segunda-feira, junho 18, 2012

Comprar e não poder pagar - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Colunista não tem de ser bonzinho nem antipático nem julgador nem acusador nem nada: tem de observar e, quando acha conveniente, comentar. Eu me espanto com tantas coisas ultimamente que nem sei o que escolher. O fracasso dos países em administrar suas contas; a ganância derrotando o bom-senso; a opressão dos mais fortes e a submissão dos mais fracos; e os interesses escusos nos orientando mais do que poderia ser. E a palavra-chave do momento, dívidas, dívidas, dívidas.
Bilhões e bilhões empregados para salvar bancos, e milhões de pessoas morrendo de miséria, de fome, de falta de higiene, de falta de dignidade - de falta de respeito de parte dos que deveriam ajudar em vez de gastar bilhões salvando bancos. Morram os bancos, não as pessoas inocentes, não as crianças, não os velhos, os fracos. Que ninguém tenha de chorar impotente por não poder salvar seus filhos.

Mas salvam-se os bancos, o que tecnicamente há de ter suas explicações, mas humanamente me deixa amargurada e perplexa, pois, mesmo não sendo economista, eu vivo neste planeta, e tudo observo e registro com este impotente sofrimento.

Mas no cotidiano, esse agir miúdo de todo dia, de todos nós, de certa forma cada um é especialista. Eu vejo ao meu redor, ou na televisão, na imprensa em geral, a postura delirante das pessoas, certas pessoas, muitas pessoas, com relação ao seu orçamento. A matemática é a mais primária: se ganho 2000, não posso gastar 2500. Se ganho 20000, não posso gastar 22000. Essa conta que qualquer criança de escola elementar entende - ou entenderia se nosso ensino fosse diferente - parece não passar pela cabeça dos grandes consumidores, nem dos microconsumidores, esses que dizem em entrevistas de rua que não podem resistir a uma lingerie bonita, a uma camiseta original, a um eletrodoméstico e tantas maravilhas mais, tudo em doze prestações. Compra-se a prestação no supermercado, compra-se com cartão de crédito sem ter mais crédito. Então cobrimos o buraco com cheque especial. Dali passamos a qualquer outro recurso. Não nos lembramos de calcular os juros. Não nos lembramos de que dez compras baratinhas em várias prestações por semana acabarão em grandes dívidas crescentes durante muitos anos. Isso não nos ocorre porque somos burros, ignorantes. fúteis, bobos, viciados em gastar, insensatos. mal orientados. indiferentes? Não sei. Não chego a nenhuma conclusão. Mas a inadimplência de indivíduos e famílias cresce como abóboras em terra boa, e continuamos comprando sem a menor consciência de que logo estaremos atolados em dívidas, o objeto do nosso desejo retomado pelo vendedor, inclusive o adorado carrinho novo. A mensalidade dos filhos na escola atrasada, nosso respeito pessoal entrando pelo ralo, o desespero baixando como um nevoeiro feio.

Não me considero particularmente obtusa nem especialmente ignorante: mas o que vejo diariamente me dói como se fossem pessoas de minha família, de minha amizade, essas moças, ou senhores, que na televisão sorriem amarelo admitindo que não resistem a boas ofertas nos shoppings e à habilidade de vendedores que, diante de qualquer hesitação, voz do bom-senso, oferecem prestações baixinhas em número espantoso. E toca a comprar qualquer bobagem como se achássemos que alguém vai dar um jeito, alguém vai cuidar de nós, anulando compromissos que estamos assumindo sem entender. .

E assim, às vezes com estímulo de autoridades responsáveis sobretudo pela camada mais desinformada e deseducada do país, de grão em grão esvaziam-se a bolsa, a conta bancária, a credibilidade, o sossego de quem agora recebe diariamente telefonemas de credores legitimamente insistentes: deve, então paga. A bolha de inadimplência entre nós há de estourar um dia, como ocorreu e ocorre em outros países ditos mais adiantados. Não sei quem então vai nos ajudar, Mas sei que a burrice humana, um de nossos maiores males, independe da localização no mapa deste mundo, em crise pela sua própria irresponsabilidade.

Erro com erro - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA


Vai ficando cada vez mais distante, no Brasil, a época em que existia uma fronteira clara en­tre o bem e o mal — o certo estava de um lado e o erro estava de outro, e por aí se cos­tumava parar. Hoje, estranhamente, a fronteira mais comum nos conflitos políticos é entre o mal e o mal. Poucas histórias, entre tantas que acontecem na vida pública atual, demonstram tal mudança tão bem quanto essa extraordinária conversa entre o ex- presidente Luiz Inácio da Silva e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no escritó­rio do hoje advogado Nelson Jobim, ex-ministro de uma porção de coisas e amigo de ambos. Como se sabe, Mendes revelou a VEJA, e depois confirmou em várias entrevistas, que foi pressionado por Lula, durante o encontro, a favorecer os réus nesse malfa­dado mensalão que tanto desmoralizou o seu gover­no e está perto, enfim, de ser julgado pelo STF. Lu­la, é claro, negou tudo. O caso entrou em banho- maria e já está a caminho do congelador, mas deixa um retrato perfeito de situação em que não há nada que preste. è a briga do erro com o erro.

Em primeiro lugar, causa espanto, ou deveria causar, a conduta do ministro Gilmar Mendes — por aceitar, como se fosse a coisa mais normal do mundo, uma reunião absolutamente imprópria com o ex-presidente. Ele nunca poderia ter tido uma conversa em particular como a que teve; em sua condição de ministro do STF, que se prepara para um julgamento no qual Lula tem interesses diretos e importantes, Mendes está impedido de qualquer contato pessoal com o ex-presidente, ou outras pessoas de alguma forma ligadas ao caso. Afinal, ele será um dos julgadores do mensalão, e por um dever rudimentar de imparcialidade não tem nada a tratar com acusados ou com acusado­res. Conversar sobre o que com Lula, e para quê? O ministro talvez não se lembre, mas já houve um tempo neste país em que juízes, ou pelo menos juízes de verdade, não aceitavam nenhum tipo de conversa particular sobre qualquer caso em apre­ciação por eles próprios ou peloJudiciário em ge­ral — com ninguém, e em nenhuma circunstância.

Se alguém quisesse falar com o juiz, que fosse ao fórum e, ali, na presença do escrivão ou de outros funcionários do juizado, dissesse tudo o que tinha a dizer. Mas a Justiça brasileira, como tantas ou­tras coisas, foi remasterizada durante os últimos anos; atitudes de simples decência por parte de um magistrado são consideradas, hoje, uma anomalia própria da idade da pedra. O ministro Mendes, é óbvio, tem de atender um ex-presidente da Repú­blica que deseja falar com ele. Mas por que não fez isso em seu gabinete no Supremo, diante de testemunhas neutras, em vez de ter a tal conversa no escritório de um amigo? É um desastre — mas o mundo político não viu nada de estranho na his­tória, nesta época em que juízes, advogados de renome e até réus, quando são importantes ou ri­cos, convivem alegremente uns com os outros em churrascos, festas de casamento e a bordo de jatinhos particulares.

Em segundo lugar, deveria causar ainda mais espanto que o ex-presidente da República participe de um encontro a portas fechadas com um dos onze magistrados que vão julgar o mensalão. Se Mendes não tinha nada de conversar com Lula, Lula tam­bém não tinha nada de conversar com Mendes — sobretudo levando em conta as coisas para lá de esquisitas que disse, segundo garante o ministro. O momento pior dessa comédia, como de costume, foi a indi­ferença do ex-presidente dian­te do seu dever de dar alguma explicação coerente para o ca­so. Disse que estava “indigna­do”, e precisava se precaver contra “uma minoria que não gosta de mim”. Mas o problema não é saber quanta gente gosta e quanta gente não gosta dele; é saber o que foi fazer nessa conversa com o ministro e, principalmente, o que disse a ele. Mendes falou que houve pressão e algo muito parecido com chantagem. Como é que fica? Quanto a Nelson Jobim, nenhuma esperança de lu­zes — pelo pouco que disse, parecia uma dessas testemunhas que viram um homem nem alto nem baixo, que também poderia ser uma mulher, perto de um carro vermelho ou azul, que talvez fosse uma moto amarela.

Os homens públicos do Brasil, já há bom tem­po, desfrutam de uma espécie de indulgência plená­ria — aquela que não apaga o pecado, mas elimina as penas devidas pelo pecador, e que os papas de antigamente vendiam para fazer caixa. Todo mundo pode agir como bem entende e não acontece nada a ninguém. É o ambiente ideal para conversas que nunca deveriam ocorrer.

Rio+20 = 0 -GUILHERME FIUZA

Revista Época 

Às vésperas da conferência Rio-92, 20 anos atrás, o secretário-geral da Cúpula da Terra, Maurice Strong, afirmou: “Esta é a nossa última chance de salvar o planeta”. Agora, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, avisa que a Rio+20 é a “única oportunidade” de garantir um futuro sustentável. Do jeito como as coisas vão, a Rio+40 será a última oportunidade de salvar o mundo dos ecoburocratas, que estão cada vez mais contagiosos e letais.

Os negociadores dos mais de 130 países que estarão representados na conferência estão preocupados. Vários deles já disseram que a grande questão a decidir na Rio+20 é quem financiará o desenvolvimento sustentável, com quanto dinheiro. E que não há acordo à vista sobre isso. Talvez seja necessário responder a outra questão antes dessa: quem nos salvará dessas festas ecológicas milionárias que não decidem nada? Quem dará um basta nesses banquetes insustentáveis que discutem sustentabilidade?

Ninguém segura a patrulha da bondade e seu alegre circo do apocalipse. No picadeiro da salvação sempre cabe mais um. É aquela oportunidade valiosa para os ativistas de si mesmos descolarem mais um flash por um mundo melhor. O oportunismo é verde. Cientistas políticos gritam que o tempo está se esgotando, artistas buscam sofregamente algum bordão conceitual, mesmo que se atrapalhem um pouquinho - como na célebre frase de uma cantora de MPB em momento ético: “O problema do Brasil é a falta de impunidade”.

Enquanto a feira de lugares-comuns e o show de autoajuda planetária evoluem na avenida, o mundo piora. A crise nascida na Europa veio mostrar que a farra estatal é boa, mas um dia a conta chega. Com a licença dos ecologistas: pode ser a última chance de descobrir que não é o Estado que sustenta a sociedade, mas o contrário. E que não existe Estado forte com sociedade fraca. Pois é nesse momento de alerta contra os governos perdulários que se monta o colossal almoço grátis da Rio+20. Um banquete para discutir o desperdício. Haja sustentabilidade.

O que quer a faminta burocracia verde, com seus sábios fashion de bolinha vermelha na testa e seus relatórios sobre o fim do mundo? Quer a Bolsa Ecologia. Quer mais dinheiro do contribuinte para mais relatórios, mais comissões, mais mesadas para ONGs, mais conferências coloridas e animadas. Enquanto isso, a vida real vai muito bem, obrigado, para monstros como a usina hidrelétrica de Belo Monte - uma estupidez ecológica, uma aberração econômica e um monumento ao desperdício estatal. O custo cada vez mais insustentável da energia nuclear também não é problema para os abastados anfitriões da Rio+20, como prova a construção de Angra 3 - cujo lixo radioativo tem garantia até a Rio+2020. Passaporte para o futuro é isso aí.

