como se chama, exclusivamente na minha família paterna, um biscoito redondo e achatado, com uns 5 centímetros de diâmetro, um furo no centro e a superfície pisada por um garfo que imprime sulcos à maneira de raios de sol. Se chegar um dia ao dicionário Houaiss, que se empenha em datar o nascimento das palavras, caberá informar que a mulha surgiu no início da década de 1930, em circunstâncias capazes de explicar a sua denominação.

Meu avô paterno, o médico carioca Hugo Furquim Werneck, teve, ainda moço, uma tuberculose pulmonar que o levou a um sanatório suíço e, em seguida, aos outrora bons ares de Belo Horizonte, cidade de prancheta que na sua chegada mal somava nove anos de idade. Por lá ficou e criou família - o que faz de mim, conforme já contei, um descendente do bacilo de Koch.

Pois bem, esse operoso cirurgião construiu um sanatório nas imediações da cidade, e para tocá-lo engajou um lote de freiras alemãs, algumas das quais, embaladas nos hábitos azuis das Servas do Espírito Santo, ainda alcancei, mais ativas que contemplativas, na década de 1950. Entre outras artes, elas compunham, com casca de ovo moída e tingida, lindos tapetes multicoloridos sobre os quais, coroinha, eu tinha pena de passar nas procissões de Corpus Christi.

Um dia, diz a lenda familiar, uma das religiosas assou uns biscoitos e os levou para o doutor Hugo provar. "Muito duro, irmã", avaliou ele - ao que a freira recomendou, no seu português germânico, apontando para xícara de café com leite: "Mulha, doutorrr Huga!" Pronto: este ficou sendo o nome daqueles bocados, que sobreviveriam por décadas ao vovô, morto em 1935. Em algum momento, porém, minha mãe parou de avisar que tínhamos uma lata de mulha - e a guloseima, para mim, transitou do plano gustativo para o sentimental, onde já não sei que sabor teria.

Não apenas para mim: nos últimos dias, carente talvez de alguma madeleine pessoal que, com seu poder de desempoeirar lembranças, como se passou com Proust, venha conferir substância e gosto à minha prosa chinfrim, andei cutucando a memória também de primos e irmãos - e o que me veio e continua a vir, via internet, permite constatar a existência de uma generalizada e salivante saudade da mulha. Uma urgência de mulha - e você sabe o que eu quero dizer, pois não há família que não tenha, na despensa da memória, algum petisco aposentado.

De repente, senhoras e senhores (alguns, se bobear, já a caminho da bisavoíce) deixaram de lado graves preocupações e se puseram, no triângulo Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, a trocar informações sobre um biscoito que, segundo a Beatriz, era "gostoso, seco, farinhento". A mesma Beatriz desencavaria a receita, obtida junto a nossas primas Campello. "Tinha um levíssimo cheiro de erva doce ou era impressão minha?", farejou o Rodrigo. A mulha era "de um marrom bem escuro", atestou do Rio o professor Rogério, momentaneamente esquecido das ciências econômicas de que é autoridade. "Deliciosa!", limitou-se a suspirar a Hortense. Levava araruta, como afirmou a Marina? A receita original, detalhou a Cecília, "era à base de manteiga batida pela irmã Águeda com a nata, deliciosa, extraída do leite da nossa fazenda".

Com o mesmo apetite com que desencava remotos tios tortos, o Ruy, genealogista da família, a certa altura deu um tempo na mulha e pôs na roda outra de nossas madeleines, a Tigelinha - e com ela uma dúvida: seria parente ou a própria crème brûlée? A conferir, agora que a Regina nos mandou a receita de Tigelinha. "Gente", comentou ela, "será que viemos do Ceará, como a vovó dizia? Ultimamente só pensamos em comida..."

Entre promessas de ressuscitar gostosuras, o papo continua, e sinto no ar, tantos anos depois, uma iminência de mulha, a ser materializada, quem sabe, aqui em São Paulo pela Mariza, que em boa hora adicionei à conversa, ou pelo Paulo e a Luiza, quituteiros que nem a mãe. Se de uma hora para outra minha prosa apresentar melhoras, você já saberá o que foi que me aconteceu.

Um dia ideal para os peixes-banana - TONY BELLOTO

O GLOBO - 15/09

Como contestar e questionar um sistema e ao mesmo tempo fazer parte dele? É uma equação difícil, que nem todos conseguem solucionar

Acordo na segunda-feira com alguém me dizendo “O Champignon morreu”. Corro para a internet e descubro que o Champignon, Luiz Carlos Leão Duarte Júnior, grande baixista e figura querida no rock brasileiro, se suicidara naquela madrugada com um tiro na cabeça. A notícia me surpreende e entristece. É triste saber que um cara jovem, ativo e excepcionalmente talentoso, cuja mulher estava grávida de cinco meses, tenha morrido. Surpreende que o motivo dessa morte seja o suicídio. Por quê?, me pergunto.

