domingo, maio 29, 2011

ANCELMO GÓIS - Libera, João


Libera, João
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 29/05/11

Está suspenso o livro que a Cosac Naify faria sobre João Gilberto, que completa 80 anos dia 10 de junho. É que o músico ainda não
autorizou, e a orientação do departamento jurídico da editora é segurar o projeto. 

Na terra de Sarney 
No leilão para termoelétrica a gás que a Aneel promove em julho, Eike Sempre Ele Batista vai entrar com um projeto de usina no Maranhão que usará matéria prima da própria EPX. 

Ela disse não
Paola Oliveira, a linda atriz, recusou R$ 1 milhão, mais participações nas vendas, para posar nua para a “Playboy”. 

Mr. Milton

Milton Nascimento, o grande cantor, vai fazer uma turnê pelos EUA e pelo Canadá, em junho, com destaque para duas grandes presentações. Uma, dia 24, na badalada sala Rose Hall, do Lincoln Center, em Nova York, com vista para o Central Park. Outra, no
dia seguinte, no Festival de Jazz de Montreal. Depois, nosso artista segue para São Francisco e Seattle.

País dos ‘gatos’
Um parceiro da coluna é testemunha. Outro dia, num aniversário na casa de festas Splum, em Vila isabel, no Rio, o animador bradou para crianças e pais:
— Eu tenho “gatonet”! Pago R$ 30. Mas quem não tem?! Pode levantar a mão aí quem tem, gente!
Uns cinco pais levantaram.

Viva Daniela! 

Daniela Mercury acaba de adotar uma menina de 2 anos num orfanato na Paraíba. E já quer adotar uma outra, no mesmo abrigo. A cantora baiana tem dois filhos, Gabriel e Giovanna, de seu primeira casamento.

Retratos da vida
Acredite. Quinta, numa reunião de pais de alunos do Colégio Pedro II, no Humaitá, no Rio, um dos assuntos foi o caso de um menino de 9 anos que, na frente da turma, disse ao professor de educação física que não jogaria bola porque... é gay. O garoto, desde o episódio, sofre bullying dos colegas. 

Segue...

O burburinho tomou a reunião. Uma mãe, evangélica, exclamou, exaltada: “Isto não é coisa de Jesus!” Houve discussão, com alguns dizendo que a reação da mulher era preconceituosa. O caso foi levado à direção. 

Cacá, a homenagem 
O festival Douro Film Harvest, mostra internacional de cinema, em setembro, em Portugal, vai prestar tributo a Cacá Diegues, mestre do cinema brasileiro. Serão exibidos cinco filmes do diretor. 

Morro de São Bento
Uma reportagem de Isabel Butcher no GLOBO revelou o esforço de parentes do pintor Eliseu Visconti (1866-1944) para descobrir o paradeiro de 45 obras do grande artista, para uma exposição na Pinacoteca de São Paulo, em novembro. A matéria rendeu frutos. Descobriu- se o destino de quadros como “Juventude” e “Ladeira dos Tabajaras” e, agora, (veja a reprodução) “O entorno do Morro de São Bento”, de 1887. 

Segue...

A dona da obra, que mora no Rio, entrou em contato a família do gênio dos pincéis e informou o paradeiro do quadro. Segundo Tobias Visconti, neto do artista, é uma das primeiras telas datadas pelo pintor. 

Pane no ônibus
A Rádio Rodoviária diz que os irmãos herdeiros da Viação 1001, no Rio, estão em pé de guerra. A ponto de seus ônibus com rota pela Via Lagos já não pararem mais no restaurante e lanchonete Graal, que tem entre os sócios uma das herdeiras. A Graal sentiu o baque e teria até demitido funcionários.

‘Hey, Jude’

De um catador de latinhas para a mulher que o acompanhava, quinta, perto do Engenhão: — Se esse Pou Macaco cantar mais uma vez aqui, a gente consegue comprar nossa casa! Há testemunhas.

ILIMAR FRANCO - A ameaça do PSD


A ameaça do PSD
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 29/05/11

Lideranças da base aliada, incluindo PT e PMDB, se articulam para aprovar urgentemente uma janela que permita a troca de partido. O objetivo é esvaziar o PSD, que está sendo criado pelo prefeito Gilberto Kassab (SP) e virou uma das únicas opções para quem quer mudar de sigla. A preocupação é que o PSD já promete ser a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados.

Repactuação
Integrantes do Conselho Nacional de Saúde querem fazer um pente-fino no acordo do Ministério da Saúde que garantiu isenção fiscal de R$ 835,6 milhões a seis hospitais de excelência do país, desde 2008. A contrapartida ao benefício é o desenvolvimento de projetos de colaboração com o SUS. Assinada pelo ex-ministro José Gomes Temporão, a parceria acaba este ano e terá de ser renegociada. Parte dos conselheiros argumenta que eles não foram ouvidos na primeira pactuação, descumprindo dispositivo legal. E alega que, antes de uma renovação, cabe avaliar se as instituições cumpriram com todas as suas obrigações.

”Temos que premiar quem cumpriu a lei" — Paulo Teixeira, deputado federal (SP) e líder do PT, que se opôs à anistia, aprovada na Câmara, para quem desmatou até 2008 

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. 
Ao delegar ao ministro Guido Mantega (Fazenda) a escolha de presidentes e diretores dos bancos públicos, a presidente Dilma Rousseff fez questão de dizer que, se algo acontecer de errado nessas instituições, vai cobrar dele. No momento, Mantega (na foto acima) está às voltas com o Banco do Nordeste. O nome sugerido inicialmente por ele não foi aceito pela bancada nordestina. O ministro propôs agora o nome de Eduardo de Oliveira Martins, do Banco do Brasil. 

Palavra final

Independentemente do resultado da votação do Código Florestal no Senado e de possível veto da presidente Dilma, é o STF quem
resolverá se os estados podem modificar a legislação ambiental. Uma ação do PV foi impetrada em 2009.

Mais problemas

Acionistas da Transpetro querem saber quem vai pagar a conta da remoção dos dutos que passam no terreno onde será construído,
pela iniciativa privada, o Itaquerão, estádio que sediará os jogos da Copa de 2014 em São Paulo. 

Ordem unida

O PT está disposto a se sacrificar nas eleições municipais do ano que vem, priorizando o projeto político de seus aliados, de olho na reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. E onde o partido tiver candidato próprio, como em São Paulo, o plano é fazer pacto de não agressão com os aliados nacionais no primeiro turno. “O PT não vai ser linha de frente nas capitais”, diz uma liderança petista.

Farra
O Ministério Público de Minas está ajuizando ações de improbidade contra todos os 41 vereadores de BH eleitos em 2008 por enriquecimento ilícito no uso da verba indenizatória. A promotoria quer a devolução de R$ 10 milhões. Os gastos envolvem pagamento
de restaurantes sofisticados, aluguel de carros de luxo, compras exorbitantes de comida, viagens a cidades turísticas em pleno recesso
e até a criação de site particular. Há vereador que, nas férias, consumiu mais de 700 litros de combustível e 250 refeições.