Duas décadas de sustentabilidade conceitual não chatearam os vilões reais. Na Rio 92, foram assinadas as convenções de Biodiversidade e do Clima. A primeira instituiu o direito das populações tradicionais sobre o patrimônio genético de suas terras. Enquanto a biotecnologia progride, os povos da maior floresta tropical da Terra continuam a ver navios no Rio Amazonas. Os royalties que conhecem vêm do contrabando de madeira - porque infelizmente não podem se alimentar de convenções. A Convenção do Clima gerou o que se sabe: uma sucessão de protocolos sobre redução das emissões de gás carbônico. Cada um é mais severo que o anterior, devidamente descumprido. Com novos prazos de carência, as metas vão ficando mais ambiciosas, numa espécie de pacto com o nunca.

E aí está a patrulha da bondade em mais uma conferência planetária, reunindo os melhores especialistas internacionais em sustentabilidade e sexo dos anjos. Eles dirão que o mundo vai acabar e a culpa é sua. Mandarão você deixar seu carro na garagem e tomar banho rápido. Não falarão em controle populacional, porque isso é de direita. Eles são progressistas, sociais, amam cada um dos 7 bilhões de habitantes da Terra, que serão 10 bilhões até o fim deste século, todos muito bem-vindos.

O problema, claro, é do capitalismo individualista, cheio de egoístas que demoram no banho. Serão necessários muitos banquetes ecológicos para mudar essa mentalidade.

O preço do amor - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA
Por que certos homens continuam obcecados por prostitutas, mesmo com a liberação sexual da mulher? Só muda a qualidade do serviço - e o nome. Pobre transa com "puta". Rico transa com "garota de programa".Às vezes, milionários poderosos também curtem um baixo meretrício sem qualquer preocupação estética. Não precisa ser no cinema ou na literatura, mas na vida real mesmo. É só lembrar Hugh Grant, flagrado e detido pelo sexo oral no carro com Divine Brown. Bem casado com uma mulher bonita e independente.

Outros homens não se contentam com a atração momentânea e eventual pelo sexo pago - um tipo de transa que, por definição dos clientes, deveria passar em branco, sem deixar traços ou marcas, algo banal e prazeroso como uma boa refeição num restaurante. Há homens que vão além: são viciados em prostitutas. Na comédia que será lançada em 550 cinemas no dia 22 de junho, E aí...Comeu?, baseada na peça de Marcelo Rubens Paiva, um dos três amigos na mesa do bar só gosta de prostitutas. Porque tem medo de amar. O personagem quer publicar um livro, mas, segundo seu editor, ele fala de amor como um químico fala de laboratório.

Existe uma categoria que pisa mais fundo. É a do executivo Marcos Matsunaga, alvejado, degolado e esquartejado quando só queria comer uma pizza em casa. São homens que se apaixonam, casam e têm filhos com garotas de programa. Quando percebem que a moça dócil se tornou uma "esposa" com seus próprios desejos e cobranças, alguns resolvem ter um caso. Com outra prostituta.

Felizmente para eles, as Elizes são uma exceção. Essa história triste, cruel e trágica que abalou o país não deveria atiçar o moralismo boçal:"Está vendo? Quem manda?". Não tenho nada pessoal contra mulheres que alugam ou vendem seu corpo. Tampouco sinto pena ou solidariedàde. Muitas fazem esse trabalho com profissionalismo, honestidade e, hoje, com camisinha. E não ofendem nem roubam. Até pouco tempo atrás, nossos pais, maridos, namorados ou filhos iniciavam sua vida sexual com prostitutas, por falta de namoradas disponíveis a perder a virgindade.

Antes dos namoros com sexo, a relação com a prostituta era tão natural e familiar que o homem, ao casar, precisava reaprender a se relacionar na cama. Havia a noção de que mulher "direita" não gostava de sexo e só o fazia para satisfazer o marido e procriar. Mulheres não trabalhavam fora

como hoje. O homem financiava a casa.

Gabriela Leite, a ex-aluna de filosofia na USP que virou prostituta aos 22 anos, criou a grife Daspu e hoje é líder da classe. Ela escreveu um livro em que diz que a maior parte dos homens não sabe transar e prefere quantidade em vez de qualidade:"Eles dependem quase integralmente de uma parceira que lhes ensine os mistérios de seu corpo". Segundo ela, os homens morrem de medo de brochar."Mas, na verdade", diz Gabriela,"o homem viril é o homem que se dá.

Uma vez perguntaram ao ator Jack Nicholson por que, com tanta mulher querendo dar para ele de graça, buscava prostitutas. "Não pago para transar, pago para ir embora", disse. A cabeça do homem que paga pelo sexo é assim: satisfaço meu desejo e pronto. Prostituta, além de ser mais barata, não dá aquela trabalheira antes, durante e depois do sexo. Não há negociação - além do preço.

"Com a prostituta, há o exercício do poder, do controle e da vontade própria, sem necessidade de sedução ou conquista",

diz o psicanalista Luiz Alberto Py."Ela faz o que o homem quer, não fica fazendo doce. O cara paga de acordo com seus desejos e, quanto mais complicado o desejo, mais caro." Pode haver um clima de romance fake, diz Py:"Se o homem teve uma decepção amorosa, tem medo de sofrer ou não encontra uma mulher que o queira,é fácil se deixar seduzir por moças

sempre dispostas a fazer um charme. Ele fecha os olhos à transação comercial. E fantasia: elas me querem não pelo dinheiro, mas porque eu sou o cara". Garotas de programa competentes costumam oferecer um serviço de qualidade. O serviço inclui escutar os carentes, ser carinhosa com os sensíveis, ser criativa, fingir que goza e, às vezes, até gozar de verdade.

Mulheres começam a usar serviços de garotos de programa - pelas mesmas razões que os homens. "É um fenômeno marcante nos consultórios", afirma Py,"primeiro porque antes isso não existia e também porque, para elas, ainda é uma transgressão, está longe de ser uma banalidade. Diferentemente do homem, a mulher que paga por sexo precisa digerir essa ideia. E tem medo de ser criticada pelas próprias amigas. Ainda há outra particularidade, segundo Py. As mulheres tendem a se apegar aos rapazes de programa e a se tornar ciumentas. O amor nunca sai de graça.

Fósforo riscado em paiol de pólvora - PAULO GUEDES

Revista Época 


Mais e mais, percebe-se que a grande crise contemporânea é um fenômeno sistêmico, não uma acidental e imprevisível derrapagem da economia global. Só analistas ingênuos acreditam que a quebra do Lehman Brothers foi a causa do colapso financeiro sofrido pela economia americana em 2008-2009, arrastando o mundo para uma grande recessão. Já era claro para analistas atentos que o excesso de endividamento permeava todo o universo financeiro após anos de expansão abusiva do crédito. A quebra do Lehman foi apenas um dos inúmeros gatilhos que poderiam fazer disparar a ameaça de contágio bancário. Qualquer fósforo riscado num paiol de pólvora o faria explodir. Na verdade, os financistas quebraram os bancos com uma formidável farra do crédito à base de alavancagem excessiva.

Da mesma forma, do outro lado do Atlântico, políticos europeus quebraram os governos e congelaram seus mercados de trabalho com as práticas populistas, obsoletas e financeiramente irresponsáveis de socialistas e social-democratas. Só os mesmos ingênuos analistas acreditam que a quebra da Grécia é a causa do colapso financeiro sofrido pela economia europeia em 2011-2012. A quebra da Irlanda, a de Portugal e a da Grécia, como um rastilho que agora chega à Espanha e à Itália, ameaçando derrubar em cadeia o sistema bancário europeu, são manifestações de um fenômeno maior. Na verdade, a emergência do euro como moeda continental estimulou a expansão excessiva do crédito e acabou desnudando sistemáticos abusos da classe política europeia contra os orçamentos públicos.

Agora quem pede água é a Espanha. As estimativas de socorro financeiro para evitar o colapso do sistema bancário espanhol estão em torno de € 100 bilhões. O que não é muito, e deverá ser concedido, quando se considera que a Espanha é a quarta maior economia da Zona do Euro. A Irlanda tomou € 85 bilhões em 2010, Portugal recebeu € 78 bilhões em 2011. E a Grécia levou € 110 bilhões em 2010, mais € 130 bilhões em 2012. Enquanto a Espanha tem promovido austeridade e reformas, a esquerda radical grega ameaça deixar o euro se vencer as eleições neste domingo.

O sistema financeiro europeu é uma cobra que engoliu o próprio rabo. Os bancos não podem mais comprar títulos públicos para rolar dívidas dos governos nacionais porque os riscos soberanos em alta trazem pesadas perdas de capital ao sistema financeiro. E os governos nacionais não podem mais socorrer seus bancos porque fariam disparar ainda mais seus riscos soberanos e os custos de rolagem de suas dívidas públicas. Suas finanças já foram exauridas por décadas de demagogia social-democrata.

O agravamento da crise europeia tem sido atribuído exclusivamente à adoção de uma moeda continental. Mas a armadilha social-democrata do baixo crescimento, com regimes previdenciários irrealistas e legislações trabalhistas anacrônicas, foi produzida por décadas de práticas políticas obsoletas. Tornando inflexíveis os mercados de trabalho, a euroesclerose socialista estilhaçou o maior mercado potencial do planeta em imensos bolsões “nacionais” de desemprego. A balcanização econômica da Europa e a insatisfação de eleitorados nacionais com a estagnação da produção e do emprego apenas se tornaram visíveis com a emergência do euro ao status de moeda forte.

Essa armadilha de baixo crescimento resulta da falta de sintonia de classes políticas nacionais com os requisitos de uma nova ordem global. Ela aprisionou a economia europeia e a condenou ao crescimento medíocre e à incapacidade de gerar empregos. Crítico contumaz de uma adoção global do capitalismo, que considera uma singularidade histórica anglo-saxã de consequências desastrosas para o resto do mundo, o filósofo e cientista político britânico John Gray julga irreconciliáveis as contradições entre as práticas políticas social-democratas e as práticas econômicas de livres mercados globais.

O esfriamento da economia brasileira tem sido atribuído ao aprofundamento da grande crise contemporânea. Seríamos vítimas do fenômeno da desaceleração econômica global. Estariam contribuindo para a frustração de nossas expectativas de crescimento a frágil recuperação da economia americana, o esfriamento das demais economias emergentes - novas fronteiras de crescimento da economia mundial - e, principalmente, o buraco negro da Zona do Euro. Após forte desaceleração econômica ao longo de 2011, o Brasil encerrou o primeiro trimestre de 2012 com a economia praticamente estagnada. Estaríamos sofrendo os efeitos de uma sincronização com a crise global.

Na tentativa de conter os impactos externos sobre nossa dinâmica de crescimento, o governo deflagrou novos rounds de políticas macroeconômicas expansionistas. Reduziu os impostos e baixou as taxas de juros para estimular a economia. A desvalorização do dólar dá um empurrão às exportações e atenua os estragos da onda de importações sobre a produção nacional. Espera-se, em consequência, maior ritmo de atividade econômica no segundo semestre.

