domingo, dezembro 02, 2012

O pensamento nas pernas - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 02/12


Sempre acreditei que, se eu quisesse transformar alguma coisa, teria antes que passar por uma racionalização profunda e, posteriormente, por uma compreensão dos fatos. Ou seja, primeiro, pensar bastante para, então, compreender.

Cumprindo essas duas etapas, atingiria a serenidade buscada, fosse nas questões amorosas, familiares, profissionais, existenciais. A compreensão, como num passe de mágica, soltaria os fios enovelados e só então eu poderia me modificar.

Acontece que pensar demais cansa. Afirmo com a experiência de uma maratonista cerebral: eu vivia sempre no módulo on, com o cérebro ligado na tomada, descansando só quando dormia, e ainda assim com um olho fechado e outro aberto. Se pensar conduzia à compreensão, bora pensar, para poder entender. Sem entender, acreditava que meu barco ficaria à deriva, noites e dias sob as intempéries, sem atracar em lugar algum.

Tanta coisa serve de cais: um casamento, uma promoção, uma cura, um projeto, uma bolada, um filho. Estamos sempre indo ao encontro de alguma coisa sensacional que ainda não sabemos o que é nem se iremos encontrar mesmo.

Pois, diante desse imenso ponto de interrogação que é o futuro de todos nós, reformulei minhas crenças: estou me dando o direito de não pensar tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para compreender depois. Desisti de atracar o barco e resolvi aproveitar a paisagem.

Primeiro mude, a compreensão virá depois. É mais ou menos o que a filosofia de Nietzche sugere. Ninguém muda apenas através do pensamento. A transformação meramente intelectual é uma presunção, não existe de fato. É preciso colocar o pensamento nas pernas e agir. O corpo é que nos leva para uma nova vida, e não a razão, diz o filósofo num texto chamado “A favor da crítica”.

Recentemente os integrantes do programa Saia Justa discutiram o que é drama e o que é tragédia, e chegaram à conclusão de que o drama te encarcera, enquanto a tragédia, por mais dolorosa que seja, te coloca em movimento: você sai dela diferente. Do drama você não sai: você fica remoendo, remoendo, remoendo. Excesso de racionalização engessa o sentimento e não te leva pra fora, pra frente.

De Nietzche a Saia Justa é um salto e tanto, reconheço, mas toda filosofia é bem-vinda, seja acadêmica ou de mesa de bar, de programa de tevê, de coluna de jornal. Estamos aqui para aquilo que os intelectuais rejeitam que se fale em público (mas falo baixinho: ser feliz). E a felicidade não é uma ilha paradisíaca onde nosso barco um dia atracará. A felicidade não é terra firme: ela é o próprio mar.

Passamos uma vida perseguindo a felicidade, sem reparar que ela está justamente na perseguição. O pensamento nas pernas. O movimento. A ação. Não há muito a compreender além disso.


Aplicação sustentável - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 02/12

Veja só. A Real Grandeza, fundo de pensão de Furnas e Eletronuclear, que movimenta aplicações na casa dos R$12 bi, decidiu adotar, a partir de agora, critérios, digamos, politicamente corretos nas suas decisões de investimentos. De cara, o fundo, oitavo maior do Brasil, riscou de suas planilhas as aplicações em papéis de empresas de armas, cigarros e bebidas.

Verão da bicicleta
A pesquisa é da ONG Transporte Ativo. Entre 2004 e 2012, cresceu 97% o uso de bicicletas no Rio. Um terço dessas pedaladas se deu em uso comercial (entregadores etc.). Na Zona Sul, só a serviço de pet shops, são 100 viagens por dia.

Segue...
Também tem aumentado a venda de bicicletas elétricas, bem mais caras. Marcelo Gomes, da rede Special Bike, diz que a venda das elétricas cresceu 70% este ano em suas quatro lojas no Rio. Em média, vende dez por mês. Custam de R$ 2.990 a R$ 4.690.

Aliás...
Carlos Osório, secretário municipal de Transportes, anuncia para breve a implantação, nos fins de semana, de corredores especiais para ciclistas. Vão ligar bairros onde há grande concentração de bicicletas. Um dos trajetos será o Lagoa-Aterro. Outro, o Aterro-Quinta da Boa Vista.

No mais
Paulo e Rubens Vieira, acusados de se infiltrarem em órgãos públicos para comprar pareceres técnicos, ganharam de gente malvada o apelido de... “Irmãos Metralha”, aqueles das revistinhas da Disney. Com todo o respeito. 

O DOMINGO É...
...de Marieta Severo, a talentosa atriz carioca de 66 anos. A querida Marieta aparecerá assim na tela da TV Globo, quinta. Será uma camponesa em “A grande família”. É que Floriano (Vinícius Moreno), neto de dona Nenê, sua personagem, tem um pesadelo com a avó. No sonho, ela é amarrada por soldados e mosqueteiros e desaparece nas chamas de uma fogueira. O pesadelo começa quando Nenê é presa por assumir ter desviado dinheiro da campanha de Agostinho (Pedro Cardoso) para salvar a casa onde a família mora, que vai a leilão. Viva Marieta! 

De pai pra filho
O filme “Gonzaga — De pai pra filho”, já assistido por 1,4 milhão de pessoas, reacendeu a polêmica sobre a suposta esterilidade do Rei do Baião, devido a doenças venéreas. José Nêumanne Pinto, o coleguinha paraibano de Uiraúna, estudioso das coisas do Nordeste, sustenta que Gonzagão não era pai de Gonzaguinha:

— À exceção da visita de Gabriel a uma virgem palestina há 2.000 e tantos anos, não há notícia de caso de fruto gerado de semente estéril.

Mas...
Regina Echeverria, autora do livro cujos direitos vendeu para Breno Silveira fazer o filme, diz que a história é antiga:

— Não posso afirmar isso. E tanto pai quanto filho, se quisessem saber mesmo, teriam feito o teste de paternidade.

É que...
Como mostra o filme, Gonzagão não conseguia engravidar a segunda mulher. Regina lembra, no livro, uma frase do Rei do Baião a Gonzaguinha: “Meu sangue não corre nas suas veias, mas você é mais meu filho que qualquer outro.”

— Para tirar isso a limpo, só se a família exumar os dois corpos. Mas, ao registrar o filho como Luiz Gonzaga Jr., Gonzagão deve ter pensado no que estava fazendo.

Ano Milhazes
A artista plástica Beatriz Milhazes continua aquecendo o mercado de arte plásticas. Vai a leilão dia 11 agora sua obra “O verão”, no Atlântica Business Center, no Rio. O lance inicial é de R$ 800 mil. Soraia Cals é a organizadora do evento.

Pega ladrão!
O Maison Vitalícia, salão de madame em Ipanema, no Rio, comprou, veja esta, 50 mantas tigradas de 500 fios egípcios para proteger suas clientes do frio no ar-condicionado. Em menos de um mês, acredite, umas 30... sumiram. Meu Deus.

Vrumm-vruuummm
Veja como o trânsito do Rio anda louco. Para chegar a tempo de fazer seu show, quarta, no Barra Music, Seu Jorge, o cantor, teve de ir de... moto.

‘Empada sou eu’
Adriana da Empadinha, aquela vendedora de quitutes do Complexo do Alemão, no Rio, que faz ponta em “Salve Jorge”, de Glória Perez, na TV Globo, triplicou seu faturamento depois da novela. “Agora, vendo 300 empadinhas e 500 brigadeiros em três, quatro horas”, conta ela.

Aliás...
A quituteira é conhecida no Alemão por anunciar seus produtos com funks adaptados. Mas agora mudou de gênero musical e criou uma versão de... “Esse cara sou eu”, de Roberto Carlos, tema da novela. Canta assim: “E andando na pista eu fico/Na base do grito.../Quem vende empada sou eu!”

FEIJÃO BRANCO
A minha, a sua, a nossa feijoada, quem diria?, foi inventada por brancos, e não, como ensinava dindinha Denaltina, primeira professora, por escravas que aproveitavam as carnes menos nobres descartadas pelos senhores. O professor Almir El-Kareh, da UFF, lança dia 15 de dezembro — com samba e, claro, feijão, na Livraria Folha Seca, na Rua do Ouvidor, no Rio —“A vitória da feijoada”, livro em que desconstrói o mito de que o prato mais típico da culinária brasileira foi criação de negros. Foi nada, desmente El-Kareh, 69 anos, doutor em História pela renomada École des Hautes Études, de Paris.

Segundo o professor, os escravos sequer dispunham de lugar, tempo ou meios para preparar sua própria comida. Uma feijoada, com os recursos disponíveis naqueles dias, levava de seis a oito horas para ficar pronta. Os negros, sustenta o mestre, eram alimentados por seus donos mesmo, e olhe lá. Havia, afirma, duas cozinheiras e duas cozinhas nas fazendas — as dos senhores e as dos escravos.

Para os brancos, a feijoada até era prato principal, mas não único. O professor cita cronistas que, em 1840, registraram ser o feijão com carne seca, paio etc. “um prato essencialmente nacional”, popular a ponto de, em toda festa, ser o atrativo número um à mesa dos europeus e de seus descendentes. “A elite brasileira, sediada no Rio, foi muito competente em seduzir os estrangeiros comum prato da cozinha caseira e tradicional”, escreve o professor, que ainda revela: a delícia era ingerida... “de acordo com a etiqueta europeia”.

Hoje, por ironia, a comida brasileira que faz sucesso lá fora, como se sabe, é o churrasco, cuja ascendência remeteria a índios tupis sul-americanos, que costumavam assar a carne de caça sobre grelhas de madeira. Mas aí é outra história.

“Conheci a amante de meu namorado” - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 02/12


“Olá Fabrício! Acabei meu namoro ontem. Vivi quase dois anos com uma pessoa que hoje não tenho mais certeza de quem era de fato. Descobri uma traição. Mantive contato com a outra garota, que confirmou tudo. Descreveu detalhes que me fizeram ter certeza de que meu namorado (que mora comigo) aproveitava as tardes vagas para vê-la.

Viajava 100 km unicamente para encontrá-la. Ele nega. Quero acreditar nele, só que as evidências são esfregadas na minha cara. Desde ontem tento me convencer de que faço muito drama por coisa pequena, mas aí me lembro que essa não foi a primeira vez. Então talvez seja menos drama, e mais verdade. Beijo Manoela”

Querida Manoela,

Você cometeu o erro clássico: encontrar-se com a amante dele. Não há maior humilhação. Deveria ter evitado. Deseja se reconciliar, mas vai fracassar. Não há como voltar a acreditar em seu namorado.

