domingo, agosto 18, 2013

Em que planeta a gente vive? - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 18/08


Tem pessoas que vão a Londres só para fazer um tour pelas suas exposições: é uma cidade reconhecida pela oferta inesgotável de museus e galerias, cujo acervo abrange todos os períodos, artistas e tendências. Enquanto estive lá, um dos pontos altos da programação cultural era a mostra do holandês Vermeer na National Gallery, mas o que me emocionou de forma profunda foi Sebastião Salgado, fotógrafo brasileiro reconhecido mundialmente, que com seu atual ensaio chamado Genesis, em exposição no Museu de História Natural, eleva ainda mais o status da fotografia como obra de arte.

Sebastião Salgado sempre esteve comprometido com o meio-ambiente e é inclusive diretor do Instituto Terra, que promove ações ecológicas e de sustentabilidade desde muito antes disso virar moda. Com o olhar afiado para enquadrar a relação entre os homens e o planeta, dessa vez ele se dedicou prioritariamente a retratar a natureza em sua forma mais primitiva, e o resultado é difícil de descrever em palavras: o que vemos é uma beleza dramática que pulsa, tem vida, salta da parede e nos arrebata como se estivéssemos vendo pela primeira vez algo que não suspeitávamos existir.

E é isso que intriga, pois sabemos que existem geleiras, rios, montanhas, planícies, florestas, mas dessa vez elas nos são mostradas como se não coabitássemos o mesmo planeta. E a verdade é que não coabitamos mesmo. Abra um mapa: fazemos parte do todo. Mas é uma relação representada num papel, não de fato.

O fotógrafo viajou oito anos pelo globo captando imagens no Alaska, na Patagônia, no Sudão, sempre extraindo a força do essencial e nos obrigando a reconhecer o quanto vivemos apartados do planeta. Nós, moradores das cidades, estamos tão engajados numa rotina de velocidade, asfalto, tecnologia, motores e eletricidade que fundamos um planeta próprio, cujo nome “Terra” soa até inapropriado.

Fazemos excursões turísticas àquele outro planeta que fica fora dos limites urbanos, e também o fotografamos para enfeitar nossos porta-retratos, mas Sebastião Salgado faz bem mais do que isso: ele resgata a origem de tudo, aquilo que nunca dependeu do progresso e que ainda resiste com magistral integridade. E não bastasse essa manifestação de certa forma política, que nos conscientiza sobre nosso afastamento das fontes naturais de sobrevivência, ele ainda o faz com um senso estético arrebatador: suas fotos assemelham-se a uma ópera, não é coisa para amadores. O homem é um gigante.

A mesma mostra está em exposição no Rio de Janeiro e no início de setembro aterrissará em São Paulo.

Se estiver ao seu alcance, não perca. É uma rara oportunidade de estabelecer uma conexão que tem caído a cada dia: a nossa com o planeta real.

Prisão não resolve - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 18/08

Entre as duas mil pessoas ouvidas na pesquisa do CESeC, da Universidade Candido Mendes, que tenta entender o que os cariocas pensam sobre as drogas, apenas 30% apostam que a prisão de usuários ou traficantes é a melhor forma de conter o consumo.

Educar é melhor...
É que, segundo a socióloga Julita Lemgruber, que coordenou o trabalho, a imensa maioria defende uso de campanhas informativas e tratamento adequado aos usuários problemáticos.

Eleição 2014
Dilma prepara, como se sabe, um pacote de obras para inaugurar na campanha eleitoral do ano que vem.
A lista deve incluir a refinaria Abreu e Lima, em construção em Recife, terra de Eduardo Campos.

Só dá Vinicius 1
Uma gravação de “Garota de Ipanema” feita em 2000, pelo falecido cantor Emílio Santiago, estará num CD que a Sony lança, em outubro, em homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes.

Só dá Vinicius 11...
Salvador, onde o Poetinha morou uns tempos, receberá, dia 12 de setembro, um show pelo centenário.
Vai reunir Toquinho, o parceiro fiel, João Bosco e Mônica Salmaso.

No mais
A história foi contada pela escritora Nélida Pifion, que também condena o abuso do uso de palavras estrangeiras por aqui.
Em 1571, a rainha Elizabeth I foi à inauguração da “Bourse”, mercado em Londres, e disse aos comerciantes que não tinha gostado do nome francês do lugar. Por causa disso, os ingleses passaram a chamá-lo de “Royal Exchange”.

À direita do PSDB
A página do Facebook do Partido Novo, em organização, já tem mais de 360 mil curtidas.
Seu presidente, João Dionísio Amoedo, carioca de 50 anos, é sócio da Casa das Garças, conhecida como ninho de tucanos, quer um partido de centro-direita, à direita do PSDB.

Liberal...
Um dos que apoiam a legenda é o economista Rodrigo Constantino, presidente do Instituto Liberal.

Ai, meus tímpanos!
Em tempos de protestos sem fim, a empresa Condor, que fornece armas não letais, exibe amanhã numa feira de segurança, no Riocentro, um apito que alcança 151 decibéis de potência que, segundo a empresa, é capaz de dispersar a turba “sem danos aos tímpanos”. É. Pode ser.

Show de rocle...
Para se ter uma ideia, cem decibéis equivalem a estar a menos de um metro de uma caixa de som em um show de rock.

Parece desrespeito. E é!
Esta imagem de São João, que fica na Câmara de Vereadores de Niterói, foi vítima de vandalismo. Manifestantes que ocupam o lugar puseram este cartaz e trocaram o cajado do santo por uma vassoura.

Vidi Hall
As meninas da Zona Sul que frequentam o baile funk do Morro do Vidigal o apelidaram de... Vidi Hall (em referência ao Citibank Hall).
A “onda” é subir de mototáxi. O baile é organizado por moradores.

Acredite
Sabe qual é o novo tema-sensação das festas infantis?
A funkeira Anitta.

Chega de vice!
Uma pesquisa do AshleyMadison.com, site de, digamos, puladas de cerca, mostra que, entre as 44 mil mulheres inscritas, 26% torcem para o Vasco, cuja torcida gosta de dizer que é o time da virada. Com todo o respeito.

Segue...
Entre os homens inscritos no site de saliência fora do casamento, os mais danadinhos são os torcedores do Flamengo, com 41%. Em segundo estão os tricolores, com 23%.

Cena carioca
Na manhã de sexta passada, no ponto de ônibus perto do BarraShopping, um senhor olhou para uma mulher e disse: “Quando te vejo, fico revoltado.”
Obviamente, ela perguntou o porquê. Então, o velhinho, com seus mais de 80 anos: “Por ter nascido tão antes de você.”
Há testemunhas.

A ESQUADRILHA DA FUMAÇA
A recente legalização da maconha no Uruguai reacendeu, naturalmente, o debate sobre o uso da droga no mundo todo.
Mas Israel Beloch, do grupo Memória Brasil, remexeu o baú da História e mostra que o tema é abordado há muito tempo por aqui e até mesmo no sentido folclórico. O historiador lembra que em “Caatingas e chapadões”, o cientista Francisco de Assis Iglesias descreve que ficou impressionado em suas viagens pelo interior do Maranhão e do Piauí nos idos de 1912 a 1918, há um século, portanto, com o hábito dos sertanejos de fumar maconha, lá conhecida como diamba.

No livro, Iglesias relatou a multiplicação de verdadeiros “clubes de diambistas”, cujos efeitos maléficos criticou acerbamente. Num deles, recolheu a seguinte cantoria entoada no barato coletivo:

“Ó diamba, sarabamba!/ Quando eu fumo a diamba/ Fico com a cabeça tonta,/ E com as pernas zamba/ Fica zamba, mano?/Dizô! Dizô!”

NA MINHA TERRA...
Israel Beloch lembra ainda o escritor e psiquiatra sergipano Garcia Moreno, cujo trabalho foi citado por Câmara Cascudo, no seu “Dicionário do folclore brasileiro”.
Veja o que Garcia, que é autor de livros como “Aspectos do maconhismo em Sergipe”, de 1946, e “O sexo da maconha”, de 1948, diz:
“A maconha tem seus segredos e técnicas até na colheita. Há os pés machos e fêmeas. Os machos de nada servem. Colhê-los assoviando ou na presença de mulher menstruada troca o sexo da planta, a planta fêmea ‘macheia’ e perde as virtudes.”
Ah, bom!

Idade da informação - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 18/08

Os jovens desinteressaram-se pela política, o que contribuiu para tornar mais fácil a ação dos corruptos


O que move as pessoas a atuar politicamente é a opinião, que, por sua vez, nasce da informação, do conhecimento. É óbvio que, se não sei o que se passa em meu país, não posso ter opinião formada sobre o que deve ser feito para melhorar a sociedade.

Não estou dizendo nada de novo. No passado, em diferentes momentos da história, quem governava era apenas quem tinha poder econômico e, por isso mesmo, mais conhecimento da situação em que viviam.

E, na medida em que a educação se ampliou e maior número de pessoas passou a ter conhecimento da realidade social, ampliou-se também a influência da população sobre a vida política. Dessa evolução nasceria a democracia.

Óbvio, no entanto, que esse aumento do nível de informação não significa que a informação é sempre verdadeira e, consequentemente, as escolhas, que faz o eleitor, nem sempre são corretas.

Há erros e acertos, claro, mesmo porque cada partido político procura levar o eleitor a ter uma opinião que lhe seja favorável. Isso implica em conquistar-lhe a confiança nem que seja às custas de mentiras e espertezas.

Há, sem dúvida, o político competente e honesto, que não precisa enganar o eleitor mas, pelo menos do Brasil de hoje, esse tipo de político é exceção.

Deve-se assinalar também que o grau de informação --e consequentemente a consciência política-- tanto pode ampliar-se como reduzir-se em determinadas condições.

Aqui no Brasil, a impressão que se tem é de que, nas últimas décadas, esse grau de consciência diminuiu, e isso se deve, creio eu, à derrota do socialismo em escala mundial.

O socialismo, bem ou mal, em que pese aos equívocos que continha, estimulava os jovens a participar politicamente e ter uma visão crítica da sociedade. O fim do socialismo levou à desilusão e ao desânimo, o que determinou a dissolução dos partidos de esquerda em quase todos os países.

No Brasil, não foi diferente. Não tenho dúvida de que esse fato contribuiu para a decadência dos valores políticos, da ética partidária e o inevitável predomínio do oportunismo político e da corrupção.

Por outro lado, os jovens, de modo geral, desinteressaram-se pela política, o que contribuiu para tornar mais fácil a ação dos corruptos e oportunistas.

Outro fenômeno decorrente disso foi --como ocorreu aqui-- a formação de uma casta que tomou conta da máquina do Estado, facilitada pela decrescente participação das pessoas no processo político. O Estado foi sendo dominado por famílias e grupos que passaram a dividir entre si os organismos políticos e administrativos.