Mas nossa desaceleração econômica tem um componente estrutural. Não é possível bombar a economia simplesmente à base do crédito fácil. O importante é garantir o crescimento contínuo da produtividade, aumentando a vantagem competitiva do país e das empresas brasileiras. Não é possível bombar a economia expandindo gastos públicos indefinidamente. O importante é ampliar os investimentos e as exportações, garantindo nossa integração competitiva à economia mundial. É preciso reduzir e simplificar os impostos, investir em infraestrutura e logística, para reduzir o Custo Brasil. É preciso estimular o empreendedorismo e as inovações, acelerar os investimentos em educação e novas tecnologias.

Como adverte o prêmio Nobel de Economia Douglass North, em Compreendendo o processo das mudanças econômicas (2005), “o requisito básico para escapar do baixo desempenho econômico é o claro entendimento de que se origina de instituições deficientes, que, por sua vez, resultam de crenças e percepções inadequadas diante de uma nova realidade. A estrutura institucional existente é um poderoso obstáculo às necessárias mudanças, pois reage em defesa de interesses adquiridos”. Precisamos combater os grupos de interesses estabelecidos com reformas institucionais modernizantes.

Invasão russa - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 18/06

Esta Rio+20 é um grande teste para a Aeronáutica com vistas à Copa de 14 e à Olimpíada de 16. Esta semana é esperado um grande engarrafamento nos céus do Rio com centenas de aviões, jatinhos e helicópteros. A delegação russa é campeã: vem com 5 grandes aeronaves.

Segue...

Várias pistas de pouso foram mobilizadas para abrigar esta frota. Os helicópteros ficarão no Campo dos Afonsos. Já o Aeroporto de Cabo Frio, com se sabe, vai abrigar 10 aeronaves de chefes de Estado.

Calma, gente

Na carona da Rio+20, jovens universitários da organização Articulação Nacional pela Verdade, Memória e Justiça planejam mais um ato para “escrachar” um “ex-torturador” dos anos de ditadura militar. Não revelam o local nem a identidade do alvo. A concentração será amanhã às 9h, na Urca.

Fumaça sustentável

Amanhã, às 4h20m no MAM, haverá uma edição extraordinária da Marcha da Maconha. Irá percorrer toda a área da Cúpula dos Povos da Rio+20.

Cápsula do tempo

Dia 22, nos jardins do Museu da República, será enterrada uma caixa com objetos com informações sobre a Rio+20. A ideia é abrir a caixa numa eventual Rio+40, se o mundo não acabar até lá...

Era de mentirinha
Rita Lee anunciou em janeiro que iria se aposentar dos palcos, mas desistiu. Melhor assim. A roqueira programa uma nova turnê do seu disco “Reza” e pretende lançar um CD só com músicas inéditas ainda em 2012.

O RIO PODE perder mais uma figueira centenária. O alerta foi feito pelos moradores da Rua Dona Mariana, em Botafogo, que temem pela vida desta linda árvore da foto em um terreno particular usado como estacionamento do Bradesco. A turma, em tempos de Rio+20, já ligou para Deus e o mundo pedindo socorro. Segundo a Fundação Parques e Jardins, um laudo da Defesa Civil concluiu que a “árvore estava sob risco de queda, além de apresentar grave lesão na base e cupim ativo”. Bem que o Bradesco podia se mobilizar nesta luta pela preservação da figueira

Habemus Papam
Este filme “Habemus Papam” é baseado no livro “Habemus Papam, Francesco”, de 1999, do padre italiano Paolo Farinella. No livro, o Papa Francesco tem sete conselheiros dos quais três são os brasileiros Helder Camara, Leonardo Boff e Frei Betto.

Desastre aéreo

Ontem fez um ano da queda do helicóptero em Porto Seguro (BA), que matou as sete pessoas, inclusive a namorada do filho de Sérgio Cabral. Quarta passada, Carlos Peregrino, diretor da Anac, reuniu-se com as famílias das vítimas e apresentou as medidas adotadas para que haja mais rigor na autorização das viagens.

Filho único

Bruno Gouveia, líder do Biquíni Cavadão, que perdeu o seu filho único Gabriel, resumiu o encontro: — Nada os trará de volta e só nos resta perseguir a certeza de que absurdos como esses nunca mais se repitam.

Filho da guerra fria
A palestra hoje no Midrash, centro cultural judaico carioca, do americano Robert Meeropol, filho do casal Julius e Ethel Rosenberg, acusado de repassar aos soviéticos informações sobre a bomba atômica, terá uma participação especial da atriz Clarice Niskier. Ela fará a leitura da última carta escrita por eles aos filhos, horas antes de serem executados numa cadeira elétrica em 1953, em Nova York.

Herzog

A palestra faz parte do ciclo de debates sobre direitos humanos. Dia 25, Zuenir Ventura fala sobre seu colega Vladimir Herzog (1937-1975), assassinado pela ditadura militar.

MaracaFla

A Traffic se uniu ao Flamengo para tentar ganhar a administração do Maracanã.

Peladeiros

Thiago Silva, capitão da seleção brasileira na Olimpíada, que se machucou no último amistoso, e Marcelo, do Real Madrid, estavam sábado jogando bola no Cheirinho do Gol, no Recreio.

Forró do Guido

Os coleguinhas setoristas do Ministério da Fazenda estão promovendo “O arraiá da crise”. No convite, versos de forró. Um trecho: “Em toda festa de São João/tem combate à inflação/pibinho vira um pibão/e as medidas não param não.”

Lula, a antítese - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 18/06

Nunca se viu a classe política tão cabisbaixa como no governo Dilma Rousseff. A cada pesquisa de opinião que sai do forno, deputados e senadores se sentem menores. A oposição, que até a gestão de Fernando Henrique Cardoso era o escoadouro de insatisfações para com o governo federal, hoje parece não cumprir mais esse papel. Tanto é que, seja nos partidos políticos, seja no imaginário popular, quando algo começa a dar errado com a presidente da República ou sua equipe, todos procuram logo o ex-presidente Lula.

Mesmo no período em que Lula convalescia, seu telefone não parou de tocar. Houve inclusive uma temporada em que o Hospital Sírio-Libanês mais parecia um bureau político do que um local destinado exclusivamente a atendimento médico. Qualquer político de primeira grandeza no cenário nacional que passasse por lá dava uma paradinha pra ver Lula. Se era assim no período de convalescência, imagine agora que os médicos tiraram o catéter e declaram o ex-presidente curado.

A aposta geral é a de que Lula não largará mais a ribalta e terá papel de recepcionar os descontentes com Dilma. Ele considera que o balanço de seus atos é positivo, ainda que haja rusgas no próprio PT em função das suas atitudes, como no caso do Recife, onde o prefeito João da Costa insiste em ser candidato à reeleição contra a vontade do ex-presidente.

Por falar em recepção…
A verdadeira estreia de Lula pós-tratamento do câncer será nesta quarta-feira, na Rio+20. Na cena em que Dilma Rousseff se prepara para se apresentar como a salvadora do documento O futuro que queremos — já apelidado de “o passado que sempre tivemos”, por causa das dificuldades de acordo em torno do texto —, quem promete tomar conta do evento é Lula. Com uma vantagem: como ex-governante, deixa subentendido que as falhas se devem a quem o antecedeu ou sucedeu. E conquista corações e mentes ao dizer que “a maior carência no mundo de hoje é de vontade política de nossos governantes”. Refletirá assim as dificuldades dos países de construir o documento síntese da conferência.

Obviamente, Lula faz ressalvas sobre “a vontade política de dezenas” ao se referir a um “rumo de desenvolvimento na África, na Ásia e na América Latina, onde centenas de pessoas começam a ter uma vida melhor”. Aí, claro, ele se inclui sem precisar citar as realizações de seu governo. E, de quebra, ainda deixa transparecer que, se algo falhar, a responsabilidade é de quem está no poder. Ou seja, se coloca como solidário de quem cobra medidas mais ousadas sem precisar se responsabilizar pelo cumprimento delas. Como nos velhos tempos em que o PT era apenas oposição, sem levar muito em conta detalhes e contratos que devem ser cumpridos por quem está no comando.

Por falar em comandar
Rio+20 à parte, quem acompanha os movimentos de Lula e a forma como ele se solidariza com todos os grupos sai com a impressão de que ele, embora se sinta responsável por Dilma, sempre deixa claro aquilo que discorda da administração dela. Foi assim quando da briga com o PMDB pela liberação das emendas. Ou seja, Lula, ao mesmo tempo em que é o mentor do governo, ocupa também o papel de sutil oposição a ele. Cada vez mais ocupa o espaço de antítese de Dilma — a mulher de classe média estudiosa versus o trabalhador talentoso, a durona versus o bom de papo com os políticos.

Quem entende do traçado e enxerga a política longe, percebe que o PT trabalha em duas frentes: enquanto Dilma recolhe votos na classe média que votou no PSDB em 2010, Lula mantém os mais pobres e a classe política com saudades do jeito dele de abrir as portas do governo aos aliados. Assim, um vai compensando o que o outro perde e o espaço da oposição vai se reduzindo. Não por acaso o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, nasce do DEM e vira independente. Afinal, enquanto o PT com o charme de Lula e a imagem de durona de Dilma estiverem ocupando dois terços do cenário político, sobra pouca margem de manobra e de sobrevivência na oposição. No momento, os dois dominam o palco como dominarão a Rio+20, a principal vitrine desta semana. Vamos acompanhar.

O ex-presidente aproveita a Rio+20 para marcar seu retorno à ribalta da política. E vem cada vez mais claro como um contraponto a Dilma. Enquanto a presidente conquista a classe média, ele se coloca como receptáculo das insatisfações políticas e tenta segurar parte daqueles decepcionados com o PT

A internet ultrarrápida - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 18/06


Sob o ponto de vista financeiro, o leilão para introduzir no Brasil a internet móvel ultrarrápida de quarta geração (4G), realizado na terça-feira pela Anatel, não foi dos piores. Os ágios pagos para a concessão por 15 anos, prorrogáveis por mais 15, das quatro faixas nacionais de 4G - não incluindo 269 faixas regionais - variaram entre 5% e 66,61%, ficando o ágio médio em 35,59%, proporcionando ao governo uma receita de R$ 2,565 bilhões. Como se esperava, as concessões foram feitas às quatro maiores empresas de telefonia no País - Claro, Vivo, TIM e Oi. Como a tecnologia de terceira geração (3G) ainda deixa muito a desejar no País, há muitas dúvidas quanto à capacidade de as empresas vencedoras satisfazerem - com serviços de qualidade - a demanda de 4G no prazo previsto, o que exigirá pesados investimentos. Parece irrealista a previsão do Ministério das Comunicações de que o leilão 4G proporcionará cobertura adequada para os grandes eventos esportivos programados para os próximos anos.

A Claro e a Vivo venceram, respectivamente, as disputas pelo primeiro e o segundo lotes, ficando com as duas faixas de frequência de 2,5 gigahertz (GHz), com maior capacidade, e as duas restantes, com espectro de menor envergadura, foram para a TIM e a Oi. O presidente da Anatel, João Batista de Rezende, estima que os investimentos das operadoras devem variar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões até 2018 para implantar a rede que dará suporte à 4G e à telefonia rural. Em comunicado divulgado depois do leilão, a Claro informou que, já tendo capacitado toda a sua rede para a conexão 3G, pretende investir R$ 3,5 bilhões ainda este ano na nova tecnologia.