Só o amor constrói pontes indestrutíveis

Eu não conhecia o Champignon intimamente. Como colegas de profissão, nos esbarrávamos esporadicamente em festivais, aeroportos, estúdios, saguões de hotel, bastidores de programas de televisão, palcos e camarins. Champignon era um sujeito simpático e boa-praça, que exalava alegria de viver. O tipo do cara que você nunca diria que se suicidaria. Há pouco tempo, Chorão, companheiro de Champignon no Charlie Brown Júnior, morreu de overdose. O Charlie Brown sempre foi um grupo muito positivo em suas letras, como a que diz que só o amor constrói pontes indestrutíveis. Entretanto, por trás de toda a positividade e urgência de viver preconizadas pela banda, rolavam também angústia, dúvida e depressão, como comprovam as mortes recentes de seus mais célebres integrantes.

‘Livin’ la vida loca’

A morte do Champignon me remete à morte de Kurt Cobain. Ainda que o cantor, guitarrista e compositor norte-americano fosse aparentemente mais depressivo que seu colega brasileiro, é sempre surpreendente que um roqueiro bem-sucedido se suicide. Estrelas de rock parecem habitar o topo do mundo e realizam o sonho de milhares de garotos pelo planeta, que é o de ficar famoso e conseguir sobreviver de sua música, desfrutando do estilo de vida do rock. O problema é justamente esse estilo de vida. Embora pareça bastante glamouroso, ele às vezes cobra um preço alto. Conviver com esse paradoxo é insuportável para algumas pessoas. Como contestar e questionar um sistema e ao mesmo tempo fazer parte dele? É uma equação difícil, que nem todos conseguem solucionar. Leio que Champignon enfrentava também alguns problemas financeiros. Bem, não preciso ir além do espelho para encontrar gente que vive a pressão da “vida loca” e tem problemas financeiros. Nada disso explica por que o Champignon se suicidou.

O mito de Sísifo

O escritor francês Albert Camus escreveu que “o suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia”. Analisando o mito grego de Sísifo — aquele que ousou desafiar os deuses e foi condenado a carregar eternamente uma pedra morro acima para depois que ela escorregasse morro abaixo conduzi-la novamente ao topo —, Camus compara a situação do homem diante do absurdo da existência ao personagem grego condenado ao castigo eterno. O escritor pergunta-se se a realização do absurdo da vida exige o suicídio. Não, ele conclui. Exige revolta.

Tabu

Humberto Corrêa, presidente da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma em artigo publicado na terça-feira na “Folha de S.Paulo”, que “o suicídio é um tabu social, mas também um problema de saúde pública”. Ele diz que algo em torno de 9.000 óbitos decorrentes de suicídios acontecem anualmente no Brasil, mas que ainda assim o suicídio é um assunto proibido e não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. “Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou corretamente tratado”.

Todas as religiões condenam a prática, e algumas negam aos suicidas as honras fúnebres. Embora a maioria dos Estados não criminalize mais o suicídio, já houve época em que a prática era punida em alguns lugares até com a pena de morte. Dá para imaginar um paradoxo mais absurdo?

Um dia ideal para os peixes-banana

No conto “Um dia ideal para os peixes-banana”, J. D. Salinger faz talvez a mais contundente descrição de um suicídio de toda a literatura. E a contundência de sua descrição se caracteriza justamente pela quase banalidade com que é construída. Talvez não exista mesmo nenhuma explicação para o suicídio do Champignon. Talvez os suicídios aconteçam em dias comuns, como hoje, um dia ideal para os peixes-banana, nos deixando a todos com o travo da estupefação na boca.

Espírito de grupo - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 15/09

SÃO PAULO - No belo texto que escreveu para a "Ilustríssima" da semana passada, Reinaldo José Lopes levantou uma questão importante: o pendor humano por narrativas ficcionais é uma adaptação ou apenas um efeito colateral de nossas preferências cognitivas, o tal do "cheesecake mental", na saborosa metáfora de Steven Pinker?

Acredito que essa discussão seja mais geral. Os argumentos que valem para a ficção servem também para discutir o lugar da arte e até da religião e da moral. O que está em jogo, no fundo --e que provoca as fortes desavenças entre especialistas--, é o papel da seleção de grupo.

É razoavelmente fácil defender que todas as formas de arte e religiosidade sejam adaptativas, se aceitamos a seleção de grupo, isto é, a ideia de que cantos e danças em louvor do deus local, ao reforçar a coesão do bando, o tornam mais apto a enfrentar tribos rivais e sobreviver.

A linha mais dura do neodarwinismo, entretanto, rejeita esse tipo de teoria. Seus representantes têm um problema sério com a seleção de grupo, já que a veem como irremediavelmente instável: o sujeito com mais propensão a sacrificar-se pela coletividade tem maior probabilidade de morrer na guerra, levando consigo seus genes magnânimos. Seria assim difícil fixar num "pool" genético características que favorecem o grupo em detrimento do indivíduo.

Essa abordagem mais biologicamente ortodoxa foi a dominante desde que se firmou, na década de 70, até os últimos anos, quando defensores da seleção de grupo começaram a sair do armário. O caso mais célebre é o de E. O. Wilson, que ajudou a formular os conceitos que permitem explicar a cooperação sem recorrer a grupos, mas agora mudou de lado, despertando a ira dos ex-colegas.

O bacana aqui é que o resultado desse debate, que ainda é bastante incerto, irá reajustar nossa visão sobre temas tão distintos como a arte, Deus e o certo e o errado.