É comum o fim do relacionamento depois de conversa séria com a outra mulher.

Recebeu detalhes que vão fixar a cena da infidelidade a todo instante. Conheceu o rosto dela, o tipo físico, os hábitos, começará a fazer comparações, a reconstituir as desculpas furadas, a desconfiar daquilo que viveu de bom. Verá a triste e inconsolável queda do império amoroso. Não sabe quem ele foi, e pior: não sabe quem vocês foram juntos.

Toda a mentira contamina as demais verdades.

A dor, acrescida da paranoia, torna-se imbatível. Descobrir a traição é difícil, mas com versão esmiuçada das escapadelas atinge o nível extremo de tortura. Com o roteiro nas mãos, os olhos reprisam automaticamente o filme. Não tem como parar o projetor.

Enquanto não identificava cenários e personagens, restava a tênue possibilidade de seguir em frente e tentar de novo. Agora é impossível se enganar, dispõe de atas do romance, atolada em mágoas reais e curiosidades sórdidas. Como justificar 100 km do namorado por sexo? É mesmo para se sentir ultrajada.

Só que não caia na lorota da amante. Ela não é mais uma vítima da canalhice dele, disputando o papel de enganada com você. Não mergulhe no corporativismo do sofrimento. Ela possuía a exata consciência de suas ações e dos danos do envolvimento duplo. Aproximou-se com o claro objetivo de ferrar sua relação. Como talvez seu namorado deu um fim para a história paralela, cumpriu a chantagem de contar tudo. Criou aquele apocalipse: se não ficarei com ele, ninguém ficará.

Não seja ingênua. Ela veio jogar duro. Não realiza caridade ou procura alertá-la dos perigos da desonra.

Como último ato, explique para seu ex-namorado a diferença entre honestidade e desespero. Ele pode confundir os dois.

A incrível e incansável arte de se reinventar e se apaixonar - CORA RÓNAI


O GLOBO - 02/12
Diretor faz um balanço da carreira e fala da nova fase da vida, do casamento e dos novos projetos


Essa disponibilidade de se apaixonar e de partir para uma vida nova depois dos 70 - e, mais do que isso, de se abrir para uma nova família e um novo leque de amigos das mais variadas idades - revela que João Carlos Daniel, ator, diretor e produtor de televisão e cinema, com 60 anos de carreira completados neste dezembro, não é um homem comum. Numa altura em que a maioria das pessoas se aferra à rotina, ele não tem qualquer medo de recomeçar. É bem possível que o tempo passe, para ele, de forma diferente: seu pai morreu em 2008, aos 102 anos, e a mãe em junho passado, aos 101.

Sua vida mudou até geograficamente. Ele saiu da Barra e voltou para o Leblon, onde vive com quatro mil filmes bem catalogados e mais de 80 fotos autografadas de antigos atores e diretores, caprichosamente expostas no corredor. A família vai e vem: os quatro filhos de Olívia, mais os seus filhos Carla (do casamento com Dorinha Duval), João (do casamento com Betty Faria) e os netos Lys, Antonio, Valentina e João Paulo.

Sessões de cinema para amigos

Nos fins de semana, recebe amigos para sessões especiais do "Cine Daniel", que é como chamamos a salinha de cinema super equipada. Daniel, que assiste a um ou dois filmes por dia, tem uma memória prodigiosa. Lembra-se de tudo o que diz respeito a cinema: sabe quem filmou o que com quem, quando e onde. Lembra-se de cenas que, provavelmente, os próprios cineastas já esqueceram. Faz sensacionais análises do que viu. Conversar sobre cinema com ele é uma alegria; o papo com os amigos entra, não raro, noite adentro. Sei bem da fama de explosivo que o acompanhou ao longo da vida, sobretudo nos seus anos na Globo, mas o que vejo hoje é um homem contente, vivendo em harmonia consigo e com os que estão à sua volta. Como ele mesmo reconhece, Olívia é em boa parte responsável pela transformação.

- A minha primeira palavra sempre foi não. Daniel, você quer água? Não! Humm... talvez um pouquinho. Hoje digo: deixa eu pensar... Eu quero a água! Eu era muito defendido. Fui comandante total da minha vida, de todos os meus movimentos, por mais de 70 anos. Há uns três ou quatro consegui deixar de comandar e passei a apreciar isso. Eu precisava estar atento a tudo o que acontecia à minha volta, mas a Olívia fica atenta por nós dois. Quando eu viajava, cuidava dos passaportes, dos hotéis, dos horários; agora não tenho mais idéia da hora em que sai o avião, ou se vamos ao teatro ou ao cinema. Se eu não aproveitasse essa confiança mútua que tenho com a Olívia seria um bobo. Nós somos amigos, somos parceiros, somos admiradores um do outro. Todas as coisas que ela propõe são agradáveis. Os programas são agradáveis, a família é agradável, os amigos são agradáveis. Eu devo a ela, inclusive, o fato de ter parado de trabalhar.

Daniel parando de trabalhar? Isso é novidade! Pergunto que história é essa, e logo descubro que ele está envolvido com pelo menos três projetos diferentes, fora as consultorias informais que presta a amigos, ajudando-os com os seus filmes. Fica claro que o que aconteceu não foi uma pausa, mas uma mudança de estilo. Se não diminuiu o volume de trabalho, certamente diminuiu a intensidade com que se atira a ele.

Daniel Filho pisou num palco pela primeira vez aos sete anos, mas considera que começou a trabalhar, de fato, quando a sua carteira foi assinada, em dezembro de 1952. Estava com 15 anos e substituiu um ator que ficou doente num teatro em Porto Alegre. Fez muito teatro de revista, muito rádio: as peças e radionovelas se contam às centenas. Trabalhou na TV Tupi e na Excelsior e, em 1967, foi para a Globo, onde foi ator, diretor, produtor, diretor de criação e, finalmente, diretor geral. Foi o responsável por clássicos como "Irmãos Coragem", "Selva de pedra", "O astro" e "Dancin´ Days", levou Janete Clair para a emissora e fez, com ela, uma das mais bem sucedidas dobradinhas da história da teledramaturgia brasileira. Consolidou a novela como espinha dorsal da programação mas, ao mesmo tempo, inventou as séries brasileiras, como "Malu mulher" ou "Carga pesada". Criou "Sai de baixo" e "A grande família". Em 1990, no auge do poder, teve a audácia de pedir demissão. Montou sua própria produtora, a Lereby, e se transformou em campeão de bilheteria no cinema.

Sucessos e fracassos

Não era um novato na área. Ao longo dos últimos 60 anos, fez mais de trinta filmes como ator, foi supervisor artístico de outros tantos, dirigiu muitos. Foi até dublador. Esteve envolvido com alguns dos maiores sucessos da retomada, como "Carandiru", "Cidade de Deus", "2 filhos de Francisco"; assinou os dois blockbusters "Se eu fosse você"; levou a vida de Chico Xavier para as telas. Poucos trabalharam tanto, e com tanto sucesso. E os fracassos?

- Foram muitos! - exclama. - "Espelho mágico", por exemplo, ou "Acorrentados", que fiz na TV Rio... O que acontece é que, como fiz muita coisa, o que fica é uma média. Hoje todos falam de mim e da Janete como uma dupla que só fazia sucessos, mas não era bem assim. "O Semideus", por exemplo, foi um fracasso tremendo. "O homem que deve morrer" foi uma bobajada. Para cada "Irmãos Coragem" que deu certo, tenho algo que não deu. Por outro lado, o fracasso ensina muito mais do que o sucesso. O sucesso todos aplaudem, acham ótimo e pronto. Ao passo que, num fracasso, você pode realmente analisar os seus erros, desde o erro psicológico de se achar ótimo, aos erros específicos daquela produção.

Um erro comum, do qual tem muito medo, é de tocar um projeto sem ter o ator ou a atriz certos para o papel. Esta é a sua principal preocupação em relação a um dos roteiros em que trabalha no momento, um filme noir baseado no primeiro livro do delegado Espinosa, "O silêncio da chuva", de Luiz Alfredo Garcia-Roza.

Outro projeto é levar para o cinema "Confissões de adolescente", de Maria Mariana, que fez muito sucesso como teatro e série de televisão nos anos 90. O roteiro está sendo escrito por Matheus Souza, jovem diretor de 24 anos em quem Daniel põe a maior fé. A atualização do texto é delicada, mas imprescindível: vinte anos depois da estréia da peça, o mundo mudou completamente.

Essa mudança, aliás, encanta Daniel, que observa com curiosidade a relação que a turma que está chegando mantém com o cinema. Antes das fitas, dos DVDs e, sobretudo, da internet, ser cinéfilo dava trabalho. Era preciso frequentar videoclubes, ir ao Paissandu, viajar. Quando ele ia a Paris, que sempre teve filmes do mundo todo em cartaz, passava as tardes enfurnado nos cinemas, se atualizando.

Musicais na mira

Um terceiro trabalho acaba de ser encomendado por Luiz Calainho e Aniela Jordan, sócios da Aventura, a produtora por trás de musicais como "A noviça rebelde" e "Um violinista no telhado". Eles propuseram a Daniel transformar "Se eu fosse você" num... musical, é claro!

- Gostei da ideia. É engraçada. O Brasil está se tornando um país de musicais, não só os estrangeiros, como os que nascem aqui. Ontem por acaso vi Tim Maia, que está extraordinário. De modo que estou pensando nisso, começando a armar esse circo. Acho que "Se eu fosse você" tem que ter uma trilha de músicas já conhecidas. Pois a Barbara, filha da Olívia, me deu a ideia de fazer o espetáculo com músicas da Rita Lee, que tem muita coisa que se adapta a situações de marido e mulher. Já falei com ela, que talvez ainda faça uma ou duas músicas novas, mas é por aí que nós vamos.

Os vários projetos simultâneos têm explicação: todos são trabalhosos, demoram a acontecer. O musical só estreia em outubro do ano que vem. Trabalhar num projeto só seria quase como não fazer nada, e para isso Daniel Filho ainda não está preparado. É bem verdade que tem treinado: há cerca de um ano, ele e Olivia compraram um apartamento em Nova York, onde aproveitam a felicidade de estar numa das suas cidades favoritas sem precisar sair correndo para ver tudo. É lá - onde pretendem passar de três a quatro meses por ano - que curtem a vida a dois, coisa impossível de fazer no Rio com a família, o trabalho, a divisão entre o apartamento dele e a casa dela. A rotina pessoal de Daniel, que não deixa os seus projetos para trás, é até parecida com a do Rio - mas a produtora, felizmente, não vai na bagagem.

