quinta-feira, outubro 04, 2012

Uma década de crise - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 04/10


A economia mundial ainda vai precisar de mais cinco ou seis anos para "ficar em forma", numa forma aceitável, "decent shape", dizia ontem o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard.

Terão se passado dez anos então desde a explosão de setembro de 2008, quando as instituições financeiras americanas começaram a naufragar. Mas a crise havia ficado evidente já em 2007. Os desastres eram apenas menos evidentes para o público comum, embora a ruína houvesse começado e a economia americana estagnasse.

Não é uma década perdida, diz Blanchard. Bem, não é para todo mundo. Não foi perdida para a China e vizinhança, por exemplo. Nem mesmo, ora vejam, para a África.

Não terá sido perdida para os nossos vizinhos sul-americanos, que crescem mais rapidamente que o Brasil . São economias que vivem de commodities ainda a bom preço e de "reformas", mudanças que tornaram tais países mais eficientes.

Foi o caso de Chile, Colômbia e Peru. Tem sido o caso até da extravagante Argentina, embora a gente não saiba até quando nossos parceiros vão conseguir equilibrar tantos pratos cheios de receitas econômicas estranhas.

Nada contra variar o cardápio de políticas econômicas. Mas não é possível sobreviver a tal dieta por muito tempo. Tem de variar, e tomar remédios ruins de vez em quando.

A década não terá sido perdida, talvez, para os EUA. Os americanos se recuperam ainda lentamente do desastre da bolha, decerto. Têm desemprego crônico e desigualdade crescente. Mas têm crescido em torno de 2%, 2,5%. Resolveram logo de cara sua tenebrosa crise bancária, graças ao Fed.

O banco central deles (além do governo) não teve dúvidas de salvar a praça e os EUA da ruína que viria com o dominó de quebras bancárias e com a desvalorização infinita do papelório do mercado. Sim, o Fed acabou por salvar gente riquérrima que investia em porcarias. Mas teve de engolir essa água suja do banho da finança a fim de evitar mal maior.

Mas a década será perdida para a Europa, que desde o estouro da crise não terá crescido nada até 2017, por aí. Se não vier besteira nova.

Os europeus "alertam" que os americanos são um "risco para a economia global" em 2013. Referem-se ao fato de que, nesta virada de ano, o governo dos EUA talvez tenha de cobrar mais impostos e gastar menos, o tal "abismo fiscal".

Risco há. O Comitê de Orçamento do Congresso deles prevê recessão se vierem todos os cortes.

Mas é quase engraçado ouvir a União Europeia reclamar dos EUA. Os europeus ainda lidam com uma crise bancária enorme, empurrada com a barriga porque o Banco Central Europeu e a Alemanha não querem colocar as mãos limpinhas na lama. Porque a Alemanha não quer gastar e quer puxar a vizinhança pelo focinho para "reformas".

Os europeus ainda promovem pacotes de arrocho a fim de "estabilizar" a região e arrancar "reformas" de países quebrados, que assim arrecadam menos e continuam tão quebrados como em 2009, mas com renda até 25% menor, como na Grécia. De quebra, os frequentes achaques europeus reduzem a confiança e o comércio pelo mundo, no Brasil inclusive, atrasando a recuperação mundial.

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