Pode-se dizer que, de certo modo, a sociedade passou a ignorar o que fazem os políticos, tornando-se assim presa fácil das mentiras e das medidas demagógicas.

Como explicar, no entanto, dentro desse quadro, as manifestações que ocuparam as ruas nos últimos meses e que, em menor grau, prosseguem por todo o país?

Acredito que esse fenômeno, que a todos surpreendeu, decorre basicamente da quantidade de informações a quem têm acesso hoje milhões de pessoas no país, graças à internet.

Não é por acaso que manifestações semelhantes têm ocorrido em muitos países, possibilitando a mobilização de verdadeiras multidões.

Veja bem, as causas do descontentamento variam de país a país, os objetivos visados pelos manifestantes também, mas não resta dúvida de que em nenhum outro momento da história tanta gente teve acesso a tanta informação.

Pode ser que estejamos vivendo o início de uma nova etapa da história humana, já que nunca tantas pessoas souberam tanto acerca da sociedade em que vivem.

Há que considerar, no entanto, que nem sempre essas informações são verdadeiras e, mesmo quando verdadeiras, podem levar a conclusões nem sempre corretas.

Em suma, esse fenômeno novo, que mobiliza a opinião pública, ainda que signifique um avanço, pode arrastar as pessoas a uma atuação de consequências imprevisíveis. E por quê?

Por várias razões, mas uma delas será, certamente, o risco do inconformismo pelo inconformismo, sem objetivos definidos e sem lideranças responsáveis.

Rónai - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 18/08

Quais as nossas possibilidades de não decepcionar o amor de alguém como Rónai pelo nosso país?


Ganhei de Hélio Eichbauer, como presente de aniversário, um livrinho precioso (entre outros cheios de interesse, ofertados por outros amigos, a que talvez venha a me referir aqui um dia): “Como aprendi o português e outras aventuras”, de Paulo Rónai. Conhecia Rónai de fama e principalmente pelas traduções de Balzac, por ele coordenadas, comentadas e introduzidas, que são um capítulo à parte em minha formação pessoal. Mas o pequeno livro que começa contando como ele, já adulto e professor na Hungria, aprendeu, sozinho, a nossa língua — a língua de um país onde ele então nem sonhava que iria parar — é um encantamento de leveza e profundidade. Rónai não contava com a possibilidade de que o crescimento do nazismo e do fascismo, com a guerra que produziu, o empurrasse para este país maluco, que ele tratou com tanta sobriedade, e no qual se entranhou de modo tão natural.

No livro, além da breve narrativa de como ele entrou em contato com a língua de Camões (que, aprendida em livros, não pôde ser reconhecida nos sons lusitanos, quando ele passou por Lisboa a caminho do Novo Mundo, mas foi reencontrada nos primeiros brasileiros que ele encontrou ao aqui aportar, trabalhadores que lhe portavam a bagagem e funcionários da alfândega), há compartilhamento de segredos da língua magiar (desde a informação — que eu já encontrara no “Budapeste” de Chico Buarque — de que todas as palavras húngaras têm acentuação tônica na primeira sílaba, fato que me parece enigmático e que tenho dificuldade de tentar reproduzir na cabeça, até a onipresença do cachorro nos provérbios e ditos húngaros), um artigo sobre a presença mundial de Camões e “Os lusíadas”, e sugestões para o aprimoramento do ensino em nossas escolas. Fagulhas de diálogos com Guimarães Rosa e entusiasmada reiteração da amizade e admiração por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira se distribuem pelas páginas do livro.

Bate em mim de modo forte a informação de que esse livro de Paulo Rónai foi publicado em 1956. Foi o ano que passei no Rio. Foi o ano em que Vinicius e Tom Jobim compuseram e lançaram o “Orfeu da Conceição” (e que me levou a contar, de volta a Santo Amaro um ano depois, por causa de uma entrevista de Haroldo Costa sobre a peça, que entrevi na TV de um amigo dos meus primos em cuja casa eu morei naquele ano, que o então já famoso letrista Vinicius de Moraes, de quem meus colegas falavam no ginásio Theodoro Sampaio, era preto — o que o próprio Vinicius, sem saber, ecoou, anos depois, na afirmação, incluída no “Samba da bênção”, de que ele era “o branco mais preto do Brasil”). Fico imaginando o quanto eu ansiava, em Guadalupe, por algo como o livrinho de Rónai, sem imaginar que isso estivesse ao alcance de minha mão. E, agora, leio as palavras dele sobre nossa língua, nossa cultura e nossa vida estudantil à luz de tudo o que aconteceu nesses anos que nos separam daquele. À luz do que os brasileiros pedem hoje de seu sistema educacional.

Neste exato momento, estou me preparando para entrar no palco e fazer o show “Abraçaço” para que seja gravado em DVD. E tenho na cabeça o livro simples e rico de Paulo Rónai. Quais as nossas possibilidades de não decepcionar o amor de alguém como Rónai pelo nosso país? Como devemos medir nossas responsabilidades? Leio que o ministro Joaquim Barbosa tratou o colega Lewandowski de modo no mínimo inapropriado. E que o dólar subiu mais do que em 2009. Uma manifestação é tida como desproporcional por, contando com 200 participantes, ter parado o trânsito da cidade por mais de sete horas. O Capilé, o Fora do Eixo e mesmo a Mídia Ninja, me contam, vêm sendo linchados nas redes sociais. Quantos esforços temos que fazer para dar conta do que nos é apresentado pela realidade! Precisamos de calma e firmeza, destreza e maleabilidade, tudo num ritmo adequado à capacidade de superação de crises. A leitura surpreendente desse livro pequeno e despretensioso me deu uma lição inesperada de senso de medida, de elegância eficaz, de amor respeitoso e ponderado. Paulo Rónai não saberia o quão grato um semidesorientado menino de 14 anos de Guadalupe se sente, aos 71, à sua inteligência, sua serenidade e sua confiança. Sim, a confiança natural que emana das páginas de seu livro, confiança em nós, é o que mais me marcou nessa leitura. Rónai exala uma confiança instintiva no Brasil. Tentemos viver à altura.

Feira de Frankfute - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 18/08

Semana passada, recebi uma das notícias mais felizes na história de minhas fatigadas canelas


Sei que em nome da vaidade ou, ainda, de sua irmã mais jeitosa, a humildade, eu não deveria dizer esse tipo de coisa, mas lá vai: muitas vezes me imagino participando da Flip. Não é o auditório lotado que vejo em meus devaneios narcisistas, tampouco a fila de autógrafos ou o flash dos fotógrafos: a imagem que me vem à mente, sempre, é a do futebol.

Talvez o leitor não saiba, mas em toda Festa Literária de Paraty há uma pelada disputada pelos escritores --ou, ao menos, por aqueles cuja saúde permita bater uma bola sem bater as botas. Em minha quimera lítero-esportiva, saio driblando críticos, ultrapassando romancistas, desarmando contistas e, de calcanhar, de bicicleta ou trivela, estufo a rede. Finda a partida, recebo os cumprimentos de Roberto Schwarz, José Miguel Wisnik pede para trocar comigo a camisa, dou entrevista à revista "Serrote", dedicando a vitória à minha esposa, à Deus e --quem sabe?-- à professora Lucilene, do primário, pois sem ela...

Não é o meu talento ludopédico, claro, que me insufla tais delírios, mas bem o contrário: é do oco em que deveria residir minha habilidade que sopra a brisa da ilusão. Nas aulas de educação física, na escola, eu era aquele infeliz escolhido por último. Ainda trago na memória as cicatrizes causadas pelo olhar aflito do garoto a escalar o time, tendo de optar entre mim e a menina de cabresto nos dentes --por quem, ao fim, ele se decidia.

O sofrimento com o analfabetismo de minhas pernas durou até 2004, quando fui à primeira Flip e, assistindo à douta cancha, descobri que o desempenho futebolístico dos escritores era inversamente proporcional às suas virtudes literárias. Percebi, ali, que havia esperança: entre os grandes das letras, pelo menos, eu poderia ser um craque da bola. Desde então, a cada ano, sempre que se aproxima a escalação para uma nova festa literária, cozinho algumas insônias na chama da expectativa, mas, para minha frustração, nunca encontro meu nome na lista.

Pois, semana passada, Charles Miller debateu-se em seu túmulo e eu recebi uma das notícias mais felizes na história de minhas fatigadas canelas. Fui selecionado pelo Instituto Goethe para integrar o time de escritores brasileiros que irá à Feira de Frankfurt, em outubro, enfrentar os alemães da Seleção Nacional de Autores, a "Autorennationalmannschaft" --ou Autonama, para os íntimos.

Nesta ensolarada (espero) manhã de domingo, enquanto você toma descansadamente seu café, eu e mais 15 escritores brasileiros suamos a camisa, no primeiro treino coletivo do escrete da escrita. Sabemos o tamanho da responsabilidade: somos, simultaneamente, a pátria de chuteiras e de teclados, temos menos de dois meses e, tomando a mim mesmo como medida, imagino que o caminho será tortuoso. Há, contudo, dois dados animadores: do outro lado do campo também haverá escritores e nosso técnico é ninguém menos do que Pepe, o "canhão da Vila".

A ver se, nestas oito semanas, sob a batuta de um dos maiores pontas-esquerdas da história, deixo de ser canhestro e sigo apenas canhoto, mostrando que, com fé em Deus e obedecendo a orientação do professor, é possível, apesar de ser "gauche" na vida, fazer bonito pela sinistra nos gramados do velho mundo.

Que vença o pior!

Mais que um prato de comida - JAIRO BOUER

O ESTADO DE S. PAULO - 18/08

O Senado aprovou na última semana uma lei que proíbe a venda de bebidas de baixo teor nutricional e alimentos que têm quantidades elevadas de açúcar, gordura ou sódio nas: cantinas das escolas de educação básica no País. A medida ainda precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados e sancionada pela Presidência para passar a valer.

A ideia por. trás da lei é tentar reduzir o número crescente de crianças com sobrepeso e obesidade no Brasil e emplacar uma dieta maís saudável desde cedo, o que contribuiria para diminuir problemas como níveis elevados de colesterol e de pressão arterial, que vêm aparecendo precocemente nos jovens.

A questão não é exclusiva daqui. Boa parte do mundo (e não apenas os países ocidentais) assiste a uma epidemia crescente de excesso de peso e de doenças relacionadas. O problema tem sido detectado já na infância, o que aumenta a chance do adolescente e do adulto virem a se tornar obesos também.