 EX-PRESIDENTE DO BNDES, Carlos Lessa deve se filiar ao PSOL. Quer disputar a Prefeitura de Rio das Ostras. 
 INTEGRANTE da Frente Parlamentar Ambientalista, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) votou a favor, no Código Florestal, da emenda que abre brecha para anistiar quem desmatou até julho de 2008.
● BRIGA SINDICAL. A Força Sindical anunciou semana passada a criação da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares, reunindo 340 sindicatos rurais. A Contag, que será esvaziada, acusa a Força de querer se apropriar da contribuição sindical

GOSTOSA

CAETANO VELOSO - De segunda mão


De segunda mão
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 29/05/11

Sou um internauta de segunda mão. Só vejo e leio coisas que me chegam copiadas em e-mails — ou que surgem do clique que dou nos links azuis que os salpicam. Adorei ver Agnaldo Timóteo destruindo a expectativa do veado que o supôs “assumido”. Era tudo o que aparecia no YouTube a partir de um link que recebi. O grande cantor sentado ao lado do Bolsonaro e as caras que fazia a Luciana Gimenez. Acho mesmo chato essas assunções forçadas. Mas fiquei me perguntando se Agnaldo tinha sido sempre assim tão fechado quanto ao assunto.

Fernando Salem (com quem eu vinha conversando por e-mail sobre o livro que ensina a quem ainda não sabe ler que há variantes equivalentes, umas mais, outras menos adequadas para certas ocasiões, e que a “classe dominante utiliza a norma culta”, sendo, portanto, “comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular” — o que alguns supõem ser um papo mais próximo da realidade dos iletrados, embora nem eu mesmo, tão letrado que me convidaram para escrever coluna em jornal, esteja seguro a respeito da construção “que se atribua um preconceito social em relação a”)... Salem, eu dizia, me contou que Timóteo não apenas negou ser assumido como disse que carícia entre dois homens não é natural e, portanto, não se pode expor crianças a tais cenas. Me lembrei de uma canção que eu amava ouvi-lo cantar, chamada “Galeria do amor”, sobre a Galeria Alaska, reduto gay de Copacabana.

Sou de segunda mão mas não estou morto: um link leva a outro, e muitas vezes vejo coisas divinas no YouTube só porque fui olhar uma curiosidade que um desconhecido me enviou. Foi assim que achei o Timóteo cantando “Galeria do amor” na TV. A canção é dos anos 1980.

Nessa época éramos todos entendidos. Ainda. Não em sociolinguística mas no que de fato interessa. Agnaldo, com uma voz espetacular e uma afinação irrepreensível, cantava a balada con gusto, frisando aspectos homo (não necessariamente eróticos) da letra, como “gente à procura de gente”. Ao cantar “onde gente que é gente se entende”, ele olha para a câmera (para o espectador cúmplice) e sublinha com o olhar mais eloquente que se possa imaginar a palavra “entende”.

“Onde pode-se amar livremente.” Vale a pena assistir.

Não desfaz a correção política de sua fala antiassunção no programa da Gimenez,mas é um bom contraponto. Pensando no nome da saudosa Galeria Alaska (hoje é das igrejas Universal do Reino e Internacional da Graça — de Deus?), me lembrei de Sarah Palin e de como são chatos esses arroubos de atitude conservadora estridente.

Pensei que Agnaldo Timóteo é a Sarah Palin brasileira. Saiu daquele território que já virou estado da federação e veio dar pinta na ribalta do poder. Mas pensando bem, quem é Sarah Palin para se

comparar ao maravilhoso Timóteo, um talento genuíno para o canto, um homem que aprendeu a cantar com Ângela Maria, um mulato brasileiro que está nas cercanias do sagrado? E o que é o Alasca comparado à Galeria Alaska? Quando Dom Sebastião ressurgir dos mares compreender- se-á o sentido dessas minhas palavras.
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Apenas ponho a cabeça para fora. Saí da Ilha dos Sapos, onde passei uma semana sozinho com Gal e Moreno tentando gravar as faixas do disco que estamos produzindo para ela. Ilha dos Sapos é o nome do estúdio de Carlinhos Brown em Salvador. Gal e Moreno moram lá na Bahia. Fui para lá. Gal chegava sozinha dirigindo o carro. Moreno também. Eu cheguei com um motorista, pois não sei se saberia estacionar no Candeal. Gal consegue com um carro grande. O de Moreno é pequeno- normal. No primeiro dia eu contava ainda com Giovana e Miguel, meus acompanhantes em viagem de trabalho. É que eu tinha um show “fechado” (não tão fechado quanto o Timóteo) para fazer no Castro Alves. Era um show sobre o qual eu não tinha grandes expectativas, mas terminou sendo de grande estímulo artístico para mim. A neta do dono da empresa veio falar comigo antes do espetáculo. Ela disse coisas tão sinceras e era tão atenta, contou também histórias tão edificantes sobre o avô (um pioneiro em responsabilidade social entre empresários brasileiros), a acústica do Castro Alves é tão boa, Vavá estava tão inspirado (e também André, o iluminador paulistaníssimo, e Flávio, o bofe do retorno), que eu peguei meu violão e cantei tudo bem claro e firme. Nem dava pra crer que era o mesmo cara que cantou em Guadalajara faz uns meses. Por esse show no TCA é que eu tinha acompanhantes no primeiro dia de estúdio. Já no dia seguinte estávamos só Gal, Moreno e eu.

Nem sequer um assistente para puxar uns cabos e enfiar uns plugs. Só eu, meu filho e a madrinha dele. Chovia como só mesmo na Bahia: parecendo que nunca não tinha chovido. Tipo “Blade Runner”. Estou, portanto, só pondo a cabeça de fora. E não sei bem como reagir à fala de Obama em Londres sobre a eternização da liderança do Atlântico Norte (é intrigante ouvir um preto reafirmar a supremacia do Ocidente de Huntington: sinto certa alegria e certo desconforto); às fotos de Lula em Brasília, eufórico, mandando na presidente; à “Veja” (no avião) pegar leve com Palocci.

O jeito é pegar os peixe e assistir a Bolsonaro, Gimenez e Sarah Palin. Ler que os livro ilustrado mais interessante estão emprestado (e perguntar: “estão”????? para que esse estranho plural?) e que Frei

Beto quer a cartilha que, segundo Garotinho, ensina até como se faz sexo anal. Será que nesse tópico os católico tá mais cool do que os evangélico?