A mais poderosa do mundo - GILLES LAPOUGE

O ESTADÃO - 15/09

No início, ninguém a conhecia. Em 2005, aos 51 anos, tornou-se chanceler da Alemanha e procuramos ver o que havia nessa mulher tão comum a ponto de ser invisível: um estranho corte Chanel com franja, cabelos loiros e dispersos, olhar tranquilo, uma saia e um tailleur.

Entendemos porque o ex-chanceler Helmut Kohl, que foi o seu mentor, contemplando-a do alto da sua enorme estatura, chamava-a de "das madchen" , a garotinha. Alguns anos depois Kohl desapareceu de cena e "a garotinha" era "a mulher mais poderosa do mundo, de acordo com a revista Forbes.

Hoje Angela Merkel ambiciona um terceiro mandato. A aparência continua a mesma. Os olhos um pouco mais caídos, mas ainda vivazes, expressão mais descontraída. Os cabelos? Estão mais elaborados, parecendo um capacete ondulado ou encrespado. Estranho.

O guarda-roupa evoluiu: no lugar do tailleur, passou a usar terninhos com três botões e há alguns meses com cinco, mas três ou cinco botões, isso não muda nada. Como engordou, seus trajes parecem um pouco justos. Mas ela não se importa. Era uma pessoa simples e continua a mesma. Sua celebridade e seu poder nutrem-se desta simplicidade.

Aliás, esta mulher se empanturra de simplicidade. Aos sábados às pessoas se deparam em algum supermercado de Berlim com a senhora comum contemplando as gôndolas de "queijos franceses" ou de embutidos. Ninguém a incomoda. As pessoas a respeitam. Aos domingos vai com seu segundo marido, Joachim Sauer, químico (seu primeiro marido era físico, o que não muda muito), para sua casa de campo perto de Tremplin, povoado situado na antiga Alemanha Oriental onde Angela foi uma estudante dotada, quando preparava sua tese de Física, cujo título dá vertigens: "Estudo do mecanismo das reações de decomposição com ruptura da ligação simples e o cálculos de suas constantes de velocidade tendo como base a química quântica".

Algumas vezes ela tira férias com seu marido e vai para a Ischia, Itália, ou para a montanha, mas ninguém sabe exatamente onde. Um jornalista conseguiu elevar uma ponta do véu. A chanceler toma vinho branco italiano em vez de cerveja.

Esta é a mulher que pretende um terceiro mandato como chanceler da Alemanha. E que no início não tinha muitos trunfos. Nasceu em Hamburgo, do lado ocidental, a mãe professora e seu pai, pastor, foi transferido para a Alemanha Oriental e Angela cresceu na antiga RDA comunista.

Passou a juventude sob a dura religião luterana e a atmosfera cinzenta soviética. Mas a menina parece feliz. Brilha na escola. Fala um inglês perfeito e domina a língua russa. E a química.

Quanto à política não parece interessada. No dia da queda do Muro de Berlim, Angela foi à sauna, como sempre. À tarde, como suas colegas, circula por Berlim Ocidental e volta para casa. E logo depois ingressa no partido CDU (democratas-cristãos). Um ano mais tarde, elege-se deputada no Bundestag, o Parlamento alemão. O gigante Kohl observa-a e faz dela ministra. Os arrogantes políticos da Alemanha, machistas e protetores, a apelidam de "Mauerbluemchen" (aquela que toma chá de cadeira nos bailes).

Mas ela entra na dança, mesmo precisando dar de encontro com os belos dançarinos. E mesmo seu chefe. Em 1999 seu partido é maculado por um caso vergonhoso de "caixa 2". Kohl vacila. A "garotinha" publica no Frankfurter Algemeine Zeitung um artigo demolidor e Helmut Kohl cai. E ela? Bem, ela "matou o pai", como diria Freud.

E em seguida desbanca o presidente da CDU, Wolfgang Schaeuble, que, anos depois, se tornará um dos seus ministros, pois ela não é pessoa rancorosa. Mas não era apenas a CDU. Havia também os social-democratas (SPD), cujo chefe Gerhard Schroeder é um político brilhante, vaidoso, eficiente. Além disso, um orador excepcional. Nas eleições de 2005 ele deveria derrotar essa mulher comum, insignificante, sem brilho e nenhuma eloquência. Resultado: Angela esmaga o belo Schroeder. A "jovem que tomava chá de cadeira" agora dirige o baile. Ei-la dirigente da Alemanha.

Os alemães apreciam muito a sua Angela, mas encontraram um novo nome para ela. "Merkiavel" (alusão a Maquiavel, italiano da Renascença que foi um genial teórico do cinismo político). Ela não merece este apelido. Não é uma pessoa pérfida, perversa e nem terrível (como foi Margaret Thatcher). Ela é apenas uma "profissional".

Gerhard Schroeder, socialista mirabolante derrotado por Merkel costumava contar esta piada: "como os porcos-espinhos fazem amor?". E respondia: "Prudentemente".

Merkel é como um porco-espinho. Sua lentidão, sua prudência, são de espantar. Seu melhor aliado é o tempo. Jamais reage de imediato. Ela avalia, dá voltas, espera.