A questão não está apenas na dieta alimentar, mas nos hábitos de vida, que parecem ter se transformado de forma mais aguda nas últimas décadas. Os jovens estão mais sedentários, fazem menos atividades físicas com regularidade e passam muito mais tempo na frente de TVs e computadores. A maior urbanização do País e o aumento da violência são apontados também como fatores que aumentaram o tempo que se passa dentro de casa.

A modernidade e as diversas tecnologias facilitam a vida do ser humano e fazem com que se gaste menos energia para tarefas que habitualmente davam mais trabalho. Algumas pesquisas apontam que a cada botão que automatiza uma função (abrir e fechar a janela d.o carro, por exemplo) ou a cada novo controle remoto que aparece em nossas vidas, existe o risco de ganho extra de um quilo de peso por ano.

Com a melhora do poder de compra da população brasileira na última década, foi natural a aquisição de mais bens de consumo, que podem ter tomado a vida doméstica mais fácil, mais atrativa e mais sedentária. Além disso, a população encontra alimentos industrializados e calóricos mais baratos do que alimentos mais saudáveis (frutas, grãos, legumes, verduras, carnes), que ainda exigem maior tempo de preparo. ; Na correria das grandes cidades e no aperto do orçamento, fica ainda mais evidente a troca das proteínas e sais minerais pelas gorduras saturada s e pelos carboidratos. Além disso, o maior poder aquisitivo não veio junto com uma educação alimentar satisfatória da população. Faltou explicar em campanhas e nas escolas públicas o que pode fazer bem e o que certamente faz mal ao peso e à saúde.

Dessa forma, mudar os alimentos nas cantinas pode ser um bom começo mas, sem interferir no que a família está comendo (reeducação alimentar) e em como ela tem se comportado em relação a hábitos mais saudáveis, fica difícil mudar a situação no País.

A questão é, de fato, complexa. O Reino Unido que, por exemplo, adotou há alguns anos uma mudança no perfil: dos alimentos nas escolas e incentivou maior comunicação com os pais sobre o tema, nas últimas semanas lançou: novas recomendações para que educadores e profissionais de saúde tomem muito cuidado ao lidar com os pais de crianças com problemas de peso. Cartas e mensagens dizendo que o filho está obeso ou com sobrepeso têm deixado muitos pais enfurecidos e frustrados. Eles têm interpretado a questão do peso excessivo como uma falha na sua função como pais, o que tem afastado as crianças dos devidos cuidados.

Os jornais ingleses chamavam a atenção para casos de algumas crianças que já ultrapassavam os 100 kg. Esse outro ponto é pouco observado: a forma como os pais lidam com a questão do peso diretamente com seus filhos. O tema é muitas vezes um tabu!

Um filme lançado na Europa em agosto muito interessante sobre a questão é Paradise: Hope (www.siff.net/festival-2013/paradise-hope), em que uma mãe austríaca leva uma adolescente obesa de 13 anos para passar suas férias internada em um "diet camp" (acampamento para perda de peso). A falta de diálogo sobre o tema entre mãe e filha e a imposição de um regime de emagrecimento forçado mostram como essa tentativa pode redundar em um total fracasso. Vale uma espiada!

Bóson de Higgs e simetrias - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 18/08

A partícula Higgs confirma a unificação das forças fraca e eletromagnética, mas o que isso quer dizer?


Passados três anos da publicação do meu livro "Criação Imperfeita", achei oportuno revisitar, hoje e esporadicamente, alguns de seus temas tendo em vista novas descobertas da física e da astronomia.

Para os leitores que não conhecem a obra, nela essencialmente proponho uma nova estética da natureza, baseada na imperfeição e nas assimetrias. Essa noção vai contra a ideia dominante das ciências naturais, onde a simetria tem uma papel fundamental.

Claro, isso sempre continuará a ser o caso, mas o que muda é a interpretação dessas simetrias, que deixam de ser fundamentais e passam a ser ferramentas que usamos na descrição do mundo.

Tomemos então nossas teorias que descrevem as partículas de matéria. Elas também são aproximações, descrições matemáticas dos dados que coletamos no laboratório. Nessas teorias, vemos que existem certos padrões de ordem, regularidades nas propriedades das partículas de matéria.

Em geral, essas regularidades são descritas por simetrias. Conhecemos quatro forças que chamamos de "fundamentais". Esse adjetivo, a meu ver, é equivocado, pois não sabemos se existem outras forças na natureza. As quatro que conhecemos são as que podemos medir com nossos instrumentos. Possivelmente, não são as únicas. De qualquer forma, cada força tem uma ou mais simetrias associadas a ela.

Das quatro forças, duas são familiares, a gravidade e o eletromagnetismo. As outras duas agem dentro do núcleo atômico, as forças nucleares forte e fraca.

Em julho de 2012, cientistas do laboratório europeu Cern anunciaram a descoberta de uma nova partícula, o famoso bóson de Higgs. Sua importância é imensa. Ela é a partícula que dá massa a todas as outras, com exceção do fóton, a partícula de luz, que não tem massa. A partícula Higgs havia sido prevista nos anos 60, caso as forças fraca e eletromagnética pudessem ser descritas conjuntamente. O fato de a partícula Higgs ter sido descoberta confirma essa unificação de forma espetacular. Porém, precisamos ter cuidado com a interpretação dessa unificação. O que ela quer dizer?

Na prática, significa que as duas forças comportam-se de forma semelhante acima de certas energias. Podemos investigar o comportamento da matéria a energias diferentes. Você pode fazer isso atirando uma laranja contra a parede com velocidades diferentes. Quanto maior a velocidade, maior a energia do impacto e mais você "descobre" sobre a composição da fruta.

Quando cientistas investigam como as forças fraca e eletromagnética comportam-se a energias muito altas, veem uma semelhança. Na descrição da teoria, as duas forças aparecem juntas. Mas não como uma única força. A simetria que foi descoberta é uma aproximação. (Físicos expressam isso dizendo que "a teoria tem duas constantes de acoplamento", ou seja, as duas forças não perdem a sua individualidade.)

Toda simetria na natureza é uma aproximação. A "unificação" das forças fraca e eletromagnética não reúne as duas forças em uma única simetria. Mesmo que seja triunfo da inventividade humana --tanto a teoria quanto a sua verificação experimental--, ela não é uma unificação real.

O vovô espião - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O ESTADÃO - 18/08

O que ele tinha no ouvido não era aparelho para surdez coisa nenhuma

A culpa foi da combinação de duas novidades que deixaram as crianças alvoroçadas: a notícia de que os americanos estavam espionando o Brasil e o novo aparelho para surdez do vovô. Foi o Henriquinho, chamado de Riquinho na família e que, sendo o mais velho, era uma espécie de chefe dos netos quem ligou os dois fatos e concluiu: o que o vovô tinha no ouvido não era aparelho para surdez coisa nenhuma. Era um transmissor e receptor em miniatura. Para irmãos e primos reunidos, o Riquinho anunciou que o vovô estava em contato permanente com os americanos através do aparelhinho. O vovô era um espião.

O Riquinho, que estava aprendendo inglês, passou a só falar em inglês perto do ouvido do avô.

– Hello. How are you? O avô ria e respondia:

– I am very well, thank you. – Eu não estava falando com você, vovô.

– Estava falando com quem?

– Com o Obama. O avô não entendia mas ria assim mesmo.

Os netos receberam instruções detalhadas do Riquinho sobre como se comportar perto do avô. Não deveriam dizer nada ao alcance do seu aparelhinho no ouvido que pudesse comprometer a segurança nacional. Principalmente, não deveriam tocar em assuntos estratégicos, sob pena de serem considerados traidores da pátria. Ninguém sabia o que era “estratégico” mas todos concordaram, solenemente. E quando o avô tentou segurar Luana, a menorzinha, no colo e perguntou “quem é a belezinha do vovô?” ela esperneou, se libertou e saiu correndo, gritando.

– Não posso dizer!

Como ia saber que aquele não era um assunto estratégico?

Os adultos estranharam a mudança no comportamento dos netos com o avô. Nem lhe pediam mais as coisas que costumavam pedir, e o vovô sempre dava. O que estava acontecendo? Finalmente Riquinho, como porta-voz dos outros, explicou que não aceitavam mais as brincadeiras do avô, nem seus presentes, porque seria como confraternizar com o inimigo.

– Com o inimigo?! Mas por que o vovô é inimigo?

E Riquinho contou sua teoria sobre a função do aparelhinho que o avô tinha no ouvido. Vovô era um espião dos americanos. Se os americanos resolvessem atacar o Brasil, seriam guiados por agentes infiltrados como o vovô. Já dava para desconfiar, com a paixão que o vovô tinha por tudo que era americano. Ele até assinava o Reader´s Digest.

– Mas o vovô é surdo. Por isso usa aquele aparelhinho.– Pode ser um disfarce.

No primeiro almoço de domingo depois da revelação do Riquinho, o vovô pediu a palavra. Precisava fazer uma comunicação importante. Consultara o presidente Obama e ouvira dele a promessa de que, caso os drones americanos bombardeassem o Brasil, as casas dos seus familiares seriam poupadas. Ninguém da família precisava se preocupar. Os netos todos festejaram, e o Riquinho agradeceu ao vovô, que disse:

– Não agradeça a mim, agradeça ao presidente Obama.

E ofereceu o ouvido com o aparelhinho para o Riquinho gritar: – Thank you, Mr. Obama!

Formigas na rapadura - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 18/08

Acho que todo mundo lembra o que disse num discurso o presidente Kennedy: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer por seu país.” Eu estava lendo os jornais e aí me ocorreu, como já deve ter ocorrido a muitos de vocês, que nossa prática política se orienta por uma atitude oposta a essa exortação. Ou seja, queremos saber o que o Brasil pode fazer por nós, mas não alimentamos muita curiosidade sobre o que podemos fazer pelo Brasil. Isso se expressa no comportamento de nossos governantes, que não disputam nada pensando no país, mas em abocanhar ou manter o poder, aqui tão hipertrofiado, abarrotado de privilégios e odiosamente infenso ao controle dos governados.

Para que mais, a não ser desfrutar desses privilégios, não se sabe, porque não existe projeto, além da cantilena sobre justiça social, saúde para todos, educação de qualidade e outras generalidades com as quais todos concordam. Que modelo de estrutura socioeconômica queremos, que Estado queremos, que país queremos, como chegaremos lá? Que propostas concretas são oferecidas? Ninguém diz — e os programas partidários, como os próprios partidos, causam constrangimento, pela ausência de ideias e compromissos sérios. O negócio é se eleger e se abancar, depois se vê o que se pode fazer, conforme a necessidade e a serventia para a permanência no poder. Na pátria, como se falava antigamente, ninguém se mostra muito interessado.