MARCELO GLEISER - Os planetas ciganos da galáxia


Os planetas ciganos da galáxia
MARCELO GLEISER 
Folha de são paulo - 29/05/11

Se há planetas gigantes livres, é provável que existam também muitos outros em órbitas distantes de suas estrelas-mãe


As manchetes desses dias estavam repletas de descobertas cósmicas espetaculares. Já que o mundo não acabou, podemos voltar ao nosso assunto mais usual, a exploração de como funciona a natureza, aprofundando nosso conhecimento sobre o Universo em que vivemos.
hoje, escrevo sobre a descoberta de um grupo de astrônomos liderados por takahiro sumi, da Universidade de Osaka, no Japão. Após anos de observações, o grupo concluiu que existem cerca de 400 bilhões de planetas ciganos na nossa galáxia, circulando pelo espaço.
esse número é duas vezes maior do que o de estrelas na Via Láctea.
considerando planetas são objetos que orbitam estrelas, a descoberta é mesmo surpreendente.
talvez um nome melhor seja planetas órfãos, já que se desgarraram de suas estrelas-mãe.É possível que tenham sido ejetados de seus sistemas solares devido à instabilidades na dinâmica de suas órbitas ou, menos provável, que tenham órbitas extremamente alongadas.
A descoberta sugere que nosso sistema solar, com quatro planetas gasosos gigantes a grandes distâncias do sol, não seja uma raridade.
Buscas por ex o planetas (que giram em torno de estrelas que não o sol) tendem a achar planetas grandes perto de suas estrelas. Num sistema planetário, o centro de massa não se encontra exatamente no centro da estrela devido à contribuição das massas dos planetas.
A situação é um pouco como a de duas crianças, uma bem gordinha e outra bem magrinha, numa gangorra: o ponto de equilíbrio é perto da gordinha,mas não nela. tanto a estrela quanto os planetas giram em torno do centro de massa e não do centro da estrela. Isso causa uma pequena variação na luz da estrela, quando observada a distância, o chamado efeito Doppler.
Baseados nessa variação, astrônomos podem calcular a massa e o número de planetas em órbita.
Quanto mais massivos e mais próximos da estrela estiverem os planetas, maior o efeito que causam e mais fácil a sua detecção.
Outra técnica, o método do trânsito, mede a diminuição da luz da estrela quando um planeta passa a sua frente. Aqui, também, quanto maior e mais próximo da estrela estiver o planeta, mais fácil a sua detecção. O satélite Kepler da nasa já detectou possivelmente 1.235 exoplanetas com este método. A nova descoberta utiliza um outro método, chamado de microlentes gravitacionais. Baseado na teoria da relatividade de Einstein, usa a curvatura do espaço causada por grandes concentrações de massa que distorce a luz que passa à sua volta.Quando um planeta passa em frente a uma fonte de luz, ele pode na maioria das vezes aumentá-la.



Foram detectadas dez aumentos desse tipo causados por planetas gigantes sem uma estrela-mãe, o que implica em centenas de bilhões de planetas órfãos.

se existem tantos planetas gigantes livres, é provável que existam muito sem órbitas não tão próximas de suas estrelas. tal como Júpiter, saturno, Urano e netuno, esses gigantes protegem os planetas internos contra possíveis colisões com asteroides e cometas.

A nova descoberta sugere que, talvez, não sejamos os únicos seres a dar graças a vizinhos gigantes.

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Observações de um usuário


Observações de um usuário
JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 29/05/11

A língua inglesa nunca teve academias para formular gramáticas oficiais e certamente seria afogado no Tâmisa ou no Hudson o primeiro que se atrevesse a tentar impor normas de linguagem estabelecidas pelo governo. Sua ortografia, que rejeita acentos e outros sinais diacríticos, é um caos tão medonho que Bernard Shaw deixou um legado para quem a simplificasse e lhe emprestasse alguma lógica apreensível racionalmente, legado esse que nunca foi reclamado por ninguém e certamente nunca será, apesar de algumas tentativas patéticas aqui e ali. Ingleses e americanos dispõem de excelentes manuais do uso da língua, baseados na escrita dos bons escritores e jornalistas - e, quando um americano quer esclarecer alguma dúvida gramatical ou de estilo, usa os manuais de redação de seus melhores jornais.

A segregação racial nos Estados Unidos produziu um abismo linguístico entre a língua falada pelos negros e a usada pelos brancos. Durante muito tempo, a língua dos negros foi vista como uma forma corrompida ou degenerada da norma culta do inglês americano. Mas já faz tempo que essa visão subjetiva e etnocêntrica foi substituída e o inglês falado pelos negros passou a ser visto pela ciência linguística como "black English", uma língua perfeitamente estruturada, com morfologia e sintaxes próprias, com sua gramática e sua funcionalidade autônoma, não mais como inglês de quinta categoria. E essa visão não foi acatada "de favor" ou para fazer demagogia com a coletividade negra, mas porque se tornou inescapável a existência de uma língua falada por ela, eficaz na comunicação de informação e emoção e que prescindia, sem que isso fizesse falta, de determinados recursos do inglês dominante.

Todos nós, com maior ou menor habilidade, falamos várias línguas, ou dialetos, dentro da, digamos, língua-mãe. Falamos língua de criança, língua chula, língua de solenidade. Podemos não chegar a falar todas as muitas línguas à disposição, mas geralmente as entendemos, como, por exemplo, quando ouvimos um caipira. Essas línguas, em padrões de variedade quase infinita, são todas legítimas, não são "erradas", pois, em rigor, nenhuma língua que funcione realmente como tal é "errada". E, muitas vezes, ao falarmos "certo", estamos na realidade falando inadequadamente, como um orador que, num comício no Mercado de Itaparica, se esbaldasse em proparoxítonas, polissílabos e mesóclises. Eu mesmo falo itapariquês de Mercado razoavelmente bem e alguns entre vocês, se me ouvissem lá, talvez tivessem dificuldade em entender algo que eu dissesse, por exemplo, a meu amigo Xepa.

Cientificamente, a neutralidade quanto a línguas, dialetos ou usos subsiste. Mas não socialmente, e é isso o que me parece ainda estar sendo discutido em torno da propalada aceitação, pelo MEC, de erros de português. "Erro de português" é uma expressão que desagrada o linguista, porque ele não vê o fenômeno sob essa ótica. No entanto, é assim que o enxerga o público, mesmo o analfabeto, que aprende pelo ouvido a distinguir o certo do errado. Isto porque sempre se entendeu no Brasil que ensinar português é ensinar a norma culta, que, durante muito tempo, foi até mesmo ditada pelo usos de Portugal.