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV - 02/12


7h30 - Anzhi x CSKA Moscou, Russo, ESPN Brasil

9h30 - Napoli x Pescara, Italiano, Fox Sports

9h30 - Copa do Mundo de ginástica artística, etapa de Stuttgart, SporTV 3

10h - Figueirense x Internacional, Brasileiro sub-17, SporTV 2

11h - Brest x O. de Marselha, Francês, ESPN Brasil e SporTV

12h - Inter de Milão x Palermo, Italiano, Fox Sports

12h - Minas x Canoas, Superliga masc. de vôlei, SporTV 2

13h - Corinthians x Náutico, Brasileiro sub-17, SporTV

14h - La Coruña x Betis, Espanhol, ESPN +

14h - Norwich x Sunderland, Inglês, Fox Sports

14h30 - Wolfsburg x Hamburgo, Alemão, ESPN

14h30 - Trentino x Piacenza, Italiano masc. de vôlei, Bandsports

14h30 - Hipismo, GP Nacional, SporTV 2

16h - Miami Dolphins x New England Patriots, futebol americano, ESPN +

17h - São Paulo x Corinthians, Brasileiro, Globo e Band (para SP)

17h - Fluminense x Vasco, Brasileiro, Globo e Band (menos SP)

17h - Grêmio x Internacional, Brasileiro, SporTV

17h - Náutico x Sport, Brasileiro, SporTV 2

17h45 - Fiorentina x Sampdoria, Italiano, Fox Sports

18h - Vélez Sarsfield x Unión, Argentino, Fox Sports

19h - Baltimore Ravens x Pittsburgh Steelers, futebol americano, ESPN e ESPN +

20h - Handebol, Liga Nacional masc. (final), SporTV 2

21h - River Plate x Lanús, Argentino, Fox Sports

22h - Toluca x Club Tijuana, Mexicano (final), ESPN +

23h20 - Dallas Cowboys x Philadelphia Eagles, futebol americano, ESPN e ESPN +

Recriando o Universo - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 02/12


Como simular o passado num acelerador? Basta lembrar da infância quente e densa do nosso Universo


A cosmologia apresenta um problema de ordem prática um tanto complicado: fica difícil fazer experiências com outros universos no laboratório. Temos o nosso único exemplo e basta. O jeito é estudar as suas propriedades -os tipos de matéria que existem nele, a sua temperatura, o seu tamanho, a sua história- e tentar criar explicações plausíveis que as justifiquem.

Alguns físicos chegaram até a especular se seria possível criar um miniuniverso no laboratório. Infelizmente, isso não parece viável.

Universos como o nosso, que têm um momento de origem, carregam com eles a marca do seu passado no que chamamos de "singularidade", em que o tempo começa (o t=0 do relógio cósmico) e o espaço é um ponto de volume zero.

O problema é que, como as leis da física deixam de fazer sentido na singularidade, não sabemos como lidar com ela. Temos de nos contentar com o nosso único Cosmo, estudando-o da melhor forma possível.

Existem duas formas de estudar as propriedades do Universo: recolhendo informação diretamente, pela observação dos objetos que podemos detectar (estrelas, galáxias, buracos negros), e simulando tais propriedades no laboratório.

Não podemos criar universos na bancada, mas podemos recriar partes da história cósmica. Esses "laboratórios" são de dois tipos: colisores de partículas, como o europeu LHC (Grande Colisor de Hádrons), na Suíça, onde foi descoberto o bóson de Higgs em julho, e simulações em computadores.

Como simular o passado cósmico num acelerador de partículas? Basta lembrar que, segundo o modelo do Big Bang, nosso Universo teve uma infância muito quente e densa, em que a matéria que hoje constitui galáxias, planetas e pessoas estava ainda separada em seus componentes mais fundamentais: elétrons e quarks. (Quarks são os integrantes dos prótons e nêutrons.)

Isso porque as ligações entre as partículas de matéria só ocorrem quando não existem forças capazes de separá-las. No passado cósmico, o calor era tão intenso, e a densidade de partículas tão grande (feito um trem da Central do Brasil no final da tarde), que era impossível, que quarks se juntassem para formar um próton, ou que prótons e elétrons se juntassem para formar um átomo de hidrogênio.

Prótons só se formam em torno de um milionésimo de segundo após o "bang", enquanto átomos só se formam 400 mil anos após o "bang".

Quando cientistas do LHC colidem prótons contra prótons (ou átomos) viajando perto da velocidade da luz, as energias das colisões são tão intensas que reproduzem, por frações de segundo, condições semelhantes às que existiam quando o Cosmo tinha apenas milionésimos de segundo de existência.

Com isso, os físicos viajam ao passado e estudam a infância cósmica de forma controlada. Resultados recentes mostram que algumas partículas que escapam da região da colisão viajando em sentidos opostos mantêm uma estranha ligação entre si: fazem caminhos iguais, como se uma soubesse da outra.

Esse efeito, talvez o emaranhamento da física atômica, não havia sido visto ainda nas colisões de partículas. Ao estudarmos a Natureza com novas ferramentas, o inusitado parece ser inevitável.

O Papai Noel e os bicos - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - 02/12


No coração galopante da cidade, na Praça 15, tem a casinha do Papai Noel. O Papai Noel fica sentado sob a porta de entrada, esperando as crianças atrás da sua pança. Ao lado dele há duas grandes urnas de acrílico. Uma com cartas endereçadas, exatamente, ao Papai Noel, o que é uma contradição. Afinal, o Bom Velhinho está ali, em barba e osso, pode ouvir pessoalmente as reinvindicações das crianças. Por que fazê-las também por carta? Vai ver é a necessidade cartorial que o brasileiro tem de documentar tudo, de deixar o passado imortalizado em papel. Sei lá.

Seja.

O que me interessou mesmo foi a outra urna. A dos bicos. Ou chupetas, como você preferir. Havia uns cem bicos na urna. Fiquei olhando para eles. Imaginei as criancinhas que, diante do Papai Noel e suas promessas de mimos no Natal que se avizinha, puxavam o bico de entre os dentes e o abandonavam para sempre. O menininho de mão com a mãe, fitando seu bico na urna pela última vez. Pela última vez...

Foi comovente.

Dentro daquela urna estavam cem símbolos da dor da vida humana neste Vale de Lágrimas. Cem símbolos de renúncia, de passagem de fase, do prazer abdicado em nome do amadurecimento.

Cem menininhos e menininhas deixaram lá seus bicos e, com eles, um pedaço da primeira infância. Por que, meu Deus? Por quê?

A renúncia

O meu guri está passando exatamente por esse drama. Tem cinco anos de idade e ainda chupa bico. Já devia tê-lo largado, ele sabe disso, todos dizem isso para ele. Mas ele não consegue. Foi o que me disse dia desses, sentado no colchão da sua cama, os pés balançando:

– Acho que não vou conseguir largar o bico, papai...

E suspirou.

Suspirei também. E depois falei:

– Já larguei vários bicos nessa vida, meu filho – novo suspiro. – É duro, é dolorido, mas a gente acaba largando...

Dia da decisão

A chegada do Natal está deixando meu filho aflito. Ele ouviu dizer que Papai Noel reivindica bicos em troca de presentes, e agora passa os dias especulando:

– Acho que ele não vai ter tempo para pedir meu bico, não é, papai? Ele tem muitas crianças para atender, tem que sair correndo com aquelas renas...

– E se eu desse meu bico para o Coelhinho da Páscoa? Acho que o Coelhinho também gosta de pegar bicos...

– Mas, afinal, o que é que o Papai Noel faz com todos esses bicos lá no Polo Norte?

– É. Acho que não vou conseguir mesmo. Melhor deixar o meu trenzinho com o Papai Noel...

Cachoeira do Sul

Não foi no Rio o melhor Carnaval da minha vida, e olha que já passei Carnaval no Rio em meio a todo o telecoteco-borogodó, e até saí atrás da Império Serrano na Sapucaí naquele ano do bumbum-paticumbum-prugurundum. Nem foi em Floripa, e isso que já estive na Praia Brava, no Bar do Pirata, trinchando torpedinhos de siri. Nem em qualquer fio paradisíaco da franja do Atlântico. Nada disso. Os melhores carnavais da minha vida os desfrutei em Cachoeira do Sul.

Cachoeira do Sul, imagine

Cachoeira está engastada bem no centro do Rio Grande do Sul. Talvez por isso tenha um pouco de cada palmo do Estado. Às vezes, Cachoeira mostra a franqueza ingênua da Fronteira Oeste. O meu amigo Meia (de “Zé Colmeia”) parece um fronteiriço, embora viva a vida inteira em Cachoeira. Lembro que o Meia dizia:

– Escrever eu escrevo, o que não sei é acolherar as letras.

Não é uma frase da Fronteira?

Já o meu amigo Sérgio Lüdtke, que foi quem me levou para Cachoeira, o Sérgio é o típico descendente de alemão – destemido comedor de embutidos, sedento bebedor de chopes, tão ordeiro quanto festeiro, qualidades germânicas que não são excludentes. O apartamento que o Sérgio dividia com outros três cachoeirenses aqui na Praia de Belas era um lugar sempre... movimentado. Uma noite, saímos para a esbórnia e o irmão do Sérgio, o Café (de “Carlos Fernando”) desapareceu.

Voltamos para o apartamento e ele não estava lá. Quando acordamos, estava. Dormia no carpete da sala com um pé de sapato de mulher sobre o peito. Era um sapato bonito, um escarpim, de salto alto e fino. Um único pé. O que fazia no peito do Café, ele nunca soube explicar.

O certo é que o Café, como o Sérgio e todos os demais cachoeirenses, exceto um, todos adoravam uma festa. Assim, o Carnaval de Cachoeira era incomparável. Nós tínhamos um bloco, o Ala-la-ô, que nunca foi campeão, suponho que por causa da energia despendida no chamado “esquento”.

Quando chegava a hora da apresentação nos clubes, estávamos, por assim dizer, dispersos. Perdemos troféus, mas as lembranças guardamos. Nossas lembranças são os nossos títulos.

Inculta, bela e escanteada - WALNICE NOGUEIRA GALVÃO

O Estado de S.Paulo - 02/12


Na reforma do ensino superior na UE, a diretriz é deixar definhar o ensino do português, sem guilhotina e sem alarde



Encontra-se em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.

Não há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado, amputando anos de cada um deles.

O que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15 anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.