O cronograma é bastante apertado. As cidades onde serão realizados os jogos da Copa das Confederações deverão ter cobertura 4G até 30 de abril do ano que vem. Em antecipação à Copa do Mundo de 2014, todas as sedes e subsedes - ainda não definidas - dos jogos devem contar com o serviço até dezembro de 2013. Quanto às regiões rurais, o prazo vai até 2015 e, como não houve interesse por essas áreas, elas foram distribuídas entre as vencedoras. As empresas também tiveram de oferecer internet em escolas públicas com velocidade de download de 256 kilobytes por segundo (kbps).

Isso acarreta aumento de custos, e o mercado tende a evoluir lentamente. A faixa de 2,5 GHz permite grande capacidade de transmissão de dados, embora a cobertura da antena seja menor. As empresas terão, portanto, de instalar antenas a distâncias menores, o que exigirá entendimentos às vezes demorados com municípios e governos estaduais, que têm normas a esse respeito. Isso depende, naturalmente, da popularização da tecnologia 4G, com maior uso de aparelhos caros, como smartphones, modems e tablets, ainda pouco acessíveis a grande parte da população brasileira.

Com os pés no chão, o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, avalia que a velocidade média de 4G no Brasil possa ficar entre 5 megabytes por segundo (Mbps) e 12 Mbps, muito mais rápida do que a 3G (entre 1 e 2 Mbps). Falando ao jornal O Globo, porém, Tude ressaltou que o serviço deve levar alguns anos para atingir um nível adequado por causa do preço, não só dos aparelhos, mas também dos planos das operadoras, mais caros que os praticados na 3G. Para ele, a 4G no começo deve servir, basicamente, a profissionais que dependem da internet móvel rápida para o trabalho, dispostos a pagar alto preço pelo serviço.

O maior obstáculo, porém, é a exigência de conteúdo nacional de 60% dos bens, produtos e equipamentos que constituirão a infraestrutura da 4G, sendo 10% de tecnologia nacional. Essa proporção vale para o período entre 2012 e 2014, subindo para 70% entre 2017 e 2022. Isso deve significar custos bastante elevados, principalmente no período inicial de implantação da 4G. Além disso, a medida é contestada no plano internacional. Os governos dos EUA e países da União Europeia (UE) já se pronunciaram na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra essa exigência, alegando tratar-se de uma barreira ilegal ao comércio no setor de telecomunicações.

O longo e o curto prazo podem se reconciliar - MARCO ANTONIO ROCHA


O Estado de S.Paulo - 18/06


O que vale mais, o longo prazo ou o curto prazo?

"No longo prazo todos estaremos mortos" - frase repetida por dezenas de economistas, depois que John Maynard Keynes a inscreveu no prefácio de seu livro Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, de 1935. Numa interpretação rombuda, ela sugeriria que deixemos de pensar ou nos preocupar com o longo prazo e cuidemos do que é imediato.

O problema é que o curto prazo atropela e cria problemas para o longo prazo, podendo até inviabilizá-lo - como também repetem dezenas de economistas. A história dos elefantes é famosa: de repente a atividade humana começou a ter grande necessidade de marfim, que se valorizou enormemente. O atendimento imediato dessa necessidade lançou centenas de caçadores atrás do animal, cuja espécie quase foi extinta, exigindo de governos e instituições mundiais enérgicas medidas de proteção e cerceamento do abate - ou seja, uma política de longo prazo para corrigir defeitos (e efeitos) do curto prazo.

Outro caso famoso foi o das baleias. A descoberta de que o óleo de baleia purificado propiciava excelente iluminação (embora um pouco mal cheirosa) nos palácios e salões da Europa incentivou a frenética matança dos bichos só amenizada quando os derivados do petróleo e o gás entraram nos lampiões. Hoje, as baleias ainda precisam de proteção porque há povos que apreciam sua carne.

Enfim, é essa a questão: a pressa de atender às necessidades contra a necessidade de preservar a sustentabilidade.

A Rio+20 é a nova tentativa de estabelecer compromissos políticos nacionais de longo prazo para corrigir defeitos que foram provocados pelo curto prazo - e evitar novos.

Disse muito bem a presidente Dilma que não podemos, em razão de problemas e crises do dia a dia, deixar de lado os cuidados e prevenções quanto ao futuro. Não usou essas palavras, mas acho que foi esse o sentido do que disse no discurso de abertura da conferência.

E a advertência era oportuna porque logo se viu que uma das principais resoluções que a Rio+20 deveria (ou deverá) tomar, para melhorar o longo prazo, esbarra num problema de curto prazo. A proposta de criação de um fundo internacional de US$ 30 bilhões por ano para financiar e desenvolver atividades economicamente sustentáveis encontra resistências porque os países desenvolvidos - principalmente a Europa e os EUA - reclamam que já estão desembolsando busilhões, como diz o vulgo, para salvar da falência bancos encalacrados.

É mais um pretexto, pois os países ricos já os vinham procurando para descartar a ideia de criação desse fundo antes mesmo da crise dos bancos e governos. E alegavam que a maior parte do dinheiro tinha que sair dos cofres deles. E daí? O Banco Central Europeu não acaba de colocar 100 bilhões (equivalentes a US$ 126 bilhões) a serviço da salvação apenas dos bancos espanhóis? - 4,2 vezes mais do que a proposta de criação do fundo ecológico.

Sem falar que o Banco da Inglaterra e o Tesouro inglês também anunciaram um plano de 100 bilhões de libras (US$ 155 bilhões) para combater os efeitos da crise, isto é, resgatar bancos da falência.

Mas, desde a semana passada, um outro óbice de caráter imediatista à criação do fundo de salvamento do planeta foi colocado na mesa de discussões: as eleições parlamentares na Grécia, pois temia-se ou teme-se que o seu resultado determine a saída do país da zona do euro, com todas as consequências tenebrosas que isso alegadamente traria para a economia mundial, especialmente a europeia.

De qualquer forma, as duas coisas, a criação do fundo ecológico e a salvação do euro, não precisariam dar trombada, com uma anulando ou inviabilizando a outra. A imediata criação do fundo é importante porque é um farol que ilumina o futuro do meio ambiente no planeta e gera expectativas de que ele pode ser melhorado. Traz confiança.

Qualquer raciocínio inteligente mostra que o desembolso para o fundo não precisa ser imediato, nem pode ser. O que precisa de imediatismo é o "tutu" para a salvação do euro. Assim, como diz o brasileiro esperto, cada coisa é uma coisa - e não precisam caminhar simultâneas. Dá para criar já o fundo e continuar salvando o euro.

Em todo caso, as duas políticas - a de longo prazo e a de curto prazo - podem ter alguma resposta inteligente nessa semana, se é que os atuais líderes dos negócios mundiais são capazes de laivos de inteligência.

Hoje, em Los Cabos (no México), os países do G-20 começam uma reunião (deve terminar amanhã) que objetiva articular um firme compromisso entre eles de usarem todos os meios possíveis para "salvaguardar a integridade da zona do euro", como reportava Assis Moreira, de Genebra, para o jornal Valor, na última sexta-feira.

E nos dois últimos dias da Rio+20, ainda nesta semana, uma cúpula de chefes de Estado presentes deverá dar a sua aprovação ao documento final da reunião, e a torcida dos ambientalistas é de que no documento conste o aval dos cabeças coroadas à criação do fundo (coisa que parece difícil, mas pode acontecer).

De qualquer forma, é uma rara oportunidade para o longo e o curto prazo se apoiarem.

A China perene e pós-moderna - CANDIDO MENDES

FOLHA DE SP - 18/06


Não se queira, na vertigem da mudança, buscar, na China de hoje, a memória da revolução cultural ou das jornadas heroicas de 1949


Demorará, em tempos de multiculturalismo, imaginar-se, finalmente, um vis-à-vis entre o Ocidente e a China, a partir da chegada do subcontinente ao mundo contemporâneo.

Este não é o ponto de remate a partir do qual se poderia falar em coexistências da modernidade, e esse, na mesma medida em que o Império do Meio, manteria o seu tempo social, e não o nivelamento a uma mesma civilização do consumo.

Megalópoles como Pequim ou Xangai estão em permanente metamorfose, num jogo de escalas de seus edifícios e da mudança do seu skyline, a desorbitar das alturas clássicas de Nova York ou Chicago.

Nem se queira, na vertigem dessa mudança, buscar, na China de hoje, a memória da revolução cultural ou das jornadas heroicas de 1949. Tal como não se procure lideranças carismáticas no que é a decisão, tão sensível quanto anônima, da política pública chinesa.

O carisma fica como uma construção definitiva e pedagógica desta memória, que bane as lembranças de Zhou Enlai e Deng Xiaoping, para concentrar-se na onipresença de Mao Tse-tung, tratado, invariavelmente, de "chairman Mao" pelas novas gerações.

Nem se procurem equivalências do nosso desenvolvimento sustentável na política em que a nova prosperidade chinesa trabalha os contrapontos entre as dimensões política, social, econômica ou cultural da mudança.

A democracia se contrapõe ao deslanche conjunto da mobilidade coletiva e cultural, na enormidade acelerada da urbanização e na ruptura de toda inércia de suas periferias pela vida cultural.

São 250 milhões de chineses que, anualmente, frequentam os museus do país. A universidade absorve, hoje, 25% de um mesmo grupo etário. Mas, sobretudo, a China tem consciência da densidade da sua comunicação na quase complacência com que cita a "barbárie" das línguas ocidentais.

Mal nos damos conta do que representa, para a dita civilização do meio, o que seja traduzir os idiomas do Ocidente ou, sobretudo, garantir às ditas culturas do progresso a riqueza do sentido da expressão chinesa, a mudança de sua expressão pelos fonemas e a multiversão, que permite na intelecção o seu recado. Tal para não se adicionar o culto da caligrafia num plus da expressão de cada um.

O universo chinês pode prescindir de toda transcendência, buscar a realização de valores numa ética ou numa prudência de princípio contra todos os extremos, a que responde o confucionismo. Quer encontrar no meio do caminho a regra de toda a convivência ou de uma visão de mundo que já neutralizou todos os excessos e acolhe, de vez, com a toda a tolerância, os extremos e arroubos das jovens culturas ocidentais.

Rio+20: Onde estão as montadoras? - MARLI OLMOS


Valor Econômico - 18/06


Tem sido cada vez mais frequente ver a indústria automobilística engajada na causa ambiental, com planos consistentes para tornar o automóvel cada vez mais limpo. Já faz alguns anos, inclusive, que os slogans dos salões de veículos em todo o mundo são inspirados na batalha do setor em busca de energias alternativas. Os fabricantes de veículos parecem à vontade para tratar o tema quando estão em seus próprios fóruns. Mas seus representantes praticamente desaparecem quando a discussão se amplia para um universo de debates tão global e tão diversificado como a Conferência das Nações Unidas.

É fácil notar a ausência das montadoras em qualquer dos espaços dedicados a debates na Rio+20. Uma das exceções será uma apresentação, amanhã, do vice-presidente mundial da Nissan, Toshiaki Otani, responsável pela área de veículos elétricos e emissão zero da montadora japonesa, em um dos fóruns dedicados ao setor privado.