Tudo o que se faz hoje é visando às eleições, ou seja, a continuação no poder ou ascensão a ele. Descobriram agora essa lambança das concorrências em São Paulo, que não é propriamente inédita na história nacional, e grande parte da reação parece do tipo “viu, viu? nós rouba, mas cês também rouba!” Todo mundo na vida pública rouba, o que pode não ser uma afirmação justa, mas já virou axioma na descrição de nossa realidade e um dado importante em qualquer equação política. Invoca-se o princípio da falcatrua consuetudinária. Ou seja, se é ilegal, mas costumeiro, prevalece o costume e é considerado sacanagem e falta de coleguismo fazer denúncias ou querer punições. Que outras novidades têm para nos segredar? Quem não aposta que nada vai dar em nada?

O Estado às vezes parece ter as pernas bambas. Recomeçou o dramalhão do julgamento do mensalão e muita gente não entende mais nada, a começar por esse singular minueto processual, através do qual o Supremo Tribunal Federal vira penúltima instância, dia sim, dia não. Todo mundo quer saber se as sentenças emanadas do Supremo eram à vera ou não eram, devia ser simples de responder. Essa novela vai por aí, se arrastando já há não se sabe quanto tempo, todo dia aparece uma notícia inesperada e creio que nenhum de nós se surpreenderá se, esta semana, for noticiado que a decisão final do Supremo estará condicionada à resposta a uma consulta feita pela Câmara de Deputados, ou coisa assim, o que, com a gripe que atacou um ministro, o impedimento de outro, e o atraso de outro, leva o caso, para que tenhamos certeza de uma decisão justa, para depois do recesso do Judiciário, no próximo ano.

Vimos também a cena envaidecedora em que nosso ministro das Relações Exteriores se manifestou, conforme ouvi num noticiário, “com dureza”, sobre a espionagem cibernética americana, numa fala dirigida em pessoa ao secretário de Estado John Kerry. Disse umas verdades na cara do gringo, que o escutou com atenção, cortesia e respeito, para logo após retrucar que nos devotava desmesurado amor e descomedida amizade, mas continuaria a espionar e, acreditássemos, era para o nosso próprio bem. Se não gostarmos, claro, temos todo o direito de nos queixar ao bispo, ele compreende.

Esse mesmo ministério, aliás, deve estar às voltas com o perdão de dívidas milionárias que alguns países africanos têm com o Brasil. Comenta-se que isso é por causa do esquerdismo do atual governo, notadamente em sua política externa. Comenta-se também que o perdão dessas dívidas possibilita que os governos beneficiados fechem novos contratos com empreiteiras brasileiras. É o que dá o envolvimento com setores notoriamente de esquerda, como nossas empreiteiras, essa linha avançada do socialismo. Há apenas um ligeiro embaraço na coisa, pois se sabe que as empreiteiras, com toda a certeza, vão receber o dela, mas os financiadores, ou seja, nós, vamos contribuir mais uma vez para os crimes e as contas bancárias de déspotas, genocidas e saqueadores de riquezas nacionais

No cada vez mais fugidio setor de grandes realizações, a complexa coreografia governamental se tem exibido em torno do trem-bala, que o pessoal lá do boteco deu para chamar “trem-bala perdida”. O trem-bala é um exemplo notável de aumento de custos recordista, talvez sem precedentes em todo o mundo, porque já perdemos a conta de quantas vezes esses custos foram revisados para cima. E agora li não sei onde, maravilhado com os nossos mecanismos de distribuição de renda, que, mesmo que se venha a desistir do trem-bala, o custo dele já terá sido mais ou menos um bilhão de reais. Não entendi direito, mas não se pode deixar de manifestar admiração.

Diante dessa sarabanda agitada e da luta para não largar o osso, lembro-me de quando eu era menino em Itaparica, punha um pedaço de rapadura no chão e ficava esperando formigas brotarem do nada, várias espécies que só tinham em comum gostar de açúcar. Umas ruças, grandalhonas, eram minhas favoritas, porque ficavam frenéticas e não paravam um segundo, para lá e para cá, em cima da rapadura, apesar de que, volta e meia, uma parecia se saciar e caía imóvel — dura para trás, dir-se-ia. Eu não sabia, mas estava vendo o Brasil, só que as formigas não se saciam e quem cai para trás somos nós.

Dilma e Marina! Luta no gel! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 18/08

Adorei a coletiva do Alckmin: 'Não houve cartel só em SP'; tradução: se todo mundo rouba, a gente pode também!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Agosto quente: Mensalão X Trensalão! E Rock in Rio já era! O Piauí Herald revela que agora teremos o "Black Bloc in Rio": os quebra-quebras acontecerão no Leblon com transmissão da Mídia Ninja!

E o Redator Bipolar: "Sírio Libanês Urgente: Sarney consegue um cargo público para a bactéria, ela voa pra Brasilia e o senador melhora". A bactéria se chama sarneizossaurus! Rarará!

E o Datafolha: ascensão de Marina! A Marina subiu na árvore. A Marinárvore! Diz que ela vai lançar um novo PAC: Programa de Aceleração do Cipó!

A Marina parece uma tartaruga sem casco! Vai dar jacaré em 2014: muié com muié! Dilma e Marina. Vão disputar em luta no gel! Tipo aquela luta livre de bolivianas!

Moral do Datafolha: Marina subiu na árvore e o Aécio subiu no telhado! Rarará!

E o Mensalão 2? O Mensonão! O mensalão só vai ter graça quando chegar no capítulo do Dirceu! E são tantos os acusados que não é mais banco de réu, é arquibancada!

E o trensalão? Adorei a coletiva-confessionário do Alckmin: "Não houve cartel só em SP". Tradução: se todo mundo rouba, a gente pode roubar também! "Vou processar a Siemens".

E a tuiteira Samara7days: "Já imaginou se a moda pega e o Maluf resolve processar todas as empreiteiras que deixaram ele rico?".

E o tuiteiro Avellar: "O Alckmin processar a Siemens é como se a minha mulher pegasse marca de batom na minha cueca e eu processasse o puteiro." Rarará!

E nós queremos metrô com serviço de bordo, banheiro limpo e na telinha "A Era do Gelo 6". Chega de vagão velho e trilho podre!

E um amigo meu cruzou com um carro de um argentino e a placa era: EGO 344! Rarará!

E "Amor à Vida"? "Amor à Bimba"! Paloma e Bruno: o Casal Pastel! Casal Groselha com Coristina D!

E o Malvino Salvador tem duas expressões: olho aberto e olho fechado! Rarará!

O Brasil é Lúdico! Olha essa placa em Pirenópolis, Goiás: "Vende-se CISNEIS". Tá certo: cisne é um animal chic. O plural de cisne é "cisneis". Parece aquela minha amiga granfina que foi pra Minas e voltou dizendo: "Comprei duas obras do Aleijadérrimo". E três cisneis! Rarará! Nóis sofre mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

A explicação - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 18/08

Já se especulou como a História seria outra se Adfolf Hitler tivesse se tratado com seu conterrâneo e contemporâneo Sigmundo Freud, em Viena. Curado dos seus complexos e de suas fobias, Hitler teria abandonado a ideia de dominar o mundo e vivido uma pacata vida de burguês, ou talvez se contentado em dominar só um quarteirão. O fascismo não passaria de uma breve erupção hormonal italiana e jamais chegaria à Alemanha, ou se chegasse seria sob um líder mais equilibrado.

Também se especula sobre o que aconteceria se, por alguma mágica, o diretor de admissões da Academia de Belas Artes de Viena fosse avisado de que deveria aceitar o pedido de matrícula de um certo Adolf Hitler sem fazer perguntas.

— Mas ele é um pintor medíocre.

— Aceita.

— Mas...

— Aceita!

Não avisaram a Academia das consequências de barrar a entrada de um certo Adolf Hitler e frustrar suas ambições artísticas e deu no que deu.

Falando em Hitler... Ainda não vi esse filme sobre a Hannah Arendt e não sei como é tratada a relação dela com Martin Heidegger, que foi seu professor e amante. Pelo que sei, ela nunca repudiou ou criticou Heidegger abertamente, mesmo depois da revelação de que ele não fora apenas simpatizante do nazismo, mas atuara, no meio acadêmico, como um ativo agente do regime, inclusive denunciando e perseguindo colegas que não seguiam a mesma linha. O crítico George Steiner escreveu sobre Heidegger e o paradoxo de intelectuais — outro citado por ele é o poeta Ezra Pound — que nos seus escritos defendem ideais clássicos de civilização e civismo (Steiner chega a dizer que Heidegger e Pound são os dois maiores mestres do humanismo do nosso tempo) e ao mesmo tempo se deixam seduzir pelo fascismo, com sua desumanidade evidente. Qual será a conexão invisível na contradição? O que torna a alta cultura tão incompreensivelmente vulnerável ao apelo da barbárie?

Talvez, tanto no caso do Heidegger fascista como no caso da Hannah Arendt compreensiva, a explicação seja, simplesmente, o amor. Do Heidegger, não pelo fascismo, mas pelo poder; da Hannah, pela lembrança de uma paixão intelectual e física mais forte do que qualquer julgamento moral.

Pirâmides de insensatez - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 18/08

Não é preciso ter dado aulas de Direito Constitucional em Harvard nem ter recebido o Prêmio Nobel da Paz ou ocupar o cargo de presidente dos Estados Unidos da América para saber que a troca de governo que derrubou o presidente egípcio Mohamed Mursi no início de julho foi um golpe militar. Barack Obama, com tantas credenciais, sabia.

Sabia, mas preferiu não saber. E perdeu a chance de fazer então o que talvez venha a ser compelido a fazer algum dia: cortar a ajuda militar anual de US$ 1,3 bilhão que os EUA fornecem às Forças Armadas egípcias desde 1979, para garantir a defesa de Israel. Pressionado pelas imagens dos mais de 600 cadáveres recolhidos nas ruas do Cairo após a matança desta quarta-feira, Obama anunciou apenas a suspensão dos exercícios militares conjuntos com o Egito, programados para setembro. Para muitos, foi muito pouco e veio tarde.

O contorcionismo verbal de Obama para não chamar o golpe de golpe, e neste caso ser obrigado por lei a suspender a ajuda, persistiu mesmo depois da fuzilaria. "Sabemos que muitos egípcios, milhões de egípcios, talvez mesmo uma maioria de egípcios pediam uma mudança de curso", comentou o presidente ao lamentar as mortes.

A convicção de que o cordão umbilical bilionário com o Cairo é vital aos interesses americanos se baseia na suposição de que ele permite aos EUA manter sua influência na região e exercer um papel decisivo nos rumos tomados pelos líderes do Egito. Só que tudo na evolução do golpe liderado pelo general Abel Fattah al-Sisi aponta em direção contrária.