Os outros lutam como cães para chegar à frente. Merkel é silêncio total. Mas depois ataca. Há uma fábula de La Fontaine, A lebre e a tartaruga em que ele conta como a lebre é rápida, mas desmiolada e, na corrida, quem vence é a tartaruga.

La Fontaine tem razão: as tartarugas são muito inteligentes. Certamente conseguiriam elaborar belas teses de química quântica.

Mas Angela não foi sempre tão controlada; jovem ministra debulhou-se em lágrimas durante um debate no Bundestag. Foi a última vez. Depois disto, tornou-se impenetrável. No início procurou usar da feminilidade. Certa vez, na Noruega, na Ópera, apareceu com um vestido deslumbrante e decotado. Mas essa fase acabou.

Angela entende-se bem com as mulheres. Com os homens também, mas os leva com "rédea curta". "Não sou vaidosa, mas sei utilizar a vaidade dos outros - enfim, a vaidade dos homens." Às vezes ela se abre com as amigas. A uma delas, disse um dia: "Deixar-me subestimar, é minha arma fatal".

Angela também tem sangue-frio. Em 2009, uma marca de roupas íntimas colocou um cartaz de publicidade de 100 metros quadrados com uma ilustração mostrando a chanceler de calcinha e sutiã. Ridículo total.

Uma outra pessoa teria esbravejado. Ela não disse uma palavra.

Recentemente foram publicadas fotos suas completamente nua, quando ainda adolescente na RDA, onde o naturismo era prática comum.

E ela tem uma outra força: estrategista fora do comum, possui uma tática precisa e astuta, desconfia das grandes ideias, das vastas filosofias (Fichte, Hegel, Marcuse) que constituem uma das especialidades da cultura alemã, e também não foi picada pelo "romantismo" que, com Goethe, Hoelderlin ou Novalis, deu seus maiores poetas à Europa. Realista. Pragmática. Fria. Não será ela que, em algum debate nacional ou internacional, falará de "choque de civilizações", da "cor trágica da História" e utilizará estas grandes fórmulas sonoras que, na verdade, que são apenas palavras ocas e obscuras.

Neste sentido Angela é conforme o espírito coletivo das gerações alemãs do pós-guerra que, traumatizados pela abominação nazista, rechaçam a ideia de a poderosa Alemanha de hoje voltar a ser uma "nação dominante". Ela quer que seu país seja o primeiro no cenário econômico. Mas não no campo militar. E recusou-se a ir à Líbia com seus aliados franceses, ingleses, americanos. E não irá à Síria. Os alemães não querem mais saber de guerra.

Num único ponto ela deixa de ser uma pessoa impassível: quanto ao nazismo. Há alguns anos o papa Bento XVI teve a estranha ideia de "reabilitar" um bispo negacionista (ou seja, que negou a existência das câmaras de gás na Alemanha nazista). Angela Merkel bradou como o diabo.Bento XVI não voltou mais ao assunto. A garota que cresceu no Leste comunista e é uma protestante luterana, permitiu-se dar uma lição ao chefe da Igreja Católica. Os quadros do partido, a CDU, no geral católicos, estremeceram. Merkel não os levou em conta. Para ela o horror nazista é um dogma. Ela não transige.

Só podemos admirar este talento político, esta força humana, esta ausência, tão rara entre as "estrelas", de vaidade, a maneira como ela soube proteger a Alemanha contra a crise que tomou conta da Europa (é preciso dizer que o fez com a ajuda involuntária de Gerhard Schroeder que ela derrotou pois foi ele que, às vésperas da sua queda, adotou medidas muito impopulares para colocar a máquina alemã nos trilhos". Só podemos admitir o talento e a energia desta mulher. Mas o fato é que ela não veio à terra para nos fazer sonhar, e tampouco o povo alemão. Mas uma pergunta deve ser feita: essa formidável mulher é ligeiramente ou profundamente enfadonha? Há alguns anos ela ganhou um novo apelido, "Mutti" (mamãe). Um novo apelido, mas não com o objetivo de enfraquecê-la ou ridicularizá-la.

Em alguns anos, Angela Merkel passou da condição de "garotinha" para o de "mãe". Isto ocorre com muitas mulheres. Simplesmente, esta mulher que não tem filhos tornou-se pela sua verve política a mãe de um país inteiro, a Alemanha. Além do que, esta "mãe" é a mulher mais poderosa do seu tempo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

GOSTOSA


Asilo diplomático - o caso do senador Roger Pinto - CELSO LAFER

O ESTADÃO - 15/09

A concessão de asilo diplomático ao senador boliviano Roger Pinto Molina e os episódios que levaram à sua saída da Bolívia para o Brasil pela ação do diplomata Eduardo Saboia, embaixador interino em La Paz, vêm suscitando muita discussão. Creio que o bom entendimento do assunto pode ser beneficiado por uma análise jurídica da questão.

O sentido geral e originário do termo asilo é o local onde se está em segurança contra perseguição e perigo. O asilo visa a dar proteção ao indivíduo e é uma instituição que remonta à Antiguidade. No mundo contemporâneo, o fundamento do direito do asilo está vinculado à proteção e à garantia dos direitos humanos e inspira-se em considerações humanitárias. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra o direito de asilo no seu artigo XIV ("Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países"), ressalvando, no seu item 2, que o direito não pode ser invocado em caso de perseguição motivada por crimes de delito comum.