Quer se queira quer não - e há séculos de formação por trás disso - a norma culta é tida como a correta e a única que representa verdadeiramente nossa língua. Sua violação é tolerada em manifestações literárias e artísticas de modo geral - e, assim mesmo, funciona mais quando o intuito é obter efeitos cômicos, ou "folclóricos", com essa violação. As pessoas costumam observar a adesão à norma culta no que ouvem e leem. Falar e escrever de acordo com ela é socialmente muito valorizado e resulta num poder de que a maioria não se sente boa detentora e ao qual todos aspiram. Não é questão linguística, é questão política. Não se trata de dizer aos que desconhecem a norma culta que a fala deles tem a mesma legitimidade, porque não adianta, não "cola" na sociedade. Trata-se de ensinar a esse praticante o pleno domínio da norma culta, a qual, mesmo tendo que absorver mudanças, nunca abdicará de sua hegemonia e é a de que ele vai precisar para subir na vida.

Advertir contra o preconceito sofrido por quem "fala errado" também não adianta nada, diante da força onipresente da norma culta. (Aliás, no Brasil estamos sempre a frente e agora legislamos sobre preconceitos e tornamos ilegal ter preconceitos, quando isto é praticamente impossível, pois o possível é apenas tornar ilegal a manifestação do preconceito.) A fala é dos mais importantes recursos para o que se poderia chamar de reconhecimento social da pessoa. Vendo alguém pela primeira vez, fazemos, conscientemente ou não, um julgamento automático. Aprontamos uma ficha mental, avaliamos a roupa, a idade, o estado dos dentes e, inevitavelmente, a fala, através da qual é frequentemente possível saber a origem e a extração social de um interlocutor eventual. A norma culta, a dominante, a que é ensinada como correta, mostra sua cara imediatamente e se reflete logo na maneira pela qual o sujeito é percebido e tratado. Ferreira Gullar tem razão, a crase não foi feita para humilhar ninguém. Mas humilha o tempo todo. E agora, pensando aqui nessa tirania da norma culta, fico imaginando se ela não é empregada com esse fim, por certos fiscais dogmáticos. Não devia ser, porque, afinal, ela é necessária para preservar e aprimorar a precisão da linguagem científica e filosófica, para refinar a linguagem emocional e descritiva, para conservar a índole da língua, sua identidade e, consequentemente, sua originalidade. Ao contrário do que entendi de certas opiniões que li sobre o assunto, a norma culta não tem nada de elitista, é ou devia ser patrimônio e orgulho comuns a todos. Elitismo é deixá-la ao alcance de poucos, como tem sido nossa política.

GOSTOSA

GAUDÊNCIO TORQUATO - Furando as teias mafiosas



Furando as teias mafiosas
GAUDÊNCIO TORQUATO

O Estado de S.Paulo - 29/05/11

O chiste tem algum fundamento. Cabral inaugurou por estas bandas o toma lá dá cá. Vejam. Dois dias depois do Descobrimento do Brasil, em 24 de abril de 1500, o capitão-mor recebeu os tupinambás em sua caravela. Para causar forte impressão, pôs a vestimenta mais exuberante. Desconfiados, os índios provaram a água e o vinho que lhes foram oferecidos e cuspiram. Não aprovaram o velho líquido barrento, tirado do alforje, nem a bebida com gosto de vinagre. Só tinham olhos para o brilho das roupas e o imenso chapéu de abas para o céu, que dava ao descobridor a feição de deus das matas e das águas. O cacique e seus índios desceram da nau, sem arcos e flechas, mansos e felizes por ganharem os primeiros mimos na simbólica troca que plantou a árvore do fisiologismo em terras tupiniquins. Foi assim que os indígenas, cheios de bugigangas, e o cacique, com um pitoresco chapéu, abriram as páginas de nossa História de cinco séculos, em que tramoias mesclam coisas do Estado com negócios privados. Há poucas dúvidas de que a herança ibérica, carregando a tiracolo o patrimonialismo, tenha salpicado os ciclos históricos com as sementes da corrupção, particularmente na seara das teias criminosas que encobrem maquinações de servidores públicos, mandatários, grupos e indivíduos, todos girando na órbita do Estado.

Dito isto, vamos à assertiva que ganha força neste momento em que mais um episódio assoma no painel da perplexidade nacional: não há governo que não abrigue seu escândalo particular. Nos episódios mais recentes - consultoria do ministro Antônio Palocci com suspeita de favorecimento a terceiros e denúncias de peculato envolvendo servidores da empresa de saneamento de Campinas - o imbróglio gira em torno da linha que estabelece os limites entre legalidade e ilegalidade, a começar pela possibilidade de um detentor de mandato popular realizar serviços de consultoria. Pois bem, legalmente isso é possível. Na atual legislatura, alguns deputados se apresentam como consultores. Mas o servidor público, vale frisar, incluindo o mandatário, deve regrar-se por princípios de probidade e moralidade. É proibido usar o cargo ou a posição para obter vantagens indevidas (sejam econômicas ou até de natureza valorativa/sentimental). O detentor de mandato agrega, na escala do poder, condição mais elevada que a média dos cidadãos, ou seja, tem mais influência nas frentes onde presta, eventualmente, seus serviços. Donde se aduz que a consultoria desenvolvida por um parlamentar obtém, ao menos teoricamente, maior eficácia que a de outras pessoas sem poder de representação.

Agora, não há impedimento a que o mandatário se dedique às demandas de suas bases eleitorais e atenda aos pedidos de grupos que representa. A proibição é de que esse apoio redunde em tráfico de influência, significando o uso do poder para favorecer junto ao Estado os negócios de patrocinadores. Neste ponto, emerge a questão do lobby. Apreciável parcela da representação exerce o lobby, seja pela defesa de interesses de grupos, seja no apoio à causas coletivas patrocinadas por setores da sociedade. Veja-se o Código Florestal, cuja aprovação só foi possível pela força da bancada ruralista. Da mesma forma, a legalização da relação estável de pessoas do mesmo sexo passou pelo corredor de grupos organizados, que acabaram fazendo pressão sobre a Suprema Corte. Há algo de errado nisso? Não. Para deixar as coisas mais transparentes, o sistema de pressão e contrapressão deveria ser escudado por uma norma. A inexistência de legislação sobre lobby abre cortinas de fumaça. Sua prática condiz com o modelo contemporâneo de democracia, cuja configuração contempla núcleos e facções da sociedade.

Trata-se de uma cultura consolidada nos EUA, país cuja fundação se inspirou nos princípios pluralistas dos pais fundadores James Madison, John Jay e Alexander Hamilton. A tradição liberal e de organicidade - bem captada por Alexis de Tocqueville - sublinha a conquista permanente de reivindicações pela sociedade civil. A imbricação entre política e interesses grupais e coletivos tem-se acentuado na moldura das nações. Nos EUA, metade dos deputados e senadores que deixam as Casas parlamentares se torna lobista. De crachá no peito, eles agem dentro da lei, representando tanto os mais claros quanto os mais difusos interesses da sociedade. Os gastos por empresas e grupos de pressão para defender suas causas atingem, hoje, cerca de US$ 3 bilhões por ano. E as agências de lobby em Washington chegam a 35 mil. Já nos países europeus há distinção entre lobbies profissionais - e interesses financeiros - e lobbies da cidadania, sob patrocínio de ONGs e associações. Os avanços nessa área ocorrem ainda na esteira de conceitos como "relações institucionais" e "negócios públicos". A exigência é de que trabalhem com transparência e ética.