Se a derrubada do caótico governo de Mohamed Mursi teve pontos de interesse comum para os militares egípcios e o governo americano - livraram-se da indigesta Irmandade Muçulmana no poder -, é possível que Washington tenha pouca serventia para os generais do Cairo agora que o golpe adquiriu dinâmica própria. O influxo de US$ 12 bilhões que a Arábia Saudita e os emirados do Golfo se apressaram a oferecer aos golpistas também empalidece bastante o poder de barganha americano.

Enquanto isso, é bom não esquecer, o primeiro presidente eleito do Egito continua preso e incomunicável em algum lugar do país.

O dilema de Washington tem a ver com o que a eterna voz dissidente de Noam Chomsky, professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT, chama de "Síndrome do planeta perdido". Ou seja, a difícil transição dos Estados Unidos para um mundo mais diversificado, mais salpicado de centros de poder.

Afinal, não faz tanto tempo assim que o país se encontrava no ápice de seu poderio, ao término da Segunda Guerra. Detinha a metade das riquezas mundiais e todos os seus competidores estavam ou arruinados ou destroçados pelo conflito. Essa posição de rara invulnerabilidade permitiu aos americanos desenvolver uma política de liderança mundial alicerçada em bases concretas. Apenas o império soviético tinha estatura de inimigo oficial.

Desde a ocorrência do primeiro desarranjo neste mapa hegemônico, porém - a arrancada solitária da China, em 1949 -, os Estados Unidos têm dificuldades de se acomodar à perda de influência. Como observa Chomsky, que tem ouvido dupla-mente AGUçado para o significado de palavras, o Departamento de Estado até hoje se refere ao episódio como "a perda da China". E já transcorreu mais de meio século. "Ora", diz ele, "você só pode perder o que você considera ser seu. O conceito ainda continua em vigor, baseado na premissa de que qualquer coisa que enfraqueça nosso controle é uma perda que devemos nos empenhar em recuperar. É um tipo de paranoia: se você não tem tudo, é um desastre. Só se fala em declínio da América. A capa de uma edição recente da 'Foreign Affairs', a principal publicação do establishment nacional, perguntava: 'A América acabou?'"

Longe disso. Este pode ser o momento para Barack Obama reatar a política americana com um elo do qual ela tem se desgarrado. Sabidamente, o atual ocupante da Casa Branca se notabilizou por perseguir uma diplomacia que procura brechas para estabelecer pontes com todos os regimes possíveis, por mais ditatoriais que sejam. É a chamada diplomacia "consequencial", da busca de resultados, em oposição a arroubos de indignação.

No dia seguinte ao massacre de quarta-feira, o escritor e jornalista americano James Traub engatou nesta linha de raciocínio para escrever um artigo. O texto, publicado no site da revista "Foreign Policy", logo se tornou viral. Ele termina assim:

"Eu gostaria de dizer que suspender a ajuda militar ao Egito agora é do interesse nacional dos Estados Unidos. Mas talvez não seja. Então digo que se trata de uma questão de autorrespeito nacional. Uma democracia precisa ser capaz de se olhar no espelho e aceitar o que vê, mesmo que não goste."



Este pode ser o momento para Barack Obama reatar a política americana com um elo do qual ela tem se desgarrado

À espera de Doha, OMC mantém relevância - CELSO LAFER

O ESTADO DE S. PAULO - 18/08

Participei em 23 de julho, em Genebra, a convite de Pascal Lamy, diretor-geral da OMG, de mesa-redonda com ex-presidentes do Conselho Geral da Organização. O objetivo foi duplo: discutir o recém-publicado livro de Craig VanGrasstek, The History and Future of the World Trade Organization, que trata da OMC desde seu início, em 1995; e refletir sobre suas perspectivas.

Para Lamy foi uma oportunidade de ver tratado o legado e o papel da OMC ao fim do seu segundo mandato, que exerceu com determinação e competência numa conjuntura internacional difícil. Esta conjuntura contrasta com o clima mais favorável à cooperação econômica da fase inicial da OMC, que vivi como embaixador do Brasil Genebra de 1995 a 1998, quando presidirem 1997, o Conselho Geral É esta conjuntura difícil de um mundo simultaneamente fragmentado e globalizado que ajuda a explicar as dificuldades que vêm emperrando ás negociações da Rodada Doha.

O diretor-geral exerce atribuições de gestão que lhe são conferidas e cumpre a função internacional de um terceiro imparcial entre os membros que integram o sistema multilateral de comércio. Ele pode aproximar as partes, mediar, buscar caminhos de convergência, mas não pode, por si só, equacionar, nas negociações, o desafio diplomático de encontrar interesses comuns e compartilháveis, administrar as desigualdades de poder e lidar com a diversidade dos valores.

Deste desafio tem consciência quem passou peia presidência do Conselho Geral, a instância de cúpula da estrutura da OMC. Nas atividades da Organização, seja no dia a dia da gestão de seus acordos ou na negociação de seus aprofundamentos, os países atuam no âmbito de seus conselhos e comitês de maneira muito ativa, porque as matérias neles tratadas têm impacto em suas economias. É por essa razão que a cultura diplomática da OMC realça sempre que eh é conduzida por seus membros - é member driven. São presidentes dos conselhos e comitês os diplomatas que lidam com essa cultura diplomática da OMC. Eleitos entre seus membros por consenso para um mandato de um ano, levando em conta os princípios de rotação e equilíbrio, devem ter a capacidade de transcender os interesses específicos do seu país e buscar uma imparcialidade que esteja a serviço dos objetivos comuns da Organização.

Os ex-presidentes do Conselho Geral, porque lidaram na prática com os desafios da OMC, puderam trazer sua contribuição para a reflexão sobre o legado e o futuro do sistema multilateral de comércio, que tem vocação para a universalidade, é hoje integrado por 158 membros e delibera pela prática do consenso.

Um dos méritos do livro de Craig é o de ter não apenas realçado o visível sucesso do seu sistema juridico de solução de contenciosos comerciais, mas também apontado 0 significado político e econômico da expansão do número de seus membros. De 1995 a 2012, mais 30 países se incorporaram à OMC - entre eles China, Rússia, Arábia Saudita - e 25 negociam seu processo de acessão. A acessão não é simples, envolve a negociação do candidato com todos os membros para harmonizar seu regime de comércio exterior com as normas da OMC e compatibilizar seus compromissos tarifários e em matéria de serviços com os assumidos pelos membros da Organização.

Os processos de acessão têm sido uma das mais ativas e constantes áreas de negociação da OMC e Craig expõe de maneira; pertinente que os ganhos para o sistema multilateral de comércio deles resultantes têm uma 1 dimensão comparável à que resultaria da conclusão da Rodada Doha. Assim a OMC, apesar dos impasses de Doha, não está parada: graças à dinâmica das acessões, mantém de pé a relevância do sistema multilateral de comércio, apesar das forças centrífugas inerentes à proliferação de acordos regionais.

Cabe também destacar a singularidade da OMC como órgão de governança, para a qual o livro de Craig oferece pertinente chave de entendimento. Em contraste com outras entidades internacionais, a OMC é fruto da multidisciplinar presença de ideias e ações de economistas, juristas e politólogos.

Os economistas têm e tiveram a função de destacar o papel do comércio internacional como caminho do desenvolvimento e apontar o potencial de ganhos recíprocos, para os países, dos processos de maior liberação dos fluxos econômicos.

Os politólogos e os diplomatas, que, na prática, lidam com o problema do poder na vida internacional, sabem do acerto da tradicional denominação da economia como economia política. Entendem, como observou o sociólogo Simmel, que o mercado é tanto a luta de todos, a favor de todos quanto a luta de todos contra todos. É por isso que o problema do poder permeia a vida econômica e as negociações comerciais envolvem uma dupla negociação: para dentro dos países, porque os processos de liberação comercial têm, no plano interno, efeitos redistributivos; e para fora, pois os interesses de acesso aos mercados são tanto ofensivos quanto defensivos e passam, na sua variedade, pelos distintos perfis das economias nacionais.

Os juristas, por sua vez, têm ciência de que a sociedade e o mercado não operam no vazio. Requerem normas para o seu bom funcionamento. Foi por isso que a OMC, graças à reflexão jurídica, criou um sistema multilateral de comércio regido por normas - rules based.

É esta convergência multidisciplinar de perspectivas, que leva em conta a complexidade, que faz da OMC uma organização suigeneris no plano internacional, com os méritos próprios de uma instituição de governança na esfera econômica de um mundo interdependente. É por isso que a OMC é um bem público internacional a ser preservado e consolidado. Para isso certamente contribuirá, por sua experiência, seu domínio dos assuntos e conhecimento da cultura diplomática da Organização, o novo diretor-geral, embaixador Roberto Azevêdo.

Sem islamitas, sem democracia - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 18/08

A única eventual saída para a crise egípcia é aceitar a incorporação do Islã ao jogo político


A única eventual saída para o labirinto em que os militares enfiaram o Egito é os setores laicos e liberais que iniciaram a revolta que levou à queda da ditadura anterior (Hosni Mubarak, 1981/2011) aceitarem o fato de que ou se incorpora o islamismo à vida política ou não haverá democracia nem no Egito nem nos demais países de maioria muçulmana.

É a constatação, por exemplo, de Luz Gómez García, professora de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri, em artigo para "El País": "Acreditar que a democracia e a revolução são possíveis com a Irmandade Muçulmana silenciada é um absurdo exercício de possibilidades".

Reforça a revista "The Economist", cujas credenciais liberais a impedem de ter a mais leve simpatia por movimentos tipo a Irmandade Muçulmana:

"Os generais não podem suprimir os islamitas sem também privar milhões de outros egípcios das liberdades pelas quais ansiaram --e que experimentaram, ainda que brevemente, desde a queda de Mubarak".

A defecção do principal líder laico e liberal, Mohammed ElBaradei, após o massacre de quarta, mostra que os militares não conseguirão apoio dessas correntes para manter a carnificina indefinidamente.

O problema para a aceitação da Irmandade Muçulmana como parceiro eventualmente hegemônico no jogo político é a desconfiança que cerca o islamismo político. Sua magra experiência de um ano no poder foi permanentemente acompanhada de afirmações, pouco comprovadas, de que havia uma agenda de completa islamização do país.

Há razões para a desconfiança, mas há também razões para crer em um certo exagero no anti-islamismo.

Veja-se, por exemplo, a declaração da dona-de-casa Afaf Mahmoud para a "Economist": "Se ele [o presidente Mohammed Mursi] tivesse prendido todos aqueles que o criticaram, como Mubarak teria feito, talvez ainda estivesse no poder".

De fato, o teor de democracia no curto período Mursi ficou longe dos 100%, mas seria preconceituoso dizer que ele estava perto de implantar uma ditadura sob a égide da sharia, a lei islâmica.