A Constituição federal, no seu artigo 4.º, contempla-o, no inciso X. O asilo previsto na Constituição e na Declaração Universal abrange tanto o asilo territorial quanto o asilo diplomático. O texto em vigor, pertinente para a análise do caso do senador Roger Pinto, é a Convenção de Caracas de Asilo Diplomático (CCAD), de 1954, da mesma data da Convenção de Caracas de Asilo Territorial (CCAT). O Brasil é signatário da CCAD e a promulgou pelo Decreto n.º 42.628, de 13 de novembro de 1957. A Bolívia também é signatária da CCAD, mas não a ratificou. Entretanto, a assinatura envolve a obrigação de abster-se de atos que frustrem o seu objeto e a sua finalidade, como estipula a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (artigo 18).

O asilo pode ser outorgado na missão diplomática - como ocorreu neste caso - a pessoas perseguidas "por motivos ou delitos políticos" e "será respeitado pelo Estado territorial". Todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo (artigo II). "Compete ao Estado asilante a classificação da natureza do delito" ou dos motivos da perseguição (artigo IV) e, como diz o artigo IX, "a autoridade asilante tomará em conta as informações que o governo territorial lhe oferecer para formar seu critério sobre a natureza do delito ou a existência de delitos comuns conexos; porém, será respeitada sua determinação de continuar a conceder ou exigir salvo-conduto para o perseguido" (grifos meus).

O asilo é concedido em casos de urgência e pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com as garantias concedidas pelo governo do Estado territorial, a fim de não correrem perigo sua vida, sua liberdade ou sua integridade pessoal (artigo V). Concedido o asilo, estipula o artigo XII, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, o correspondente salvo-conduto.

Neste caso, o governo da Bolívia não concedeu o salvo-conduto prontamente, como previsto na CCAD: o senador permaneceu 455 dias na sede da representação brasileira em La Paz em condições precárias. Registro que é da prática da América Latina a concessão de salvo-conduto e dela não se afastaram nem o regime Pinochet nem o regime autoritário militar brasileiro.

Diante desta situação-limite, fruto da má vontade intencional (para usar um termo benévolo) do governo de Evo Morales, voltada para frustrar a prática do Direito Internacional da região, o diplomata Eduardo Saboia operacionalizou, em termos não ortodoxos, um trecho do artigo XIII da CCAD: "Ao Estado asilante cabe o direito de conduzir o asilado para fora do país". Como ex-ministro das Relações Exteriores, tenho perfeita consciência da importância da disciplina na vida do Itamaraty. No entanto, como estudioso de Hannah Arendt, tenho clareza de que, em situações-limite, é preciso parar para pensar e evitar, pela ação, o mal contido em disposições ou inércias burocráticas. Foi o que fizeram o embaixador Sousa Dantas e Aracy e João Guimarães Rosa, concedendo vistos aos perseguidos pelo regime nazista. Por isso, Eduardo Saboia teve a coragem de um homem de bem e agiu certo, em consonância com o artigo 4.º da Constituição.

Diz o artigo XVII da CCAD que, efetivada a saída do asilado, o Estado asilante não poderá mandá-lo de volta ao seu país de origem, ainda que não seja obrigado a conceder-lhe permanência no seu território. Creio que esta permanência deve ser assegurada ao senador Roger Pinto.

Cabe lembrar que a CCAT, que o Brasil promulgou (Decreto n.º 55.929, de 19 de abril de 1965), estabelece, no artigo I, que nenhum Estado pode fazer reclamação alguma diante da decisão soberana de um Estado de conceder asilo territorial. Diz o artigo III da CCAT que "nenhum Estado é obrigado a entregar a outro Estado ou a expulsar do seu território pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos".

O direito dos refugiados, extensão do de asilo, resultou da existência, em larga escala, de pessoas deslocadas no mundo, é objeto de regulamentação internacional (Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1966) e sobre ele dispõe a Lei n.º 9474, de 22 de julho de 1997. Como o asilo, a função do direito dos refugiados é oferecer proteção aos que correm perigo de perseguição no seu país de origem e, à semelhança da CCAT, tem como princípio fundamental o non refoulement, a não devolução do refugiado ao seu país de origem.

Tendo o Brasil, ao conceder asilo diplomático ao senador, reconhecido a sua condição de perseguido por motivos ou delitos políticos, seria juridicamente inconsistente venire contra factum proprium e não lhe conceder asilo territorial.

O principal está garantido - JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADÃO - 15/09

Até quarta-feira só uma catástrofe não imaginada - e nem desejada - teria força para se impor ao suspense sobre o voto do ministro Celso de Melo, que decidirá pelo encerramento ou prorrogação do julgamento do mensalão. No melhor estilo novelesco, o tribunal reservou para a reta final seu mistério maior - em que regime o ex-ministro José Dirceu e cia cumprirão suas penas.

Em regime semiaberto ou fechado, porém, o efeito principal do julgamento está garantido na irreversibilidade da condenação à cadeia, que resume a admissibilidade do crime político, o desvio de dinheiro público e o rompimento com a impunidade secular no Brasil, com raízes numa cultura de privilégios - da qual o foro especial, por ironia, é filho legítimo.