Até sexta-feira, dia do encerramento da conferência, diversos outros grupos vão, no entanto, debater os problemas da mobilidade nos centros urbanos, o desafio de encontrar formas de reduzir o nível de emissões de CO2 e as alternativas para o transporte. Essas discussões não contam, no entanto, com representantes da indústria automotiva, que teriam muito a contribuir.

Setor está ausente dos debates sobre mobilidade e poluição

Ontem mesmo, o debate sobre cidades sustentáveis e energias renováveis, durante o fórum de sustentabilidade corporativa, seria uma das boas oportunidades de a indústria automobilística ter dividido seus planos com outros agentes da iniciativa privada, interessados em compartilhar experiências. Talvez por isso as palestras conduzidas por representantes da indústria de eletricidade e de planejamento urbano tenham tratado o automóvel de forma vaga.

Não se pode, no entanto, numa análise sobre a ausência da indústria automobilística na Rio + 20, fazer injustiça com a BMW. Na contramão da postura das demais empresas do setor, a marca alemã trouxe para a Conferência das Nações Unidas executivos da Alemanha graduados no desenvolvimento de energias alternativas. Eles passaram o fim de semana por conta de apresentações sobre os planos de desenvolvimento do carro do futuro e dos resultados de pesquisas com consumidores que experimentaram automóveis elétricos em seu estande, de 400 metros quadrados, instalado no Parque dos Atletas.

Fora isso, a presença do setor é bastante tímida. A Volkswagen também montou estande no Parque dos Atletas, defronte ao Riocentro, com suas soluções para reduzir emissões e consumo. Nessa área, formada por pavilhões com exposições da iniciativa privada e de representantes governamentais, também podem ser vistos os ônibus híbridos da Volvo, que a Prefeitura de Curitiba adotou para o transporte público. Mas, em geral, os executivos dessas empresas não se envolveram com o evento.

A modesta presença dos estandes no parque e a quase total ausência nas salas de debates da conferência revelam, em boa parte, que a indústria automobilística participa da Rio+20 como se estivesse numa exposição.

E, apesar de a BMW se mostrar mais participativa, ainda que tenha sido por meio de palestras limitadas à imprensa, as novidades que seus executivos trouxeram para o Rio de Janeiro pouco servem para o consumidor brasileiro. A experiência dos carros elétricos e híbridos que a montadora exibe no Rio ficará, por enquanto, quase que totalmente limitada aos mercados onde os governos calculam as taxas de impostos de acordo com o consumo e emissões do veículo. Ou seja, nos países mais alinhados com a causa ambiental, onde recolhe menos imposto o carro que polui menos e gasta pouco.

O Brasil ainda não adotou essa cultura. É justamente no carro elétrico que incide a mais alta carga tributária, já que o modelo de tributação do país é feito com base no motor a combustão e esse tipo de veículo teria que ser importado, por enquanto. Depois da intervenção do governo para elevar o IPI dos importados, os tributos num veículo desse tipo chegam hoje a 125%.

Como o automóvel é tradicionalmente apontado como um dos vilões do aquecimento global, é bem provável que a indústria automobilística tenha preferido adotar uma postura mais discreta para sequer ser notada num fórum mais heterogêneo, como a Rio+20.

É quase certo, porém, que, logo que a conferência terminar os fabricantes de veículos voltarão à toda carga para exibir seus planos para ajudar a salvar o planeta. Em outubro, eles certamente retomarão o tema, e farão muita propaganda dele, no salão do automóvel de São Paulo, a principal feira do setor no Brasil. Protegidas, em seu território, as montadoras provavelmente se sentem mais à vontade para falar com o público que mais lhes interessa: o consumidor que enlouquece com as novidades que essa indústria lhes oferece. E pelas quais ele quase sempre se endivida.

Recado em prosa - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 18/06


RIO DE JANEIRO - Se estivesse vivo -e, nesse caso, estaria com 85 anos-, Tom Jobim teria sido recebido com clarins nos salões do Riocentro, na abertura da conferência Rio+20. Não por ser o autor de "Corcovado", "Chovendo na Roseira", "Águas de Março", "Borzeguim", "O Boto" e muitos outros sambas que celebram a conservação da natureza. Ou não apenas por isso. Mas por ser um porta-voz da ecologia, desde a época em que, no Brasil, essa palavra tinha de ser procurada no dicionário.

Na maioria das entrevistas que concedeu, Tom sempre denunciou a destruição da mata e da fauna, a contaminação dos rios, lagoas e baías, o envenenamento do ar e a descaracterização das cidades pelo automóvel e pela política de terra arrasada da especulação imobiliária. Era quase uma ideia fixa, mais até do que a música -sobre a qual, aliás, pouco falava para jornalistas.

De repente, entre duas frases, Tom desfiava os nomes das diversas espécies de urubu. Ou se queixava:

"Outro dia fui ao mato piar um inhambu, e o que saiu de trás da moita foi um Volkswagen". Ou, como num passeio que fiz com ele pelo Central

Park, em Nova York, em 1989 -parecia saber identificar pelo nome cada passarinho americano. Mas a paixão pelo Brasil é que era sua seiva criativa: "Toda a minha obra é inspirada na mata atlântica".

Conto isso para contrastar com a brutalidade com que Tom era visto nas redações em que trabalhei, no Rio e em SP, durante os anos 70 e boa parte dos 80. Era visto como um chato. "Ih, lá vem de novo o Tom Jobim com aquela mania de ecologia." Ou, diante de minhas repetidas sugestões de uma entrevista com ele, para uma revista que se orgulhava de suas entrevistas: "Não! Tom Jobim é a coisa mais rançosa que existe!".

Ainda não percebíamos que ele estava dando em prosa o mesmo recado que dava nas canções.

A lógica da ministra - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 18/06

A CGU deve ter analisado o comportamento futuro da Delta, não a sua atuação passada 
A controladoria-Geral da União(CGU) declarou a construtora Delta inidônea. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, afirma que essa inidoneidade é "para novas contratações", de modo que a declaração da CGU é "irrelevante" para os contratos que a companhia já tem com o governo. Pela lógica da ministra, pois, a CGU deve ter analisado o comportamento futuro da Delta, não a sua atuação passada. Mas como teria adivinhado que a Delta teria no futuro um comportamento inidôneo?

Na natureza, os fenômenos se repetem, sempre se sabe como vai ser. Com os humanos, essa estranha parte da natureza, a gente só consegue imaginar o que vão fazer examinando o comportamento passado ou o atual.

Ou seja, se não cometeu nenhuma injustiça, a CGU está dizendo que a Delta não pode ter novo negócio com o governo - não, pelo menos, com um governo sério-porque se comportou mal nos negócios passados e atuais. O que condena todos os contratos, certo?

Não em Brasília. Além dos comentários da ministra, a CPI decidiu na semana passada que não precisa convocar para depor o dono da Delta, Fernando Cavendish. A CPI é para investigar as articulações do grupo de Cachoeira, cuja investigação exibiu várias participações da Delta.

Podem ter sido participações legais, claro, mas podem ter sido fraudulentas - para isso mesmo existe a CPI. E os depoimentos. Mas a maioria governista na CPI pensou como a ministra:a Comissão trata de fatos já ocorridos e a Delta é inidônea só daqui em diante.

Contra o etanol. Na Rio 92, o governo brasileiro encontrou a melhor maneira de fazer propaganda de uma energia renovável bem nacional: os carros oferecidos às autoridades eram todos movidos a etanol. Funcionou.

De lá para cá, a tecnologia do etanol também funcionou. Tudo melhorou. A produção de cana tornou-se mais eficiente e sustentável, inclusive com a progressiva eliminação do penoso corte manual, as usinas são mais produtivas, o etanol gera mais energia, sendo, pois, mais econômico, e, ponto forte, o motor flex é um marco tecnológico. Também se começou a produzir energia a partir do bagaço da cana, processo duplamente sustentável. O Brasil tornou-se exportador de todo esse complexo.

Mas na Rio+20, nem a presidente Dilma vai de carro a álcool. Ainda na quinta-feira, a presidente defendeu o etanol brasileiro, mas o fato é que isso está em baixa no Brasil, e não é de hoje.

Boa parte dos ambientalistas, locais e estrangeiros, não gosta do etanol brasileiro. Há três broncas principais: a cana vem da Amazônia desmatada; é produzida com trabalho escravo; e reduz a produção de alimento.

Vamos supor que fosse verdade para toda a produção brasileira, atual e antiga. Mesmo assim, o etanol continuaria sendo energia verde e renovável. Melhor que gasolina, por exemplo. Ou seja, o problema estaria no modo de produção, que sempre pode ser corrigido e melhorado, do que no produto. E, de todo modo, deveria ser condenado apenas o etanol produzido na Amazônia e com trabalho escravo.

Mas as broncas não têm fundamento. Não aquelas, pelo menos. Começa que a maior parte desse negócio está no Estado de São Paulo e em outras regiões muito distantes da Amazônia. As condições de trabalho na cana têm melhorado claramente. E não tem faltado açúcar.

Resumindo, o agronegócio brasileiro tem condições de produzir etanol e açúcar em condições mais do que razoáveis, em padrões internacionais. E a indústria pode entregar os carros flex.

Aqui aparece a verdadeira bronca. Tem muita gente que detesta o agronegócio- coisa de usineiro - e os carros. É pura ideologia anticapitalista. De um modo ou de outro, mesmo com a defesa explícita da presidente Dilma, o governo dela trabalha como se fosse para atrapalhar o etanol.

Em 2011, por exemplo, o consumo de combustível derivado de petróleo aumentou 19% no Brasil. O de etanol caiu 29%. Culpa do governo, que manteve estável o preço da gasolina e ainda reduziu o imposto (a Cide) para manter barato o litro na bomba. Ouso do etanol só é vantajoso quando for 70% do preço da gasolina. Mantido baixo o preço desta, o etanol também cai e deixa de ser rentável para o produtor. Cai a produção.

Na semana passada, a diretora gerente do FMI, Christine Lagarde, retomou a proposta de taxar a poluição. O produto gerado com maior emissão de carbono tem de ser mais caro. O custo ambiental precisa estar no preço, justamente para desestimular o uso.

O jeito mais simples de fazer isso é cobrar impostos sobre a emissão. Resumindo, a gasolina deveria ser super taxada e o etanol, totalmente isento. Há países que não têm alternativa à gasolina. Não há oferta suficiente de etanol e carros com esse combustível. Mas, o Brasil tem - e faz o contrário.

A bronca com os usineiros e os carros termina em consumo de gasolina e automóveis mais poluidores. Termina também com a importação do etanol de milho dos EUA-menos eficiente e menos sustentável que o brasileiro.

Vai ver que estão preparando a demanda para o petróleo do pré-sal. Mas se for isso, poderiam ao menos parar com essa falsa conversa ambiental. E mais: o mundo inteiro está pesquisando como produzir mais etanol, de diferentes fontes. O mundo demanda esse combustível. O Brasil está perdendo seu lugar nessa corrida tecnológica.

