Temores
O GLOBO - 27/02/2010
O governo brasileiro teme que eventuais sanções contra o Irã possam se voltar contra nós, pois os dois são países que estão no mesmo estágio de desenvolvimento da tecnologia nuclear e com a mesma intenção de controlar todos as etapas do enriquecimento do urânio.
A explicação é do ministrochefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, ao negar informação publicada ontem aqui na coluna de que o órgão por comandado esteja fazendo consultas para um possível acordo nuclear com o Irã a ser assinado na visita que o presidente Lula fará àquele país, em maio.
O general Félix chegou a aventar a hipótese de que outro órgão qualquer do governo esteja fazendo essas consultas, embora esclarecesse que desconhecia qualquer movimento no sentido de um acordo com o Irã.
Pode ter havido também um mal-entendido qualquer, admite o general, devido a uma reunião que ele teve quinta-feira, no Rio, com órgãos ligados ao programa nuclear brasileiro, como a Nuclepe, a Eletronuclear, a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).
Ele, no entanto, assegura que o assunto da reunião foi o esquema de segurança de locais onde existem as usinas e outros equipamentos, função que passou para o GSI no ano passado.
De fato, dois dos três órgãos que, segundo apurei, receberam consultas sobre eventuais trocas de informações de interesse de Brasil e Irã no campo nuclear estavam na reunião do general Félix: a Eletronuclear e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem). A terceira é o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, onde está a usina de Aramar.
O Brasil incluiu recentemente no Plano Nacional de Defesa a decisão de dominar o conhecimento e a tecnologia nucleares, como parte de seu programa de desenvolvimento estratégico, e considera que se o Irã for impedido de enriquecer o urânio a 20% como anunciou, de alguma forma a posição do Brasil pode ficar enfraquecida, pois nós já temos permissão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para enriquecer urânio nesse nível em Aramar.
A única fase do processo de enriquecimento do urânio que o Brasil ainda não está capacitado a realizar é a transformação do “yellow cake” — uma pasta de concentrado de urânio — , em gás ( hexafloreto de urânio), que é f e i t a n o C a n a d á o u n a U re n c o , u m c o n s ó rc i o formado pela Holanda, Alemanha e Reino Unido.
Mas em meados deste ano esse processo, que já dominamos laboratorialmente, já estará sendo feito no país, fechando o ciclo.
A Marinha investe em uma usina que permita a produção do hexafloreto de urânio suficiente para nossas necessidades, para o caso de alguma razão estratégica impedir que outros países façam essa transformação para nós. O custo desta etapa do processo de enriquecimento do urânio é de apenas 5% do total, embora ela seja fundamental para as operação das centrífugas que enriquecem o urânio.
Os que defendem uma aproximação com o Irã nesse setor de energia nuclear acreditam que estar ã o p r o m o v e n d o u m a reinserção daquele país na legislação de salvaguardas internacionais fora das pressões americanas, defendendo a soberania dos respectivos programas nucleares.
À diferença do Irã, porém, além de ter assinado todos os tratados, o B r a s i l a c e i t a a s i n s p eções da AIEA. Além do mais, nós não estamos em uma região conflitada como o Oriente Médio e nem temos inimigos nas nossas fronteiras.
Aliás, a origem da assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1997 no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, está na necessidade de uma boa relação com a Argentina.
O ex-chanceler Celso Lafer considera que, para a América do Sul, o término da corrida nuclear significou a possibilidade de uma cooperação com a Argentina, que antes obedecia à lógica da corrida armamentista.
Antes da assinatura do TNP, foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), que permitia que os dois maiores países da América do Sul se fiscalizassem mutuamente.
O Brasil também aceitou, juntamente com Argentina e Chile, as emendas ao Tratado de Tlatelolco, e outro acordo estabeleceu normas de salvaguardas claras.
O entendimento generalizado no atual governo é que o Brasil não precisaria ter assinado o TNP, e o Ministro do Planejamento Estratégico, Samuel Pinheiro Guimarães, considera que o país cedeu a pressões dos Estados Unidos.
Por essa razão, o governo não está disposto a assinar um Protocolo Adicional ao TNP, como é desejo da AIEA, que considera que a usina de enriquecimento de urânio de Rezende não está coberta por salvaguardas suficientes.
Prevê-se que a negociação para a renovação da autorização de funcionamento da usina de Rezende, nos próximos meses, será tensa.
O Brasil assinou o TNP em 1997 e de lá para cá não negociou qualquer Protocolo Adicional, fazendo o mesmo que grande parte dos cerca de 200 países que o assinaram. Mas o momento político está mais tensionado devido justamente ao programa nuclear do Irã.
De acordo com especialistas, se o governo brasileiro pretende auxiliar o Irã a resistir às pressões vindas da maioria do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com forte liderança americana, um acordo nuclear atrairia maiores pressões contra o nosso próprio programa de desenvolvimento na área nuclear.
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