Por aqui, como se sabe, o lobby é mascarado. Existe na prática, mas dorme nas gavetas do Congresso, sob o desprezo de alguns que o consideram incompatível com nossa realidade. Visão capenga. Basta contemplar a proliferação de entidades que fazem intermediação social. Portanto, já temos uma base formada. E, por falta da lei, vive-se o paradoxo, caracterizado pela ausência de contrapesos no sistema de pressão. Alguns setores contam com lobbies poderosos em detrimento de outros que ficam à margem do processo. Como pano de fundo, temos uma democracia representativa vivendo uma crise crônica. Partidos mais parecem massas amorfas. As bancadas corporativas, essas, sim, ganham projeção. As doutrinas são nuvens difusas dentro de discursos homogêneos. As bases cedem lugar aos setores organizados. O palco institucional, nessa configuração, sugere o ingresso de novos atores. Sob um lobby legalizado, transparente, ético, imbróglios como o do ministro Palocci deixariam de causar tanto estardalhaço. E a planilha de episódios farsescos não seria tão densa.

DANUZA LEÃO - Um amigo leve


Um amigo leve

DANUZA LEÃO

folha de são paulo - 29/05/11 

Não espere considerações sobre a complexidade dos sentimentos, mas ninguém será melhor companhia


É SEMPRE ASSIM: com tanto para fazer e sem tempo para nada, a gente acaba negligenciando um monte de coisas, entre elas nossos afetos.
E como os sentimentos não sobrevivem sem uma certa atenção, um dia se começa a achar que o coração não consegue -e nunca mais vai conseguir- gostar, ou ao menos sofrer por alguém.
Mas o tempo passa, aquele amigo que a gente via o tempo todo viaja e um belo dia você sente saudades dele. Preste atenção: esse fato é mais merecedor de uma comemoração do que qualquer data querida. Ter saudades de um amigo, há quanto tempo isso não acontecia? Ah, que coisa boa.
Uma simples saudade faz com que você se sinta viva, mesmo que sejam saudades apenas de um amigo -como se um amigo pudesse ser chamado de "apenas". Mas tantas vezes você amou apaixonadamente, e quando ele fez uma viagem sentiu um alívio, até para descansar de tanta paixão e poder se encher de cremes, sem ele por perto para reclamar? E tem melhor do que de vez em quando ter aquela cama enorme só para você, e até dormir com a televisão ligada?
Ter um amigo é coisa muito boa, e sendo um que não te patrulha, não te inveja, não te analisa nem discute a relação, é bom demais -e raro. Um amigo tão bom que te aceita do jeito que você é, que não faz perguntas indiscretas, que te entende e está por ali sem ser, jamais, invasivo. Você sabe de certas particularidades dele, ele das suas, mas delas não falam, só quando é necessário. E com pouca intimidade.
O excesso de intimidade pode ser fatal, mesmo entre mãe e filho, marido e mulher. A intimidade física não é nada, perto da dos pensamentos e sentimentos. Pode ser pior do que ouvir a pergunta "em que você está pensando?". Pode sim: é quando alguém tenta analisar a razão pela qual você disse ou fez determinada coisa num determinado dia, pretendendo, assim, conhecer você melhor do que você mesma se conhece.
Um distanciamento saudável é indispensável às boas relações humanas.
Qual a primeira qualidade que deve ter um amigo? Bem, além das clássicas, como lealdade, fidelidade, discrição sobre as intimidades que ouviu nas horas do aperto, disponibilidade para escutar as histórias, bom humor, e mais o quê? Leveza. Ter um amigo leve é uma benção dos céus.
Não espere dele considerações sobre a vida e a complexidade dos sentimentos humanos, mas ninguém será melhor companhia para jantar, viajar, conviver, do que um amigo leve. Já pensou, passar três dias seguidos com um amigo profundo? Se estiverem tomando banho de mar, ele pode se lembrar do tempo em que era criança, falar da relação que tinha com a mãe e o pai, e daí para cair no divã é um pulo; eles gostam de falar como são tolos os banqueiros e políticos, que só pensam em dinheiro e poder e não compreendem que a vida real etc. etc., quanta profundidade.
Com essa mania, quando estão numa rede em frente à praia, comendo um camarãozinho frito e tomando uma cerveja estupidamente gelada, se esquecem de que nessa hora o bom é não pensar em nada.
É isso que faz um amigo leve; ele não diz nada, apenas usufrui a vida, e quem tiver a sorte de estar perto dele vai ter momentos de grande felicidade - ou pelo menos quase isso.
Com um amigo assim, até a vida fica mais leve.

DILMA CABEÇA OCA

DORA KRAMER - Política e democracia



Política e democracia 

DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo 29/05/11

Dilma Rousseff seria a última pessoa autorizada a tratar a atividade política com menosprezo, produto que é da dedicação exclusiva de seu antecessor, mentor e agora também tutor, à política no exercício da Presidência da República.

No entanto, a presidente repete neste aspecto Fernando Collor, que assumiu a chefia da Nação, em 1990, com ares imperiais e assim se manteve até que o Congresso lhe mostrasse com quantos paus se faz o equilíbrio entre Poderes.

O distanciamento a que se impõe a atual presidente é o mesmo imposto pelo ex. A motivação objetiva pode até ser diferente, mas há um dado subjetivo que os aproxima: ambos carecem de substância no ramo e chegaram à Presidência por razões alheias a uma trajetória pessoal consistente.

Ele por uma obra de ficção publicitária muito bem engendrada, ela por unção do então presidente Luiz Inácio da Silva e sua inesgotável capacidade de mirar os fins sem se importar com os meios.

Dilma Rousseff está apenas no começo de seus quatro (ou oito) anos de mandato e já precisou da interferência externa para lidar com a evidência de que a fidelidade de uma base parlamentar ampla e diversificada como a que Lula lhe legou requer manutenção.

Não apenas com verbas e cargos. A coisa não é tão fácil assim. A presidente, seus auxiliares e quase a totalidade do País têm todo o direito de considerar que no Congresso só há vendilhões.

Ocorre que essa, além de ser uma visão distorcida da realidade, desconsidera o fato de que mesmo os vendilhões não necessariamente têm de si essa mesma impressão.

Dilma pode achar que aquela maioria está ali para servi-la ao custo da submissão à majestade detentora do poder de lhes distribuir benesses. Mas os parlamentares também acham que seus votos lhe conferem outros direitos.

Querem acesso ao poder, querem prestígio, querem ser levados em conta. Submetem-se, mas exigem em contrapartida não ser tratados como meros carimbadores das vontades do Palácio do Planalto.

