terça-feira, dezembro 18, 2012

Fonte da juventude - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 18/12


Acredite. Um senhorzinho de 88 anos acaba de ser pai de gêmeos na Clínica Perinatal. A mãe tem 33.
O herói da resistência é Francisco Cantisano, ex- dirigente do querido América-RJ. Sua mulher, Renata, e seus miúdos, Pedro e Maria Fernanda, passam bem. Que sejam felizes.

Dilma Quase Amor
Acabou em samba. A direção do bloco Simpatia é Quase Amor, de Ipanema, está mandando para Dilma uma camisa autografada.
É gratidão pela resposta da presidente, em Moscou, como saiu aqui, quando perguntaram o que queria ganhar da imprensa em seu aniversário: “Simpatia, quase amor.”

Todas as coisas
O selo Alfaguara (leia-se Objetiva) vai lançar no Brasil, em 2013, um novo romance de Elizabeth Gilbert, autora do sucesso “Comer, rezar e amar”, que vendeu aqui mais de um milhão de exemplares.
“A assinatura de todas as coisas”, nome do livro, será lançado nos EUA em outubro e, aqui, em novembro.

Trema na linguiça?
Domício Proença, nosso acadêmico, vai lançar pela Editora Record um manual com regras práticas e exemplos atualizados sobre o novo acordo ortográfico, em vigor desde 2009 e que, em janeiro agora, passa a ser obrigatório.
A ideia de “Nova ortografia da língua portuguesa — Manual de consulta” é que seja livro para se ter ao alcance da mão, para tirar dúvidas.

Porta, o filme
O Porta dos Fundos, canal de humor na internet, vai virar filme em 2013.
Dirigido por Ian SBF, terá Fábio Porchat, Gregório Duvivier e Clarice Falcão no elenco. A produção será da Migdal Filmes, de Iafa Britz.

Memórias da bola
O Ibram e os ministérios da Cultura e do Esporte vão lançar um edital para patrocinar iniciativas de resgate da memória do esporte no Brasil.
Darão R$ 420 mil para 12 projetos.

Embraer Dospanova
A Air Astana, voadora do Cazaquistão, recebeu seu primeiro avião próprio.
É um E190, da nossa Embraer, batizado com o nome da legendária primeira piloto cazaque, Hiuaz Dospanova.

Salve Glória!
Glória Perez, a querida novelista, criou um blog para falar da morte da filha, Daniella Perez (daniellaperez.com.br).
Dia 28 agora, faz 20 anos que a atriz foi assassinada por Guilherme de Pádua e a ex-mulher, Paula Thomaz.

Calma, gente
A polícia do Rio marcou para amanhã, às 14h, na 5ª DP, o depoimento de Sílvio Tendler nesse caso em que nosso cineasta é acusado por militares da reserva de “constrangimento ilegal”, por ter “participado” de ato contra osfestejos do golpe de 1964, em março. Tendler, como se sabe, não foi ao tal ato. Estava recém-operado.

Aquele abraço
A estimativa da Secretaria de Turismo de Paes é que 3,2 milhões de turistas visitem o Rio no verão e gerem na cidade receita de uns US$ 2,6 bi.
Para o réveillon, são esperadas 752 mil pessoas. Treze transatlânticos, com um total de 45 mil turistas a bordo, estarão no mar, diante dos fogos.

Três dias de folia...
Aliás, a expectativa do secretário Antônio Pedro é ainda mais otimista para o carnaval.
Estudo da secretaria aponta para um número de 900 mil turistas na cidade, com receita de US$ 665 milhões.

Rio rumo ao Porto
A Secretaria de Turismo de Cabral e a TurisRio, empresa de turismo do estado, vão se mudar para a região do Porto, na Rua do Acre.

Banco imobiliário
A Sérgio Castro Imóveis comprou a antiga sede da Hermes Macedo, empresa que faliu nos anos 1980, na Avenida Brasil.
O terreno, de 4.000m2, tomado por invasores, deve ser desocupado em janeiro, conforme ordem judicial.

Letícia solta a voz
Letícia Spiller, a linda atriz que brilha em “Salve Jorge”, a novela da TV Globo, vai recordar os tempos de “paquita”, quando cantava com a apresentadora Xuxa.
Fará uma participação num show de Wagner Tiso e Tunai, dia 29 janeiro, no Teatro Rival, no Rio.

Apologia de Mick Jagger - TUTTY VASQUES


O Estado de S.Paulo - 18/12



Encerrada a turnê comemorativa do jubileu dos Rolling Stones, não convém perguntar que diabos Mick Jagger tomou a vida inteira para chegar aos 70 anos em 2013 com aquela forma física invejável.

Sabe Deus o que o jovem de hoje não toparia fazer para ficar velhinho daquele jeito!

Imagina a Lady Gaga na idade dele! Faltam 43 anos para a popstar chegar lá e, no entanto, os dois cantando Gimme Shelter juntos na madrugada de domingo em New Jersey (EUA) pareciam colegas de escola.

Caetano Veloso também está muito bem para os 70 que completou em agosto, mas sua atual performance nos palcos não pode ser comparada à vitalidade dos Doces Bárbaros de 40 anos atrás.

Melhor assim! O mundo acabaria ficando ainda mais ridículo se todo septuagenário cismar de sair por aí numa roupa apertadinha rebolando, pulando e correndo de um lado pro outro como se ainda estivéssemos nos anos 1960 da revolução sexual.

Mick Jagger é um fenômeno de juventude inigualável! Se você quiser chegar à beira dos 70 anos com o físico e a energia do artista, nem pense em fazer com seu corpo o que ele fez com o dele. Boa parte da geração que tentou morreu disso!


Ô, raça!

As chuvas mal começaram e já tem governador pensando em faturar com a distribuição dos royalties da enchente!

Pessimismo em pessoa

Os primeiros sinais de fadiga da crise na zona do euro estão abalando o pessimismo de Angela Merkel. A chanceler alertou seus colegas de bloco contra um certo "otimismo prematuro". O prestígio internacional da dama de ferro alemã regula com o crescimento da dívida pública europeia!

Energia solar

Dilma vai passar o réveillon na Base Naval de Aratu, em Salvador. É, como se diz na Bahia, um desperdício de Sol! A presidente, como se sabe, não faz a menor questão de ir à praia!

Agenda positiva

Há males que vêm para o bem! Quem perder viagem para a Disney por causa de problemas na devolução do passaporte com visto americano vai se livrar de sofrimento maior no aeroporto.

Festa-surpresa

Será que os passageiros que desembarcam hoje cedo em Cumbica foram alertados sobre a recepção que os aguarda? Imagina a surpresa dos desavisados com a festa da torcida do Corinthians!

Salve Jorge

Personagens da novela das 9 vão a Istambul com a mesma naturalidade com que Aécio Neves vai ao Leblon. Repara só!

Bom garoto

Nota 10 para o comportamento de José Maria Marin na festa de premiação dos jogadores após a final do Mundial de Clubes, no Japão. O presidente da CBF não afanou nem uma medalhinha para sua coleção!

Troca de santos

Na semana da despedida de São Marcos, o futebol brasileiro ganhou novo santo no gol: São Cássio (foto) foi canonizado no Japão!

Olhos abertos, mãos fechadas - LUIZ GARCIA


O Globo - 18/12


Devemos a dois professores a constatação, através de um estudo minucioso, com dados oficiais, de um problema que nada tem de recente. Provavelmente, desembarcou na colônia na mesma nau que nos trouxe Dom João VI, sua real família e todos os membros da burocracia lisboeta que conseguiram escapar de Napoleão e suas tropas.

O problema é curioso: os professores Maurício Bugarin, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, e Fernando Meneguin, de um departamento de pesquisas do Senado, estudaram o comportamento de dois tipos de funcionários públicos: os que servem à máquina do Estado em cargos de carreira, e aqueles que são nomeados por critério político - ou seja, a turma do pistolão.

O pessoal de carreira, segundo os professores, é mais honesto, mas também pouco eficiente. Deles raramente partem soluções criativas e eficientes para os problemas da máquina do Estado.

Já os funcionários nomeados graças a pistolões políticos são mais ativos, o que, pelo visto, tem duas consequências simultâneas: alguma eficiência no serviço público e episódios de corrupção.

É como se a turma mais preguiçosa não se desse nem ao trabalho de roubar - o que, como se sabe, às vezes dá um trabalhão danado. E o pessoal do outro grupo seria mais ativo e mais produtivo, lamentavelmente, tanto em benefício do Estado como de seus próprios bolsos.

Os professores que chegaram a essas duas curiosas constatações não oferecem soluções. Talvez porque elas não existam: seria impossível obrigar os preguiçosos a arregaçarem as mangas e, ao mesmo tempo, forçar os ativos a fecharem os bolsos.

A turma da arquibancada talvez possa sugerir um caminho, aparentemente óbvio: a criação de um sistema de vigilância e controle que exija mais trabalho dos preguiçosos e mais vergonha na cara da turma de dedos leves.

Com o cuidado, é claro, de fazer o sistema funcionar com pessoal de mãos pesadas e disposição suficiente para transformar a máquina estatal em algo que trabalhe com eficiência e honestidade em benefício da população e do Estado. Com olhos abertos e mãos fechadas.

Casaco é meu paizinho - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 18/12


Não tenho sequer um objeto de meu pai.

Nenhum cebolão antigo. Nenhum canivete suíço. Nenhum cachimbo. Nenhum cachecol. Nenhuma caneta especial.

Ele não me repassou talismã para lembrar sua importância. Não me chamou para o escritório em separado a fim de antecipar a mínima partilha. Não redigiu uma carta explicando o que era ser homem.

Mas herdei de meu pai o que sou.

Quando pequeno, eu o imitava. Hoje, ele me influencia.

Tenho dele a risada larga, bonachona, uma gaita que impulsiona o rosto para trás e me pede para fechar docemente as pálpebras.

Nosso pulmão é carregado de sotaque, o pulmão é o nosso CTG.

Tenho dele o jeito de cortar tomates na tábua, horizontal, absurdamente errado e divertido.

Tenho dele a mesma compulsão pelo atraso: sempre acreditando que posso fazer mais alguma coisinha antes de sair.

Tenho dele as mesmas distrações e desculpas furadas, as mesmas canetas explodindo nos bolsos.

Tenho dele o mesmo ímpeto de curar a raiva com uma caminhada pelo bairro.

Tenho dele a barba da juventude, as brotoejas do pescoço e a tendência de levantar as golas das camisas.

Tenho dele a adoração por sentar em balcões e experimentar pastéis em cidades estranhas.

Tenho dele as pernas tortas e os olhos puros de medo.

Tenho dele a vontade de cheirar o cangote dos filhos.

Tenho dele a mania por esculturas de cavalos e Dom Quixote.

Tenho dele a compulsão por riscar livros e escrever diários por códigos.

Tenho dele o dom de perder dinheiro e juntar amores.

Tenho dele o costume desagradável de gemer diante de um prato favorito.

Tenho dele igual fé em Deus e oro quando vejo o mar ou o pampa.