A Rua da Palha - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 18/06


Quem diria que a movimentada Rua 7 de Abril teve um dia nome de manjedoura de presépio, o de Rua da Palha! Era o tempo de gente bruta, como o morador que, em 1865, recebeu de espada na mão o cobrador de uma dívida. Tempo de problemas hoje impensáveis, como, nos dias de chuva, o do lamaçal pisoteado pelas patas dos burros que puxavam os bondes, espirrando lama nos transeuntes e paredes. Em 1882, era do que reclamavam seus moradores. O calçamento só seria autorizado em 1895. Aberta no fim do século 18, era caminho principal para a "cidade nova", quando a São Paulo caipira atravessou o Ribeirão Anhangabaú pela Ponte do Lorena (perto de onde é hoje a estação do metrô) e alcançou o Morro do Chá.

Saindo do centro, o percurso que se fazia é descrito, em 1881, por um cidadão que perdera seu relógio de prata, com corrente de ouro e platina, indo da Rua do Ouvidor (atual José Bonifácio), descida do Piques (Riachuelo), Largo da Memória e Rua da Palha, em cuja casa n.º 1 morava (hoje esquina de Xavier de Toledo e 7 de Abril).

Numa ponta, teve a Rua da Palha o Largo da Memória, onde ainda se situa o obelisco de 1814. Em 1873, a reduzida vida comercial do arrabalde se concentrava ali. Foi quando a Câmara mudou o nome da Rua da Palha para 7 de Abril, regozijo 43 anos atrasado pela abdicação de Dom Pedro I. Mas para o povo a rua continuou sendo da Palha.

Em 1878, havia quem nela vendesse escravos. Era rua de gente simples, vendas, fabriquetas e cocheiras. Em 1907, tinha um prostíbulo perto da Xavier de Toledo, onde se matou um jovem marceneiro. Há notícia de outro para os lados da Praça da República, em 1914. Ainda existiam quando da Revolução de 1924. Famílias alugavam quartos excedentes para pensionistas. Talvez por isso, em 1909, alguém oferecesse uma sala para alugar, advertindo, porém, de que era "para senhora honesta", em "casa de família séria".

Após a abertura do Viaduto do Chá, em 1892, houve nela residências de gente abonada, casas com piano, cristais e móveis franceses, penicos de louça. Os modestos ainda se mesclavam por ali com os bem situados.

Dona Yayá. Moradora riquíssima, jovem, órfã e solitária, dona de meio quarteirão entre a 7 de Abril, a Xavier de Toledo e a Bráulio Gomes, foi Dona Yayá. Carola e generosa, tendo recusado casamento com o filho de um tutor ambicioso, foi vítima de uma maquinação de que resultou sua declaração como louca em 1919.

Seria confinada por 41 anos em casa-prisão na chácara de sua propriedade, no bairro do Bexiga, até sua morte em 1961. Sem herdeiros, a Justiça mandou entregar o que restava de sua herança de milhões de dólares à Universidade de São Paulo, que em sua memória transformou sua antiga prisão em Casa de Dona Yayá, um centro cultural na Rua Major Diogo, aberto aos moradores, com seu belo e largo jardim.

Não há amor em SP - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 18/06


BRASÍLIA - A campanha eleitoral vai coincidir, em agosto, com o julgamento do mensalão. Prestes a ganhar munição extra para fustigar o adversário, o tucano José Serra celebra aliança com o PR de São Paulo, justamente o parceiro preferencial do PT no maior escândalo do governo Lula. Dá para entender?

E como explicar que o petista Fernando Haddad se lance à prefeitura como candidato do "novo" e corra para selar acordo com Paulo Maluf, logo o símbolo do que há de mais retrógrado na política municipal?

Esses acertos estapafúrdios embutem duas informações.

A primeira é que os dois lados perderam todo e qualquer escrúpulo para comprar (ôps, garantir) apoio de outros partidos. O objetivo, simples e caro, é obter mais tempo de televisão e rádio (horário fixo e inserções diárias) e se beneficiar da alavancagem proporcionada pelos candidatos a vereador. Ou seja, combustível adicional para a hora em que a eleição pegar fogo.

Nesse cenário polarizado, em que ambos estão dispostos a qualquer negócio, seria lógico que as adesões saíssem mais naturais -ou com menos ruído. Mensaleiros com mensaleiros, conservadores com conservadores, assim por diante.

Em São Paulo, porém, as fronteiras se esfumaçaram. Maluf endossa Haddad, mas continua prestigiado pelo tucano Geraldo Alckmin na coalizão do Estado. O prefeito Gilberto Kassab (PSD) apoia Serra na capital e o PT nas cidades do entorno. O PSB, dirigido em São Paulo por um alckmista de longa data, vai compor chapa com Haddad.

A sanha hegemonista do PT e a impermeabilidade do PSDB a novas lideranças contribuem para tamanha dispersão. Mas, se as demais legendas tentam manter os pés nas duas canoas, é porque não têm certeza de qual delas vai seguir boiando. É um indício de que o jogo está aberto -não apenas na sucessão de Kassab, mas também na de Alckmin.

O STF e a liberdade de expressão - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 18/06


O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar, ainda este ano, um recurso extraordinário que é decisivo para a liberdade de imprensa no País. Trata-se de uma ação de reparação de danos causados, envolvendo o exercício da liberdade de informação, seja por meio de jornais e revistas, seja por meio de sites e blogs da internet.

O litígio começou há cinco anos, quando a mãe de uma aluna de um colégio particular da capital classificou como preconceituosa uma apostila distribuída em classe pelos professores. Além de ter retirado a filha da escola, a mãe divulgou um artigo na internet, criticando as apostilas de história e geografia adotadas pelo estabelecimento. Segundo ela, os textos conteriam erros de português, equívocos de informação, falsificação de dados históricos e "panfletagem grosseira".

As apostilas foram elaboradas por um grupo educacional de Ribeirão Preto especializado na produção de material didático e pertencente a uma das maiores multinacionais do setor. Assim que as críticas às apostilas foram colocadas na internet, a empresa pediu o direito de resposta. Ela alegou que os trechos das apostilas criticados haviam sido extraídos de questões formuladas nos processos seletivos da UFMG. Também reconheceu que a qualidade da redação das apostilas poderia ser melhorada, mas refutou erros de informação histórica.

Dias depois, os advogados da multinacional impetraram, no Fórum de Ribeirão Preto, uma ação de indenização por danos morais contra a mãe da aluna e contra o site que publicou seu artigo. Assim que o processo começou a tramitar, o juiz responsável pelo caso acolheu pedido de tutela antecipada, determinando que o site retirasse imediatamente os nomes do grupo educacional do texto do artigo. E fixou multa de R$ 3 mil para cada vez que esse site ou qualquer outro veículo de comunicação mencionasse o nome da empresa ao noticiar o litígio.

A partir daí, o eixo do litígio judicial mudou e os advogados das duas partes passaram a discutir uma questão processual, acerca do foro competente para o julgamento da ação. Os advogados da multinacional insistiram em que a ação deveria tramitar na comarca onde a empresa tem sua sede - ou seja, Ribeirão Preto. Os réus alegaram que o caso deveria ser julgado em São Paulo, onde moram.

Com base no artigo 100 do Código de Processo Civil (CPC), quem se considera ofendido tem o direito de ajuizar a ação no foro de seu domicílio. Por isso, quem se manifesta por jornais ou pela internet corre o risco de ser processado em qualquer lugar do País. Se várias pessoas se sentirem ofendidas pela mesma matéria e cada uma morar numa cidade diferente, o autor de um artigo terá de se defender em cada comarca - arcando com os custos dos advogados. Foi o que ocorreu em 2008, quando a Igreja Universal do Reino de Deus estimulou seguidores a processar a Folha de S.Paulo, por causa de uma reportagem. O jornal teve de se defender em mais de 90 cidades. A mesma estratégia foi usada pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) contra O Globo. O jornal foi acionado em 20 Estados, por causa de uma reportagem sobre a Força Sindical, da qual o parlamentar é presidente. "Vou dar um trabalho desgraçado. Vou fazer de mil a 2 mil ações contra eles no Brasil inteiro. A Universal vai ser fichinha", disse ele na época.

Como essa chicana jurídica colide com o artigo 5.º da Constituição, que assegura o direito de opinião e determina que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação", o caso foi levado para o STF, com base no princípio da "repercussão geral". Caberá ao Supremo decidir se o artigo 100 do CPC - no qual se baseiam as tentativas de intimidar jornais e blogs - é um obstáculo à liberdade de informação jornalística e se pode ser aplicado às ações de reparação de danos morais causados no exercício da liberdade de expressão. O relator do processo é o ministro Luiz Fux e o caso interessa a todo o setor de comunicação.

Alívio e esperança - PAULO GUEDES


O Globo - 18/06


Em meio à grande crise contemporânea, há também os momentos de alívio e mesmo de renovada esperança em um futuro melhor. São janelas de oportunidade neste conturbado macroambiente econômico. O momento de alívio vem do resultado das eleições gregas deste domingo. E o olhar de esperança vem do surgimento de um novo bloco regional de enorme importância para a América Latina.

O mundo estava de olho nas urnas gregas. A derrota dos radicais de esquerda dá novo fôlego à moeda continental. Prossegue o quiproquó do auxílio financeiro europeu pela reforma das finanças públicas gregas. Os eleitores perceberam que a opção entre "austeridade" (euro) e "crescimento" (dracma) é um falso dilema. Mas é triste saber que a juventude europeia continua entregue às mãos dessa mesma classe política cujas demagogia e irresponsabilidade financeira tanto a infelicitaram com o desemprego em massa. Conservadores na Grécia e socialistas na França, demagogos e obsoletos, continuam no comando. Apenas se atenuam os temores de contágio e precipitação de uma crise bancária continental que pudesse desembocar na decomposição da zona do euro.

Sem o mesmo destaque dos eventos no Velho Mundo, surge a Aliança do Pacífico, um novo bloco regional anunciado por México, Colômbia, Peru e Chile, com a adesão prevista de Panamá e Costa Rica ainda no segundo semestre de 2012. O Acordo de Antofagasta, com 215 milhões de consumidores, 35% do produto interno bruto e 55% das exportações da América Latina, prescreve a livre circulação de mão de obra, de capitais, de bens e serviços, além da integração de redes educacionais, um sinal da extraordinária importância atribuída à formação de capital humano para o futuro da região.

As regras de acesso ao novo bloco revelam aspirações de construir uma rede típica da Grande Sociedade Aberta: é preciso ser uma democracia, com estabilidade jurídica e constitucional, e aderir ao livre comércio com todos os sócios. Democracia e mercados, a síntese da moderna civilização ocidental, como exigências para integrar um bloco latino-americano! Enquanto isso, atolam os integrantes do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai -, em meio a disputas tarifárias e escaramuças comerciais, e afundam os países do socialismo bolivariano - Venezuela, Equador e Bolívia -, por suas sempre bem-intencionadas, porém desastrosas, práticas populistas.

Uma semana para não ser esquecida - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS


Valor Econômico - 18/06


Quando esta coluna for lida no Valor de segunda feira, já será conhecido o resultado das eleições parlamentares na Grécia e os mercados financeiros na Ásia já estarão reagindo a ele. Felizmente os líderes do chamado G-20 prepararam, antecipadamente, um plano concertado de ação para enfrentar o pior. Uma questão fortuita facilitou essa ação na medida em que estavam previamente agendadas para esta semana uma reunião formal do G-20 no México e uma outra dos ministros das Finanças da Europa. Nesses dois fóruns é que terão que ser decididas as medidas concretas para estabilizar os mercados financeiros no curto prazo, pelo menos.