Por mais que o comportamento da maioria leve os menos íntimos com o ofício a concluir que o peso da Presidência, ainda mais quando exercida com distanciamento e uma boa dose de atitude de intimidação, seja o suficiente.

Não é. Há sutilezas envolvidas no jogo bruto do poder. E até por ser violento requer alguma sofisticação estratégica. A isso se pode chamar genericamente de fazer política.

O primeiro dado é levar em consideração o outro. No caso, o Parlamento. O governo da presidente Dilma não o faz quando põe na articulação política um deputado de inépcia reconhecida, sinalizando que para ela a área é um pormenor.

Concentra poder nas mãos de um só ministro que, por excesso de atribuições e soberba decorrente da posição, não faz a interlocução com o Congresso como deveria.

Ignora a política e acredita que mandando seus líderes transmitirem recados sobre o quanto está irritada com esta ou aquela conduta obterá automaticamente obediência.

Mesmo depois da intervenção de Lula, Dilma não dá mostras de boa vontade em aprender. Defendeu Palocci dizendo que a oposição "faz política" como se fosse atividade menor, quando é na política que se movem as democracias. Em toda e qualquer decisão ela está presente.

Por orientação de Lula, a presidente marcou encontros com parlamentares de sua base, mas já foi logo avisando ao PT que não sabe quando e se haveria novas reuniões.

Na votação do Código Florestal na Câmara supôs que bastasse baixar uma ordem para vê-la cumprida. A ameaça de demitir os ministros do PMDB foi ato de quem não entendeu da missa a metade.

Agora, quando o Senado se prepara para examinar alterações no rito das medidas provisórias simplesmente manda dizer que, com ela, "não tem acordo".

Como, se a política é a arte de compor interesses? Algo que se aprende fazendo.

A respeito disso, o compositor Gutemberg Guarabyra faz um pertinente resumo: "Um verdadeiro presidente é formado, educado, aperfeiçoado no exercício da atividade política. Lula foi um verdadeiro presidente. FHC idem. Dilma está mais para interventora, delegada para assumir o governo provisoriamente".

MÍRIAM LEITÃO - Turbulência no voo



Turbulência no voo
MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/05/11

Na política os últimos dias têm sido desastrosos para o governo da presidente Dilma Rousseff. O enfraquecimento do seu ministro mais forte, a intervenção direta do ex-presidente Lula, a falta de clareza na comunicação de temas delicados que vão do aumento patrimonial do ministro Palocci à saúde da presidente, tudo está diminuindo a musculatura do governo.

Argumentos como o que á presidente Dilma usou, de culpar a oposição por estar querendo um suposto terceiro turno, não têm valor significativo. Convence apenas os convencidos, é um discurso para dentro. A opinião pública ainda aguarda que o ministro Antonio Palocci saia do seu estranho e prolongado mutismo a respeito das dúvidas levantadas. É difícil entender, por mais boa vontade que se tenha com o ministro, a coincidência de datas. Exatamente no momento em que ele teve mais demanda no seu trabalho de coordenação da campanha presidencial e da sua própria campanha, e na preparação do novo governo, Palocci teve mais faturamento na consultoria.

Ele está preparando argumentos para respostas institucionais ao Ministério Público. Isso é relevante, mas não suficiente. Através do Congresso ou da imprensa, Palocci tem de sair do seu casulo e esgotar as dúvidas. Não há outro caminho a não ser esse: explicação clara e convincente.

A entrada excessivamente desenvolta do ex-presidente Lula em cena foi um espanto. Todos se comportaram como se ele fosse ainda o chefe da presidente e o dono da bola e do mandato. Distribuiu ordens, mudou estratégias, deu broncas em ministros e foi ouvido e atendido. Em 24 horas de atuação extravagante - e de sinais de subserviência da chefe de governo - Lula conseguiu trazer de volta o maior temor levantado durante a campanha presidencial: que Dilma fosse ser apenas a segunda pessoa em seu próprio mandato. Tudo virou uma aberração institucional.

Na votação na Câmara do novo Código Florestal, ficou explícita a fraqueza do governo. O mandato começou há cinco meses com cálculos dos analistas políticos de que ela teria uma sólida maioria - até maior do que a do governo anterior - e teve na terça-feira uma derrota desmoralizante. Os grandes perdedores foram os que combateram as mudanças no Código, sejam ambientalistas, cientistas, técnicos, partidos menores de oposição; mas o processo de votação revelou um problema político também. Foi a demonstração de que a base se partiu, a grande maioria dos governistas votou contra a orientação e os sinais enviados pelo governo. Faltou coordenação e sobrou ambiguidade em relação ao tema.

O assassinato dos ambientalistas, as notícias de aumento do desmatamento e os sinais dados pela Câmara montaram um quadro de assustador retrocesso na área ambiental, o pior possível para um país que se prepara para sediar uma reunião de cúpula mundial do clima no ano que vem.

Houve uma sucessão enorme de problemas nas obras do PAC desde que o governo começou, mas no caso da Usina de Belo Monte está em curso um fenômeno estranho: o consórcio que ganhou a concorrência está se desfazendo aos poucos. Primeiro saiu a Bertin que, a propósito, tem um problema por semana com seus credores. "O Estado de S. Paulo" publicou semana passada que estão para sair do consórcio a Galvão Engenharia, Serveng, Cetenco, Contern, Mendes Junior e J.Malucelli. O consórcio montado no Planalto, por interferência direta do governo passado, está se desmontando como um castelo de cartas.

Essa debandada mostra que a entrada da Vale não foi por qualquer avaliação sólida da viabilidade econômico-financeira do empreendimento, mas a primeira demonstração de que a empresa segue ordens do Planalto. Mas a Vale não foi o suficiente. Agora, outros terão de entrar para salvar o consórcio.

O empreendimento tem problemas de engenharia, de viabilidade financeira, de custo fiscal, de conflitos diplomáticos, de segurança de produção de energia, ambiental, social e agora também é um problema empresarial. Só a teimosia explica por que não é postergado ou suspenso. Belo Monte é um mau negócio e um alto risco, qualquer que seja o aspecto pelo qual se analise a obra. E é um dos dois projetos que a presidente Dilma pessoalmente defende. O outro é o trem-bala, também uma incógnita do ponto de vista de custo para os cofres públicos.

Com projetos de infraestrutura duvidosos, uma base parlamentar rebelada, o ministro mais forte acuado, com dúvidas sobre sua saúde e com o ex-presidente dando demonstração de que quer tutelar sua sucessora, a presidente Dilma precisa urgentemente salvar seu próprio governo.

Primeiro, ex-presidente é como o nome diz, um ex. Ela é a dona do mandato, da cadeira, da caneta. De alguma forma isso tem de ficar mais explícito. Uma semana mais dessa exibição de "quem manda aqui sou eu" do presidente e nada mais sobrará do governo Dilma. Segundo, o ministro Palocci tem de sair do esconderijo onde se escondeu e dar as explicações devidas. Terceiro, respostas sobre a saúde da presidente têm de ser dadas com clareza, porque um dos ônus de ter o cargo mais importante da República é o de perder a privacidade em alguns temas, como por exemplo, a saúde.