O regime fechado, que para alguns ministros é sentença excessiva, para outros é exemplar, por teoricamente desencorajar novas iniciativas de corrupção. E mesmo essa perspectiva parece insuficiente para inibir novos atos criminosos como indicam as denúncias contra o Ministério do Trabalho. O PT está sendo condenado, mas o PDT, a metros do prédio do STF, desvia mais de R$ 400 milhões.

E um de seus deputados, Paulinho da Força, monta um novo partido com fraudes no número de assinaturas exigidas para o registro, alcançado com a apropriação de cadastros de sindicatos. Os sindicatos que estão presentes nas falcatruas do Ministério do Trabalho e, sabe-se agora, também na formação do PSOL, que reproduz o figurino de vestal do PT de outrora, mas cuja máscara começa a cair em menos tempo do que a de sua matriz inspiradora.

A presidente do diretório do PSOL do Rio, Janira Rocha, admitiu desvio de dinheiro do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social para custear sua candidatura e a própria construção do partido.

O PSOL reagiu como o PT, com a naturalidade de quem não deve explicações, possivelmente por concordar com a desculpa de Janira: "Tem roubo? Não tem roubo. Mas quem tá de fora não entende. Ninguém ficou com dinheiro, foi para ação política. Ou acham que fundar o PSOL foi barato?"

Nada mais representativo do pensamento da esquerda brasileira, de que desvio de dinheiro público tem licença ideológica: se for para a causa em que acreditam, é nobre. Fora disso, é crime dos "conservadores elitistas".

É o que repete o conteúdo da recente entrevista do ex-ministro José Dirceu, atribuindo sua condenação a uma perseguição da elite que jamais aceitou Lula. Acusação recorrente, que elege culpados para seus atos, indiferente ao fato de que Lula governou muito bem com essa mesma elite - parte dela vivendo o governo Dilma com indisfarçável nostalgia.

Conclave e Papa novo no Olimpo - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 15/09
O historiador francês Patrick Clastres, pesquisador do movimento olímpico e da história cultural e política do esporte, costuma ser bastante crítico em relação ao Comitê Olímpico Internacional. Ele reconhece, contudo, que o posto de presidente da entidade é de uma complexidade sem paralelo em outra esfera mundial. "O cargo exige se equilibrar entre mais de 200 comitês olímpicos nacionais (dos quais dois terços funcionam em países pouco democráticos) e as poderosas federações internacionais de cada esporte", explica. E em recente entrevista ao diário "Libération", comparou: "Ser presidente do COI é praticar uma diplomacia de alta voltagem.
É um pouco como ser o Papa." Mesmo que se mantenha nosso doce Papa Francisco longe dessa temática, não deixa de ser verdade que o COI funciona um pouco como um conclave do Vaticano. Por razões diferentes, ambos preferem espaçar eleições.

Se nos últimos 120 anos o Colégio de Cardeais nomeou onze Papas, o Comitê Olímpico Internacional, no mesmo período, trocou de comando apenas nove vezes - a última delas, na terça-feira, com a eleição do alemão Thomas.

Bach, presidente do Comitê Olímpico Alemão e no seu terceiro mandato de vice-presidente do COI, conhece todos os bastidores e holofotes da entidade. É o primeiro atleta medalhista de ouro (florete por equipes, Montreal, 1976) a ocupar o posto.

Franco favorito entre os seis candidatos, não teve a vitória afetada sequer pela exibição de um documentário pouco amigável, na televisão alemã, poucos dias antes.

No documentário, Bach é acusado por um competidor de ter fraudado o sistema elétrico de pontuação numa prova de florete, quatro décadas atrás, usando uma luva molhada. Também é citado numa ficha da Stasi, a polícia política da antiga Alemanha Oriental, como lobista de material esportivo junto a atletas - o que não quer dizer rigorosamente nada - e outros pecadilhos menores. Tudo "bobagens" requentadas, desdenha o retratado.

Uma única estocada do documentário poderia ter ameaçado a candidatura de Bach, embora de aparência inofensiva - exceto para os membros do COI. Em determinado momento do filme uma das figuras mais influentes do olimpismo atual, o sheik Ahmad al-Fahad al-Sabah, da família real do Kuwait, proclama alto e bom som: "Faço o que for preciso para eleger o dr. Bach." Pecado mortal. Pelo regulamento da entidade, que há décadas conseguiu higienizar o tráfico de influências e a compra de votos, os membros estão proibidos de manifestar apoio público ou fornecer ajuda externa a qualquer candidatura.

Não que a intensa maratona de campanha por votos não exista. Ela é feroz, inclemente e exaustiva, sobretudo nas campanhas das cidades candidatas a sediarem os Jogos - só não pode deixar rastro. Daí a tensão de Thomas Bach.

"O COI é a única organização na qual você se encrenca por dizer a verdade", resumiu o italiano Gianni Merlo, presidente da Associação Internacional de Imprensa Esportiva.

Na verdade o membro falastrão da dinastia al-Sabah emplacou não apenas o dr. Bach. Foi, também, defensor ardoroso da volta da luta livre ao cardápio olímpico e cabo eleitoral ativíssimo da candidatura vencedora de Tóquio para os Jogos de 2020, contra Madri e Istambul.