Os dez anos de governo do islamita AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento) na Turquia também testemunham que islamismo e democracia podem conviver --com percalços, é verdade, em geral não muito maiores do que os que ocorrem em alguns países vizinhos do Brasil.

Deixar os islamitas fora do jogo levaria a que perdessem a confiança no processo democrático, o que "seria uma má notícia para o Egito e um impulso para a Al Qaeda e outros jihadistas [adeptos da guerra santa contra o Ocidente] que creem que só se pode conseguir o poder com sangue e terror", escreve para "El País" o ex-chanceler de Israel Shlomo Ben Ami, hoje vice-presidente do Centro Internacional pela Paz de Toledo (Espanha).

Se os liberais resolverem disputar votos com os islamitas em vez de aceitar o sangue, talvez haja uma chance. Talvez.

A batalha final - ANA DUBEUX

CORREIO BRAZILIENSE - 18/08
A Copa das Confederações e o papa Francisco se foram, deixando para trás um Brasil em litígio com a própria história. Sim, o Brasil está brigando com o Brasil. O brasileiro está em conflito consigo e com as instituições do país, embora insista em dar nomes diversos ao inimigo. Depois de quase três décadas de democracia, o país vive uma crise de identidade. Adormecido, ou melhor, entorpecido durante alguns anos, em que lutava pela própria sobrevivência, o cidadão teve seus momentos de população conflagrada. Três meses após ganhar as ruas, alguns ainda se perguntam: quais os motivos de tanta revolta? Afinal, o Índice de Desenvolvimento Humano melhorou - e muito. Em outras palavras, a vida está melhor. Mas não o suficiente. E é aí que mora o problema, ou melhor, a solução.

Descobrimos que o bonzinho pode ser melhor, que o ruim não pode voltar e que o péssimo já não tem lugar num país com potencial para ser rico e promissor. Os programas de renda mínima e o poder de consumo elevaram o status da família, que não quer voltar à miséria; o dragão da inflação, que parecia enjaulado, voltou a cuspir fogo e a queimar as esperanças de levar fartura à mesa, além de ameaçar transformar em cinzas o plano de reeleição da presidente Dilma e de seu partido; os serviços públicos e privados de qualidade abaixo de qualquer civilidade, como os transportes, já não não compatíveis com o grau de expectativa da população. Logo, o brasileiro se debate contra o próprio conformismo.

A ideia, agora, é: não vamos aceitar. Não vamos permitir nosso silêncio em relação ao descaso, nem as relações promíscuas dos políticos com o eleitorado. Não podemos mais admitir, à custa do nosso suor, a bandidagem nos diversos escalões de poder. Ainda falta, é certo, o mais difícil embate: o do brasileiro com suas obrigações e sua cidadania. Sim, de nada adianta exigir correção do andar de cima, dos políticos em geral, se continuamos a exercer o nosso peculiar jeitinho para fugir dos impostos e desrespeitar todo tipo de lei. Essa talvez seja a mais difícil e custosa batalha. E abro um parêntesis: ela não pode começar com a oferta de dinheiro a quem se proponha a denunciar corruptos. A meu ver, seria um tremendo retrocesso, um caminhar na direção oposta ao do crescimento da cidadania brasileira - ou estou sendo rigorosa, e a população precisa de um incentivo, caro leitor?

Essa necessária análise de si e de seus comportamentos no dia a dia é demorada, mas pode começar com um outro processo. Daqui a pouco, tem início a contagem regressiva de um ano até as próximas eleições. Suspeita-se que haverá grande renovação dos quadros políticos. Não faria sentido o movimento das ruas se essas eleições não mostrassem o grau de insatisfação dos eleitores com os velhos representantes que estão aí e que já provaram não ter nada a mais a dizer nem a fazer. A corrupção é o nosso novo dragão, não duvide. A inflação será controlada, se não por este, por um novo governo. Mas, se não houver um choque de honestidade e transparência na gestão pública, tudo o que conquistamos estará a um fio. É hora de começar a pensar mais profundamente no seu voto.

Brasil, um dos "cinco fracotes" - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 18/08

País está entre os cinco emergentes que vão apanhar mais com a reviravolta nos Estados Unidos, diz bancão


O POVO DOS mercados financeiros gosta de inventar moda e apelidos que exprimem suas birras e manias, muitas vezes malucas quando não perversas.

Quem não se lembra dos PIGs ("porcos", os quebrados Portugal, Irlanda e Grécia)? Ou da bobagem dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), que acabou colando mais que a encomenda?

Apelido ruim por vezes vira destino, como a gente pode se lembrar das crueldades juvenis dos tempos de escola.

Economistas de um bancão americano acabam de inventar um apelido novo para os países "emergentes" com as moedas que mais padecem nestes tempos de reviravolta na política econômica americana (o real do Brasil, as rupias da Índia e da Indonésia, a lira da Turquia e o rand da África do Sul). São as "five fragile", literalmente as "cinco frágeis", tradução que perde a graça da aliteração original e que a gente pode substituir por "cinco fracotes". O apelido começou a pegar.

Entre as moedas dos "emergentes", o real é a moeda que mais apanhou desde maio, quando começou o revertério monetário americano. Isto é, quando o Fed, o banco central deles, anunciou que poderia em breve reduzir o despejo de dinheiro na economia, que, enfim, parece sair da crise de 2008. Os dinheiros do mundo, dólares, refluem para a pátria mãe, com o que se desvalorizam as moedas de "emergentes".

Foram economistas do Morgan Stanley que inventaram o apelido a fim de qualificar os países mais vulneráveis a desvalorizações adicionais e outros tumultos derivados das mudanças americanas.

Brasil, Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul estão com resistência baixa ao vírus americano porque todos ou quase todos: 1) têm deficit externo crescentemente incômodo (importam demais, consomem mais do que produzem); 2) são afetados pela freada da economia chinesa e/ou pelo fim do boom de commodities; 3) passaram anos com moedas valorizadas demais; seus produtos ficaram ainda caros devido a inflação alta demais; 4) passam por temporada de alta de juros; 5) têm perspectiva de crescimento em baixa.

Em si mesmos e em teoria, trata-se de fatores que produzem desvalorizações da moeda. O revertério na economia americana junta a fome com a falta do que comer: intensifica a tendência à desvalorização.

A mudança da política monetária americana seria resposta à recuperação da atividade econômica. Logo, parece uma boa notícia, certo? Ainda mais agora que a Europa parece estar menos apodrecida. Os países "emergentes" não poderiam pegar carona nessas melhoras? Além do mais, moedas desvalorizadas estimulam exportações, outro fator que poderia tirar os "fracotes" da lama.

O pessoal do Morgan Stanley, porém, diz que os "cinco fracotes" não vão se beneficiar tão cedo das tênues melhoras nos EUA, que, por ora, vão importar coisas que não estão nas prateleiras do comércio dos emergentes em geral e dos "cinco fracotes" em particular. Além do mais, o efeito das desvalorizações demora um pouco a aparecer positivamente no comércio. Enfim, a gestão macroeconômica dos "cinco fracotes" anda bem desarrumada.

Em suma, os "cinco fracotes" tendem a apanhar nos próximos meses; tendem a levar uma surra quando a política monetária americana efetivamente começar a mudar (talvez quando entrar setembro).