Em relação ao Código Florestal no Senado, o melhor a fazer é encontrar um relator que consiga trabalhar pela conciliação; não pode ser um senador que já comece dizendo que concorda inteiramente com o texto aprovado na Câmara. Isso deixará à presidente o ônus político do veto.

GOSTOSA

FERREIRA GULLAR - Verdade e preconceito


Verdade e preconceito
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/05/11

Tenho comentado aqui o fato de que, para alguns linguistas, nunca há erro no uso do idioma: tanto faz dizer "problema" como "pobrema" que está certo. Confesso que, na minha modesta condição de escritor e jornalista, surpreendo-me, eu que, ao suspeitar que poderia me tornar poeta, passei dois anos só lendo gramáticas. E sabem por quê? Porque acreditava que escritor não pode escrever errado.

E agora descubro que ninguém escreve errado nunca, pois todo modo de escrever e falar é correto! Perdi meu tempo? Mas alguma coisa em mim se nega a concordar com os linguistas: se em todo campo do conhecimento e da ação humana se cometem erros, por que só no uso da língua não? É difícil de engolir.

Essa questão veio de novo à baila com a notícia de um livro, adotado pelo Ministério da Educação e distribuído às escolas, em que a autora ensina que dizer ´os livro´ está correto. Estabeleceu-se uma discussão pública do assunto, ficando claro que, fora os linguistas, ninguém aceita que falar errado esteja certo.

Mas não é tão simples assim. Falar não é o mesmo que escrever e, por isso, falando, muita vez cometemos erros que, ao escrever, não cometemos. E às vezes usamos expressões deliberadamente "erradas" ou para fazer graça ou por ironia. Mas, em tudo isso, está implícito que há um modo correto de dizer as coisas, pois a língua tem normas.

O leitor já deve ter ouvido falar em ´entropia´, uma lei da física que constata a tendência dos sistemas físicos para a desordem. E essa tendência parece presente em todos os sistemas, inclusive nos idiomas, que são também sistemas.

Devemos observar que as línguas, como organismos vivos que são, mudam, transformam-se, como se pode verificar comparando textos escritos em épocas diferentes. Há ainda as variações do falar regional, que guarda inevitáveis peculiaridades e constituem riqueza do idioma.

Mas isso não é a mesma coisa que entropia. Já violar as normas gramaticais é, sim, caminhar para a desordem. Se isso é natural e inevitável, é também natural o esforço para manter a ordem linguística, que não foi inventada pelos gramáticos, mas apenas formulada e sistematizada por eles: nasceu naturalmente porque, sem ela, seria impossível as pessoas se entenderem.

Na minha condição de ´especialista em ideias gerais´ (Otto Lara Resende), verifico que, atualmente, não só na linguística, tende-se a admitir que tudo está certo e, se alguém discorda dessa generosa abertura, passa a ser tido como superado e preconceituoso.

Agora mesmo, durante essa discussão em torno do tal livro, os defensores da tese linguística afirmaram que quem dela discordava era por preconceito.

Um dos secretários do ministro da Educação declarou que aquele ministério não se julgava ´dono da verdade´ e que, por isso mesmo, não poderia impedir que o livro fosse comprado e distribuído às escolas.

Uma declaração surpreendente, já que ninguém estava pedindo ao ministro que afirmasse ou negasse a existência de Deus e, sim, tão somente, que decidisse sobre uma questão pertinente à sua função ministerial.

Não é ele o ministro da Educação? Não é ele responsável pelo rumo que se imprima à educação pública no país? Se isso não é de sua competência, é de quem? De fato, o que estava por trás daquela afirmação do secretário não era bem isso e, sim que a crítica ao livro em discussão não tinha nenhum fundamento: era mero preconceito. Ou seja, simples pretensão de quem se julga dono da verdade que, como se sabe, não existe...

Esse relativismo, bastante conveniente quando se quer fugir à responsabilidade, tornou-se a maneira mais fácil de escapar à discussão dos problemas.

Certamente, não se trata de afirmar que as normas e princípios que regem o idioma ou a vida social estejam acima de qualquer crítica, mas, pelo contrário, devem ser questionados e discutidos. Considerar que todo e qualquer reparo a este ou aquele princípio é mero preconceito, isso sim, é pretender que há verdades intocáveis.

Não li o tal livro, não quero julgá-lo a priori. Creio, porém, que quem fala errado vai à escola para aprender a falar certo mas, se para o professor o errado está certo, não há o que aprender.

MÔNICA BERGAMO - PEGA LEVE


PEGA LEVE
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/05/11

FHC defende em filme a descriminalização de todas as drogas, o acesso controlado a entorpecentes leves e admite até a plantação caseira de maconha no Brasil como forma de combater o tráfico


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na produtora Spray Filmes, em SP

Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se juntou a personalidades como os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e aos escritores Paulo Coelho e Mario Vargas Lllosa na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Passou a defender a descriminalização do consumo de entorpecentes. E transformou sua "saga" no filme "Quebrando o Tabu", de Fernando Andrade, que estreia na sexta, 3. Visitou 18 cidades da América Latina, EUA e Europa, foi a bares que vendem maconha, viu pessoas se drogarem nas ruas.
Mostrou o documentário às netas de 25 anos -que estavam ansiosas para saber, segundo ele, como defenderiam o trabalho "do avô maluco". FHC falou à coluna.
Abaixo, um resumo:

Folha - O senhor já tem um histórico com o tema: na campanha para prefeito de São Paulo, em 1985, foi acusado de defender o consumo da maconha.
Fernando Henrique Cardoso - Ali foi o uso, pela campanha do Jânio Quadros [que concorria com FHC], de uma entrevista que eu havia dado à revista "Playboy", em que me perguntaram se eu já tinha provado maconha. Eu contei que a única vez que eu vi alguém com maconha foi no bar P. J. Clarke's, em NY. Eu estava com uns primos banqueiros, bastante compostos. Alguém puxou. Achei o cheiro horrível. Me perguntaram: o senhor tragou? Nem sei tragar, nunca traguei nem cigarro. [A resposta de FHC à "Playboy" foi: "Eu dei uma tragada, achei horrível, acho que é porque nem cigarro eu fumo".]

E outras drogas?
No meu tempo, não tinha esse negócio. Era só lança-perfume no Carnaval.

E o senhor cheirou lança?
Mas muito pouco. Eu tinha horror dessas coisas. Eu nunca vi cocaína na minha vida. Eu sei que é um pozinho branco, e tal, mas nunca vi. Fui ver gente se drogar agora, na Holanda, fazendo o filme.

Claramente, qual é a sua posição sobre as drogas?

