terça-feira, abril 12, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - Imposto flex


Imposto flex
JOSÉ PAULO KUPFER

O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/04/11

O Imposto sobre Operações Financeiras, o bom IOF velho de guerra, transformou-se, quem diria, em pau para toda obra na política econômica. Não que ele não estivesse presente - e há muito tempo - nas ações do governo. Mas, como protagonista, isso é novidade.
Esse protagonismo atual coloca o IOF não só em destaque na política cambial, mas também na linha de frente da política monetária, de combate à inflação, disfarçado, no caso, de elemento macroprudencial. E, sem que isso seja declarado com todas as letras, atua na política fiscal. O IOF, hoje, virou com múltiplas tarefas - um imposto flex.
Não faz muito tempo que o IOF ganhou o novo status. Seu uso como instrumento generalizado de política econômica teve início ainda em 2009, com a aplicação, em novembro, de uma alíquota de 2% aos fartos capitais externos que fluíam para os mercados de ações e de renda fixa. Daí para frente foi uma escalada. A alíquota dobrou no ingresso de capitais e nos empréstimos externos, quase triplicou nos cartões de crédito usados no exterior e também dobrou no crédito para as pessoas físicas.
Criado para operar como mecanismo regulador, auxiliar na condução de políticas específicas e temporárias, o IOF ganhou caráter arrecadatório e passou também a atuar como fator complementar na política fiscal. Projeções com base nas novas alíquotas em vigor indicam que o total de receita do IOF este ano pode alcançar valor acima de R$ 30 bilhões. Assim, como quem não quer nada, o IOF praticamente poderia compensar uma CPMF.
Com relação à eficácia da política econômica, no entanto, parece pouco provável que o IOF possa fazer todos os serviços que dele o governo diz esperar. As sucessivas altas nas alíquotas do imposto na área do câmbio não conseguiram, até agora, segurar as cotações. Pode-se, no máximo - e com benevolência -, admitir que evitaram um derretimento mais forte e mais rápido da taxa de câmbio. Pouco mudou também o quadro no caso do crédito.
A ênfase com que o governo tem insistido no IOF, quando cotejada com a sua baixa efetividade na correção de rumos, sugere que Brasília optou por deixar a economia correr relativamente livre no leito que a conjuntura lhe oferece, sob a camuflagem de uma hiperatividade na adoção de medidas corretivas. Talvez não se trate de improvisação, como imaginam uns, nem exatamente de vacilação, como pensam outros. Pode ser algo como o inverso do bordão famoso do seriado infantil. O governo não estaria sem querer, querendo, mas, isso sim, querendo, sem querer.
Na conjuntura econômica do momento, o governo enfrenta uma série acima do normal de "trade offs" - a expressão elegante do economês para dizer que se ficar o bicho come e se correr o bicho pega. Tanto na taxa de câmbio quanto no ritmo de expansão do crédito, os efeitos colaterais de ações corretivas não são propriamente desejáveis.
Câmbio valorizado é, pelo menos durante um certo tempo, eficaz no combate aos surtos inflacionários, mas desarruma as cadeias produtivas mais integradas, especialmente na indústria, e produz tensões crescentes e, afinal, incontroláveis, no setor externo. Crédito apertado colabora na redução da demanda e, em linha direta, na contenção de pressões inflacionárias, mas não favorece uma boa evolução do nível de atividades.
Receitas para conter valorizações cambiais ou expansões de crédito são conhecidas e não faz sentido crer que os economistas do governo não saibam da existência delas. O problema de aplicá-las reside exatamente nos seus efeitos colaterais altamente indesejáveis. Pancadas nos juros, por exemplo, são tidas como efetivas na derrubada da inflação, mas detonam ainda mais o câmbio e, a esteira, as contas externas. Promover, de verdade, um corte radical nos gastos públicos ajudaria a esfriar os preços, mas contribuiria para desaquecer a economia talvez ao ponto de desestimular tão necessários investimentos.
O resumo da obra é que, enquanto o mundo gira, a política econômica do governo parece disposta a "fazer cera", à espera de mudanças no quadro internacional, aproveitando, enquanto isso, para tapar uns buracos nas contas públicas. Infelizmente, a História ensina que, quando se deixa a economia rolar, as reversões costumam ser abruptas e desastrosas.

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