A França era campeã de departamentos de estudos portugueses e brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são "raras como o português", esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da Sorbonne.

Todavia, nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil professores de português para suprir seus planos nessa área, que passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e, espera-se, 35 nos próximos anos.

Em segundo lugar, no ano passado, a Europalia, ou festival anual para o qual a União Europeia convida um país, privilegiou o Brasil. Durante três meses, realizou-se um megaevento em sua capital, Bruxelas, apresentando as artes visuais desde a colônia até hoje, com destaque para uma retrospectiva de Artur Bispo do Rosário. Mostraram-se as artes cênicas, o balé e as danças, o teatro, as performances, a música popular e erudita, a produção indígena e africana, o cinema, a literatura.

Em terceiro lugar, o programa Ciência sem Fronteiras, anunciado pelo governo federal este ano, distribuirá 100 mil bolsas de estudo em quatro anos, até 2015 inclusive, com investimento de US$ 2 bilhões. Serão beneficiadas não só as habituais nações ricas, mas também China e Japão.

Felizmente há exceções no panorama do Protocolo de Bolonha. Apenas um exemplo: na República Checa, os estudos brasileiros estão conhecendo uma inédita expansão, ganhando alento novo nas três universidades do país. No bojo dessa eclosão, esses estudos foram contemplados com sede própria, com os portugueses, num palácio barroco no centro histórico de Praga. Também acaba de ser fundada uma Sociedade Checa de Língua Portuguesa. Em 2009 instituiu-se o prêmio Hieronymitae Pragenses, destinado a incentivar jovens tradutores entre os alunos de português nas universidades; sua quarta edição será em 2013, com repercussão garantida graças ao júri formado por tradutores de renome.

No mesmo impulso, criou-se uma coleção de traduções de literatura brasileira e portuguesa, ligada à universidade, que já publicou, entre outros, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Macunaíma - que não são textos fáceis nem best-sellers a serviço do mercado. Os checos acabam de convocar seu 1º.Colóquio, o "Brasil plural", reunindo o pessoal de suas três universidades, cobrindo desde literatura e linguística até religião, política interna e externa, direitos humanos, música, antropologia, cinema, e assim por diante. Além disso, dedicam-se a aprofundar os laços entre os especialistas do leste, realizando no momento um congresso em Budapeste.

Nunca é demais lembrar que a Coreia do Sul é um país que saiu do atraso e se projetou na primeira linha das nações porque percebeu que só a educação possibilitaria essa proeza. Maciços investimentos públicos, aliados a uma campanha que tornou a frequência às escolas obrigatória até certos níveis de idade, fundamentaram o projeto. Expandiu-se a rede de estabelecimentos, formaram-se mais professores e os remuneraram adequadamente, forneceram-se livros e computadores; atualmente há 100 mil bolsistas no exterior. E eis aí o resultado, escancarado à vista de todos.

Quem sabe faz a hora - DORRIT HARAZIM


O GLOBO - 02/12

É oportuno relembrar, uma década depois de ocorrida, a memorável entrevista concedida em 2002 à CNN por Martina Navratilova, até hoje considerada a maior tenista de todos os tempos. À época, a atleta já havia vencido o torneio de Wimbledon nove vezes - feito jamais replicado por outro tenista -, ganhara 59 títulos do circuito Grand Slam, se aposentara e entrara para o panteão do esporte.

Martina estava com 46 anos, o ocupante da Casa Branca se chamava George W. Bush e a América se enfronhava a passos largos no conservadorismo social e político que se seguiu ao atentado às Torres Gêmeas, ocorrido no ano anterior.

Ardia nos ouvidos americanos um comentário feito pela tenista sobre suas duas pátrias - nascida na Tchecoslováquia sob domínio soviético, ela se exilara nos Estados Unidos aos 18 anos, durante o U. S. Open de 1975, e era cidadã americana. "Um dos aspectos mais absurdos da minha fuga de um sistema injusto", declarara Martina a um jornal alemão, "é que troquei um que oprime a liberdade de expressão por outro". Disse mais: "Os republicanos, nos Estados Unidos, manipulam a opinião pública e varrem para debaixo do tapete questões controversas. É deprimente."

Martina foi então convidada a esclarecer seu comentário num dos principais programas de entrevistas da CNN, comandado pela apresentadora Connie Chung. O diálogo que se seguiu, resumidamente, é um espanto:

- Obviamente eu não quis dizer que aqui temos um regime comunista - explicou a tenista. - Mas acho, sim, que desde o atentado do 11 de Setembro estamos vendo aqui uma grande centralização de poder. O cidadão americano está perdendo parte de seus direitos.

A jornalista, por seu lado, admitiu ter considerado as declarações não patrióticas. "Tive vontade de dizer ´volte para a Tchecoslováquia´ se você não está satisfeita neste país que te deu tanto, inclusive a liberdade."

- Pois eu considero que estou devolvendo o que recebi ao emitir minha opinião, ao me manifestar - rebateu Martina.

- Entendo que você pense assim, mas poderia manter privadas suas ideias. Por que despejar tudo isso em público sabendo que, por você ser uma celebridade, a repercussão será grande? - prosseguiu a jornalista.

- Como mulher, como lésbica e como atleta mulher saltei vários obstáculos. Acho que tenho o dever de opinar em público.

- Mas você não é política. Não ocupa nenhum cargo público nem de poder.

- Por que você quer me mandar de volta para a Tchecoslováquia? Eu moro aqui. Amo este país. Vivo aqui há 27 anos e pago impostos aqui há 27 anos. Tenho o direito de me manifestar. Por que isso seria não patriótico? - quis saber Marina.

- Existe uma expressão antiga [neste país]: ame-o ou deixe-o", respondeu Connie Chung, sem rodeios.

Algumas coisas mudaram, de lá para cá, a começar pela CNN. Outras não. Igualar dissenso com falta de patriotismo, decretar qual imigrante deve poder ou não permanecer no país continuam a pontuar os discursos da ala mais conservadora da América. Apenas em tom mais camuflado.

Uma reviravolta social profunda na vida americana - a lenta e gradual aceitação do casamento gay -, que também envolve Martina Navratilova, avançou muito.

Foi na mesma entrevista de 2002 que ela confirmou considerar a possibilidade de adotar uma criança. Lésbica assumida desde os 25 anos de idade, Martina defendia publicamente os direitos civis dos homossexuais desde os pré-históricos anos 1980. Mas dado o seu currículo de relações amorosas tempestuosas o desejo ficou incubado por uma década. Foi só poucos meses atrás que a atleta, hoje com 56 anos e morando em Paris, comunicou ter formado oficialmente uma família. Assumir as duas filhas da escultural companheira Julia Lemigrova, com quem vive há seis anos.

Falta-lhe um fecho, contudo. É da grande dama do teatro e do cinema americano, Katherine Hepburn, o que considera o conselho mais útil já recebido: "O que importa não é o que você faz na vida, é o que você consegue completar." Para Martina falta conquistar a legalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, com todos os direitos civis a ele atrelados. "É apenas uma questão de tempo", garante ela.

A história parece lhe dar razão. Na tarde de sexta-feira passada os seis homens e três mulheres que compõem a Suprema Corte dos Estados Unidos reuniram-se em sessão fechada para decidir se aceitam pronunciar-se sobre o casamento gay. São necessários quatro votos para que seja aceito cada um dos 10 casos aguardando avaliação. Todos eles contestam a constitucionalidade da restrição do casamento à "união legal entre um homem e uma mulher".

No decorrer dos últimos dez anos, nove dos 41 estados americanos se pronunciaram a favor do casamento gay - seja através de votação popular, seja através de tribunais ou medidas legislativas. Pesquisas nacionais apontam para uma maioria de 54% da população a favor da união de pessoas do mesmo sexo.

Ainda assim, a história também mostra que os juízes têm evitado adiantar-se demais à opinião pública e aos costumes em vigor. Vale lembrar que a extinção das leis que proibiam casamentos inter-raciais só foi aprovada pela Suprema Corte em 1967, quando vigoravam em apenas 16 dos 50 estados americanos.

O resultado da deliberação dos juízes deveria ter sido anunciado ainda na sexta-feira. Foi adiado para amanhã, segunda-feira. É coisa grande, qualquer que seja. "É uma decisão com dimensão para alterar a face da América", acredita o professor de Direito Constitucional da Universidade da Califórnia, Adam Winkler.

Despedida da casa - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 02/12


Este domingo é um dia que pode se tornar alegre, mas em essência é muito triste: é o dia dos violões em funeral, o dia do último jogo da história do Olímpico.

Eu conheço a torcida do Grêmio. Toda ela irá chorar à tardinha. A torcida tricolor vai derramar lágrimas de saudade antecipada do Olímpico:

Saudosa maloca,

Maloca querida,

Oi didonde nóis passemo

Dias feliz de nossa vida.

Passarão diante dos nossos olhos no estádio os fantasmas da nossa felicidade.

A cena de Ortunho com a cabeça enfaixada com o rubro do seu sangue colorindo a garrafada que ele recebeu da arquibancada.

A cena de Everaldo, naquele jogo noturno, dando um soco no rosto do árbitro Faville Neto, derrubando-o em nocaute ao chão e tendo sido suspenso por um ano do futebol.

A cena que jamais sairá da nosso memória: Renato Portaluppi, quase na bandeira do escanteio, vendo que não tinha possibilidade de erguer aquela bola no gramado ensopado acima daquela muralha de jogadores do Peñarol, deu uma cavadinha na pelota e mandou um balão para dentro da área. César, o centroavante, botou de cabeça para dentro do gol, sagrando o Grêmio pela primeira vez Campeão da América.

Nunca vamos esquecer daquela cena, foi a maior vibração da torcida na história deste estádio sepulto.

Um dos momentos mais inesquecíveis do Estádio Olímpico foi aquele em que o Grêmio enfrentava o Santos, e Pelé e Coutinho, inacreditavelmente, vieram tabelando, de cabeça, do círculo central até a área pequena do Grêmio. Os gremistas se renderam e aplaudiram aquela jogada fantástica.

O voo espetacular de André Catimba depois de fazer o gol da vitória no Gre-Nal decisivo de 1977.

Olímpico do Oberdan, do Paulo Lumumba, do Jardel. Olímpico do Mazaropi, do Juarez, do Gessi, do Mílton, do Eurico, do grande e insuperável Airton Ferreira da Silva, o incrível zagueiro que nunca fez sequer uma falta. Olímpico do Alcindo e de João Severiano.