Meu pai está espalhado pelo meu caráter. Não preciso nada dele. Nem uma vírgula emprestada. O que é uma lembrança para quem tem todo o seu passado?

Cada gesto que vim a aprender ao longo da vida é o esforço arredondado de copiar sua letra e repassar seu temperamento ao papel vegetal da literatura.

Ele está escondido em meus dias. Invisível e forte como o vento.

No momento em que viajo de avião, acabo me protegendo do frio transformando o paletó em cobertor. O casaco fica invertido, de frente para mim, com as mangas cruzadas nas minhas costas.

Aquele casaco é também meu pai me abraçando.

Muito barulho para pouco exemplo - ROSELY SAYÃO

FOLHA DE SP - 18/12


Criticar os mais novos é fácil; até parece que o nosso mundo adulto é mais silencioso, polido e civilizado


As redes sociais podem ser muito eficientes como desencadeadoras de movimentos sociais e difusoras de informações que alguns grupos consideram importantes.

Claro que as mesmas redes podem ser muito chatas. Pessoas conhecidas têm me perguntado por que utilizo uma dessas redes em que chovem pedidos para participar de jogos e/ou comentários grosseiros e agressivos.

Pelo jeito tenho tido sorte, pelo menos até agora. Claro que um ou outro convite para jogos sempre chega, assim como alguns comentários desagradáveis ou violentos. Mas, de modo geral, as pessoas conectadas à minha rede estão mais interessadas em assuntos que consideram relevantes e são civilizadas.

E foi assim, por participar dessa rede virtual, que na última semana recebi dois alertas bem interessantes que, coincidentemente, chegaram no mesmo dia. Um deles reproduziu uma reportagem publicada em um jornal de Boa Vista (RR) a respeito de um acontecimento que pareceu inusitado à população.

A mãe de uma adolescente que estuda em uma escola estadual decidiu, depois de saber que a filha havia feito uma pichação no muro da escola, que a garota deveria pintar o muro que sujara.

Na reportagem, a mãe da aluna deu um depoimento sensacional para justificar sua decisão: "A escola é nossa, por isso temos que cuidar bem dela".

O outro alerta que recebi também diz respeito à relação escola-comunidade. Nesse caso, foi uma decisão judicial proibindo crianças de uma escola de educação infantil em Porto Alegre (RS) de realizar atividades externas por causa do barulho, que atrapalha os vizinhos. O fato motivou várias reportagens locais com alguma repercussão nacional.

Adolescentes e crianças têm depredado o patrimônio escolar? Sim, têm. Crianças e adolescentes têm produzido muito barulho no espaço escolar? Têm, sim. Mas o que proponho como reflexão hoje é a maneira como a sociedade tem reagido a esses acontecimentos que envolvem os mais novos.

Visitei páginas da internet que publicaram as duas notícias. Em todas, encontrei comentários grosseiros contra crianças e adolescentes.

Fiquei pensando que, se considerarmos tais comentários, fabricaremos a imagem de que o mundo adulto é uma maravilha: silencioso, polido, civilizado etc. Sabemos que isso não é verdade.

Somos nós, com nosso comportamento ruidoso e nossa displicência em relação ao espaço público, que temos ensinado aos mais novos o mesmo comportamento. Só que, quando são crianças ou adolescentes os envolvidos na história, há pouca tolerância e muito moralismo.

Os mais novos podem aprender a brincar e a realizar trabalhos escolares com menos ruído. Mas, para que isso aconteça, precisam da regulação dos adultos com quem estejam no momento.

Jovens que depredam o espaço público também podem aprender a respeitar o lugar que frequentam se puderem entender que esse lugar é de todos. Mas temos renunciado ao espaço público por entender que, em vez desse ambiente pertencer a todos, não pertence a ninguém.

Os mais novos podem ser muito melhores do que nós, adultos. Para isso, precisam apenas de nossa generosidade, dedicação e de nosso compromisso com a educação deles. Crianças e adolescentes precisam de nós.

Restringir o espaço de circulação deles não irá ensiná-los a falar mais baixo, a fazer menos barulho, a saber conviver com respeito. Fazer com que recuperem o espaço de todos que prejudicaram pode ter efeito educativo. Qual caminho iremos escolher?

Saio em férias a partir desta edição e retorno na primeira semana de fevereiro. Agradeço a boa companhia de sempre e desejo, a quem comemora no final de ano, que as festas sejam boas oportunidades para troca de afetos com amigos e familiares. Saúde!

Parabéns, prefeito - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - 18/12


Pessoas que erram muito têm a obrigação de aprender algo: o exercício da tolerância. Tolerância consigo mesmas, digo. Sei, porque é o meu caso. Vivo errando. Não estou sendo modesto; estou sendo sincero. Tenho cá completa consciência das minhas pusilanimidades e infâmias, mas não vou ficar falando nelas, porque já tem muita gente por aí apontando meus erros e não serei eu a lhes dar ainda mais material para me criticar, sobretudo porque essas seriam as críticas certas. O importante é que saiba dos meus erros e, em geral, os perdoe. Volta e meia digo para mim mesmo: “Calma, rapaz, você é um cara legal. O que podia fazer naquela circunstância?

Qualquer um erraria como você errou. Nada de punições. Se você desculpa os erros dos outros, por que não se desculpar? Não é isso? Isso mesmo. Então, vamos em frente”. Ser condescendente é um alívio, principalmente quando você é o beneficiado com sua própria condescendência. Vamos pegar um exemplo: as tentações. É muito fácil resistir às tentações quando você não é tentado. Você fica criticando os políticos corruptos. Certo. Agora pergunto: alguém já lhe ofereceu um milhão para que você cedesse aqui ou ali? Não? Então, como você sabe que é incorruptível? Talvez você seja um corrupto em estado latente. Talvez você seja o pior tipo: você quer vender, mas ninguém quer comprar.

Não quero dizer, com isso, que você deva ser complacente com quem desvia dinheiro público ou quejandos, mas talvez seja o caso de reconhecer que existem nuances no comportamento do gestor público. É possível que, em certos casos, o erro não seja percebido pelo olho do administrador.

Creio ter sido o que ocorreu no episódio das 462 criancinhas que iam dançar no Araújo Vianna e que tiveram sua apresentação cancelada pela prefeitura por falta de previsão orçamentária. O prefeito Fortunati não sabia da dimensão da coisa. Ao ser informado, determinou a correção do erro. Em 24 horas, tudo foi arranjado e, no domingo passado, as crianças dançaram, felizes, e abraçaram o prefeito. Foi um gesto sensível. Aplausos para ele.

Eu e meu entorno

E os administradores do Grêmio, eles erraram ao dispensar Cássio, Alessandro, Fábio Santos, Douglas e até mesmo Tite, todos eles flamantes campeões do mundo com o Corinthians? Hoje, há muitos oportunistas tentando identificar que dirigentes promoveram essas dispensas, acusando-os de ter errado. Bobagem. As circunstâncias são diferentes. Vou tomar o Douglas como exemplo. No Grêmio, ele vivia a repetir:

– Eu só jogo com a bola no pé.

No Corinthians, ele diz:

– Eu também tenho que ajudar, também tenho que marcar.

Esse Douglas serviria ao Grêmio, aqueloutro não. O Grêmio não mudou. Douglas, sim. Porque mudaram as circunstâncias. O homem é o homem e as suas circunstâncias, eu sou eu e o meu entorno, como filosofava Ortega y Gasset.

Citar Sant’Ana

La Fontaine era distraído como o Sant’Ana. Você sabe, La Fontaine foi o grande fabulista do século 17, o homem que escreveu a Formiga e a Cigarra, o Coelho e a Tartaruga e outros contos com animais como personagens. Bem. Uma vez, ele foi ao enterro de um amigo com quem estava habituado a jantar periodicamente, sempre no mesmo dia do mês. Transcorrido certo tempo, La Fontaine simplesmente se esqueceu do passamento, se enfarpelou todo e foi para a casa do falecido, pronto para passar uma noite agradável com ele. O criado da casa, ao abrir a porta, se espantou e disse, cheio de reticências constrangidas:

– Mas... senhor... Ele está no cemitério já há 15 dias... O senhor sabe disso...

Ao que La Fontaine saiu-se com essa:

– Sei. Mas não sabia que ele ia demorar tanto por lá.

La Fontaine também era modesto, como não é o Sant’Ana. Sua modéstia era tamanha, que um escritor francês seu contemporâneo e rival, Fontenelle, um dia resmungou:

– Esse La Fontaine é tão imbecil que acha que existiram outros fabulistas melhores do que ele!

Por que faço essa comparação entre La Fontaine e Sant’Ana? Para dizer que não passa de fábula isso que o Sant’Ana reclama, de jamais ser citado por outros colunistas. Já o citei várias em várias oportunidades e, agora, num único texto, o fiz quatro vezes. Cinco com o título. Seis agora: Sant’Ana. Pode parar de se queixar, Sant’Ana (sete). Espero que esteja satisfeito, Sant’Ana (oito!).

As lamentações do dinossauro - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 18/12


Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer os mesmos erros?


Terminei a leitura do último livro de Mario Vargas Llosa ("A Civilização do Espetáculo", editora Quetzal, 219 págs.) exatamente como gosto de terminar um livro: com notas extensas de concórdias e discórdias, escritas pelo meu punho, ao longo de todo o livro.

Mas, primeiro, as apresentações: Vargas Llosa apresenta-se como "um dinossauro em tempos difíceis". O que significa este jurássico autorretrato?

Significa uma confissão: Vargas Llosa olha em volta e vê frivolidade, aparência -numa palavra, "espetáculo". E vê o desaparecimento da cultura como experiência ética e estética que nos permite compreender os problemas do mundo.

Hoje, esta "civilização do espetáculo", que se desdobra em livros "light", filmes "light", arte "light", religiões "light" e até relacionamentos pessoais "light", serve apenas para fugirmos dos problemas do mundo. Numa palavra, serve para nos "alienarmos".

O termo não é inocente, e Vargas Llosa sabe disso: como diria Marx e os seus discípulos, sobretudo o "situacionista" Guy Debord, existe na civilização de hoje, como existia na civilização dos séculos 19 e 20, uma vontade desesperada de remeter o pensamento e a cultura para as margens da sociedade capitalista. E aqui reside a minha pergunta primeira: não terá sido sempre assim?

Platão, na sua "República", não era particularmente entusiasta dos poetas da sua época. Shakespeare, tido agora como parte fundamental do "cânone ocidental", era considerado um dramaturgo "popular" pela "intelligentsia" da Inglaterra isabelina.

Não estaremos nós também a ver superficialidade em toda a parte e a cometer o mesmo erro dos nossos antepassados, que sempre se consideraram testemunhas de um mundo em decadência?

Woody Allen, de quem Vargas Llosa manifestamente não gosta, glosou sobre o assunto em "Meia-Noite em Paris": há nos contemporâneos de todas as eras um descontentamento com o presente que os leva a romantizar eras passadas.

Assim acontecia com o personagem do filme, o roteirista Gil (um notável Owen Wilson), que suspirava no século 21 pela Paris da década de 20. Até viajar a esse passado de "festa móvel", como lhe chamou Hemingway, e descobrir que os contemporâneos da década de 20 suspiravam pela Belle Époque; e os contemporâneos da Belle Época, pelo Renascimento italiano; e etc. etc., sempre em regressão nostálgica.