As alternativas de ação dos países mais ricos para lidar com a crise de confiança dos mercados dependem de qual dos caminhos possíveis foi o escolhido pelo eleitor no país de Sócrates: a vitória de uma coligação comprometida com a Europa, a de um grupo de esquerda radical e que prega uma ruptura com os acordos já negociados e, finalmente, a necessidade de realização de novas eleições.

No caso da formação de um governo comprometido com a Europa os mercados devem reagir bem e algum tempo mais será dado aos líderes europeus para definir um plano de voo de médio prazo para estabilizar a Zona do Euro. Nesse caso não será preciso acionar o Plano de Emergência que está sendo articulado pelos Bancos Centrais do G-20 e as atenções vão se voltar para a reunião dos ministros europeus. Esses senhores estarão reunidos por dois dias, preparando a agenda para o encontro dos chefes de Estado que será realizada na semana seguinte.

Só uma ação conjunta dos Bancos Centrais do G-20 nos mercados de câmbio e títulos soberanos poderá evitar um Armagedon

A agenda a ser definida necessariamente terá que apresentar uma solução clara e crível para que o mercado consolide uma visão mais otimista sobre o futuro. Infelizmente, as informações disponíveis mostram ainda que, apesar de algumas novas ideias interessantes, não existe uma agenda consistente de ações imediatas. Conceitos corretos como a busca de uma integração fiscal maior entre os países do euro, um redesenho dos sistemas financeiros nacionais e a criação de um novo arranjo institucional para os maiores bancos europeus não serão suficientes para convencer investidores e empresas que a Europa Unida não vai se desintegrar. Será preciso mostrar como todos esses objetivos serão atingidos.

Uma ideia nova que tem circulado na imprensa internacional - a criação de um Fundo Europeu para mutualizar parte das dívidas nacionais - traz uma alternativa para permitir um ajuste mais suave no endividamento público e abrir algum espaço para uma política de estímulo ao crescimento. Essa ideia - sugerida pela associação de economistas da Alemanha - é muito parecida com a adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1999 para lidar com o elevado endividamento da maioria dos estados brasileiros. E os resultados aqui no Brasil foram muito positivos.

Na Europa a proposta é a de se criar um fundo supranacional que assumiria a parcela da dívida pública, de todos os países, que supere o limite de 60% do PIB. No caso da Europa de hoje, os 17 países da zona do euro seriam elegíveis para participar desse mecanismo. Até mesmo a poderosa Alemanha participaria desse clube dos endividados, o que certamente facilitaria sua aprovação nos países que ainda se mostram reticentes em dividir os ônus da estabilização financeira da Europa.

Mesmo com um reequilíbrio político entre os defensores radicais da austeridade fiscal e aqueles que defendem a necessidade da volta do crescimento econômico criado pela vitória dos socialistas franceses, parece que estamos ainda muito distantes da construção de um consenso. Por isso, mesmo com um cenário positivo na Grécia, os mercados não vão deixar de lado a postura especulativa sobre um fim inglório para o sonho da Europa Unida e a crise deve continuar.

A segunda alternativa para as eleições gregas - a vitória da esquerda radical - deverá mergulhar os mercados em todo o mundo no modo pânico. A ruptura com os acordos negociados defendida publicamente pelo Syriza levará certamente a uma moratória na Grécia e, no final de um processo dramático, à troca de sua moeda. Como não existem mecanismos legais que lidem com essa possibilidade, o pânico vai ser legítimo. Mas não apenas na Grécia, pois certamente o medo de um final semelhante em países como Portugal, Irlanda e Espanha - porque não a Itália? - tomará conta de todos.

Nessa situação apenas uma ação conjunta e orquestrada dos Bancos Centrais do G-20 a partir da noite de domingo nos mercados de câmbio, juros e de títulos soberanos poderá evitar um Armagedon financeiro e econômico. Mesmo assim o risco de fracasso dessas iniciativas é grande e assustador para qualquer analista com um mínimo de conhecimento de crises financeiras passadas.

Além desse movimento dos Bancos Centrais, os líderes políticos do mundo todo terão que encontrar na reunião do G-20 energia e coragem para construir um pacote de intervenção mais amplo para trazer de volta um mínimo de confiança aos mercados e, com isso, evitar uma nova depressão econômica que poderá fazer a dos anos trinta do século passado uma experiência menor.

Por tudo isto vou passar um fim de semana com muito medo e apreensão.

A paranoia bullying - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 18/06


O Estado invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação de controle absoluto da vida


Entro em sala de aula várias vezes na semana. Daí vem muito do que penso acerca dos modismos perniciosos que assolam o mundo da educação.

E daí também vem o fato de que, apesar de ser pessimista (nada tem de chique no pessimismo, apenas para quem não o conhece por dentro e o confunde com um estilo melancólico de se vestir), não desisto da vida e vou morar no bosque de "Walden" (ou algo semelhante), como fez o filósofo americano Thoreau no século 19.

Hoje vou comentar um caso específico de moda que em breve provavelmente vai destruir qualquer liberdade e espontaneidade na sala de aula: a "paranoia bullying".

Se atentarmos para o que o Ministério Público prepara como controle da vida escolar "interna", veremos, mais uma vez, a face do totalitarismo via hiperatividade do poder jurídico.

Ao invés de atacar o que deve ser atacado (o lixo que é a escola no Brasil, porque o Estado arrecada impostos como um dragão faminto, mas não dá nada em troca), o Estado e seu braço armado, o governo socialista que temos há décadas, que adora papos-furados como cotas raciais e bijuterias semelhantes, invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação maior e eterna: o controle absoluto da vida nos seus detalhes mais íntimos.

E ninguém parece enxergar isso, muito menos a pedagogia e sua vocação, nos últimos anos, para livros bobos da moda e palestrantes de autoajuda.

Quando ouço alguma "autoridade pública em bullying", sinto que estou diante de um inquisidor, que, como todos, sempre se acha representantes do "bem".

Seria de bom uso dar aulas de história dos perfis psicológicos dos grandes inquisidores, como Torquemada e Bernard de Gui, para essas "autoridades públicas" em invasão da vida íntima das pessoas e das instituições. Eles descobririam sua ascendência direta do grande inquisidor de Dostoiévski ("Irmãos Karamazov").

Em breve, a melhor solução para o professor será a indiferença preventiva para com os alunos. Melhor uma aula burocrática e avaliações burocráticas do tipo "múltipla escolha" ou "diga se é falso ou verdadeiro", mesmo nas universidades, porque assim o aluno não poderá acusar o professor de "desumanidade" ao reprová-lo, ou pior, acusá-lo de bullying porque desconsiderou sua "cultura de ignorante", mas que "merece respeito assim como Shakespeare".

Os "recursos" contra reprovação logo se transformarão em processos contra "bullying intelectual". E os fascistas do controle jurídico da vida terão orgasmos.

Atitudes como estas destroem a autoridade da instituição, dos profissionais que nela trabalham e transformam todos em reféns da "máquina jurídica". O resultado é que família e escola perdem autonomia. O que este novo coronelismo não entende é que existe um risco inerente ao convívio escolar e que as autoridades imediatas, professores e coordenadores é que devem agir, e não polícia ou juízes.

Na minha vida como aluno em universidade tive duas experiências com dois professores que hoje poderiam ser enquadradas facilmente neste papinho de "tratamento desumano", mas que foram essenciais na minha vida profissional e pessoal.

A primeira, quando era um aluno da medicina na Universidade Federal da Bahia, ocorreu no dia em que perguntei a um professor como um paciente terminal via o fato de que ele ia em direção ao nada. Ele disse: "O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia".

Isso, numa faculdade de medicina, significa mais ou menos que você não tem a natureza forte o bastante para encarar a vida como ela é.

A segunda, já na faculdade de filosofia da USP, aconteceu quando um professor me deu zero e disse para procurá-lo. Ao me ver, no meio da secretaria e na frente de vários funcionários e alunos, ele disparou: "Suas ideias são ótimas, seu português é um lixo".

Em vez de preparar a polícia para prender bandidos que assaltam casas e restaurantes aos montes, o governo prefere brincar com essas bijuterias, fingindo que cumpre sua função de garantir a segurança pública. Será que isso é medo de enfrentar os criminosos de verdade?

Vinte anos depois - GEORGE VIDOR


O GLOBO - 18/06
Há 20 anos, na Rio 92, contava-se nos dedos as empresas que efetivamente haviam incorporado, em suas rotinas de trabalho, métodos ou iniciativas de preservação da natureza. A palavra sustentabilidade não fazia parte do jargão econômico ou mesmo do noticiário. Coleta seletiva de lixo era algo que ainda chamava a atenção de turistas estrangeiros que visitavam cidades ricas da Alemanha.
reciclagem? Aqui nos trópicos, só de papel usado, e olhe lá, pois o Brasil quase não produzia latinhas de alumínio, por exemplo. O etanol era apenas um substituto do chumbo na gasolina. Energia eólica? Apenas uma experiência promissora.

Vinte anos depois, o consumo de combustíveis fósseis, continua a crescer, mas a emissão de material particulado poluente pelos ônibus que utilizam óleo diesel diminuiu 88%. A indústria desperdiça menos matéria-prima, a agropecuária se tornou mais produtiva, e a evolução das comunicações poupa deslocamentos e tempo.

E o mais importante: mais gente está preocupada com o ambiente (infelizmente não em número capaz de constranger quem joga lixo no chão em uma avenida movimentada do Centro do Rio, como a Rio Branco, que é varrida quatro vezes por dia, ou que recorre a queimadas para reiniciar o plantio).

O mundo está longe de alcançar a sonhada sustentabilidade, de encontrar um modo de compatibilizar as comodidades da vida moderna com a preservação da natureza, mas não precisamos cair no desespero, como é o caso de uma ONG fundada nos Estados Unidos, cuja proposta é a autoextinção da humanidade por absoluta falta de confiança no futuro do ser humano. Com a Rio 92, o ambientalismo deixou de ser algo visto como exótico, estilo "natureba". A sustentabilidade entrou na agenda como assunto sério, sem ser tema restrito a fundamentalistas e ecochatos. Hoje os governos são pressionados a adotar programas de tratamento de esgoto, reflorestamento, preservação de diferentes biomas, melhora da qualidade da água e do ar, Assim, como na Rio 92, da Rio+20 não sairá solução mágica para todos nossos problemas. Mas certamente a partir dela, o bloco da sustentabilidade crescerá.

Na próxima segunda-feira haverá a aula inaugural dos cursos de qualificação profissional de candidatos a trabalhar no estaleiro da OSX, no Açu (São João da Barra). Cerca de 19 mil pessoas se inscreveram, dos quais 3.100 foram selecionadas para os cursos que serão ministrados pelo Senai. Metade delas, mulheres, o que mostra que não está mais longe o dia de o setor de construção naval no Brasil deixar de ser um clube do Bolinha ("menina não entra", alertava o aviso em cima da porta).