Macbeth perderia o sono - GUSTAVO FRANCO

O Estado de S. Paulo - 19/08

Diversos julgamentos, em variados formatos, ocorrem nas 38 peças de Shakespeare, com destaque para os que definem o apogeu de duas das chamadas "comédias sombrias", Mercador de Veneza e Medida por Medida. Mas o assunto central do mensalão não é propriamente o julgamento (e seus embargos, aliás, inexistentes em Shakespeare): o mensalão tem a ver com a corrupção e seus usos no jogo do poder.
Em todo o cânone, a palavra "corrupção" aparece, com todas as suas variações, 76 vezes, a grande maioria das quais com o sentido de "estragar" ou "desgastar", e raras vezes como hoje a conhecemos, vale dizer, como evento de natureza mercantil, a retribuição pecuniária pela concessão de vantagens indevidas. "Subornar" - e suas variações - atinge apenas 13 aparições: é pouco, comparativamente a "matar" (343 ocorrências) e "assassinar" (254), "enforcar" (257) e "envenenar" (136), entre tantas variações em torno da morte violenta.
É curioso que os casos mais explícitos de corrupção estejam nas peças situadas na antiguidade, como o inequívoco suborno de algumas anônimas sentinelas gregas em Troilo e Créssida, sugerindo tratar-se de crime baixo, típico da soldadesca. Na verdade, é nesse contexto a mais célebre aparição do tema: às vésperas da decisiva batalha em Filipos, Brutus acusa Cássio de ter uma "mão coçando" e arremata que não foi para isso que mataram Julio César. Cássio se ofende, os homens discutem, mas Brutus relativiza seu julgamento ao reclamar que Cássio negou dinheiro para seus exércitos, e os amigos se ajustam face à urgência da batalha que se aproxima e à causa que os une. Homens honrados, como os descreveu Marco Antônio.
Ângelo, o delegado corrupto em Medida por Medida, muito lembrado recentemente, merece um comentário específico, eis que enseja uma pergunta retórica muito importante para quem busca a dimensão moral dos mensaleiros: será verdade, em Shakespeare ou de forma mais geral, que não se pode governar sem violar a lei?
Um pouco de contexto. Medida por Medida foi encenada pela primeira vez em 26 de dezembro de 1604 diante do recém-empossado rei Jaime I, e deve ser vista como uma sátira aos puritanos ingleses ao problematizar temas como o casamento, a repressão à sexualidade e ao que ocorria fora das muralhas da cidade de Londres, nas chamadas liberties. Era apenas ali que podiam se estabelecer bordéis, assim como teatros e hospícios; era o espaço off shore onde se deixava ocorrer o que não se podia nem devia proibir, e que era essencial para a pulsão vital da sociedade. Não obstante, o teatro, o casamento e a prostituição eram atividades, para usar a linguagem de hoje, altamente reguladas. Os "detestáveis pecados do incesto, adultério e fornicação" apenas se tornaram matéria de legislação expressa, e nesses termos, em 1650, com os puritanos no poder, e junto com o fechamento de todos os teatros. Incesto e adultério passaram a ser puníveis com a forca, e a fornicação com 3 meses de prisão, enquanto os administradores de bordéis e cafetões seriam chicoteados e encarcerados por 3 anos e condenados à morte na reincidência. Essas providências vieram meio século após Shakespeare, mas as tensões sobre os limites da lei já estavam lá em toda sua complexidade.
A trama de Medida por Medida começa quando um bom governante, uma discreta homenagem ao novo rei, se afasta do poder, simulando uma viagem, para melhor observar se o país está bem servido em matéria de justiça comum, sobretudo em conexão com os acontecimentos que se passavam nas liberties. Curiosamente, o Duque escolhe para substituí-lo um indivíduo conhecido pelo moralismo exacerbado, o rigoroso Ângelo, uma extraordinária alegoria para os puritanos, que logo se revela uma fraude.
É claro que o Duque quer nos pregar uma lição ao alocar um vigarista para executar leis excessivas e deslocadas que ele mesmo designou como "regras de barbearia". Os elogios feitos à retidão de Ângelo soam exatamente como os de Antônio a Brutus, em sua oração fúnebre a César. Ângelo enreda-se numa teia de corrupção e, ao final, no julgamento que encerra a peça, escapa de ser enforcado unicamente porque as comédias terminavam com casamentos, não com execuções.
A lição de Medida por Medida certamente não é sobre a inevitabilidade do desrespeito à lei, mas sobre os limites dessa, sobretudo nos assuntos pertinentes às atividades tendo lugar nas liberties, o teatro entre elas. A peça ensina sobre as matérias que a lei, o cálculo, o mercado e o dinheiro não podem alcançar, jamais sobre a funcionalidade do crime.
Em síntese, nem a corrupção mercantilizada e dolarizada de nosso tempo era o assunto dominante na esfera da política em Shakespeare, nem tampouco o julgamento do mensalão se restringe meramente a uma coleção, ainda que orquestrada, de episódios de suborno; pois como bem definiu o ministro Celso Mello, tratava-se de "um projeto criminoso de poder".
Eis a verdadeira questão! A corrupção dos mensaleiros, sobretudo a dos que estavam no polo ativo, não visava ao enriquecimento pessoal, mas servia como instrumento ilegítimo para alcançar e manter-se no poder. Na linguagem do tempo, isso quer dizer usurpação, a matéria chave de boa parte da dramaturgia shakespeariana. Era isso que havia de "podre" no reino da Dinamarca. Na verdade, se a usurpação é a face política da corrupção, segue-se que não há outro tema mais importante nas tragédias de Shakespeare.
Essa era uma época em que o poder era não apenas pessoal como associado a uma linhagem familiar, de modo que os incidentes ligados a casamentos, descendentes e parentescos, em vez de eleições, forneciam o impulso primário para a mudança política. Nesse contexto, a obtenção e manutenção do poder "por meios ilegítimos" ocorria em circunstâncias excepcionais, dificilmente deixando de envolver o assassinato, às vezes, diversos deles. O cânone está repleto de esfaqueamentos, esquartejamentos e estrangulamentos, muitas vezes com os piores esmeros de crueldade. Em nossos dias, apenas a forma é diversa: as malas de dólares e as figuras cítricas substituem os punhais sorrateiros e os venenos derramados nos ouvidos de monarcas adormecidos.
A política de nossos dias pode ter adquirido certa dignidade, mas há algo que nos torna muito piores, conforme explica o escritor Alexander Soljenitsyn: "Se a imaginação e a força interior dos celerados de Shakespeare se limitavam a uma dezena de cadáveres, era porque eles não tinham ideologia. A ideologia! Ela fornece a desejada justificação para a maldade, para a firmeza necessária e constante do malfeitor. Ela constitui a teoria social que o ajuda, perante si mesmo e perante os outros, a desculpar seus atos e a não escutar censuras nem maldições, mas sim elogios e testemunhos de respeito".
Sim, a ideologia é o que nos leva ao genocídio, à limpeza étnica, ao Holocausto e ao terrorismo de Estado de regimes totalitários de esquerda ou de direita. Essas depravações contemporâneas implicam derramamento de sangue em escala infinitamente superior às presentes no cânone, a despeito de serem tomadas, às vezes, com mais naturalidade que as atrocidades de um Ricardo III.
"Graças à ideologia, o século 20 teve que suportar as malfeitorias de milhões", diz Soljenitsyn, que, ao relatar que milhares de inimigos do regime soviético foram mortos exclusivamente para servir de alimento aos animais do zoológico, explica o aparente paradoxo envolvido na banalização dos massacres de nosso tempo: "Eis a raia que não se atreve a transpor o malfeitor shakespeariano, mas o malfeitor com ideologia ultrapassa-a e seus olhos continuam claros".
A perversidade cometida em nome do partido não agasta o meliante, dá-lhe uma espécie de anestesia espiritual decorrente do pertencimento a um projeto moralmente superior ou a uma burocracia, exército ou milícia que o executa. Conforme observa Hanna Arendt, "Eichmann não era nenhum Iago, nenhum Macbeth, e nada estaria mais distante de sua mente do que a determinação de Ricardo de "se provar um vilão". A não ser por sua extraordinária aplicação em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma motivação". Ademais, prossegue, "a essência do governo totalitário, e talvez a natureza de toda burocracia, seja transformar homens em funcionários e meras engrenagens, assim os desumanizando". A tese da defesa era a de que não havia culpados, a vilania era coletiva e relativizada, seus perpetradores senão pequenas engrenagens de desígnios maiores, impessoais e sempre fora do alcance da corte. Tese derrotada em Nuremberg, em Jerusalém e também em nosso Supremo Tribunal.
A banalidade com que os mensaleiros agrediram a democracia possui diversas instâncias. Foram eles a inventar a "espetacularização da suspeita", os ridículos dossiês transformados em reportagens, ou mesmo em livros-denúncia (um novo filão), as ações populares como arma política, o aparelhamento do Ministério Público, do Judiciário, as CPIs de tintura macarthista, com o intuito de "passar o país a limpo", de que se queixam amargamente agora que foram desmascarados e ocupam com todo merecimento a posição de réus.
A diferença entre vilões shakespearianos e os mentores do mensalão é a que apontou Soljenitsyn acima: a ideologia remove o remorso, com ele a complexidade psicológica do malfeitor, e o enredo fica menor. Não é o que se passa com Macbeth, que "matou o sono", pois não dorme mais e afirma que "tudo quanto vale nesta vida na velhice, honra, amigos, eu já não posso ter". Sua culpa o faz humano, e por conta disso, muito melhor que todos os mensaleiros juntos que, já condenados, não demonstram um centímetro de mal-estar com os crimes que perpetraram.
A direção partidária fala no "erro em praticar os mesmos atos dos outros partidos". A tese aqui repete o equívoco quanto à lição oferecida por Ângelo: a impossibilidade da integridade na democracia burguesa, ou a impossibilidade do ser honesto e governar. Seguramente, essa tese não pertence a Shakespeare.

Entenda Basileia 1, 2 e 3 - CELSO MING

O ESTADÃO - 18/08

O grande risco de qualquer Banco é o descasamento. Deve aos depositantes e aos aplicadores à vista ou, em geral, a prazos curtos, e empresta a prazos quase sempre mais longos. Se um grande número de credores se atira para buscar seu dinheiro de volta, ele pode não estar lá, porque os devedores do Banco têm prazo para devolvê-lo.
Esta é a principal razão pela qual um Banco tem de ter reservas disponíveis em proporção a seus empréstimos. Nas horas de sufoco, os bancos centrais também atuam como emprestadores de liquidez. Em compensação, está obrigado a supervisionar e fiscalizar cada Banco.
A partir de 1988, uma instituição com nome em inglês e com sede em Basileia, na Suíça, bank of International Settlements (BIS), que atua como Banco Central dos bancos centrais de 27 países, inclusive do Brasil, decidiu coordenar a uniformização de procedimentos de segurança. Foi, então, uma necessidade imposta pela crescente globalização das finanças. Por isso, por meio de acordos entre bancos centrais, o BIS passou a exigir dos bancos um capital mínimo de 8% sobre o volume de seus ativos (financiamentos e aplicações de recursos), de maneira a proteger os depositantes e evitar quebras. Assim, os índices de Basileia 1 foram o primeiro acordo global do gênero. No Brasil, começaram a valer em 1994.
Logo em seguida, os bancos e os especialistas argumentaram que não fariam sentido exigências uniformes de capital para ativos de qualidade diferente. Títulos dos Estados Unidos e da Alemanha, por exemplo, considerados sem risco, não são comparáveis a empréstimos sujeitos a calotes. Em 2001, o BIS coordenou novo acordo, o Basileia 2, que passou a levar em conta diferenças de risco de crédito, risco operacional e os preços de mercado. No Brasil, passou a ser implantado em 2007.
A crise que estourou em 2008, mostrou que títulos carimbados com AAA (praticamente sem risco) de um dia para o outro passaram a ser considerados lixo tóxico, e bancos sólidos, de repente, se viram na bancarrota. O pânico se generalizou, depositantes correram para sacar seus recursos e até mesmo os bancos deixaram de confiar uns nos outros. Logo se viu que a segurança bancária é refém de outra contingência: o nível de liquidez (disponibilidade de dinheiro) nos mercados.
Novo conjunto de normas de segurança foi definido em 2010, para começar a ser observado até 2019. Há nove dias, o presidente do Banco Central do Brasil,  Alexandre TombiniI, avisou que o Acordo de Basileia 3 começa a ser implantado por aqui a partir de 1º de outubro.
São quatro as determinações (pilares) principais. Primeira, a definição de capital exigido passa a ser mais rigorosa. Só podem ser contabilizados como recursos próprios ativos conversíveis imediatamente em dinheiro vivo.
A segunda determinação prevê acumulação pelas instituições financeiras de reservas adicionais, denominadas capital de conservação e capital contracíclico. Devem funcionar como colchões destinados a absorver riscos e perdas em momentos de alto estresse financeiro e econômico.
O terceiro pilar institui dois índices de disponibilidades: um de curto prazo e outro de longo prazo. O objetivo é levar os bancos a contar com recursos de alta liquidez em situações de crise aguda e, simultaneamente, com fontes mais estáveis de captação de recursos.
A quarta, é a criação de um índice de alavancagem de, no máximo, 3% em relação ao capital principal da instituição (Nível I). No sistema bancário, a alavancagem corresponde à proporção de empréstimos que uma instituição pode fazer em relação ao seu capital. Pelas novas regras, os bancos não devem emprestar mais de 33 vezes o seu capital.
Tudo isso implica enorme transformação das práticas de gerenciamento de riscos e de modelos de negócios em vigor no sistema bancário global. Estudo elaborado pela consultoria PwC adverte que o capital se tornará mais escasso e mais caro. A necessidade de manter uma carteira com alta qualidade de ativos líquidos aumentará os custos de oportunidade e reduzirá os retornos (lucros) dos bancos. Outro efeito será maior competição por depósitos e maior custo de captação de recursos.
A principal consequência para o cliente do Banco é uma possível redução da oferta de crédito. Porque estarão obrigados a reter capital de qualidade, a tendência é de que os bancos se concentrem nos financiamentos de menor risco.

