domingo, abril 25, 2010

DANUZA LEÃO

O maior dom
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 25/04/10


Cultivar o que temos de mais precioso, a "unicalidade", para se destacar num mundo em que todos estão iguais


QUERER melhorar de vida, sonhar com coisas um pouco acima de nossas possibilidades, é normal, e até saudável; afinal, quem não deseja ter o iPod novo, aquele que ainda não foi lançado? Até eu.
Mas não há nada pior do que perceber aquele brilho -o brilho da cobiça- no olhar de pessoas que passam a vida querendo mais, sempre mais, fazendo tudo para ter o que ouviram falar que é o melhor da vida. Algumas dessas coisas são até bem boas, mas se a vida fosse fácil, bastaria ter muito dinheiro, escolher sempre o mais caro, encher a geladeira de caviar e champanhe e ser feliz (eu tenho um amigo que quando está num restaurante de um país do qual não fala a língua, pede o prato mais caro; segundo ele, deve ser o melhor).
Com uma certa cultura -não necessariamente a dos livros, mas se tiver lido alguns, melhor ainda-, uma certa vocação para o bom gosto e alguma sensibilidade, é só olhar em volta com atenção, mas não só com os olhos; para aprender, é preciso usar os cinco sentidos e sobretudo os outros, aqueles que não têm nome. A maioria prefere comprar pronto: abre o jornal, lê as críticas dos filmes e das peças e vai com a opinião já formada, sabendo se vai ou não gostar. E quando comenta o espetáculo, fala dos cenários, da direção de arte, da luz e da fotografia com as palavras certas, aquelas que leu no jornal.
Raro é encontrar alguém que tenha uma opinião pessoal -mesmo errada- sobre seja lá o que for. Todos gostam das mesmas grifes, dos mesmos restaurantes, dos mesmos roteiros turísticos, das mesmas músicas; suas casas são iguais, os carrões e relógios os mesmos, e nunca ouviram falar que dr. Lúcio Costa teve durante anos um velho e elegante Austin; aliás, que carro não seria elegante tendo dr. Lúcio como dono?
Como seria bom encontrar alguém que reconheça não haver grande diferença entre as praias do Nordeste e os famosos mares da Indonésia (só os hotéis), e que entre pegar uma ponte aérea ou uma carona num jatinho, é mais fácil pegar a ponte, até para poder escolher o horário mais conveniente.
Uma pessoa que não tenha medo de ser politicamente incorreta, que se diga francamente pró ou contra qualquer coisa, contanto que seja seu pensamento, não o que ficou combinado, que não pensa igual, que tem coragem de confessar não só sua ignorância quanto a certos assuntos, como a coragem de discordar da opinião geral e dependendo dos argumentos, voltar atrás e concordar.
Convenhamos que está cada dia mais difícil. O mundo e as pessoas estão a tal ponto iguais que não tem mais graça (quase) pegar um avião e ir para outro continente, comprar a mesma camiseta e o mesmo tênis; a camiseta que agora qualquer camelô vende, com etiqueta e tudo, tem graça? Só se valoriza o que é único: o vestido, o diamante, a fivela de tartaruga loura verdadeira, comprada numa feira de antiguidades, que você não empresta, não dá e não vende (de antes do projeto Tamar, claro).
Cada pessoa é única, e é por aí que acontece o amor; ela é única em seus traços físicos, em sua inteligência, em sua personalidade. É só cultivar o que temos de mais precioso, essa "unicalidade", para se destacar num mundo em que todos estão cada vez mais iguais.
Não é uma questão de ser mais, nem de ser diferente: apenas de ser única.

P.S.: Inesquecível, d. Marisa Letícia recebendo a Ordem do Rio Branco por serviços prestados à nação. E isso, calada: imagina se falasse.

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