Não quero com isso dizer -Deus me livre e guarde!- que um dia olharemos para as brincadeiras conceituais de um Damien Hirst da mesma forma que olhamos para um Cézanne ou para um Matisse. Nessa matéria, o vaso sanitário de Marcel Duchamp já encerrou há muito o capítulo dos "happenings" circenses.

Mas será preciso reproduzir aqui o que os críticos coevos de Cézanne e Matisse escreveram à época sobre os quadros desses dois reputados mestres?

Ponto de ordem. Concordo com Vargas Llosa sobre a "civilização do espetáculo" que se espalhou em volta. Concordo que a sensibilidade cultural do nosso tempo torna mais difícil o aparecimento de um James Joyce porque escasseia o público exigente e paciente para o ler. Concordo que o "eclipse" do intelectual se deve ao papel abjeto que ele teve, sobretudo no século 20, ao emprestar o seu nome e prestígio a regimes totalitários.

E concordo, de alma e coração, que o relativismo larvar que contaminou a "crítica" e as "humanidades" faz com que hoje uma ópera de Verdi ou um concerto dos Rolling Stones sejam colocados no mesmo patamar valorativo.

Mas introduzo aqui uma ligeira variação ao argumento central de Vargas Llosa: vivemos hoje uma "civilização do espetáculo" porque o nosso tempo globalizado criou os mecanismos de difusão que nos permitem assistir a esse excesso de espetáculo.

Assistimos a tudo: ao lixo cultural, mas também a raras preciosidades. Assistimos aos tubarões em formol de Damien Hirst, mas também aos retratos de Lucien Freud. Assistimos à mediocridade pirotécnica de Hollywood, mas também ao cinema de Michael Haneke. Lemos Dan Brown, mas também os romances do próprio Vargas Llosa.

Perante esta selva estética e ética, o caminho não está em jogar a toalha e decretar o fim de uma "civilização". Está, pelo contrário, em ser "um dinossauro com calças e gravata", disposto a resgatar do caos o que merece ser celebrado como nunca.

Cérebro e alfabetização - JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA


O ESTADÃO - 18/12


O que diriam os neurocientistas e estudiosos da Ciência Cognitiva da Leitura se o Ministério da Educação (MEC) lhes pedisse para opinarem sobre o recém-lançado programa Alfabetização na Idade Certa? Embora essa parcela da comunidade científica não tenha sido convidada a opinar, é justo que a sociedade saiba o que a ciência do cérebro tem a dizer sobre essa questão.

O maior problema, parece-nos, reside na definição e, no caso em questão, na falta dela. O que é alfabetizar? No sentido etimológico, é ensinar o alfabeto. No psicológico, apropriar-se das regras de funcionamento do código alfabético. E, no neurológico, ensinar o cérebro a ler, a estabelecer as conexões entre fonemas e grafemas de forma consistente com o respectivo código da cada língua.

A clareza da definição permite avançar. Sua falta prejudica todo o resto. O conceito é de Aristóteles. Em nenhum documento do referido programa existe uma definição de alfabetização, que é, neste caso, confundida com várias outras coisas.

Uma das confusões está na compreensão dos textos. Em A Arte de Ler, publicado em 1994 pela Universidade de São Paulo (USP), o professor José Morais, da Universidade de Bruxelas, já fazia com clareza a distinção entre ler e compreender. A neurociência comprova que indivíduos são capazes de ler sem compreender, o que demonstra a especificidade dessa aprendizagem. E aí reside a raiz dos demais problemas desse programa. Há mais de 30 anos os psicólogos que estudam a alfabetização vêm demonstrando que as dificuldades de compreensão são independentes das da leitura: quem tem dificuldade de compreensão oral também tem de entender o que lê. Os problemas são diferentes.

A recíproca - compreender sem ler - é verdadeira, mas é mais óbvia. No caso do programa governamental, fala-se não apenas numa capacidade não definida de compreensão de textos, mas também aí se incluem conhecimentos matemáticos. Falar em alfabetização matemática pode ser até uma metáfora interessante, mas só seria útil se ajudasse a reforçar o sentido próprio da palavra alfabetização, e não para confundir o País.

A falta de clareza na definição da alfabetização leva a outros problemas. Sem ela não é possível especificar as competências necessárias para ensinar o cérebro a aprender a ler. Se consultada, a comunidade científica certamente poderia contribuir com seus conhecimentos acumulados por meio de estudos de laboratório, experimentais e empíricos e cujos resultados apresentam elevado grau de convergência.

A comunidade acadêmica poderia ter apresentado as conclusões convergentes dos achados acumulados a respeito da importância dos métodos na alfabetização, inclusive explicando que os fônicos são mais eficazes não apenas porque há evidências empíricas sobre isso, mas porque eles são consistentes com a forma de funcionamento do cérebro.

Os especialistas também diriam que os métodos de alfabetização propostos pelo MEC, que preconizam o contexto, tiram o foco do objeto da aprendizagem e criam sobrecarga cognitiva, prejudicando não apenas a aprendizagem da leitura, mas, posteriormente, a capacidade de compreensão.

Não paira dúvida sobre a importância de desenvolver competências de fluência de leitura como parte integrante do processo da alfabetização. Leitura fluente está fortemente associada ao domínio prévio das competências de decodificação e seu desenvolvimento depende dos tipos e gradação de textos e das técnicas de exposição repetida e espaçada. Fluência de leitura, isto é, a capacidade de reconhecimento de palavras independentemente do contexto, é uma das marcas que melhor diferenciam os bons dos maus leitores. Nada disso consta das propostas do MEC nem dos materiais que oferece.

Também caberia a cientistas e pesquisadores nas áreas aplicadas opinar sobre programas de ensino, materiais didáticos ou até mesmo quanto à idade mais propícia para ensinar o cérebro a ler. Se consultados, poderiam dizer, com confiança e segurança, que as habilidades fonológicas afloram e se desenvolvem ao longo dos anos que precedem a escolarização formal, por volta dos 4 e 5 anos de idade. E que aos 6 anos as crianças, em sua esmagadora maioria, já possuem todas as condições necessárias e suficientes para se alfabetizarem.

Estudos rigorosos também demonstram os efeitos negativos sobre aqueles que não se alfabetizam na idade certa. E estudos comparativos mostram que, mesmo em países em que o código alfabético é mais opaco do que o nosso, as crianças se alfabetizam nessa idade.

Assim, uma política de alfabetização que levasse em conta as evidências científicas, ao invés de retardar o processo de alfabetização, delegaria às pré-escolas importantes responsabilidades no desenvolvimento dessas competências, bem como no conhecimento das letras e suas formas.

Se consultados, os estudiosos da matéria teriam igualmente algo fundamentado a dizer a respeito de como devem ser os materiais adequados para ensinar a ler, e que muito diferem do que é oferecido nos livros e cartilhas de alfabetização aprovados pelo MEC.

Infelizmente, o governo federal não julga importante ouvir os que efetivamente dominam essa matéria. Prefere buscar o consenso entre aqueles que, embora militem na área de educação, não participam nem compartilham os critérios acadêmicos adotados pela comunidade internacional.

Conhecimento científico, mesmo quando bem fundamentado, não leva por si só a promover virtudes cívicas, bons comportamentos ou políticas virtuosas. De pouco valem os estudiosos do cérebro, se o cérebro de quem decide prefere ignorar ou desprezar as suas contribuições. Mas o desconhecimento e o desprezo pelo conhecimento certamente deixa vítimas. Os resultados da educação brasileira estão aí como prova.

Presente baratinho - JAIRO MARQUES

FOLHA DE SP - 18/12


Onde está convencionado, sancionado ou registrado que desejo de criança pobre precisa ser simples?


De tanto azucrinar a mulher e amigos, eles se renderam e deitaram o cabelo, nos últimos dias, até os Correios para adotar cartas que crianças escrevem às toneladas destinadas ao velho do saco, o Papai Noel.

Queria eu ser um desses "Eikis" da vida para conseguir pegar umas 10 mil cartas, que me gerariam, sem nenhuma dúvida, 100 milhões de risadas gostosas como retorno do investimento.

Sou desses que não brincam com desejos depositados em missivas natalinas infantis. Nelas, além de pedidos pueris de um brinquedo qualquer, há esperança de que, em um toque de mágica, algo muito bom possa acontecer.

Pois minha amada e alguns dos companheiros voltaram da empreitada dezembrina com uma máxima que me deixou com a vó atrás do toco: "Essa criançada só quer coisa cara. É celular, bicicleta, patinete, um diacho de nome Xbox. Ninguém quer presente baratinho".

Mas onde é que está convencionado, sancionado ou registrado que desejo de criança pobre -a maioria que deposita sua vontade ao Deus-dará- precisa ser baratinho, precisa ser simples?

Quando eu era menino comedor de terra, lá no interior de Mato Grosso do Sul, ansiava por presentes muito mais ousados. Queria um quarto lotado de surpresas, um trem elétrico de mentirinha, mas que corresse em trilhos e soltasse fumaça de verdade, uma espaçonave que lançaria bolhas de sabão e que tivesse uma geladeirinha dentro cheia de doces de boteco.

Talvez o meu raciocínio seja daqueles que o Pondé coloca em baixo do travesseiro para ter muitos pesadelos e, depois, mais nervoso que aposentado em dia de pagar a conta da farmácia, inspira-se para escrever aqueles desaforos todos, mas o pensamento simples também acalenta a existência humana.

Esse negócio de determinar merecimento e de fazer análises comportamentais sobre os pequenos e só assim determinar a premiação natalina são valores adultos que alguns querem enfiar goela abaixo dos infantes.

Em uma das cartas que abraçamos lá em casa, o menino desfilava um monte de palavras pedindo uma roupinha nova de número tal, do tamanho tal, tentando suavizar o impacto de sua vontade legítima, que estava quase na última linha: "Papai Noel, se der, também quero um relógio do Ben 10".

Não sabia que raios era isso de Ben 10, mas, sem pudores, entrei em várias lojas de shopping pedindo tudo que fosse relativo ao danado, que descobri ser um desses heróis meio doidos de desenho japonês mais doido ainda.

Que o menino brinque aos montes com o mimo esquisito, que se inspire para enfrentar os monstros terríveis que o aguardam na vida adulta, e o mais importante: que no futuro incentive outros sonhadores a ter fé em dias melhores.

Os mais velhos também costumam ser alvos de "presentes baratinhos", afinal, eles já têm de tudo nessa vida. Pode até ser, mas no fundo o que muitos deles querem, a meu ver, custa caríssimo: um pouco do tempo corrido dos filhos para tomar um café e trocarem um chamego ou uma breve ligação dos netos, bisnetos para explicaren, mais uma vez, que danado de poder extraordinário tem o relógio do Ben 10.

Bom Natal!