O Brasil na nova ordem - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 18/08

Temos de separar eventos de longo e de curto prazo para entender a conjuntura e estabelecer prioridades.

Os eventos de longo prazo que vivemos hoje apontam para o fim de uma era ou modelo em que alguns dos grandes países emergentes, especialmente a China, mantiveram altas taxas de poupança e investimento, produzindo manufaturados a preços baixos para serem exportados a países desenvolvidos, sobretudo aos EUA.

Isso gerou crescentes déficits nas contas externas dos países importadores, que, no final das contas, foram financiados majoritariamente pela poupança chinesa e de outros países poupadores.

Foi um casamento aparentemente perfeito entre os consumidores dos países desenvolvidos e os poupadores dos países emergentes que lhes vendiam produtos e os financiavam com o lucro dessas vendas. Mas o modelo era insustentável e acabou de forma abrupta, com a exaustão da capacidade da sociedade americana de seguir aumentando seu nível de endividamento.

A impossibilidade de exportar como antes forçou a China a buscar alternativas. O governo chinês conduziu processo vigoroso de investimentos, que substituiu as exportações como motor do crescimento, mas que perdeu força ao atingir os limites do endividamento público. A China então entrou em nova fase, com o consumo interno assumindo papel central na economia. Mas maior consumo resulta em menores taxas de investimento e crescimento.

A economia dos EUA também passa por ajuste, tornando-se menos dependente da poupança de outros países, melhorando sua situação fiscal e aumentando sua produtividade e capacidade industrial.

Já na esfera europeia, vemos rearranjos semelhantes. Os poupadores do norte da Europa e os consumidores do sul do continente estão revendo seus modelos e as relações entre si, com consequências importantes para a economia regional e global.

Portanto, está se criando um novo equilíbrio na economia mundial, que ficará mais claro quando os EUA encerrarem sua política agressiva de estímulos monetários.

Esse movimento, que é antecipado pelos mercados, enxugará o excesso de liquidez e significará o fim da abundância de recursos para financiar déficits nas contas externas de outros países.

Nesse novo contexto, os agentes econômicos prestarão muito mais atenção aos fundamentos da economia. No caso do Brasil, o câmbio, pressionado de um lado, ajuda os movimentos já em curso para elevar a produtividade. Por outro lado, cria pressões inflacionárias a serem combatidas.

São passos necessários para navegarmos bem na nova ordem econômica mundial que se forma no horizonte.

Avanços e recuos - SUELY CALDAS

O ESTADÃO - 18/08

Economistas, empresários e trabalhadores que criticam a gestão econômica do governo Dilma Rousseff podem acusá-la de tudo, menos de omissão. Atenta ao momento imediato e desatenta com o futuro, a presidente não dá sossego à equipe econômica que a assessora: surge um problema, lá vai o ministro da Fazenda ao Palácio do Planalto ouvir broncas e cobranças. Guido Mantega volta ao gabinete, repassa o que ouviu aos subordinados e cobra providências. Aí, dos gabinetes ministeriais brotam medidas, anunciadas ao País como o sacrossanto remédio para resolver o dilema. Não resolvem, no máximo o amenizam por pouco tempo, e até criam outros problemas piores. O governo recua, mas não desiste de interferir, segue gerando outras soluções que reproduzem mais e mais problemas. Hoje a economia está infestada de artifícios, nós que não desatam facilmente, desperdícios de dinheiro público que poderiam ser evitados. O próximo presidente, ainda que seja ela própria, terá de desarmar essas armadilhas para governar em paz, dar eficácia e agilidade à gestão econômica e buscar melhores resultados para o crescimento e desenvolvimento do País.
Entre avanços e recuos, apostas erradas que deixaram sequelas na economia, enumero aqui alguns exemplos:
• Renúncia fiscal - a isenção tributária para automóveis, eletrodomésticos e outros produtos premiados estimulou a produção, mas só em 2013 e 20140 Tesouro vai deixar de arrecadar R$ 163 bilhões, que poderiam muito bem suprir carências sociais. Além disso, os setores industriais alijados do favor fiscal tiveram suas vendas prejudicadas porque o consumidor desviou seus gastos para automóveis, etc. O governo recuou e retirou o incentivo para alguns setores, mas manteve para outros.
• Campeões nacionais - como o general Geisel, Dilma também acreditou ter poder de dar à luz grandes multinacionais brasileiras e, com elas, derrotar na concorrência poderosos grupos estrangeiros. Bilhões de reais jorraram do BNDES para essas empresas. O objetivo fracassou e, para não levar calote, o BNDES tornou-se sócio da maioria delas. Há meses o presidente do Banco, Luciano Coutinho, anunciou o encerramento do programa de crédito aos campeões nacionais.
• Contabilidade criativa - na verdade, são truques que não conseguem enganar ninguém e transformam dívidas em receitas para o governo cumprir sua meta de superávit primário. Desmoralizada e bombardeada por críticas, a trapaça contribuiu para minar a confiança de investidores 110 governo. Empenhado em reconquistar a confiança perdida, o governo vacila em usar o artifício em 20x3.
• Tarifa de luz - foi boa a intenção de reduzir a tarifa de eletricidade, mas a condução, a concepção e a aplicação das medidas resultaram em enorme desastre. A conta de luz encolheu, mas o consumidor pagou o que economizou em outra conta - até mais salgada porque o Tesouro está bancando R$ 17 bilhões dos custos da queda de tarifa. E quem banca o Tesouro são todos os brasileiros que pagam impostos. No setor elétrico, há erros primários: há mais de um ano 19 usinas eólicas não funcionam porque faltam linhas de transmissão; e grave falha de planejamento - descoberta em 2010, até hoje sem solução e escondida da população - ameaça queimar as Usinas de Santo Antônio e Jirau, do Rio Madeira. E por aí vai,..
• Privatização - foi 110 que o governo Dilma mais errou e sofreu derrotas. Seja por oportunismo político ou convicção ideológica, Dilma resistiu, demorou a aceitar a ideia de privatizar serviços públicos. Porém, dois anos de crescimento econômico ridículo, paralisia de investimentos em infraestrutura, escassez de dinheiro e ineficiência do governo em fazer andar projetos levaram a presidente a recuar. Ela criou o Programa de Investimento em Logística (PIL), que acaba de completar um ano sem realizar um único leilão. Estradas, ferrovias, portos, aeroportos e o trem-bala têm anúncios ambiciosos, marketing caprichado, mas de concreto, ainda nada.

Luz na matriz - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/08
"A luz do sol que atinge a terra durante 90 minutos é suficiente para fornecer energia por um ano". A frase que piscou na minha timeline tinha sido tuitada pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, e retuitada pelo meu colega André Trigueiro. Apesar disso, a energia solar é praticamente inexistente na matriz energética do Brasil.

Dizem que a energia solar é cara. Foi o mesmo que me disse a então ministra Dilma Rousseff sobre energia eólica, em entrevista que fiz com ela no Ministério das Minas e Energia. Ela assumiu prometendo mudar os erros do passado da falta de planejamento que havia levado ao apagão de 2001. À época, Dilma demonstrou desinteresse pela energia dos ventos.

Hoje, energia eólica é a que mais cresce no Brasil, porque ocorreu o previsto: os investimentos no setor levaram ao barateamento dos custos, que permitiram novos projetos. Hoje, o esquisito é a falta de linha de transmissão que faz com que parques eólicos produzam em vão. Mesmo assim, a ampliação já licitada vai triplicar a capacidade de geração dessa energia nos próximos anos, e a EPE se prepara para realizar o maior leilão de eólica do país.

Foram feitas mais exigências, o preço foi reduzido, e criada uma discriminação. Serão dois os leilões deste fim de agosto. Um, no dia 23, só para eólica, em que o preço máximo é de R$ 117 o MWH e só serão aceitos projetos perto das linhas de transmissão existentes, como se fosse culpa das eólicas não terem sido feitas as linhas pela Chesf nos projetos hoje parados. No dia 28, haverá um leilão misto em que solar e eólica não entram. Serão permitidas as pequenas centrais hidrelétricas, as térmicas e biomassa. Mas neste caso não há exigência de localização, e o preço máximo permitido é mais elevado: R$ 140 o MWH. Ou seja, o governo aceita comprar uma energia suja, como a do carvão, por um preço maior do que aceita comprar por uma energia limpa. Vá entender o Brasil!

O setor de energia vive uma série de problemas: a conta da redução do preço da energia ao consumidor residencial e industrial só faz aumentar. A notícia da queda do preço da energia era boa e foi tratada com ares de palanque. Melhor seria, se fosse consequência de uma queda do custo. Mas o governo diminuiu o preço quando o custo estava subindo. Com pouca água nos reservatórios, foram ligadas as térmicas que são muito caras. Há um gargalo energético de curto prazo no país e, por isso, a energia comprada no mercado livre disparou.

As distribuidoras tiveram que reduzir a conta quando o preço estava maior. Essa diferença de custo das térmicas e da compra no mercado livre será paga pelo Tesouro. Segundo "O Estado de S.Paulo", já chega a R$ 17 bi. Um número espantoso. Uma decisão populista do governo Dilma custará R$ 17 bilhões. O Tesouro vai aumentar a dívida para cobrir o rombo. O jornal se baseou em um relatório da consultoria PSR, do especialista Mário Veiga, que já assessorou o governo no tema.

Uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética determinou o rateio entre todas as geradoras do custo extra do uso das térmicas. Foi assim, sem mais nem menos. Isso significa que pagam as limpas pelas sujas, ou seja, geradoras de energia mais limpa vão pagar a conta de quem emite gases de efeito estufa e polui. Empresas entraram na Justiça, conseguiram liminar, não pagaram, a liminar caiu; a briga promete ser longa.

Enquanto isso, nas hidrelétricas do Rio Madeira, uma falha de planejamento da compatibilização dos sistemas de segurança entre geração e transmissão criou um impasse. Quem deu a notícia foi o "Valor". Tudo o que o governo fez foi tentar isentar o Ministério das Minas e Energia de responsabilidade pelo erro. Se não é o MME, quem seria o responsável? A EPE? O ONS? O CNPE? A Aneel? Pelo governo, foram as empresas de Jirau e Santo Antônio que deveriam ter cumprido algo que não estava no edital, nem foi previsto pelo governo. Se não for resolvido e as empresas não puderem pôr no sistema a energia que gerarem, custará R$ 200 milhões por mês, me contou uma das fontes do setor.

Quanto à energia solar, continua desprezada, apesar do seu brilho. Se o governo fizer a conta do custo de outras fontes mais polêmicas ou mais sujas, talvez comece a ver a luz da energia solar que merece ter uma fatia na matriz de um país tão ensolarado.