Começa então agora um novo ciclo para a entidade com sede em Lausanne.

O cirurgião-ortopedista belga Jacques- Rogge, de 71 anos, deixa as contas da casa em ordem. Entrega um fundo de reserva de US$ 901 milhões - bem mais do que os US$ 105 milhões que encontrou em caixa ao assumir a presidência em 2001.

Também entrega para Bach algo que, segundo o historiador Clastres, autor de "Jogos Olímpicos, um século de paixões", pode vir a servir de laboratório para Jogos Olímpicos do futuro.

Atento às mudanças do gosto pelo esporte nos tempos atuais, Rogge vinha procurando integrar disciplinas praticadas pelas novas gerações em detrimento de outras. O que é sempre um baita problema pois mexe com os brios de determinados países com fortes tradições em determinadas modalidades.

O pentatlo, a esgrima e o halterofilismo, todas práticas herdadas do século XIX que correspondem à imagem viril do homem ocidental, por exemplo, interessam pouco hoje.

Segundo Clastres, foi pensando nisso que Rogge criou os populares Jogos Olímpicos da Juventude, três anos atrás. Thomas Bach, que assume a presidência com 60 anos, tem mandato de oito anos, renovável por mais quatro, se reeleito. Tem, portanto, doze anos para impulsionar esse experimento e abrir nova marca pessoal à frente do colosso olímpico.

Ele começou tão sensato que soou revolucionário. Na primeira coletiva à imprensa, afirmou ter constatado que, no fundo, todos os dossiês das cidades candidatas se parecem. "Provavelmente foram elaborados pelas mesmas pessoas", disse, referindo-se aos profissionais do ramo. "Podemos inverter o processo de escolha e começar fazendo perguntas [a cada candidatura]: 'Como vocês imaginam que os Jogos podem se integrar ao plano de desenvolvimento urbano de sua cidade - ao transporte, à infraestrutura, às questões sociais? Desta forma você tem maiores chances de obter um conceito realmente adequado para determinada sociedade e cultura." Eureca.

Não foi por acaso que uma parte dos moradores de Istambul festejou a derrota para Tóquio como uma vitória para as prioridades reais da cidade.

Nem foi por acaso que Roma retirara sua candidatura no ano passado por considerar irresponsável comprometer US$ 12,5 bilhões na empreitada em plena crise econômica.

Pouco a pouco a voz da rua também alcança o Olimpo. 

Fator Kirchner - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 15/09


Só Deus sabe como a Vale se esforça pelo mundo afora para encontrar algum comprador para o projeto de exploração de potássio do Rio Colorado, na Argentina, suspenso em março.
O problema é que os eventuais interessados não confiam na chamada segurança jurídica do governo de Cristina Kirchner.

Por que será?
Sobrou para o Paes
É tradição antiga que a cidade ou o estado natal do eleito para a ABL pague o fardão.
Como FH nasceu no Rio, embora tenha feito política em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin se fingiu de morto. Sobrou para o prefeito Eduardo Paes.Coisa de uns R$ 65 mil.

Aliás...
Na outra encarnação, quero voltar alfaiate da ABL. Com todo o respeito.

Casa grande
A mansão de Neymar em Barcelona, para onde ele se muda nos próximos dias, tem dez suítes.

Teje preso!
A Polícia Federal tem hoje 600 importantes investigações em curso.

Tudo vale a pena
Autor do premiado “Fernando Pessoa: uma quase autobiografia”, o advogado José Paulo Cavalcanti Filho lançou pela Record um livro de citações do grande escritor português.
“Fernando Pessoa, o livro das citações” traz, em forma de dicionário, frases e verbetes sobre temas variados.

No mais...
É como disse Pessoa:
“O único homem feliz é o que não toma nada a sério.”

República das Abelhas
Autor de “O mistério do Leão Rampante”, que ganhou o Prêmio Jabuti, Rodrigo Lacerda acabou de escrever o primeiro volume da biografia, romanceada, do avô Carlos Lacerda.
O livro sai em novembro pela Companhia das Letras. Vai se chamar “A República das Abelhas”.

Por falar...
O cientista político Jorge Chaloub acaba de publicar na “Revista Estudos Políticos” um trabalho mostrando a diferença de estilo de Afonso Arinos e Lacerda, os dois grandes líderes da velha UDN. O primeiro atuava mais como teórico, e o segundo como ator político.
Para ele, “há algo de ideologicamente autoritário nas ideias de Lacerda, em que pese sua retórica liberal-democrata”.

Viva Marlene
A charmosa boneca da foto ao lado representa a cantora Marlene, a grande homenageada deste ano do Concurso de Marchinhas de Carnaval da Fundição Progresso. A boneca foi inspirada no primeiro álbum da cantora, de 1956. Marlene vai completar 89 anos em novembro.

Lá vêm as noivas
A 14ª Câmara Cível do Rio negou pedido de duas mulheres que gostariam de se casar. Alegou que o STF reconhece apenas união estável, e que o Código Civil e a Constituição preveem que o casamento seja entre homem e mulher.

Dançando no telhado
A bailarina mineira Morena Nascimento, que foi da companhia da alemã Pina Baush, vai dançar no teto de vidro do shopping Village Mall, na Barra, na terça, em evento de moda.