Eu pretenderia, na tarde deste domingo, fazer minha última volta olímpica no estádio, tantas eu já fiz, em companhia de meu filho Jorge Antônio, com 42 anos, e meu neto Luca, com oito anos, significando as três gerações que frequentaram o estádio.

É um estádio tão amado, que o ex-presidente que o concluiu, Hélio Dourado, recusa-se a pôr os pés na Arena, achando que assim trairia o Olímpico.

Saudosa maloca! O domingo vai ser dia de muitos e derramados prantos.

Deformações das MPs - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 02/12


O que aconteceu com a Medida Provisória (MP) n.º 578 durante sua tramitação na Câmara dos Deputados é um resumo perfeito das transfigurações por que pode passar um projeto examinado pelos congressistas. Os deputados conseguiram transformar um árido texto sobre depreciação contábil com apenas dois artigos em um projeto com 36 artigos, tratando de dívidas de Estados e municípios, da prorrogação do prazo para a adesão ao programa de refinanciamento de dívidas tributárias conhecido como "Refis da crise" e até de questões trabalhistas. Tiveram, pelo menos, o cuidado de manter os objetivos da MP original.

Assinada pela presidente Dilma Rousseff no dia 31 de agosto, a MP 578 dispunha sobre benefício fiscal às empresas, por meio da depreciação acelerada de alguns tipos de veículos. Sucinta, a exposição de motivos do ministro da Fazenda, Guido Mantega, justificava a medida como necessária para estimular o setor de produção de caminhões, vagões e locomotivas, entre outros bens, "no contexto do enfrentamento da crise internacional".

Na comissão mista do Congresso que examinou a MP, o relator, deputado João Magalhães (PMDB-MG), aceitou várias emendas apresentadas por seus colegas. O projeto de lei de conversão que acabou sendo aprovado pela Câmara na quarta-feira é um monstrengo jurídico.

Por insistência do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) - que propusera, sem êxito, medida idêntica durante o exame da MP 574, que caducou no início de novembro -, o texto aprovado pela Câmara reabre o prazo para os contribuintes em débito com a Receita renegociarem suas dívidas em condições favorecidas asseguradas pelo Programa de Recuperação Fiscal (Refis). O prazo se encerrou em dezembro de 2010, mas a emenda incorporada pelo relator o estende para 28 de fevereiro de 2013. O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), advertiu que o governo não assumiu compromisso com a sanção desse item.

Por outra emenda, foi estendido também o prazo, que acabou em junho de 2011, para renegociação, com descontos e parcelamento, de dívidas rurais inscritas na dívida ativa da União, bem como de dívidas originárias do Prodecer.

O projeto também estabelece que, até o dia 28 de fevereiro de 2013, Estados e municípios em débito com o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) poderão negociar o parcelamento de suas dívidas em até 180 meses, por meio da retenção dos valores equivalentes no repasse dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.

Foi incluída no projeto aprovado pela Câmara outra emenda de iniciativa do deputado Sandro Mabel, determinando que os direitos do brasileiro que trabalha no exterior serão regulamentados pela legislação do país em que trabalha - o que exclui a possibilidade de aplicação da legislação brasileira quando esta for mais favorável para o trabalhador, como ocorre hoje.

O projeto de conversão é muito ruim - e por certo exigirá vetos da presidente da República caso seja aprovado também pelo Senado -, mas poderia ser pior. Entre as emendas rejeitadas pelo relator havia uma que estendia para o setor de beneficiamento de castanha de caju a desoneração da folha de pagamento instituída em 2011 e outra que simplesmente extinguia o exame da Ordem dos Advogados do Brasil para ingresso na profissão de advogado.

Destino semelhante ao da MP 578 pode ter a MP 577, que regula a extinção e a intervenção nas concessões e permissões de energia elétrica, em exame pelo Senado. Entre as emendas aceitas pelo relator da comissão mista da MP 577, senador Romero Jucá (PMDB-RR), está a ampliação do limite do valor do imóvel financiado pelo programa Minha Casa, Minha Vida e a extensão do prazo para usufruto dos benefícios do regime de drawback. Louve-se, neste último caso, a persistência de seu autor, senador Inácio Arruda (PC do B-CE). Ele tentara incluir essa emenda também na MP 578.

Coisas em geral - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 02/12


Devem ficar no pedestal, pois fizeram pelo país o que ele mais precisava: acreditar na sua Justiça


Agora que os festejos já acabaram, é a hora do perigo, então vou me dar ao direito, já pedindo desculpas, de dar umas dicas à Suprema Corte. Mas antes vou estranhar um pouco a lista dos artistas convidados para a posse, todos negros: Lázaro Ramos, Milton Gonçalves, Martinho da Vila; brancas, só Regina Casé e Lucélia Santos (mas essa tinha direito, porque foi a Escrava Isaura); não será isso uma forma de preconceito? Vamos falar a verdade: neste momento, quem é branquelo não está com nada.

Convites de todos os tipos vão surgir, e eu diria que não aceitassem nenhum. Quase nenhum.

Almoçar e jantar, só com amigos, mas amigos de infância ou dos tempos pré-mensalão. E se num restaurante um fã chegar com o celular, devem deixar que batam a foto, sim, para não ficarem antipáticos, mas a uma certa distância; e sérios, para não parecerem íntimos. Pode até pintar um convite para o ministro Fux gravar um CD.

A imprensa vai querer saber das intimidades, qual o prato preferido, a pasta de dentes que usam, se praticam algum esporte, por que time torcem, se veem novela, e peço a Deus que dê muito juízo aos ministros para não responderem a pergunta alguma.

Revistas de decoração vão tentar fotografar a casa de cada um deles, e suas mulheres serão seguidas nos cabeleireiros para que o mundo saiba se elas pintam ou não o cabelo, e a cor do esmalte que usam. E se algum deles for solteiro, manda a prudência que eles guardem uma castidade digna de um jesuíta, porque assédio vai haver, ah, isso vai.

Tudo tem um preço, e o deles vai ser ficarem o mais longe possível das badalações; eles são seres humanos, e algumas serão tentadoras, mas devem resistir, porque o mundo é assim: um dia se é herói, e qualquer descuido faz com que o ídolo da véspera seja a Geni de amanhã.

O grande perigo vai ser o Carnaval; convites para os melhores camarotes vão pintar, se bobear até mesmo para sair numa escola de samba, o que seria a catástrofe final. Mas um ministro também é gente, e se o prefeito sai na bateria da Portela, por que eles não poderiam? Porque não podem. E as ministras que se cuidem, pois não é impossível, com todo o respeito, que sejam convidadas até para posar para alguma revista de moda -ou pior.

Quando o time estiver completo, será mais conhecido do que a seleção, e devem continuar no pedestal em que foram colocados pelo povo brasileiro, pois fizeram pelo país o que ele mais precisava: acreditar na Justiça brasileira, que andava com a reputação mais pra lá do que pra cá.


PS 1 - Quem vai controlar se os réus condenados a penas alternativas vão cumpri-las? Com uma boa conversa, pula-se um fim de semana, se chove muito não há como chegar à penitenciária para dormir, se ficarem doentes atestados médicos é que não vão faltar, e os condenados são espertos: como se diz por aí, é gente que tira as meias sem precisar tirar os sapatos.


PS 2 - Escrevo na Folha há dez anos; são mais de 500 colunas, e acho que nesse longo tempo já deu -ou deveria ter dado- para saber quem eu sou. Reli o que escrevi na minha última crônica, refleti sobre o que queria verdadeiramente dizer e cheguei ao seguinte: nós, seres humanos, somos únicos, ricos ou pobres, gênios ou pessoas comuns, e essa é a grande riqueza da vida: não existem duas pessoas iguais, e ninguém quer ser igual ao outro. Se eu comprasse o mais lindo vestido para uma festa e lá encontrasse Madonna com um igual, talvez voltasse em casa para trocar o meu. Se comprasse um iate com 38 cabines, com uma tripulação vestida por Jean Paul Gaulthier, e cruzasse com outro igual, pertencente a Donald Trump, meu brinquedinho perderia a graça. Porque faz parte querer ser original e único, por isso os artistas, os costureiros, os arquitetos, os decoradores, os escritores, os médicos, os cientistas, todos trabalham para conseguir que suas obras sejam as melhores e, consequentemente, únicas. Existem dois tipos de pessoa: os que vivem para seguir o que está na moda em matéria de viagens, estilo, restaurantes, hotéis, etc., enquanto outros preferem viver na contramão. Eu pertenço ao segundo grupo: não gosto de multidões, não vou a shows, não vou a festas, não vou a restaurantes da moda e não viajo na alta estação, prefiro ficar em casa lendo um livro; falei sobre o porteiro como poderia ter falado sobre qualquer pessoa que faz parte dessa multidão que passa a vida indo atrás do que ouviu dizer que está "in", o que para mim é apenas impossível. Lamento, foi um exemplo infeliz.

Balançando a balança - ALDIR BLANC

O GLOBO - 02/11


Jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo


Dezembro entrando, seria tempo de feliz isso e aquilo, mas não tenho a cara de pau necessária para desejar boas festas a um paulista. Não se sabe se ele estará vivo até lá. No último fim de semana, recorde, foram uns 50 assassinatos (por baixo, por baixo). Todo mundo acha que bandidos estão fazendo exigências que as autoridades não atendem. Aí, os meliantes mandam recados para fora das penitenciárias com ordens de tocar o horror. Isso já aconteceu antes. Vi um documentário em que os guardas tentaram revistar a cela de um preso, baixinho, só de calção. O detento mandou na orelha de uma otoridade:— Se entrar na minha cela, arranco a tua cabeça.

Houve muito chove não molha e a cela não foi revistada. Isso mostra como andam as coisas. Por que esses marginais se regenerariam? Mamaluf foi novamente condenado, em Jersey (?). Pelas minhas contas, só faltam os vereditos de Marte, Plutão e Vega. Ele continua curtindo sua coleção de joias, arte, vinhos, proibido de pisar em mais de cem países? Guiness para ele — com dois pastel, por favor. Nicolalau descansa em seu opulento lar, depois da roubalheira. Sacacciola, que teve a fuga facilitada por um colega seu do Supremo, foi em cana, depois de um tempão divertindo-se lá fora. Mal voltou preso, recebeu um “indulto”, que muitos consideram ilegal.