Faculdades caça-níqueis - RENATO GRAÇA

O GLOBO - 18/12


Muito se fala sobre o grande número de processos que envolvem o erro médico no Brasil. Também é dito que o ensino na graduação de Medicina piora a cada ano, relacionado com o aumento de cursos pelo país.Associados, os fatos têm levado parlamentares a apresentar diversas emendas à lei que cria os Conselhos de Medicina, entre as quais se destaca obrigatoriedade de um exame de conhecimento após a graduação. Apenas os aprovados seriam médicos, modelo semelhante ao da OAB.

O Conselho Regional de São Paulo é simpático à ideia e instituiu, em 2005, um exame voluntário no Estado. Este ano, a avaliação tornou-se obrigatória.

Não haverá punição aos reprovados, mas nenhum graduado terá seu registro no CRM sem ter feito a prova.

O exame da OAB, instituído nos anos 1970 e compulsório desde 1994, foi criado como solução para melhorar o ensino de Direito e frear o crescimento do número de escolas. Nas avaliações dos últimos anos, o percentual de aprovação gira em torno de 14%. O alto índice de reprovação sugere que a qualidade do ensino não melhorou. O Provão, aplicado pelo MEC entre 1996 e 2003, mostrou que houve piora de conceito em 80% dos cursos jurídicos. E o total de faculdades no Brasil cresceu 67% entre 2003 e 2011. Conclui-se que a prova da OAB não melhorou o nível nem impediu a criação de escolas.

A experiência leva à conclusão de que um exame de tal natureza para os médicos não vai melhorar a qualidade profissional, nem inibir o aparecimento de mais faculdades. Há também a possibilidade de criação de uma indústria de cursinhos, ou ainda de um esquema de fraudadores.

É criticável, também, a obrigação de avaliar o conhecimento de seis anos em uma única tarde de domingo. Lembrese que aos CRMs cabe fiscalizar o exercício da profissão do médico, e não investir uma verba considerável para elaborar, aplicar e corrigir uma prova para os 16 mil formandos em Medicina espalhados a cada ano.

Por fim, fica no ar a pergunta: com a oficialização do exame, o que faremos com os reprovados? No Direito, o reprovado será um bacharel que tem um amplo mercado de trabalho. Pode fazer concurso, elaborar petições que serão assinadas por advogados e dar expediente em escritórios.

O que fará o bacharel em Medicina? Poderá operar alguém e pedir a um médico para assinar o boletim cirúrgico? Acabará exercendo a medicina ilegalmente? Já foi dito que o destino do reprovado deve ser o retorno à faculdade.

Isto é factível? Com um índice de 50% de reprovação, logo teríamos que dobrar a capacidade das faculdades ou aumentar o número de cursos. Verdadeiro tiro pela culatra.

O que tem de ser pensado é a avaliação da escola, e não do aluno. O certo é mensurar a capacitação do docente da faculdade, sua infraestrutura e outros tópicos que influenciam na formação.

Faculdades desqualificadas devem ser fechadas. Assim será possível melhorar a formação do estudante e inibir iniciativas caça-níqueis.

Contra o interesse público - MARCELLO TERTO

O GLOBO - 18/12


Uma recente investigação da Policia Federal alertou a sociedade para a necessidade de compreender a real dimensão de projetos de lei que fragilizam instituições tão caras à construção da segurança jurídica.

Tal reflexão traz a noção do risco de aprovação de projetos como os que reestruturam a Advocacia-Geral da União ou a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo para a estabilidade e lisura das relações jurídicas integradas por entes estatais.

Por outro lado, na mesma proporção em que evidencia uma crise no íntimo de instituição tão cara ao equilíbrio do sistema de Justiça, a deflagração da operação policial Porto Seguro impõe discussões em torno da real dimensão da autonomia dos órgãos de Advocacia Pública, para que se possam apontar soluções para o atraso que lhes é imposto, se comparados com as demais estruturas essenciais à Justiça.

Não podemos deixar de acreditar que foram as circunstâncias anunciadas, de vendas de pareceres chancelados por agentes da cúpula da Advocacia-Geral da União, um dos elementos fundamentais da admissibilidade da PEC 452/2009 pela CCJ da Câmara dos Deputados, no último dia 27 de novembro, possibilitando maiores discussões sobre o tema.

O pensamento político do século passado modificou a ótica simplista da ilegalidade formal, para pensar a corrupção em seu sentido etimológico, pautando o problema como algo referente à putrefação da ordem constituída, na sua ligação não mais apenas com a ideia de arbitrariedade, usurpação, desvio, mas também de justificação, desocultação e responsabilidade. Trouxe à tona, portanto, um novo e mais complexo sentido de justificação normativa de fundo moral da política e de organização e controle de qualquer parcela do Poder.

A construção da identidade pública é um processo fundamental, e, quando essa identidade não é clara, a sua apropriação privada se torna ainda mais possível.

Infelizmente, foi isto o que sempre se procurou fazer com a Advocacia Pública através da confusão do seu papel com o do Ministério Público, num extremo, ou com o de uma simples advocacia de governo, em outro.

Com a desnaturação das suas características profissionais se procura subordiná-la e submetê-la ao contágio de interesses alheios ao conjunto dos interesses da sociedade, em prejuízo do objetivo de lhe fornecer informação de progressiva institucionalidade de combate à corrupção no Brasil.

A Advocacia Pública, assim, permanece à mercê do oportunismo corrupto, fruto do inchaço da máquina pública e da criação e distribuição desenfreada de cargos com critérios exclusivamente políticos, que rompem o equilíbrio de forças legitimadoras dos atos estatais, em claro favorecimento de grupos que, por si, não representam o interesse público.

A sua organização institucional imposta pela Constituição Federal refuta projetos como o de Lei Complementar nº 205/2012, enviado ao Congresso Nacional pelo advogado-geral da União, sem maiores discussões, e com regras que afrontam princípios jurídicos consagrados e fragilizam vários pressupostos de atuação dos advogados públicos.

Será impossível consolidar o estado democrático sem assegurar a boa atuação dos agentes responsáveis por sua preservação e defesa. A condição de autoridade refém de conveniências políticas compromete a atuação do advogado público e garante um porto seguro a grupos desvirtuados que estilhaçam a aura de decência exigida das instituições públicas.

A ideia de infância - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/12


SÃO PAULO - A tragédia de Newtown que resultou na morte de 27 pessoas nos toca mais profundamente do que outros tiroteios em escolas porque 20 das vítimas eram crianças de apenas 6 ou 7 anos. O atirador não só roubou a vida de quase três dezenas de seres humanos como também atentou contra a ideia de infância, que, para nós, modernos, carrega algo de sagrado.

É interessante que nem sempre foi assim. O historiador Philippe Ariès, por exemplo, chegou a sustentar que o amor que, hoje, sentimos pelos nossos filhos é uma criação recente. Durante a Idade Média, diz ele, crianças eram vistas como adultos em miniatura. Elas podiam ser vendidas e até enforcadas como adultos, caso cometessem algum crime. Os pais não ligavam muito se morressem. Não havia nada de específico na infância.

Recentemente, os métodos e certas conclusões de Ariès foram objeto de duras críticas, muitas das quais parecem procedentes. Mas a noção de que, da Idade Média para cá, emergiu um novo conceito de infância permanece solidamente de pé.

No campo das ideias, dois dos principais responsáveis pela mudança são John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-78). O primeiro veio com a concepção de que a mente humana é uma "tabula rasa", que precisa ser preenchida com civilização. Já o segundo sustentou o ideal romântico de que crianças conservam uma espécie de pureza original que tem de ser protegida da corrupção do mundo adulto.

Embora incompatíveis entre si, ambas as teorias implicam que a infância tem uma especificidade e abrem as portas para a educação, a convicção de que podemos e devemos moldar a mente dos pimpolhos.

Pelo que sabemos hoje, tanto a "tabula rasa" como o ideal da pureza infantil não fazem muito sentido, mas isso agora é irrelevante. A ideia de que as crianças ocupam um espaço especial -quase sagrado- já está encravada na modernidade.

Fé e saber - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 18/12


Na semana passada, escrevi artigo criticando colocações de dom Odilo Pedro Scherer a respeito da submissão de uma universidade confessional ao quadro dos ditos valores católicos, com seus dogmas e preconceitos.

Insisti que uma universidade não é simplesmente uma propriedade privada, mas uma autorização do Estado.

É o Estado brasileiro que legitima o diploma dado por toda e qualquer universidade. Nada mais normal, então, que elas sigam injunções que o Estado democrático compreende como fundamentais para uma formação universitária adequada, como o respeito ao livre pensamento e ao desenvolvimento do senso crítico.

Note-se que, em momento algum, disse que valores religiosos não devem ser objetos de debate e conhecimento no interior de uma universidade.

Na verdade, disse que uma universidade não pode sub-meter sua liberdade de pesquisa e de crítica a conjunto algum de valores religiosos, muito menos de interesses ligados ao mercado ou a interesses do próprio Estado.

Nossos alunos devem conhecer valores religiosos, já que eles são elementos maiores para a formação da cultura e da experiência do pensamento. Não entenderemos como pensamos o tempo, a identidade, a relação com o corpo, o poder, o outro, assim como não entenderemos os limites e potencialidades de nossas formas de pensar, sem passarmos pelo impacto que discussões teológicas tiveram no pensamento.

No entanto nossos alunos têm a necessidade de conhecer bem valores de todas as religiões, e não apenas de uma específica, com suas leituras peculiares.

Por exemplo, se nossos alunos, desde o ensino médio, conhecessem as discussões teológicas muçulmanas talvez tivéssemos menos absurdos circulando, quando é questão de tentar compreender as sociedades árabes. O mesmo vale para a tradição judaica. Talvez entenderíamos melhor aqueles que queremos, custe o que custar, colocar sob a rubrica de atrasados e irracionais.

Mas, para tanto, não precisamos de cursos de teologia ou de formação religiosa. Precisamos de cursos de história das religiões e de seus sistemas de pensamento.

Não é verdade que fé e saber andam juntos. Mais de 400 anos para que a igreja perdoasse Galileu deveria servir, ao menos, para alguns terem mais humildade quando falam sobre tal relação.

No entanto é verdade que o saber reconhece como há algo na fé que demonstra como ele começou, de onde ele veio e quais são seus pontos de quebra. Por isso, um conhecimento sobre a história das religiões é uma aquisição fundamental para toda for-mação crítica.

Judicializou geral - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 18/12


Royalties do petróleo, perda de mandato parlamentar, ficha limpa, tempo de TV para partidos recém-criados e por aí vai. O Supremo Tribunal Federal (STF) a cada dia decide sobre mais um tema polêmico. Tudo deságua ali. E, dia sim outro também, o parlamento vai perdendo a primazia na política e na economia, com um deslocamento geral dos holofotes para o STF. Não por acaso, o relator do processo do mensalão e atual presidente da Casa, Joaquim Barbosa, aparece entre os potenciais candidatos a presidente da República.

Ontem, não foi diferente. Foram duas pauladas do Supremo sobre as excelências. A primeira foi a decisão sobre a perda automática do mandato dos três parlamentares condenados na Ação Penal 470, um bolo que o ministro Celso de Mello confeitou com duras declarações contra a presidência da Câmara. A frase do ministro Celso de Mello merece reprodução: “Reações corporativas e susceptibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de solidariedade não podem justificar afirmações politicamente irresponsáveis, juridicamente inaceitáveis, de que não se cumprirá decisão do STF revestida de autoridade de coisa julgada”.