Eu sou a favor da descriminalização de todas as drogas.

Cocaína, heroína?
Todas, todas. Uma droga leve, tomada todo dia, faz mal. E uma droga pesada, tomada eventualmente, faz menos mal. Essa distinção é enganosa. Agora, quando eu digo descriminalizar, eu defendo que o consumo não seja mais considerado um crime, que o usuário não passe mais pela polícia, pelo Judiciário e pela cadeia. Mas a sociedade pode manter penas que induzam a pessoa a sair das drogas, frequentando o hospital durante um período, por exemplo, ou fazendo trabalho comunitário. Descriminalizar não é despenalizar. Nem legalizar, dar o direito de se consumir drogas.

Os manifestantes da Marcha da Maconha, por exemplo, defendem a legalização, o direito de cada um fumar ou não o seu baseado.
Eles defendem não só a legalização, como dizem: "Não faz mal". Eu não digo isso, porque ela faz mal. Agora, não adianta botar o usuário na cadeia. Você vai condená-lo, estigmatizá-lo. E não resolve. O usuário contumaz é um doente. Precisa de tratamento e não de cadeia.

Eles podem argumentar: faz mal, mas eu tenho o direito de escolher.

Aí é a posição holandesa. Lá você tem o indivíduo como o centro das coisas. Mas a Holanda é um país de formação protestante, capitalista, individualista: "Eu posso decidir por mim. Se eu quiser me matar, eu me mato". Lá, você não tem o nível de violência, de pobreza e de desinformação que tem no Brasil. Legalizar aqui pode significar realmente você alastrar enormemente o uso de drogas, de uma maneira descontrolada. Na Holanda, eles não tentam levar ninguém ao tratamento. Na cultura brasileira, funcionaria mais o modelo adotado por Portugal.

Como é em Portugal?
Eles descriminalizaram todas as drogas e deram imenso acesso ao tratamento. E como você não tem medo de ir para a cadeia, você procura o hospital. Eles fazem inclusive uma audiência de aconselhamento com o usuário. Portugal está hoje entre os países com a menor expansão do consumo de drogas na Europa Ocidental. Agora, eles combatem o tráfico.

O filme diz que nunca existiu um mundo sem drogas.
Antropologicamente, é verdade. O que não quer dizer que o mundo seja drogado! Agora, droga zero... Crime zero vai existir? Não vai haver nunca mais adultério? Mesmo no Irã, em que jogam pedra? Mas isso não pode dar o sentido de "então, libera".

Se nunca existirá um mundo sem drogas, de que adianta proibí-las e deixá-las, ilegais, sob controle de traficantes?
Posso te dizer com franqueza? Vai ter que diminuir o consumo. Como? Motivando, e não prendendo as pessoas. O cigarro foi transformado em um estigma. Não era assim há 20 anos. Tem que tirar o glamour da maconha. Ela pode trazer perturbações graves. Tem que haver campanhas sistemáticas, informação, educação.

Os críticos da descriminalização dizem que uma droga leva a outras mais pesadas.
Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à maconha é fácil no Brasil. E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o traficante. Se você não tem acesso regulado, vai para o traficante. E ele te leva da maconha para outras drogas.

E como seria esse acesso?
Em vários estados americanos, na Europa, há liberdade de produção em pequena quantidade, doméstica. Cada país tem que encontrar o seu caminho.

No Brasil, imagina liberar a plantação caseira?
Por exemplo. Descriminaliza e deixa alguma experimentação. Eventualmente, plantação caseira, por aí. Outra coisa: em alguns países da Europa, o governo fornece a droga para o dependente, para evitar o tráfico. Na Holanda, não é permitido se drogar na rua. Você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no Brasil. Em SP, na cracolândia, o pessoal se droga na rua, à vontade. É melhor se drogar na rua ou ter um local específico? Isso não é liberar, é tratar como saúde pública.

Na Holanda "coffee shops" vendem maconha.
Eu fui lá.

E experimentou?
Não, não. Comigo não tem jeito. Eu não beijo sereia. Quer dizer, às vezes, sim. Mas não de drogas [risos]. A produção de maconha é ilegal na Holanda. Os "coffee shops" são solução meia-bomba. É uma coisa meio hipócrita.

Debates sobre costumes são sempre interditados no Brasil. A campanha de 2010 mostrou isso, com o aborto.
Eu fui contra aquilo. Esses assuntos não são de campanha eleitoral. E, se você não tiver coragem de ficar sozinho, não é um líder. Mas no Brasil tem uma vantagem: a proposta mais avançada no Congresso sobre drogas é do líder do PT, o deputado Paulo Teixeira. Ele esteve na minha casa, com o Tarso Genro [governador do Rio Grande do Sul], discutindo essa questão. Nossa posição é parecida. Uma parte da sociedade vai ser sempre contra, mas não estamos defendendo coisas irresponsáveis. A droga faz mal, eu sou contra o uso da droga, tem que fazer campanha para reduzir o consumo. Agora, a guerra contra ela fracassou. Tá aumentando o consumo, tá tendo um resultado negativo, tá danificando as pessoas e a sociedade. Vamos ver se tem outros caminhos. No filme, não estamos dando receitas, e sim abrindo os olhos.

O senhor vai enviar o filme para Dilma Rousseff. A presidente, no entanto, tem se mostrado fechada a discussões sobre o tema das drogas.
É o que dizem. Eu não sei. Não ouvi dela nada. Ela está saindo da campanha eleitoral e tal. Agora [rindo], precisa ver a posição do Lula. Álcool faz mais mal que marijuana.

As ideias que o senhor declara hoje jamais foram aplicadas ou mesmo defendidas em seu governo.
Naquela época, havia uma enorme pressão americana, sobretudo por causa de Colômbia, Peru e Bolívia, que exportavam pasta de coca. E houve uma certa militarização do problema. Os americanos fizeram a ONU aprovar uma convenção com o objetivo de acabar com as drogas. E fizeram muita pressão para o Brasil participar de um entendimento do ponto de vista militar. Nós nos recusamos.

Mas houve cooperação.
Nós tínhamos que mostrar que não deixamos de combater as drogas. Então criamos a Senad [Secretaria Nacional Antidrogas] com um duplo desafio: como é que diminuímos [as drogas] e como é que não nos amolam com essa questão. Fizemos esforços de erradicação de plantações no quadrilátero da maconha em Pernambuco, por exemplo.
Eu acreditava nisso. O problema não era tão violento. Não estava no radar como hoje está. Mas eu confesso que não tinha a posição que hoje eu tenho, porque eu não tinha informação. Meu governo foi isso: ambíguo.

FHC DISSE

"Eu NUNCA vi cocaína na minha vida. Sei que é um pozinho branco, e tal

Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à MACONHA é fácil no Brasil.E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o TRAFICANTE

Em alguns países, o governo FORNECE a droga ao dependente; você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no BRASIL"