Deixa que eu te ame
Uma peça inédita de Alcione Araújo, que morreu em 2012, vai ser montada no Rio. A estreia deve ser em novembro, no Teatro Eva Herz, no Centro.
“Deixa que eu te ame” será dirigida por Aderbal Freire-Filho, amigo de Alcione, com direção musical de Edu Lobo.

Estranho amor...
A inspiração para a peça nasceu de um diálogo entre um casal, ouvido por Alcione numa noite no Baixo Leblon.
Ela pede “deixa que eu te ame”. A resposta é direta: “Deixo, se não me cobrar reciprocidade.”

Faroeste em Toronto
Dava volta no quarteirão, na noite de quinta, a fila para ver “Faroeste Caboclo”, o longa baseado na música de Renato Russo, no Festival Internacional de Toronto.
Era tanta gente que ontem teve uma nova exibição.

O céu é o limite - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 15/09

Se Celso de Mello votar pela aceitação dos embargos infringentes no mensalão, na quarta-feira, esses recursos serão usados também para rever a dosimetria das penas aplicadas aos condenados. Ministros do STF e advogados concordam que caberão infringentes -que têm poder de modificar o julgamento- nos casos de penas aplicadas com quatro votos divergentes. Nesse caso, até ministros que não votaram na dosimetria, pois tinham absolvido os réus, poderão se manifestar.

E aí? 
Diferentemente do crime de quadrilha, sobre o qual Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso já votaram no STF, não se sabe qual será o entendimento dos "novatos" quanto à lavagem de dinheiro, que pode suscitar infringentes para três condenados.

Pista 
Na sua sabatina no Senado, no entanto, Zavascki disse entender que a lavagem de dinheiro depende de um crime anterior para que fique caracterizada. "Lavar dinheiro significa um ato no sentido de dissimular um delito anterior. É da própria essência do crime", opinou.

Divisão 
No mensalão, votaram segundo essa tese Ricardo Lewandowski, José Antonio Dias Toffoli, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello, que absolveram vários acusados de lavagem, inclusive os três que podem se beneficiar de recurso: João Paulo Cunha (PT-SP), João Cláudio Genu e Breno Fischberg.

Recordação 
Interina no posto desde a saída da Roberto Gurgel, em 16 de agosto, Helenita Accioli mandou fazer cartões de visita em que aparece como procuradora-geral da República. Ela deve deixar o cargo nesta semana, com a posse de Rodrigo Janot.

Ganha e perde 
A oposição fez uma avaliação de que será danoso para Dilma Rousseff que o mensalão se arraste até a eleição de 2014. "Será ótimo para os réus e péssimo para a presidente, que nomeou quem agora os salva", resumiu um tucano.

Dados... 
A Justiça Federal determinou que o Cade encaminhe aos governos de São Paulo e do Distrito Federal todo o material apreendido nas empresas suspeitas de participação em cartel de licitações de trem e metrô.

... abertos 
O governo Geraldo Alckmin diz que o Cade está catalogando as informações colhidas nas sedes das firmas e deve entregá-las em novembro ou dezembro.

NSA 
Monitoramento do governo detectou anteontem boatos espalhados por uma página falsa no Facebook sobre o fim do Pronatec, programa federal de acesso ao ensino técnico. Horas depois, em Uberlândia, Dilma disse em discurso que o programa seria "permanente".

Barreira 
Levantamento feito pela Rede mostra que 53% das assinaturas de apoio ao partido protocoladas em cartórios do ABC paulista foram rejeitadas. O índice fica acima da média do Estado (35%) e é mais que o dobro da média nacional (24%).

Transparência 
Cartório eleitoral de Salvador (BA) afixou cartaz em que anunciou a suspensão do atendimento ao público, sem previsão de retorno, em razão de doença da única servidora que trabalha naquele turno.

Otimista? 
Do senador Humberto Costa (PT-PE), sobre as movimentações de Eduardo Campos (PSB) rumo ao Planalto: "Ele não vai disputar a Presidência. Se fosse, já teria entregado os cargos de seu partido no governo".

Pega leve 
O PSDB vai brecar as articulações para ter o apoio do PMDB à reeleição de Alckmin. Tucanos receberam de aliados de Michel Temer um recado de que as negociações prejudicam a relação do vice com o PT.

tiroteio

"Quando um ministro do STF diz que não se importa com a opinião pública, só podemos esperar dele a aposentadoria compulsória."

DO DEPUTADO JÚLIO DELGADO (PSB-MG), sobre a declaração do ministro Luís Roberto Barroso de que "parece irrelevante a opinião pública" no mensalão.

contraponto


Seleção natural
Ao posar para fotos durante o lançamento do projeto de um parque no bairro paulistano da Mooca, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que é torcedor do Santos, fez uma brincadeira e cobriu o símbolo do Corinthians que estava estampado no uniforme de seu ex-assessor e tesoureiro do PSDB do município, Fabio Lepique.

Com bom humor, Lepique se virou para os fotógrafos e devolveu a brincadeira:

-Não tem problema. O importante é a evolução da espécie. O governador é santista, mas os dois filhos dele são corintianos!