Os parlamentares nem tiveram tempo de digerir essa decisão quando lá vem outra: o ministro Luiz Fux determina que o Congresso deve seguir a fila dos vetos — leia-se, deixar para o final do rol de 3.060 vetos aquele da presidente Dilma Rousseff à distribuição dos royalties do petróleo. Para quem chegou da Europa ou dos Estados Unidos hoje, vale lembrar que, na semana passada, os congressistas aprovaram a urgência para votação desse veto de Dilma e a expectativa era a de que fosse votado ainda hoje.

Essas duas decisões esquentaram esta semana e colocaram o STF e o Legislativo em rota de colisão. No caso dos royalties, o plenário da Casa sempre foi soberano para decidir sobre o que deve ser votado. No caso dos mandatos dos condenados, é certo que um presidiário não pode estar ali, votando as leis do país, ainda que o PT considere esse julgamento político. Mas antes que ministros do STF e congressistas entrem nas vias de fato, é preciso haver equilíbrio, o que está faltando em ambos os temas avaliados ontem.

No caso da perda dos mandatos, a impressão que se tem é a de que essa discussão agora é que vai começar. É preciso deixar claro que se o caso fosse tão tranquilo e cristalino como votou o ministro Celso de Mello, teria sido resolvido por um placar maior do que 5 a 4. Em segundo lugar, o inverso também já ocorreu. O mesmo STF que hoje determina a perda do mandato automática absolveu por falta de provas políticos que o Congresso cassou no passado. O caso mais emblemático foi o do ex-presidente Fernando Collor, hoje senador eleito democraticamente por Alagoas, onde fez carreira política. Ontem, alguns deputados, como Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), comentava que talvez seja preciso uma emenda constitucional para clarear a questão de forma cabal. Ocorre que, a quatro dias do recesso, os parlamentares não vão tratar do tema agora.

E por falar em discussão…

O julgamento do mensalão e a popularização do Supremo Tribunal Federal com ministros mais jovens, que até tocam guitarra, começa a derrubar a velha máxima de que decisão judicial não se discute, cumpre-se. Ok, cumpre-se, mas se discute. Tanto é que, de uns tempos para cá, até manifestações em frente ao STF já ocorreram. E nem sempre foi apenas por questões relacionadas a julgamentos de políticos, como o do mensalão. Para quem não se lembra, houve uma grande mobilização quando de decisões como a união homoafetiva e o aborto em casos de anencefalia. É o povo mais próximo do STF e vice-versa. Só é preciso tomar cuidado para que os 11 ministros do Supremo não substituam o Legislativo. Afinal, a democracia requer cada um no seu quadrado e interação respeitosa entre os Poderes.

Por falar em Poderes…

O governo adiou para 31 deste mês a liberação das emendas ao Orçamento de 2012 e restos a pagar de anos anteriores. É a xepa orçamentária, que sempre termina prendendo algumas excelências em Brasília até o último minuto. Todos os anos é a mesma coisa. A forma como o país — governo e Congresso — lida com o Orçamento é uma tristeza.

Exame de Ordem e a proteção da sociedade - MARCUS VINICIUS COÊLHO


O ESTADÃO - 18/12


A Câmara dos Deputados analisa 18 projetos de lei que visam a pôr fim ao Exame de Ordem para o exercício da advocacia. No dia 4 último, o plenário da Casa rejeitou o pedido de urgência para a votação do relatório favorável à extinção do exame. Decisão acertada dos parlamentares.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não pode deixar de se pronunciar sobre uma questão tão decisiva e importante para a categoria. O Exame de Ordem é uma conquista e um avanço, e não um retrocesso, como defendem alguns de seus detratores. Os argumentos favoráveis à manutenção das regras atuais são muitos e todos relevantes e bem fundamentados.

A preservação dos direitos das pessoas depende da adequada orientação jurídica e da apropriada demanda judicial, tarefas do advogado. O Exame de Ordem objetiva impedir a atuação profissional de quem não possui o mínimo conhecimento técnico e, dessa forma, proteger o cidadão de injustiças e prejuízos irreparáveis.

Ninguém será privado de bens e de liberdade sem o devido processo legal, sendo assegurada a ampla defesa. Tal princípio constitucional se torna letra morta diante de uma atuação profissional deficitária, incapaz de articular com precisão a tese jurídica necessária à proteção do cidadão contra agressões a seus direitos e interesses.

O aparato jurídico do Estado é composto por profissionais concursados. Juízes, integrantes do Ministério Público, delegados de polícia e advogados públicos são submetidos a rigorosa seleção. O advogado do cidadão também deve ser aprovado num teste de conhecimento mínimo, sob pena de inexistir a necessária paridade a presidir a distribuição da justiça.

Essencial ressaltar que não há curso de advocacia, mas bacharelado em Direito. A graduação abre oportunidades para diversas carreiras jurídicas, cada qual com um teste seletivo para ingresso. A advocacia não é mais nem menos importante que as demais carreiras. Todos os bacharéis em Direito, ao ingressar nas faculdades, têm ciência, desde o edital do vestibular, de que o curso não habilita por si só ao exercício da advocacia.

O Exame de Ordem decorre do artigo 5.º, § XIII, da Constituição federal. Ali está estabelecido que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". E a legislação existe. É a Lei 8.906, de 1994, declarada constitucional por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Os juízes da Suprema Corte consideraram que a advocacia é profissão que pode trazer prejuízos graves a terceiros, razão por que o legislador fica autorizado a instituir o exame para medir a qualificação para o exercício profissional.

No Exame de Ordem brasileiro não há limite de vagas para aprovação. Nem se inibem as tentativas do bacharel para conseguir superar a prova: ele pode prestar tantos exames quantos quiser até atingir a nota mínima exigida. Não há arguição. Trata-se de uma prova com 80 questões objetivas e outra que consiste em apresentar uma petição profissional e com perguntas de ordem prática, na área do Direito escolhida pelo examinando.

Não se pode deixar de observar que o Brasil não é o único país a exigir um teste de conhecimento para advogados. Inúmeros outros adotam o exame de admissão para ingresso na carreira, muitos com etapas mais rigorosas que as nossas, como Itália, França, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão, China, México e Chile.

Em recente audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Amaro Henrique Lins, defendeu a necessidade do Exame de Ordem. Para ele, o exame profissional é complementar à formação universitária. Igual posição já havia sido emitida pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revelou que a ampla maioria dos bacharéis é favorável à sua permanência. Essa é também a opinião de professores de Direito e de diretores das boas faculdades, que não querem ser niveladas por baixo. Os cursos que primam pela qualidade aprovam quase todos os alunos e bacharéis logo na primeira submissão ao exame.

O fim do exame interessa fundamentalmente aos donos de faculdades sem estrutura alguma, que tratam a educação como negócio e lançam no mercado profissionais sem a excelência técnica exigida para o exercício digno da advocacia. Mais rentável seria oferecer, além do diploma de bacharel, o ingresso na carreira sem o necessário compromisso com o ensino capacitado e, especialmente, de qualidade.

A Comissão de Educação Jurídica da OAB rejeita cerca de 90% dos cursos de Direito que são criados. Recentemente, a Ordem estabeleceu importante diálogo com o Ministério da Educação com o objetivo de conter a multiplicação indiscriminada dos cursos. Em menos de 15 anos o Brasil passou de 150 para 1.260 faculdades de Direito, formando cerca de 100 mil bacharéis por ano.

Em cada Exame de Ordem é aprovada uma média de 20 mil bacharelandos. Com a realização de três exames anuais, 60 mil novos advogados começam a atuar por ano no Brasil, mais que uma França de profissionais da advocacia. Temos 750 mil advogados, perdendo apenas para os Estados Unidos e superando em muito a média mundial.

Numa visão meramente mercantilista, mais rentável seria o fim do Exame de Ordem, pois a OAB passaria a ter mais de 1 milhão de inscritos, pagando uma anualidade média de cerca de R$ 600. Uma arrecadação quase bilionária.

A história de luta da nossa entidade, porém, sempre ao lado da sociedade, põe em primeiro lugar a defesa e a proteção do cidadão contra o profissional sem qualificação. É essa a garantia que dá o Exame de Ordem. E da qual não podemos, nem devemos, como brasileiros e profissionais, abrir mão.

Chávez, o Brasil e os vulneráveis - GUSTAVO PATU

FOLHA DE SP - 18/12


BRASÍLIA - Distribuição de renda, redução da pobreza e expansão da classe média são três coisas distintas, embora aparentadas. Sob a ditadura militar brasileira, por exemplo, houve queda recorde da pobreza, mas a concentração de renda aumentou porque os mais ricos ficaram ainda mais ricos.

A distância entre ricos e pobres está em alta na maior parte do mundo, mas em baixa na América Latina desde a década passada. Esse é, provavelmente, o principal sustentáculo do venezuelano Hugo Chávez e de seus discípulos e aliados na região porque, além do evidente retrocesso institucional, os resultados econômicos do chavismo estão em declínio.

Graças ao avanço anterior da escolarização, a oferta de trabalhadores mais qualificados cresceu mais rapidamente que a de mão de obra braçal, estreitando a disparidade salarial no mercado. Os programas de transferência de renda fizeram a outra parte do trabalho, a que os políticos gostam mais de ostentar.

Deixar de ser pobre não significa ingressar na classe média. Uma coisa é dispor do mínimo para comer e morar; outra é poder consumir além do básico e planejar o futuro. Ensanduichado entre pobres e classe média, há um contingente pouco citado em discursos oficiais, mas já batizado em estudos como os vulneráveis.

Nas estatísticas do governo brasileiro, a classe média já é mais da metade da população do país; os vulneráveis, menos de um quinto. Nessa conta, são chamadas de classe média famílias com renda entre R$ 291 e R$ 1.019 mensais por pessoa.

Com régua menos generosa, o Banco Mundial chegou a conclusões bem diferentes: algo como 32% dos brasileiros estão na classe média; os vulneráveis, 38%, são o maior estrato no Brasil e na América Latina.

Dito de outra maneira, a fatia mais importante do eleitorado da região superou apenas precariamente a pobreza e depende dos governantes para não cair da corda bamba.

A terra dos caubóis enlouquecidos - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 18/12


Coibir o uso de armas seria saudável, mas só um choque cultural talvez evite crimes como o da Sandy Hook


Rudolf Hoss, um dos comandantes do complexo de Auschwitz (Polônia), contou durante seu julgamento em Nurembergue que, um dia, uma mãe judia passou por ele, em direção à câmara de gás do vizinho campo de extermínio de Birkenau, levando quatro filhos pela mão. Disse-lhe: "Como vocês podem matar crianças tão lindas e tão queridas?".

Esse diálogo me veio à memória depois de ver fotos de crianças assassinadas na escola Sandy Hook em Newtown na sexta-feira.

Hoss não respondeu -ou, ao menos, não há registro de sua resposta-, mas, se o tivesse feito, provavelmente diria, como tantos outros assassinos, que estava apenas cumprindo ordens.