A Brasunda é o país onde um assassino, autor de crime hediondo, é condenado e sai do tribunal para casa, onde curtirá as delícias da boa mesa, namorada nova etc. Tem louca que, dependendo do que lhe é oferecido, vai com qualquer mané. Por essas e outras, quero declarar que o ministro Joaquim Barbosa entrou para a História sem sair da vida, ao afirmar: “A Justiça não trata a todos de forma igual.” Boa, Barbosinha, se me permite a intimidade. Já fui lesado por um troço chamado Capemi, e fiquei aguardando o ressarcimento. Chongas. Venci em “última instância” (o que, afinal, significa essa mentira para quem é pobre?) o PTB de Bob Jefferson, éééé, esse mesmo delator, que deveria pegar perpétua, mas vai de semiaberto. Há outras vitórias muito comemoradas na família, todas em “última instância”. Não veio nem uma jontex para gozar com a nossa cara. No entanto, Excelência, posso elencar, de memória, como quem recita o beabá: Anões do Orçamento, Coroa-Brastel, Mandioca, Cayman de Sá, Ceme, Eletronorte, Encol, Sivan, Esmeraldas do Abi, Lunus (não tinha parente do Sarna metido?), Detran, PC Farias e Collor, CBF, CBF, CBF, expandindo-se como as galáxias para COB, COB, COB, de marré, marré, marré. Ministro Barbosa, espero que a maioria dos envolvidos nesse monturo tenha sido condenada, porque são pessoas muito piores do que José Genoino.

Lamento encerrar, ministro, com mais um escândalo: fraudes em licitações na Aeronáutica. Estranharam o grande número de computadores solicitados para o combate aos insetos... Compreendo a necessidade de progresso tecnológico, mas jogar um Dell com não sei quantos megabytes numa barata me parece excesso de zelo, o senhor concorda?

Fuleco fuleiro - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 02/12


A escolha do nome "Fuleco" para designar o mascote da Copa do Mundo, convenhamos, não honra a inventividade de um povo capaz de criações bem mais imaginosas.

E não me refiro a nomes apenas, neste país de Richarlysons, Leideneides e Maicosuéis. Aqui mesmo, faz um tempo, arrolei inventos nacionais, úteis ou delirantes, como o escorredor de arroz, o descascador de ovos de codorna, o identificador Bina de chamadas telefônicas, a cadeira de balanço cujo movimento aciona um abano, o empacotamento com plástico para evitar violação de bagagem, a placa para marcar minutos de acréscimo nos estádios, a chuteira de bico quadrado para endireitar o chute, a jangada de plástico que aguenta uma Kombi, o espaguete flutuante das piscinas e a "tanga-preservativo" de látex para a mulher usar durante o ato sexual.

Pense nessa criatividade exaltada e me diga se Fuleco é concepção verbal que se apresente - ainda mais quando se tem, prontinho, redondinho, o tatu-bola, tão mais bem bolado. Estão dizendo que a palavra foi composta a partir de "futebol" e "ecologia" (mas aí não seria "futeco"?) A mim "fuleco" lembra mais "fuleiro", que no Houaiss está como sinônimo de irresponsável, pouco sério, não confiável, sem valor, medíocre, reles, destituído de gosto e refinamento, simplório, cafona. Junte-se a isso o sufixo -eco, que não raro é diminutivo pejorativo (jornaleco), e veja em que buraco foram meter nosso tatu.

Somos capazes de coisa melhor, é claro. A lista do segundo parágrafo está longe de ser exaustiva. E não para de crescer. (Ainda não perdi a esperança de que algum cérebro privilegiado se disponha a realizar ideias que tive para inventos a meu ver indispensáveis: o pernilongo sem áudio, a plástica de voz, a cama ejetável e o repelente para a mala direta sem alça.)

Até minutos atrás, quando em busca de aggiornamento me embrenhei nos alfarrábios internéticos, eu não sabia, por exemplo, da existência do terço eletrônico. Se bem entendi, trata-se de um passo adiante na tecnologia da reza. Pelo menos para quem, como eu, permanecia estacionado em algo muito antigo, trazido de Roma pela minha avó no século passado: aquele terço em forma de anel, provido de saliências externas à guisa de contas, e de uma rosca que o fiel, em prece, faz girar; acabou a rosca, acabou o terço.

Há mais, muito mais. Aquele spray com que o juiz, no futebol, assinala o ponto onde a falta deve ser batida, nasceu aqui. Idem a lavagem de carro a seco. O cafezinho de bolso. O capacete com viva-voz. Um dispositivo que aproveita a energia gerada pelos movimentos do abdome, permitindo acender uma lanterna (já pensou no potencial energético das ancas desvairadas na dança do ventre?). O cortador de comprimidos. O apagador que aspira o pó de giz. A vara de pescar que puxa o peixe quando é fisgado. O WC portátil, descartável, para ser usado - por mulheres, inclusive - em desembarques hídricos onde não haja toalete. A "blusutiã", peça de roupa que dispensa sustentáculo para íntimas pendências. O selim de bicicleta repartido em dois, um assento para cada gomo. O localizador de cadeira vaga em cinema. E, louvado seja o Senhor do Bonfim, o acarajé em pó.

Com tanta criatividade no ar, não é de espantar que sobre alguma para forasteiros em visita à terra. Desandam a inventar moda. Nos usos e costumes dos banhistas cariocas, um capítulo, mundano mas não irrelevante, foi escrito em 1902 - ano em que, conta Ricardo Boechat em seu livro sobre o Copacabana Palace, se inventou a toalha de praia. O criador dessa precursora da esteira e da canga foi um barbeiro inglês, Wallace Green, que, depois de escanhoar as bochechas de um freguês, resolveu dar um mergulho em Copacabana e para lá se mandou como estava, com seus petrechos de fígaro. Como não levava algo em que se esticar na areia, nem ao menos o jornal que alguns usavam para esse fim, recorreu Green a sua toalha de barbeiro, gesto que não tardou a ser arremedado por banhistas nativos.

Não parece coisa de brasileiro?

Onipotência da soberba - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 02/12


A experiência pessoal é importante, mas não pode estar à frente do conhecimento


Rinus Michels, revolucionário técnico holandês na Copa de 1974, deve ter ficado arrepiado ao ver as seleções brasileiras de 1958, 1962 e 1970. Suas ideias sonhadoras, com novos conceitos, foram assimiladas e aprimoradas por Cruyff, uma das maiores inteligências coletivas do futebol. O craque e treinador holandês criou variações e transmitiu esses conhecimentos ao Barcelona, que foram modificados por Guardiola e pela seleção espanhola. Todo esse saber evolutivo, associado ao recente pragmatismo criativo do técnico José Mourinho, se espalhou por toda a Europa.

Os principais times europeus, além de contratarem os melhores jogadores do mundo, priorizam, cada vez mais, o jogo coletivo, a troca de passes, que começa com os zagueiros, a diminuição dos espaços entre os setores, a alternância entre a marcação por pressão e a mais recuada, para contra-atacar, as múltiplas funções de um jogador e vários outros detalhes. É o futebol do presente e do futuro.

O futebol brasileiro, por prepotência, ao achar que só aqui tinha craques e se jogava em alto nível, involuiu coletivamente. Pior, o atual estilo de jogar dificulta o aparecimento de grandes talentos. Temos muitos bons jogadores, mas apenas um fora de série, Neymar.

Muitos outros fatores contribuíram para essa queda, como os gramados ruins, a promiscuidade e a ineficiência dos dirigentes de clubes, de federações e da CBF, e a pressão aos técnicos e jogadores para ganhar de qualquer jeito, consequência da violência na sociedade, na arquibancada e no gramado.

Como já tinha escrito, ficou mais evidente, após a entrevista coletiva para anunciar a comissão técnica, que teremos uma época de exacerbação do nacionalismo.

Só faltou Zagallo. Na entrevista, houve também uma exaltação das conquistas de 1994 e 2002, motivo principal, alegado pela CBF, para chamar Parreira e Felipão. A comissão técnica será quase a mesma de 2002. Os conceitos devem também ser os mesmos.

Muitas pessoas, em todas as atividades, acham que o que deu certo tem de ser repetido, como se houvesse apenas um jeito de ganhar. Esquecem também que há coisas erradas nas vitórias e acertos nas derrotas. Existe um grande número de fatores envolvidos nos resultados, ainda mais quando se tem craques, como Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

São indiscutíveis os méritos de Felipão e Parreira nas conquistas das Copas de 1994 e 2002.

Por outro lado, o assunto me faz lembrar de alguns médicos que justificavam suas condutas pelas experiências anteriores, que tinham dado certo, contrariando a evolução e as publicações científicas. Achavam que a experiência pessoal estava na frente do conhecimento e da ciência. É a onipotência da soberba.

Seguremos as pedras - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 02/12


Os envolvidos em corrupção e crimes correlatos não foram os primeiros, são herdeiros de uma velha tradição nossa



Os prejudicados pelo julgamento do mensalão não têm conseguido armar boas defesas, perante a chamada opinião pública. É muito natural que protestem e argumentem, no que, além disso, exercem direito indiscutível. E mais natural ainda é que se eximam de qualquer culpa e procurem outros responsáveis pela trapalhada que aprontaram. Sei, sem ironia, que comparo mal, mas, quando eu era estudante de Direito, a gente visitava penitenciárias e quase todos os detentos nos contavam histórias, às vezes mais tristes que “Tornei-me um ébrio”, sobre sua inocência. Na verdade, acredito que alguns dos condenados, como alguns daqueles detentos, se achem honestamente inocentes ou, no máximo, vítimas da conjunção maligna de circunstâncias adversas.

Mas imagino que, para consumo interno, eles e seus amigos e aliados estejam fazendo uma autocriticazinha, não é possível que não estejam. Devem estar examinando os inúmeros erros de avaliação e de estratégia em que incorreram, as posturas que se revelaram equivocadas, os momentos em que se deixaram tomar por voluntarismo ou soberba, as barbeiragens que cometeram. Mediram outros com sua própria régua e tomaram sustos, como o que lhes deram ministros do Supremo nomeados por eles. Continuo a achar óbvio que o que fizeram deu no que deu porque foi desastrado e mal concebido desde o começo, ou não teria resultado tão fragorosamente catastrófico. Realmente é chato inventariar erros, mas com certeza é o único jeito de ver os acontecimentos numa perspectiva desapaixonada e pelo menos aprender com eles.