O estaleiro da OSX está em contagem regressiva para funcionar. Aproveitando uma breve passagem por Campos dos Goytacazes, município vizinho, fui ver as obras. O canal que está sendo aberto por três dragas avançou dois quilômetros continente adentro, e já com trezentos metros de largura. A máquina que assentará as paredes de concreto (com tamanho de 26 metros e 90 centímetros de espessura) do píer lateral do estaleiro estava no local onde iniciará o serviço. O estaqueamento dos principais prédios industriais acabará em julho e várias bases, com alguns pilares de sustentação, em duas unidades importantes (recebimento de chapas de aço e corte), são visíveis.

Enquanto isso, a LLX, empresa do mesmo grupo (Eike Batista), que terá um cais na outra margem do canal e, por isso, divide as despesas de dragagem com a OSX, espera receber agora em julho seis imensos "caixões" de concreto que formarão parte do quebra-mar na entrada do canal. É uma tecnologia inédita no Brasil e vai permitir que o quebra-mar, internamente, sirva como um píer de atracação de embarcações. Os seis primeiros "caixões" estão sendo fabricados no Porto do Forno, em Arraial do Cabo. Cada um deles tem 60 metros de comprimento e mais de 16 meses de altura. Serão rebocados até o Açu, e lá "afundarão" até encontrar um leito de pedra britada. Os "caixões" serão preenchidos com areia da dragagem. Como se interligam, na superfície receberão uma laje contínua de concreto, para formar o píer de atracação.

Nas obras do estaleiro estão trabalhando mais de duas mil pessoas, a maioria recrutada nas cercanias. No pico da obra , esse número triplicará, sem contar os que estarão sendo treinados para a produção. O corte da primeira chapa de aço, um marco em qualquer estaleiro, é previsto para o primeiro trimestre do ano que vem. Nesse mesmo período, estarão sendo montados módulos para futuras plataformas de petróleo da OGX, a companhia de petróleo do grupo.

O tempo era curto, e depois de testemunhar as obras do estaleiro, só deu para passar rapidamente passar por outras áreas, sob responsabilidade da LLX, a companhia de logística. Os terrenos das três fábricas de tubos flexíveis para poços de petróleo no mar (NKT, Technip e InterMoore) foram preparados, e pelo menos um deles, o da dinamarquesa NKT, está na fase de estaqueamento. O píer do terminal de minério de ferro está quase pronto, e já com 50% das esteiras transportadoras.

Em plena Rio+20, não podia deixar de subir num mirante e dar uma espiada na reserva particular de proteção natural, que se estende por 40 quilômetros quadrados junto ao complexo industrial. O mirante faz parte do centro de visitantes, onde há sempre um quitute da Dona Zilce (o bolo de limão é especial). Proprietária de uma pousada em São João da Barra, Dona Zilce se tornou fornecedora para pequenas recepções a visitantes ao complexo do Açu. Por conta das obras, ela agora tem hóspedes a semana inteira.

Criatura sem criador - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 18/06


O novo Datafolha alimentará na campanha de José Serra dilema que já preocupa seus principais estrategistas: o grau de associação da candidatura tucana à gestão de Gilberto Kassab, sobretudo na TV. Nada menos que 80% dos eleitores afirmam esperar do novo prefeito ações diferentes das do atual. Com rejeição em índices críticos, Kassab deseja que o tucano defenda seu legado. A tendência, contudo, é que Serra cole em Geraldo Alckmin e evite a figura do prefeito na TV.

Fadiga A influência do ex-presidente Lula, principal arma de Haddad, aponta tendência de declínio desde janeiro, com queda de dez pontos no período. Mas o percentual dos que sabem que o petista apoia o ex-ministro da Educação é de 28%, o que mostra que o padrinho ainda tem prestígio a transferir.

Espólio Com superexposição na Rede Record, mas prestes a enfrentar um período sem tela, a expectativa dos adversários é que Celso Russomanno (PRB) desidrate após o inicio da campanha. A dúvida é qual candidato se beneficiará desses votos.

Religião Enquanto a associação entre Russomanno e a Record parece ter impulsionado a votação do candidato do PRB entre os evangélicos, segmento em que empata com José Serra, a proximidade de Gabriel Chalita com a Igreja Católica não beneficia o peemedebista, que pontua nesse segmento os mesmos 6% da pesquisa Datafolha.

Fora do ar Aliados do PT dizem que a secretaria do Ministério das Cidades dada a Paulo Maluf faz parte de um acordo tácito para que o ex-prefeito fique fora da propaganda eleitoral na TV. Petistas temem que a imagem do deputado federal, associada ao candidato Haddad, neutralize o efeito Erundina.

Quem dá mais? Parlamentares do PP, partido de Paulo Maluf, garantem que PSDB e PT prometeram cargos ao ex-prefeito em troca de apoio na eleição municipal à Prefeitura de São Paulo.

Antecipado A diferença, nas palavras de um cacique pepista, é que o partido da presidente Dilma Rousseff "pagou à vista" e os tucanos sinalizaram que só negociariam postos com o ex-prefeito após o resultado da disputa.

Bê-a-bá 1 O setorial jurídico do PT planeja distribuir aos candidatos do partido às eleições de 2012 uma cartilha com as principais diferenças entre o mensalão da legenda e o mineiro. A ideia é vacinar os filiados para os ataques dos adversários durante a corrida municipal.

Bê-a-bá 2 Na análise comparativa, o PT destaca fatos do mensalão envolvendo o governo de Eduardo Azeredo e lembra que os ministros do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Eros Grau, já aposentado da corte, rejeitaram a denúncia contra o tucano.

Alfinetada A Associação dos Delegados de Polícia Federal afirma, em nota que será divulgada hoje, que a defesa do desembargador Tourinho Neto da anulação da Operação Monte Carlo contribui para a imagem de "tolerância" de parte do Judiciário com a criminalidade no país.

Veja bem Em ofício encaminhado a Neto, o juiz responsável pela operação, Paulo Augusto Moreira Lima, rebate a tese de escutas ilegais ao dizer que as interceptações telefônicas só ocorreram após "aprofundamento das investigações iniciais''.

Greve geral Servidores do Arquivo Nacional, responsáveis por implementar a Lei de Acesso à Informação, vão parar hoje. Na lista de reivindicações, está um plano de carreira para o órgão.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

Como o PSDB é parlamentarista na raiz, o chapão construirá, já na campanha municipal, uma coalizão para governar.

DO DEPUTADO WALTER FELDMAN (PSDB-SP), defendendo a ampla coligação proporcional com aliados de José Serra, objeto de polêmica entre os tucanos.

contraponto

Fala, garoto!

Na véspera da realização dos seminários de discussão da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o ministro da Previdência, Garibaldi Alves (PMDB-RN), explicava a um grupo de jornalistas como seria sua participação no painel "Direitos Humanos e Sustentabilidade", em parceria com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT-RS). Preocupado com a abrangência do tema e o formato da entrevista, Garibaldi desabafou:

- É aquele formato Altas Horas. A plateia toda em volta e as vítimas no centro. E, nesse caso, a vítima sou eu!

Desafio é combater o crime e preservar privacidade - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO


Valor Econômico - 18/06


A decisão a ser tomada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem tudo para se tornar um divisor de águas no que se refere às escutas telefônicas legais no país. Não há dúvida na sociedade sobre a legitimidade do "grampo" para investigar as ações de quadrilhas organizadas a fim de pilhar o Estado, o crime organizado e o tráfico. Está consagrado na legislação.

Não se trata aqui, portanto, nem de falar sobre grandes traficantes internacionais. Até o "inocente" jogo do bicho serve de porta de entrada para outras atividades criminosas. Portanto, também cabe na definição de quadrilhas que devem ser mantidas sob vigilância policial, inclusive eletrônica.

O que se discute, e agora está na pauta do TRF da 1ª Região, é o abuso - repita-se, abuso - ao recurso do grampo como forma de investigação. Isso torna o trabalho mais fácil, é certo, mas também sujeito a interferências pessoais, às vezes difíceis de detectar.

O que dizer de um inquérito com mais de 150 mil horas de escuta de telefones, como se afirma ter a operação da Polícia Federal que desbaratou a suposta quadrilha de Carlos Cachoeira? Suposta, porque até a condenação da Justiça, se ela ocorrer, o que pesa sobre Cachoeira são suspeitas e fortes evidências. Suspeitas e evidências que talvez não precisassem de 150 mil horas de gravação para a exposição pública.

O abuso nas escutas é evidente pela própria quantidade de horas gravadas. A Polícia Federal talvez tivesse mais êxito se, junto com os recursos eletrônicos hoje disponíveis, se dispusesse a gastar a sola do sapato e a cruzar dados contábeis nos crimes do colarinho branco.

Já há algum tempo o uso da escuta telefônica pela Polícia Federal parece exagerado. Pior ainda: a transcrição das escutas gravadas nem sempre corresponde ao diálogo sob monitoramento. E na maioria das vezes é com base nessas transcrições que o juiz decide em primeira instância sobre a acusação ao suspeito.

Nesse caso, é preciso que os mecanismos institucionais funcionem com precisão. Do contrário, corre-se o risco de ver todo um trabalho jogado por terra, como aconteceu com o caso do banqueiro Daniel Dantas - cujas provas colhidas foram excluídas de um processo justamente por excessos policiais.

O julgamento do TRF da 1ª Região está um a zero em favor de Cachoeira e a decisão foi adiada por um pedido de vistas.

Segundo a defesa de Cachoeira a ser analisada pelo TRF da 1ª Região, os "mosquitos" - como eram chamados os grampos nos órgãos de repressão militar - não poderiam ter sido usados, como foram, motivados por uma denúncia anônima. A autorização de "um grampo" requer motivos mais consistentes.

A defesa advoga também a falta de motivos para a autorização do "grampo" e para prorrogar a interceptação acima do período permitido em lei.

Cachoeira é um nome notório no mundo da contravenção e já há algum tempo demonstrava que estendia seus tentáculos sobre o Estado. Mas por ter o colarinho branco, isso não quer dizer que seja jogado na vala comum dos "colarinhos sujos". O certo é que os dois recebam o mesmo tratamento por parte do Estado.

Hoje escuta-se Cachoeira talvez por motivos corretos, mas por meios tortos; amanhã, pode ser qualquer um que se torne um estorvo ao Estado.

Ninguém duvida das mãos limpas do ministro da Justiça ou do diretor-geral da PF, mas o que dizer do poder de que se sentirá autorizado a exercer o guarda da esquina, nos termos imortais de Pedro Aleixo na sessão que decretou o Ato Institucional 5?

O paroxismo do grampo telefônico se infiltrou no Estado democrático à época das privatizações, no governo de Fernando Henrique Cardoso; passou pela fracassada candidatura presidencial da atual governadora do Maranhão, Roseane Sarney, hoje no PMDB, à época no antigo PFL, e tornou-se incontrolável nos últimos anos, seja por responsabilidade do Estado ou dos "Dadás", arapongas que perderam função na redemocratização.

Chegou-se ao cúmulo de "grampear" escritórios de advocacia, por motivos duvidosos, quando a inviolabilidade do trabalho desses profissionais somente deve ser objeto da intervenção do Estado mediante argumentos sólidos de sua conivência com o crime. O que o TRF da 1ª Região deve discutir, na próxima semana, não é o mérito dos crimes atribuídos a Cachoeira, mas o direito de a vida privada não ser à toa bisbilhotada pelo Estado.