O que adiciona horror ao episódio da Sandy Hook é que nem uma resposta -por inaceitável que seja- poderá ser obtida do atirador de Newtown. Não pode haver explicação para esse tipo de crime.

Não adianta agora o presidente Barack Obama prometer "medidas significativas", não especificadas, para tentar acabar com essa mania de matar que a cada tanto assola os Estados Unidos.

Claro que restringir o próspero comércio de armas pode até ajudar, mas chegará demasiado tarde. Segundo a mídia internacional, há 300 milhões de armas em circulação nos Estados Unidos, à incrível média de uma para cada habitante, bebê ou velho, homem ou mulher.

Mesmo que se chegue à draconiana proibição de fabricar armas, o que é impossível, ainda assim já há estoque suficiente para promover outras Sandy Hook, Virginia Tech, Columbine e por aí vai.

Mais eficaz, mas mais remota, é a hipótese de mudar a cultura norte-americana. Obama até tocou no assunto, ao dizer que "esses dramas têm que cessar. E, para que eles cessem, nós precisamos mudar".

De acordo, presidente, mas a que você está se referindo exatamente?

Espero que seja à mentalidade assim descrita ontem por Philippe Paquet, colunista do jornal "La Libre Belgique": "A posse de armas de fogo está ainda profundamente gravada na mentalidade americana. A conquista do Oeste, na história de uma nação tão jovem, foi ontem, e os americanos têm o sentimento, de um lado, de que o porte de armas é um elemento constitutivo de sua identidade e faz parte de sua cultura ancestral; de outro lado, [têm o sentimento] de que sua segurança depende em grande medida da posse de uma arma e de sua capacidade de utilizá-la".

Se Obama quer mudar uma mentalidade como essa poderia começar por proibir o uso dos "drones", aviões não tripulados, para praticar crimes em terras remotas que fazem as vezes de novo Velho Oeste.

Sejamos claros: esse tipo de ataques corresponde a execuções extra-judiciais e, portanto, viola uma das vacas sagradas da democracia norte-americana qual seja o devido processo legal.

Admito que é uma tarefa insana combater terroristas fanáticos, mas rasgar para isso códigos civilizados de conduta é armar o braço de mentes igualmente insanas para que matem crianças tão lindas e tão queridas, como são todas as crianças aos olhos dos pais.

Mais um foge do Fisco francês - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 18/12


Gérard Depardieu, 64 anos, é o maior ator francês. Na semana passada, ele anunciou que deixava a França para se estabelec er no país vizinho, a Bélgica. Por quê? Porque a França socialista de François Hollande "não gosta dos ricos", os esmaga com impostos, taxa em 75% as rendas acima de 1 milhão. Depardieu teve um acesso de cólera. Ele vai deixar Paris e vai se instalar na Bélgica, exatamente sobre a fronteira franco-belga, e adeus! A notícia deixou a França estupefata. O governo reagiu sem fineza nem moderação. A matilha dos ministros socialistas saiu no encalço do "saltimbanco", do "comediante", mordiscando suas pernas de tudo quanto foi jeito. O primeiro-ministro Jean-Marc Eyrault disse que Depardieu é "lastimável". Esse adjetivo não agradou Depardieu que publicou num grande jornal uma carta a Jean-Marc Eyrault: "Lamentável? Você disse lastimável? Como é lastimável!" E no seu furor, anunciou que a França estava acabada para ele. Depardieu vai devolver seu passaporte francês.

Vai pedir a nacionalidade belga, um passaporte belga.

Assim, a França está às voltas com uma nova "guerra civil" (uma de suas especialidades históricas e mesmo uma de suas guloseimas). Em setembro, Bernard Arnault, dono da Louis Vuitton, também pediu cidadania à Bélgica para fugir dos altos impostos franceses.

Embora as fortunas francesas muito grandes tenham migrado para Suíça, Bélgica ou para pequenos paraísos fiscais sem provocar grandes tempestade, a saída de Depardieu provocou um tsunami. Todo o mundo o conhece e o admira. Ele filmou com os maiores, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais, Bernardo Bertolucci, Marguerite Duras, etc. É capaz de fazer qualquer papel - o proletário ou o mítico, o grande policial, o gângster absoluto, o homem do mundo, o dândi... Ele pôde até ler, magnificamente, e com rara inteligência, em Notre Dame de Paris, as confissões de Santo Agostinho, o que não o impediu de interpretar o enorme, o monumental Obelix na série de Asterix.

Depardieu é um comediante, um saltimbanco. Ele põe em cena seus desentendimentos com o Fisco. Faz deles um drama, uma tragédia, uma ópera. Enquanto um burguês também refugiado para fugir dos impostos na Bélgica se cola nos muros, parece se desculpar, tem vergonha e estremece em seus trajes bem cortados, Depardieu, vestido de maneira bizarra, gordo, genial e monstruoso, vulgar e distinto, faz de seus dissabores um grande espetáculo com efeitos especiais . Ele estrondeia e ruge, ele grunhe, fica vermelho de indignação, rosna, ameaça, resfolega.

Paris conhece bem esse personagem, Depardieu possui no bairro a um só tempo luxuoso e intelectual de Saint-Germain-des-Prés, um hotel particular de 1.500 metros quadrados, atopetado de luxo, que pôs à venda por 50 milhões. Nesse mesmo bairro, Rue du Cherche-Midi, ele possui várias lojas, uma delas uma peixaria de luxo, e faz a graça de ele próprio vender o atum, o salmão ou o dourado aos domingos. Ao lado, há um restaurante que lhe pertence, mas ele tem outros bens por toda a França, em geral em torno do "comer", açougues, vinhedos, etc.

Sua saída da França terá também razões ideológicas? Seu coração certamente bate mais à direita, mas sem sectarismo já que ele foi um dos defensores mais resolutos do socialista François Mitterrand. Mais tarde, desenvolveu uma verdadeira amizade com Nicolas Sarkozy. Talvez porque Sarkozy não fazia muito mal aos ricos, mas, sobretudo, porque o sujeito o agradava, com sua vulgaridade, sua inteligência, sua bonomia.

Nas últimas eleições, ele apoiou Sarkozy: "Como é possível", disse ele num comício, "que se fale tão mal deste homem que só faz o bem?" Após Sarkozy, veio Hollande. Nada truculento esse Hollande! Bem asseado, bem criado, um ar de pequeno vendeiro de província. Para o ogro Depardieu, Hollande é uma abominação. Na sua peixaria, enquanto escamava seus linguados, ele não poupava Hollande, a quem só chamava de "porquinho". E assim é que o maior ator francês vai morar a alguns metros da fronteira francesa, mas do lado belga.

Um belo atoleiro!

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Timão! Venceu o carnê da CVC! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 18/12


E o Cássio? Mistura de Garibaldo com Frankestein? O que tem de feio tem de bom! Verdadeiro herói!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

O Timão também é bi! Timão Campeão! O Corinthians venceu, mas os que vão vencer mesmo são os carnês da CVC!

Timão Campeão! E pintou Ricardão na área. Ricardão pergunta pra gostosa na cama: "Pra onde o seu marido viajou mesmo?". "Pro Japão!" Rarará!

E como gritava o meu vizinho: "Chupa, Mundo! Chupa, Inglaterra! Chupa, Churchill! Ganhou do Hitler, mas não conseguiu ganhar da Nação dos Maloqueiros!".

E a faixa do corintiano no estádio: "Roubei um carro, vendi prum porco, o porco foi preso e eu vim pro Japão". Rarará! Adorei esse mano!

E o Cássio, hein? Aquela mistura de Garibaldo com Frankenstein? O que tem de feio tem de bom! Verdadeiro herói! Agarrava a bola e ainda gritava pros ingleses: "Perdeu, mano!".

O cara é um polvo! E sabe por que ele pegava todas as bolas? Porque falaram que o prêmio era uma cirurgia plástica! Rarará!

Ao contrário de todas as expectativas, os manos não deram vexame no Japão. Foram uns lordes! E diz que o Corinthians mostrou ao mundo a diferença entre Itaquera e Inglaterra!

E o site do Chelsea saiu do ar, DEU TILTE! Rarará! E tô surdo até agora: o manobrista da padaria soltou quatro rojões em seguida. Ops, oito. Ops, 16! E a manchete do Sensacionalista: "Corinthians é campeão do mundo e reféns começam a ser libertados". Rarará!

Plantão Incor! 36 manos infartaram. Aí a vizinha gritou: "Inclui mais um que o meu marido acabou de ir pra UTI!".

E um cara no Twitter: "Se eu parar de tuitar chama o Samu!". Incor, Samu, São Jorge, Bom Menino Jesus de Praga! É mole? É mole, mas sobe!

E o Sarney na Presidência? Três dias na Presidência e pediu cargo no "Fantástico"! E sabe o que ele fez? Pintou um bigode na foto da Dilma. Rarará!

E sabe por que faltou luz no sábado? O Sarney foi carregar o marca-passo e ficamos sem luz! Puf! Apagão!

E o chargista Thiago Recchia revela um recado do Sarney a toda a nação brasileira: "Brasileiros e brasileiras, o mundo não só não vai acabar como SOMOS ETERNOS!". Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

101 propostas para modernizar a CLT - JOSÉ PASTORE


O Estado de S.Paulo - 18/12


A palavra competitividade parece ter entrado no vocabulário do governo de uma vez por todas. Uma série de medidas vem sendo aprovada com vistas a instigar os empresários a investir mais e competir melhor. No campo laboral, os investimentos dependem de trabalho qualificado, de custos toleráveis e de previsibilidade das regras.

Nas três dimensões o Brasil patina. A escassez de mão de obra é um entrave à eficiência produtiva. O custo do trabalho sobe além da produtividade. As regras são confusas e imprevisíveis. O caro leitor já imaginou o estrago que uma lei faria no seu orçamento doméstico, ao responsabilizá-lo por uma dívida contraída há 10 ou 15 anos, sem que você soubesse? Seria um desastre, não é? É isso que fazem muitas leis trabalhistas, como, por exemplo, a do aviso prévio proporcional (Lei n.º 12.506/11).

Para reverter o quadro de incerteza, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou ao debate um documento que contém 101 propostas para modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trazendo para a discussão um conjunto de sugestões voltadas para melhorar as empresas e os empregos.

O documento foi entregue à presidente Dilma Rousseff na semana passada. Em cada sugestão há uma análise do problema a ser resolvido e, em seguida, uma proposta de solução. Grande parte das sugestões demanda providências simples, como é o caso de acabar com a carteira de trabalho escrita à mão, substituindo-a por um cartão eletrônico que permita registros mais simples, mais seguros e online. Outra proposta refere-se ao uso de certificação digital na emissão de atestados médicos, para coibir fraudes.

Muitas das simplificações estão nas mãos dos ministros do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, como são os casos do ponto eletrônico, das normas de saúde e segurança, seguro acidente do trabalho, reabilitação, etc. É só querer fazer.

Há sugestões para acabar com a incidência de injustificáveis contribuições sociais sobre férias, afastamentos, auxílio-alimentação, acomodação, previdência complementar e outros.