Para consumo externo, a situação tem sido mais difícil. A tese de linchamento não cola, principalmente diante da aprovação generalizada da ação do Supremo. A atribuição de responsabilidade à mídia é uma besteira cediça, que lembra o tempo em que o imperialismo norte-americano era responsável até pelas secas. A mídia não está por trás, que eu saiba, dos escândalos do gabinete da Presidência em São Paulo ou da Advocacia-Geral da União. Se ninguém tivesse feito nada errado, não haveria mídia que conseguisse levar alguém a uma condenação criminal. E novos erros de avaliação, ou pelo menos sinais de descontrole, se evidenciam nas inoportunas menções às deficiências de nosso sistema penitenciário, que vão desde as afirmações do ministro da Justiça a um projeto de lei delirante sobre presos no Brasil. Para quem observa os fatos com o olho cínico que já se habituou à nossa realidade, essa inopinada preocupação é sinal de que, na hora em que os bacanas vão em cana dura, aparece logo alguém para amaciar.

A conclusão a que acabei chegando surpreendeu a mim mesmo, o mundo dá muitas voltas. No tribunal, eles foram condenados, mas, fora dele, está disponível uma explicação muito mais persuasiva que o chororô sobre as tais elites que ninguém sabe quais são, conspirações golpistas e demais besteiras, a saída consuetudinária. Acho que quem primeiro a invocou, embora não com esta designação, foi o ex-presidente Lula, quando alegou, mais de uma vez, que determinadas práticas — como, se não me engano, o caixa dois — são habituais no Brasil. Ou seja, uma maneira de dizer: “Sou, mas quem não é?”

Claro, o errado não se torna certo por ser prática de muitos, ou até de quase todos. Mas não apenas quem sai aos seus não degenera como, mais ainda, mesmo quem não é cristão há de ver sabedoria na observação segundo a qual, antes de criticarmos o cisco no olho do próximo, devemos cuidar da trave em nosso próprio olho. Não nos beneficiaremos nunca do julgamento que está sendo chamado de histórico, se acharmos que ele condenou gente diferente de nós, saída sabe-se lá de que buraco. Não é nada disso, são brasileiros como nós, aqui criados e educados, dentro da mesma História e da mesma cultura. O “sou, mas quem não é” pode ser cara de pau, mas não é descabido.

Vamos, naturalmente, excluir o gentil leitor e a encantadora leitora, bem como as senhoras suas mães. De resto, o nosso povo e, naturalmente, os políticos que dele emergem mantêm uma tradição de desdém pela lei, de jeitinhos, de tráfico de influência e pistolão, de assalto e desrespeito aos bens públicos, de clientelismo e de todas as outras iniquidades a que já nem prestamos muita atenção, de tão habituais. Mas não existe um “eles” à parte de nós, somos nós mesmos. Nosso comportamento é de plateia, mas somos atores. E não é em algum país remoto, é aqui no nosso.

Agora mesmo, somado ao vasto rol de falcatruas que vemos aumentar todo dia, descobriram uma quadrilha que vendia dados sigilosos. Ou seja, quem confiou no Estado — e quase nunca há escolha — e lhe forneceu seus dados, na verdade os pôs no mercado, onde, por seu turno, comprador também criminoso é o que não falta. E foi lançada a novidade do “kit concordata”, destinado a fraudar a lei em série, como numa linha de montagem. Lá se vai também a transposição das águas do Rio São Francisco, com as obras abandonadas e caindo aos pedaços, depois de anos de desperdício, incompetência e possivelmente ladroagem. E é assim em toda parte.

Os envolvidos em corrupção e crimes correlatos não foram os primeiros, são herdeiros de uma velha tradição nossa. Não são exceções inusitadas. Antes, são a regra, tanto entre antecessores quanto entre contemporâneos. O inusitado são as punições. Mas não achemos que, punindo-os como se o que fizeram não estivesse de acordo com nossos costumes, vamos finalmente viver sob o império da lei e da ética, sem ter mudado nossa relação frouxa com valores básicos, fingindo que não vemos nossa cumplicidade compreensiva e tolerante. Ponhamos a mão na consciência e reconheçamos a verdade. Não podemos atirar a primeira pedra, porque o pecado começa conosco.

Dilma sisuda - SACHA CALMON

ESTADO DE MINAS - 02/12

Lula pediu, o PT insistiu, mas não seria republicano deixar de ir à posse do presidente do STF, ainda mais na do mais popular deles

Lula pediu, o PT insistiu e Dilma resistiu. Não seria republicano deixar de ir à posse do presidente do STF, ainda mais em se tratando do mais popular presidente da Corte Suprema desde a Constituição de 1988. Além do mais, não foi o PT que se sentou no banco os réus, foram apenas alguns dele. O partido deveria expulsá-los em vez de culpar quem tem o dever constitucional de julgar. O novel presidente fez mais pela causa negra, pelo desfazimento do preconceito racial, pela prova acabada de que é a educação que promove a conquista da igualdade, pela punição da audácia criminosa dos poderosos, pela efetividade da Constituição e pelo desmanche da impunidade do que qualquer outro juiz em nosso país.
Ele, porque foi relator imparcial e forte, e seus pares, em conjunto, pelo resultado. No discurso não teve papas na língua. Disse, com assertividade, que o acesso ao poder público e ao Judiciário é desigual no Brasil, referindo-se, obviamente, ao fato de que metade do país é mestiço, negroide e cafuzo, e a maioria é pobre, persistindo o desajuste social. Desancou o preconceito, enalteceu a igualdade, criticou a Justiça lenta. Nesse ponto, por cortesia, disse menos do que devia. Estavam presentes o ministro da Justiça, que só gastou 13% da verba orçada para o sistema penitenciário, segundo ele, uma sucursal do inferno (e é mesmo), além da presidente da República, ao cabo corresponsáveis juntamente com os governadores pelo sistema prisional.
Ficaria bem dizer alto e bom som que 80% dos processos que tramitam nos tribunais superiores (STF e STJ) têm como autora, ré, assistente ou opoente uma pessoa jurídica de direito público (União, incluída a Previdência, que nega benefícios e cobra de todo mundo suas contribuições, estados, municípios, empresas públicas e autarquias). Elas não pagam suas dívidas, haja vista os precatórios, mas são ávidas pelo dinheiro dos particulares. Litigantes privilegiados, não pagam custas e, quando perdem, parcos são os honorários. São incentivos à litigância. O Executivo usa o Judiciário para satisfazer seus apetites, cobrar o indevido e não pagar o devido ou protelar o que deve. Isso é uma falta de ética descomunal! O PT quis usar o STF para livrar os corruptos, corruptores e corrompidos do mensalão, mas sem êxito, pelo contrário. A prestação jurisdicional imparcial é direito do cidadão e da empresa, e a segurança jurídica a base das outras, a econômica, a política e a social. Isso o presidente que se empossava disse, o resto ficou nas entrelinhas ou entrelíngua.
Haverá tempo para pôr em campo suas sugestões, e sei que são efetivas, sem mesuras ou rapapés, palavras dele, um homem do povo. Poderia ter dito, ainda, que o Estado quando intervencionista deveria ser civilmente responsável pelos seus atos. Quando um governo, à moda dos reis de outrora, cobra tributos inconstitucionais, impõe multas estratosféricas, faz o etanol fracassar pela manutenção do preço dos derivados do petróleo, exige mil documentos para que façamos qualquer coisa, antecipa contratos de concessão de energia, ainda que com o fim de baixar a conta de luz, mas de modo autoritário, reduzindo em 70% o preço das ações das empresas do setor, fazendo malograr investimentos, esse governo deveria ser obrigado a indenizar os prejuízos ou pelo menos temer a indenização. A lei culpabiliza com a maior facilidade do mundo os diretores, gerentes e administradores das empresas privadas. Por que não fazê-lo relativamente aos administradores públicos, viciados na impunidade?
Ora, não seria educado o ministro Joaquim dizer tais coisas em dia de festa. Aliás, nunca se viu posse igual no STF. Eu é que estou a pensar, a divagar! Pois bem, por desejar o êxito à gentil senhora que nos governa no ramo executivo do governo é que faço agora uma pequena observação. Não deixou boa impressão a carranca da presidente durante as cerimônias cívicas da posse, perante tantas autoridades e telespectadores no país inteiro. Cara presidente, já que V. Exa. foi, tinha que se portar com naturalidade e simpatia. Em um bom pedaço de tempo vimos o seu semblante fechado (a denotar desconforto). Se noblesse oblige, como dizem os franceses, o sorriso passa a ser protocolar. Estaria a presidente com receios de abespinhar seu rancoroso preceptor político? Não creio. Ademais, não foi ele que se desmanchou em sorrisos e abraços - por pragmatismo - nos jardins da casa de Paulo Maluf, ladravaz notório? V. Exa. não trocou muitas palavras com o presidente do Judiciário. Podia fazê-lo, trata-se de um homem de bem. Da próxima vez, nobre senhora, seja mais afável. O Joaquim merece. A nação aplaudiria. Amizades desse tipo valem a pena, diria Maquiavel.

Ueba! A Madonna é vintage! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 02/12


Agora a manchete é assim: "Madonna toma overdose de mingau e se atira de camisola na piscina"


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Madonna no Brasil! De novo? Eu amo a Madonna. Mas celebridade não pode vir muito pro Brasil que já começam a implicar: lá vem a chata da Madonna!

É verdade! Na terceira vez que ela veio pro Brasil, um carioca falou: "Essa Madonna já tá enchendo o saco!". Daqui a pouco vão dizer que ela tem celulite, joanete e mau hálito. E acho que tem mesmo! Rarará!

E aquelas despeitadas: "O que é aquela velha de 50 anos com aquela guitarra?". Pois eu troco duas de 25 por uma Madonna de 50! Ela pode ter ruga, mas não tem um grama de gordura no corpo!

E eu fui comprar uma camiseta da Madonna em Bancoc e o vendedor me disse: "Tá lá na seção vintage". E eu, como sou vintage, comprei!

E como me disse aquela biba: "Eu tenho saudade de quando a Madonna era puta". Madonna não dá mais escândalo. Escândalo cansa! Já deu o suficiente! Não tem mais escândalos no mundo do rock. Agora a manchete é assim: " Madonna toma overdose de mingau e se atira de camisola na piscina do Fasano". Rarará!

E a Madonna avacalhou com o Natal. O ex-namorado dela, o Jesus, ficou mais famoso que o original. E ela disse que namorava com o Jesus porque na cama ele era um capeta. Rarará! E detesto comparações da Madonna com a Lady Gaga! Porque a Madonna praticamente revolucionou o comportamento de uma geração!

Momentos bombásticos da semana: Dilma veta o VetaDilma! Tudo agora é VetaDilma! Belmonte! VetaDilma! Royalties! VetaDilma! Vai começar "Salve Jorge"! VetaDilma! Grupo É o Tchan promete voltar em 2013! VetaDilma. E sabe o que a Dilma devia vetar? Crocs verde-limão! Rarará!