O documento é guiado pela filosofia de que a lei deve se limitar a estabelecer as regras básicas, deixando para a livre negociação a fixação dos detalhes. Neste campo, tem destaque a sugestão para tratar de forma diferente os empregados diferentes. Não é possível continuar com a noção do "hipossuficiente" para todos os trabalhadores. Profissionais altamente qualificados devem ter liberdade para acertar as bases de seu contrato de trabalho com o contratante, sem nenhuma tutela legal ou judicial. Da mesma forma, há que se disciplinar o trabalho eventual e por hora, que é frequente em tantas atividades e que, por falta de regras claras, é exercido na informalidade.

O documento da CNI critica a irracionalidade das leis, das normas e da jurisprudência que inventam regras descabidas, como as recentes súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. A de número 277, por exemplo, teve o atrevimento de "revogar" o artigo 614 da CLT, que define o prazo máximo de dois anos para as cláusulas de negociações coletivas, tornando-as eternas! Isso cria passivos colossais e imprevisíveis, desestimulando o investimento e a geração de emprego.

No conjunto, o documento propõe debater uma agenda de racionalização das regras trabalhistas. Há propostas que devem agradar a empregados e empregadores, assim como há as que provocarão saudáveis exercícios de negociação que podem fazer convergir o que hoje é divergente. O importante neste trabalho é a abertura de um debate a ser praticado de boa-fé para melhorar o ambiente de negócios e criar empregos de boa qualidade.

A iniciativa veio em boa hora. A Nação entendeu que sem melhoria da competitividade é impossível chegar aos empregos de bom padrão. Ao leitor interessado, faço um convite para que leia e medite sobre as sugestões contidas no 101 Propostas para Modernização Trabalhista, Brasília: CNI, 2012.

Tenebrário - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 18/12


O tenebrário é um enorme candelabro triangular usado pela Igreja Católica na liturgia do Ofício de Trevas da Semana Santa. Ao longo da cerimônia, suas 15 velas são progressivamente apagadas, até a treva total. O governo Dilma parece sugerir que esse é o formato do sistema elétrico brasileiro.

No último sábado, o País sofreu o sétimo apagão de graves proporções em quatro meses. Foram atingidos oito Estados e população estimada em mais de 3,5 milhões de pessoas.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) avisou em nota oficial que as perdas de geração na usina de Itumbiara, administrada pela central de Furnas (grupo Eletrobrás), alcançaram 1.180 MW, mas os desligamentos sucessivos a partir desse epicentro interromperam o fornecimento de 8,2 mil MW - nada menos que 13,4% da carga total do Brasil.

A cada episódio, fuzilam-se os suspeitos de sempre: fatores naturais - como ventanias, raios, incêndios em pastagens ao longo das linhas de transmissão, coisas assim. Ontem, por exemplo, o diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, apontou o dedo acusador para "descargas atmosféricas". Deveria bastar para demonstrar que o sistema é tremendamente vulnerável a tempestades tropicais.

Depois, também como sempre, o ONS convoca técnicos dos agentes envolvidos para averiguar as causas do problema, que, meses depois, aparecerão minuciosamente em taludos relatórios. Mas, antes, outras ocorrências de proporções similares terão provocado novos estragos e novos procedimentos equivalentes.

As autoridades da área lidam com os fatos como se fossem coisas que o brasileiro tem de aturar ou os usam para fazer seu jogo. Em outubro, o então ministro interino de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, insinuou que o apagão da ocasião poderia ter origem em atos de sabotagem das grandes companhias de energia - como reação contra a Medida Provisória 579, que obriga os fornecedores a derrubar em ao menos 20% as tarifas. Depois admitiu que, uma a uma, interrupções no fornecimento de energia elétrica têm a ver com falta de investimentos ou com descuidos de manutenção.

Às vezes, o governo Dilma parece ignorar o impacto desses problemas sobre a atividade econômica. Dá a impressão de desconhecer os prejuízos provocados pela paralisação das linhas de produção, pelo bloqueio das comunicações e pela enorme quantidade de produtos que se deterioram nas gôndolas dos supermercados, nos freezers e nas câmaras frigoríficas.

Que sentido fazem tantos apelos ao empresário para que mobilize seu espírito animal e despeje seu dinheiro em novos negócios, se o governo não garante suprimento regular de energia? Dá isenção de IPI à compra de geladeiras pelo povão, mas não dá importância para o estrago causado na economia familiar em perdas de alimentos provocadas por fatos assim.

A sucessão de apagões e apaguinhos indica que o sistema sofre de doença grave. Mas as autoridades a subestimam. De que adianta, por exemplo, insistir em preços baixos da energia (modicidade tarifária), se não há segurança de fornecimento?

Assim aumentam as dúvidas sobre a eficácia da nova política. A já mencionada MP 579 impõe que investimentos em manutenção dos sistemas não sejam repassados para as tarifas antes de serem submetidos aos burocratas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). São eles que operam o tenebrário?

Para onde vai o tripé? - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 18/12


Para desespero dos que acreditam que a economia monetária é uma ciência da qual são únicos portadores, ela está cada vez mais de pernas para o ar. Diante das dificuldades de colocar em marcha normal as suas economias, os bancos centrais em diversas partes do globo começam a prevaricar. Namoram medidas estranhas. Perdem, a pouco e pouco, a vergonha de reconhecer que não sabem bem o que fazer. O regime "puro" de metas inflacionárias que só existe no mundo platônico dos livros textos, mas serve para recomendar políticas universais vai assumindo cada vez mais o que ele sempre foi: uma caricatura!

Nunca houve (nem poderia haver) um banco central que ignorasse o nível de atividade, o nível de emprego e os movimentos dos ativos financeiros, em particular a taxa de câmbio. Todos tiveram implícita ou explicitamente, muitos mandatos. Puderam ignorá-los no tempo da "grande moderação", porque "as coisas caminhavam bem". Sem entender o que se passava, a atribuíam às "virtudes de suas próprias políticas monetárias" e nós acreditávamos...

As últimas semanas revelam uma perspectiva de mudança na administração da política monetária pelo Federal Reserve dos EUA, do Bank of England, e do Banco Central do Japão, estimulada pela conferência monetária em Jackson Hole. Nela o economista Michael Woodford, considerado por alguns o mais sofisticado "economista monetário do mundo" insistiu que os bancos centrais têm de usar sua credibilidade sobre as expectativas inflacionárias quando a taxa de juro nominal está próxima de zero, e flertou com uma política de meta para o PIB nominal. Isso parece estar por trás da nova política do Fed que prometeu comprar "ad libitum", US$ 85 bilhões de papéis (de todas as naturezas) por mês, até que uma de duas coisas aconteça:

1º) a taxa de inflação supere 2,5%; ou

2º) a taxa de desemprego caia a 6,5%, o que tem sido chamado de regra (2,5; 6,5).

BCs namoram medidas estranhas, não sabem o que fazer

Obviamente a nova política causou alguma ansiedade, particularmente nos mercados financeiros. Esses logo concluíram que Bernanke estava abandonando o sacrossanto dogma de inflação à taxa de 2% ao ano. Quem quiser mais informações deve ler a interessante palestra de Charles Evans, "Monetary Policy in Challenging Times", feita em Toronto no dia 27 de novembro. Bernanke afirmou que a mudança não significa que a política monetária foi transferida para o piloto-automático: foi programada para dar aos mercados e ao público em geral a informação de como o Fed está pensando e dar-lhes a oportunidade de ajustarem as suas expectativas.

É importante notar que Bernanke foi muito claro. O Fed, mesmo com as novas políticas, não tem condições de sustentar um razoável crescimento do PIB e do emprego, se o Congresso americano não chegar a um acordo capaz de superar o "abismo fiscal" implícito no vencimento das políticas pontuais tomadas no governo Bush. Isso impõe séria responsabilidade ao Partido Republicano que até agora se diverte com Obama caminhando na beira do tal abismo.

Mas as novidades não terminam por aí. O futuro presidente do Bank of England, o canadense Mark Carney, escolhido numa seleção pública universal, acaba de pregar um susto no primeiro ministro Cameron. Carney vai assumir o lugar em 1º de julho de 2013 em substituição a Mervyn King, quando deixará a presidência do Banco Central do Canadá. Nos seus recentes discursos tem revelado suas preocupações com o regime de metas inflacionárias e dito que é preciso pensar em "políticas monetárias não convencionais", o que está longe do pensamento de King. Ele também parece estar namorando uma política de metas para o PIB nominal. Cameron apressou-se a esclarecer que na Inglaterra qualquer mudança de política monetária (mesmo as de caráter estritamente técnica como seria uma eventual substituição das metas inflacionárias para metas de PIB nominal), deve ser aprovada pelo Parlamento, o que mostra o limite político que restringe a "independência" para administrar a busca dos objetivos politicamente fixados.

O que há de importante na Inglaterra é uma fadiga com a política monetária conservadora e o esforço fiscal aos quais a economia tem respondido muito mal. Alistair Darling, um chanceler do governo trabalhista, explicitou o cansaço: "As metas inflacionárias faziam sentido há 20 anos quando a inflação era nosso principal problema, mas agora todas as nações do mundo estão preocupadas com o crescimento. Não defendo o abandono da política de metas, porque a inflação pode voltar qualquer dia. Mas no futuro previsível nossa prioridade é crescer." E completou para espanto geral: "Creio que Mark Carney explicitou que os bancos centrais de todo o mundo devem ter o crescimento como sua prioridade."

Mas as surpresas não terminam. Vencedor na campanha eleitoral pelo Partido Liberal japonês, o ex-primeiro ministro Shinzo Abe (líder do partido), tem demonstrado o maior desconforto com o conservadorismo do Banco Central (o CBJ) e tem sugerido um sistema de "metas inflacionárias", obviamente para aumentar a taxa de inflação, desvalorizar o iene e recuperar a indústria japonesa que foi transferida para o exterior, particularmente para a China.

O mundo está mudando! Mas até agora ninguém ousou dizer que ele está jogando fora o religioso tripé objeto de adoração dogmática de alguns dos nossos mais brilhantes sacerdotes.

Vozes do passado - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/12


O Brasil deixou de ser a sexta economia do mundo e isso não tem importância. É apenas o câmbio. Quando o real se desvaloriza, perdemos pontos no ranking. O que preocupa é o PIB fraco. Mesmo sem o efeito câmbio, o Brasil estaria com os dias contados nessa posição, pelo baixo crescimento. Mas, segundo o Ministério da Fazenda, está tudo bem e o país está com salto no investimento.

As oscilações em ranking de PIB não têm a importância que parecem ter. No ano passado, quando os institutos internacionais disseram que o Brasil havia passado o Reino Unido, foi uma festa por ser uma travessia emblemática. A Inglaterra foi a potência toda poderosa até o começo do século XX. Agora, a Economist Inteligence Unit disse que o Brasil voltou para o sétimo lugar.

Mais relevante do que esse campeonato é verificar que o baixo crescimento tem razões sérias que precisam ser enfrentadas. Não estão sendo. Uma delas, o baixo investimento público e privado. O governo não investe o que está autorizado no Orçamento, como foi comentado aqui na coluna de domingo; o setor privado enfrenta uma série de sinais conflitantes na conjuntura.

A entrevista do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, mostra que o governo não tem um bom diagnóstico do que está se passando. E sem um bom diagnóstico é difícil acreditar num bom tratamento.

Ele sustentou na entrevista que concedeu ao jornalista Cristiano Romero, do "Valor Econômico", que houve um crescimento forte do investimento, a inflação caiu, e nem deve cair mais porque "hoje os economistas sabem que é bom tomar cuidado com a inflação muito baixa".

Evidentemente, não houve aumento do investimento, pelo contrário. A Formação Bruta de Capital Fixo está em queda há cinco trimestres consecutivos em relação ao PIB. Há período de elevações episódicas, mas para depois voltar a ceder. E também é claro que o Brasil não tem aquele nível de inflação que leva os economistas a temerem novas quedas.

A taxa de inflação média nos dois últimos anos é de 6%. No ano passado, só não furou o teto da meta por uma mágica de Natal de adiamento de alguns reajustes. Um preço permanece congelado há anos, que é o valor pago pelas distribuidoras pela gasolina da Petrobras. Esse artificialismo está causando vários distúrbios na maior empresa do país, como tem dito de forma clara a presidente Graça Foster.

A meta de 4,5% já é alta demais e nem ela tem sido perseguida. O Banco Central avisou, em 2011, que o centro da meta só seria atingido em 2012, e este ano foi de novo adiado para o ano que vem. Segundo Holland, "taxas de inflação muito baixas levaram os bancos centrais a ter juros muito baixos que, por sua vez, geraram bolhas". Estamos longe, muito longe desse problema. O nosso é anterior. Continua sendo o fato de que a taxa de inflação é alta, e os juros, em que pese a Selic estar no patamar mais baixo da história, ainda são altos demais na maioria das modalidades de crédito. Existe risco de bolha pelo excessivo incentivo ao endividamento comandado pelo próprio governo.

Segundo o economista da Fazenda, está havendo no Brasil, neste momento, "uma consolidação fiscal amigável ao investimento e ao crescimento". Uma carga tributária que sobe anualmente há 20 anos não é amigável a coisa alguma. O contribuinte brasileiro que diga se acha amigável o volume dos impostos que tem que pagar para um governo que não só não investe o que poderia como altera regras inamistosamente, gerando insegurança jurídica ao investimento. O Brasil vive uma conjuntura de baixo crescimento, pouco investimento e inflação em nível desconfortável. Os IGPs ficarão acima de 7% este ano.

É lamentável que, tantos anos depois de ter sido derrotada, a ideia de que alguma inflação é aceitável para o país crescer ainda tenha defensores. Quando o "Valor" ponderou que nossa inflação é alta comparada aos emergentes, Holland respondeu: "Dá para comparar? Cada país tem uma característica e está numa fase de desenvolvimento diferente." Foi por achar que no país da jabuticaba a inflação podia ser maior que o Brasil contratou o pântano no qual afundou por décadas.

Nem 3 nem 30 - BENJAMIN STEINBRUCH

FOLHA DE SP - 18/12


Será um grave erro desmontar ou desativar o arcabouço de medidas incentivadoras do consumo


O ano que está chegando ao fim pode ser avaliado de duas maneiras.

Um otimista olharia para a realidade do pleno emprego e diria que está tudo bem. A taxa de desemprego é a mais baixa da história, de 5,3% da força de trabalho, e a renda média dos assalariados mantém-se em alta, dando continuidade a um processo de distribuição de renda e ascensão social que trouxe cerca de 40 milhões de brasileiros para a classe C nos últimos dez anos.

Um pessimista olharia para o Produto Interno Bruto e diria que as expectativas foram completamente frustradas. De uma previsão de crescimento de 4% a 4,5% no início do exercício, a taxa foi definhando até chegar a 1%, nível agora esperado para a expansão do PIB em 2012.

Alguém fez uma observação interessante sobre isso na semana passada: se o IBGE e outros órgãos de pesquisa não existissem e não tivéssemos como olhar para os números do PIB, todos diriam que o otimista está certo. Afinal, com emprego e renda em alta, o nível de felicidade das famílias é atualmente muito elevado quando comparado com o de tempos atrás.

Mas o IBGE existe, felizmente, e seus números são importantes, porque indicam que, mantida a tendência atual de baixo crescimento, logo, logo os níveis de emprego e de renda começarão a baixar e tenderão a derrubar também o índice de felicidade geral.

Então, não há dúvidas, o principal desafio brasileiro do ano que vai começar é elevar a taxa de crescimento econômico. É importante contestar uma observação que já se tornou lugar-comum, a de que estimular o consumo para impulsionar a economia representa uma política errada e perigosa.

Não há perigo algum em estimular o consumo interno, porque ele é a força poderosa que puxa os investimentos. Aliás, ênfase ao consumo interno é a política recomendada por 100% dos economistas para que a China mantenha seu crescimento econômico de dois dígitos. Essa política serviu e serve para o Brasil.

Se a economia mundial continua problemática, com estagnação na Europa e abismo fiscal nos EUA, nada mais importante do que apostar no crescimento do consumo interno. Com a ressalva de que, dadas as condições atuais de demanda fraca no mundo, é preciso estar muito atento para proteger setores atingidos por concorrência desleal de fornecedores estrangeiros.

Será um grave erro desmontar ou desativar em 2013 o arcabouço de medidas incentivadoras do consumo, as reduções de impostos e as desonerações de folha de pagamento, bem como o estímulo à expansão do crédito com juros cada vez menores. No setor privado, não haverá investimentos se não houver perspectivas de crescimento de demanda. Com demanda à vista, o investimento produtivo flui como água, principalmente quando a remuneração de aplicações financeiras tende a minguar. Isso é o óbvio.

Não há, portanto, nenhuma contradição entre defender a manutenção de um consumo interno robusto e a ênfase aos investimentos. Entre os desafios de 2013, está justamente fazer avançar os grandes investimentos em infraestrutura no país, que empacam mais por problemas burocráticos e de gestão do que por falta de recursos.

Um levantamento publicado pela revista "Exame", envolvendo 135 empreendimentos do PAC, mostra que, em média, essas obras estão quase quatro anos atrasadas e só 7% delas foram concluídas.

Outro desafio de 2013 -e dos anos vindouros- é aumentar a produtividade e a competitividade da economia. Reduzir a absurda taxa de juros básica foi uma política correta nesse sentido.

Colocar a taxa de câmbio em um nível mais apropriado foi outra. Reduzir o custo da energia elétrica, desonerar folhas de pagamento e cortar impostos são também medidas de fundamental importância.

Não gosto da expressão "pibinho", usada quase como um deboche por alguns analistas para zombar do crescimento de apenas 1% da economia brasileira neste ano.

As vésperas do Natal e do Ano-Novo, melhor seria encarar o tema com crítica séria e equilibrada. O estilo 3 ou 30 não cabe agora.

O país não está à beira do abismo e muito menos moribundo, condições que exigiriam mudança radical de política. Mas também não está com o ritmo desejável de crescimento. Ainda há muito por fazer.

Mais experimentos - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 18/12


Avanços importantes na execução da política monetária, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, foram anunciados, nos últimos dias. Talvez porque a crise econômica global, depois de tantas experiências, permaneça sem solução à vista, embora também sem sinais de rupturas, essas novas ações tenham em parte caído numa espécie de vala comum das decisões econômicas tomadas de 2008 para cá. Mas não é esse o caso.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve anunciou surpreendente adoção de "gatilhos" quantitativos, que deflagrariam alterações na política de juros, a partir de certos parâmetros. Em lugar de fixar um prazo para mexer nas taxas de juros, o banco central americano decidiu que manterá os juros próximos de zero até que o desemprego recue para 6,5% e a inflação esperada, no médio prazo, se contenha no limite de 2,5%. Na Europa, as lideranças políticas chegaram a um acordo sobre um sistema supranacional de supervisão bancária, a cargo do Banco Central Europeu (BCE), que envolveria uma centena de bancos da União Europeia, com perspectiva para vigorar a partir de 2014.

Com a novidade do "gatilho" para a ação da política monetária, a nova diretriz do Fed inclui uma maior tolerância diante de possíveis desvios inflacionários. Mesmo com uma meta de inflação de 2%, o BC americano aceitará inflação maior, de até 2,5%, se for necessário, antes de voltar a subir os juros.

Trata-se de mais um experimento, na série já longa de tentativas de impulsionar a economia, via política monetária.

Desde a implosão do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, o Fed tem liderado as muitas mudanças ocorridas no modo de conceber e executar a política monetária, mundo afora. As inovações introduzidas de lá para cá costumam surpreender o mundo das finanças, pouco afeito a ações não convencionais.

Além de redobrar os esquemas de compra de títulos do Tesouro e de papéis da dívida imobiliária, garantindo irrigação ao sistema financeiro até que a economia retorne ao leito do crescimento, o Fed avisa que, para induzir a expansão da economia, aceitará um pouco mais de inflação. Não é outra conclusão possível para a decisão de manter juros próximos de zero até uma inflação de 2,5% quando a meta está fixada em 2%.

No caso da Europa, a novidade da supervisão bancária supranacional também significa uma experiência nova e mais aprofundada de coordenação econômica. Ainda é cedo para saber como o mecanismo funcionará, mas, em princípio, em troca de recursos do BCE, os bancos terão limites mais estreitos para atuar de modo autônomo. Na prática, seus riscos serão diluídos e, se não romperem esses limites, poderão se financiar a custos menores.

As novas experiências, nos dois lados do Atlântico, avançam na direção das fronteiras de atuação da política monetária, como fonte indutora de crescimento econômico. As reações, por isso mesmo, têm sido cautelosas. A dúvida por trás da cautela é se essas ações terão a capacidade de abrir espaços para novos períodos de crescimento acelerado ou apenas prolongarão infinitamente a estagnação, permitindo no máximo uma expansão magra do nível de atividade.

Em meio a infindáveis debates sobre a oportunidade de adoção de políticas fiscais mais ou menos austeras, o que se tem a contabilizar, no esforço político anticrise, é o ativismo dos bancos centrais, que lideram estratégias concentradas na política monetária. Esse ativismo tem impedido retrações econômicas de grandes proporções, mas os resultados das maciças injeções de recursos promovidas pelos bancos centrais têm sido insatisfatórios, sobretudo em relação ao emprego.

Diferentemente do ocorrido em outras crises econômicas globais, ao evitar recessões profundas, a ação mais coordenada dos bancos centrais também impediu a pulverização das dívidas. Esse fato tem tirado eficácia das políticas de expansão econômica, dificultando a retomada de um crescimento mais sólido e sustentado. A aplicação de uma receita keynesiana clássica, por exemplo, teria desta vez menos impulso fiscal, visto que parte da renda eventualmente produzida seria desviada para o pagamento de dívidas.

É tão curioso quanto irônico constatar que, quanto mais os bancos centrais aprofundam suas ações expansionistas, mais frequentes se tornam as desconfianças de que se está pedindo à política monetária mais do que ela sozinha pode dar.