E definição de royalties: royalties é tudo aquilo que a China não paga! Definição de pré-sal: primeiro vem o oceano, depois vem a camada de sal, depois o pré-sal. E aí vem o Palmeiras. Rarará! É mole? É mole mas sobe!

E a charge do Frank revela o diálogo em Brasília: "E você, o que vai fazer nesse verão?". "Ah, eu vou pegar um semi-aberto". A onda nesse verão é o semi-aberto! Supremo dita que esse verão será o verão do semi-aberto! De dia você pega uma praia e de noite vê o sol nascer quadrado! O verão do sol quadrado!

E com o Felipão, a Seleção vai pra segunda divisão! Adorei o Trio Dentadura: Marin, Felipão e Parreira. É O NOVO! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Lincoln de Spielberg - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 02/12


Ainda não vi Lincoln, o novo filme de Steven Spielberg, e não quero perdê-lo. Por maiores que sejam suas deficiências intelectuais, Spielberg sabe como contar uma história. E quanto a Daniel Day-Lewis, que faz o papel do lendário presidente, eu pagaria até para vê-lo lendo uma lista telefônica. Mas minha opinião sobre o culto a Lincoln, que o filme só fará crescer, é bem diferente. Para se ter noção de como Lincoln é reverenciado nos EUA, sobretudo entre os intelectuais, basta assistir a um trailer do filme de Spielberg. Ouve-se, do começo ao fim, música sacra, que se eleva a uma intensidade transcendental. É o tipo de música de fundo presente em qualquer filme, de ficção ou documentário, sobre Lincoln ou sobre a Guerra Civil.

Não é difícil compreender por que Lincoln foi alçado a um plano reservado aos santos, ou mesmo às deidades que inspiram um assombro reverente. Foi ele quem removeu do solo americano a mais trágica e imperdoável nódoa da história humana: a escravidão. E, tendo eliminado a escravidão da relativamente jovem república americana, Lincoln iniciou a longa e custosa marcha rumo à igualdade para os negros nos EUA. Basta pensar em Lincoln e logo nos vem um nó na garganta, as lágrimas brotando nos olhos. O fato de que ele tenha lutado contra a depressão a vida inteira, e que tenha sido assassinado aos 56 anos, só contribui para aumentar a aura de pathos heroico que o circunda.

Qualquer crítica a Lincoln é imediatamente rechaçada, e seu destino trágico e suas realizações históricas são de pronto invocados em sua defesa. Uma reação negativa a Lincoln também corre o risco de ser associada à longa tradição de ódio a Lincoln, ainda vigente em grupos arianos e outras variedades de racismo ideologicamente comprometido. No entanto, o que sempre me incomoda quando há um revival de Lincoln é essa dimensão sagrada que as pessoas lhe dão. O fato inescapável é que Lincoln travou com entusiasmo uma guerra atroz, e talvez desnecessária. Segundo a fenomenal obra de historiografia This Republic of Suffering (Esta República de Sofrimento), a Guerra Civil custou a vida de mais soldados americanos - 620 mil - do que todas as outras guerras de que os EUA participaram até a Guerra do Vietnã, da Guerra de Independência à 2.ª Guerra.

Seiscentos e vinte mil mortos - e aí não está incluído o número de civis mortos, que os historiadores calculam ter sido de no mínimo 50 mil, e talvez foi mais que isso. Toda essa destruição de vidas humanas aconteceu entre 1861 e 1865, ou seja, há apenas duas gerações. Poucas pessoas se dão conta de que a Guerra Civil deixou uma cicatriz permanente na psique americana. A violência dos EUA e seu pendor para a violência têm origem na Guerra Civil. Assim como a divisão entre a chamada América "vermelha" e "azul".

This Republic of Suffering foi escrito por Drew Gilpin Faust, que atualmente é presidente de Harvard. O livro é uma crônica extraordinária, elaborada a partir de todos os ângulos, dos efeitos desse tipo de carnificina para a alma e a psique de uma sociedade. Também formidável é uma das conclusões que Faust tira do conflito. A liberdade que a abolição promovida por Lincoln parecia ter conquistado era, no fim das contas, elusiva. Faust diz que "num país que não se dispunha a garantir a igualdade de direitos sobre a qual uma verdadeira liberdade tem de repousar, o ideal de uma sociedade formada por homens livres permaneceu irrealizado. Os brancos do Norte e do Sul se uniram em suas pretensões de hierarquia racial, relegando o legado abolicionista a um abandono de 100 anos".

Faust diz ainda que "a morte, em si, tornou-se a finalidade da guerra, o produto de seu maquinário industrializado; não se observavam mais propósitos transcendentes ou gloriosos; finda a batalha, nortistas e sulistas jaziam misturados, 'fama ou país, é o que a eles menos importa'". Essa última citação foi extraída de um poema de Herman Melville, que a historiadora cita mais uma vez: "Para abrir os olhos, como bala não há". Os homens massacrados e seus entes queridos não aprovariam a música de fundo celestial que hoje acompanha as invocações da guerra de Lincoln.

Intelectuais e artistas contemporâneos - incluindo, ao que parece, Spielberg - ainda não abriram os olhos. Para eles, todo o sofrimento e a angústia causados pela Guerra Civil foram uma "carnificina transcendental", para citar um acadêmico americano que, por sua vez, estava sendo citado pelo New York Times. Lincoln é celebrado como herói imaculado porque mandou centenas de milhares de homens para morrer e assassinar outros tantos homens.

Mas é de se indagar se a Guerra Civil tinha mesmo de ser travada. O Norte era rico e o Sul, pobre. Uma economia agrícola baseada no trabalho escravo estava condenada ao fracasso. Com o envelhecimento e as fugas da população escrava, a instituição da escravidão acabaria se extinguindo por conta própria. E o Norte tinha armas econômicas à sua disposição, até o boicote a bens produzidos no Sul. Será que isso causaria a morte de 700 mil escravos? Parece improvável, ainda mais considerando que nesse meio tempo o Norte poderia ter ampliado as tentativas de libertar escravos por meio de vários tipos de subterfúgio.

Lincoln, que, segundo alguns relatos, em certas ocasiões ria de maneira bastante amalucada, partiu para o conflito movido por um fanatismo farisaico. Ao falar sobre a guerra em seu segundo discurso de posse, proferiu as seguintes palavras cruéis, implacáveis: "Se Deus deseja que ela continue (...) até que cada gota de sangue extraída com o chicote seja retribuída por outra arrancada com a espada, como se disse há 3 mil anos, ainda hoje se deve dizer: 'os juízos do Senhor são verdadeiros e todos igualmente justos'". Há algo de psicologicamente desequilibrado em tal manifestação. Ao escrever uma carta de condolências a uma mãe que perdera cinco filhos na guerra, Lincoln se referiu ao "orgulho solene que a senhora deve sentir por ter posto sacrifício tão custoso no altar da Liberdade". O "orgulho solene" que ela deveria sentir depois de ter perdido cinco filhos! A frase é santimonial e revoltante. Como disse Melville: fama ou país, era o que menos importava a essa mulher.

Não estou dizendo que Lincoln não foi um grande presidente, alguém que liderou o país em anos tenebrosos. Mas era, como qualquer presidente, um homem mortal e, portanto, limitado, que cometeu equívocos, um dos quais pode muito bem ter custado a vida de quase 1 milhão de pessoas, quando uma oposição mais pacífica ao Sul era possível. Eu gostaria, pelo bem de um futuro decente, que os admiradores que ele tem nos EUA fossem mais moderados em sua admiração, e mais humanos.

Uma nova estrela na vizinhança - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 02/12


Violência à parte, o México começa a superar o Brasil como país em em ascensão na região


O México que trocou ontem de presidente começa a equiparar-se ao Brasil e até a superá-lo no papel de novo garoto de ouro no quarteirão latino-americano.

De ouro em termos: a violência, a palavra que mais aparece associada a México na mídia internacional, ofusca o brilho. Mas, se a comparação é com o Brasil, ambos estão empatadíssimos nesse infame torneio: a taxa de homicídios em cada um deles está em intoleráveis 22 a 23 por 100 mil habitantes.

Se há empate nesse quesito, passemos adiante.

É significativo que a revista "The Economist" -a que retratou o Brasil na capa como um foguete, não faz tanto tempo- tenha dedicado extensa reportagem na semana passada à "ascensão do México".

A revista faz a comparação direta com o Brasil, ao lembrar que o México cresceu mais que o Brasil em 2011 (3,9% a 2,7%) e voltará a fazê-lo este ano (3,8% a 1,5%, de acordo com a mais recente previsão da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

Outra comparação é feita por Shannon O'Neill (Council on Foreign Relations), uma das mais lúcidas analistas de América Latina:

"O Brasil teve seu momento uns dois anos atrás. Hoje, o México está realmente ganhando momento, e poderia estar na iminência de algo diferente".

O'Neill cita dados mexicanos que são também encontrados em análises sobre o Brasil: "O México é agora uma nação de classe média. Nos últimos 15 anos, a classe média do México cresceu até englobar cerca de metade da população. Essas famílias possuem casas e carros, enviam seus dois filhos [média por casal, hoje] para as melhores escolas que podem pagar e compram os produtos mais novos".

Vale para o México, vale para o Brasil, exceto talvez no quesito mandar os filhos para as melhores escolas. No Brasil, a nova classe média não parece estar em condições de pagar as boas escolas particulares, e as públicas raramente entram na relação das melhores.

Por isso mesmo, O'Neill acha que a ascensão da classe média mexicana é mais sólida que a brasileira.

Outra comparação favorável ao México: o Banco Mundial, em seu ranking de facilidade para fazer negócios, põe o México em 35º lugar, ao passo que o Brasil vai para o fim da fila, o 127º entre 183 países.

A "Economist" lembra outras vantagens mexicanas: o México já é o maior exportador mundial de televisões de tela plana (sonho de consumo da nova classe média brasileira), de BlackBerrys e do combinado refrigerador/freezer, além de estar subindo no ranking global em automóveis e na área aeroespacial.

Falemos também das sombras, de novo na boca de Shannon O'Neill: "O México tem alguns grandes nós a superar, como seu decrépito setor energético, setores econômicos concentrados [e ineficientes], falta de uma base ampla de financiamento, problemas que o Brasil já enfrentou, até certo ponto".

A ver como esse ascendente México combina com o presidente Peña Nieto, de um partido, o Revolucionário Institucional, tido há anos como antítese da modernidade.