FOLHA DE SP - 20/05
Para muita gente é ali que os tais hackers pedófilos neonazistas traficam drogas e órgãos de bebês chineses
Sou usuário da "deep web". E não vejo problema algum nisso. Faço muitas pesquisas em bases de dados e bibliotecas específicas, daquele tipo em que o Google Acadêmico só agora começa a entrar. Na USP, muitos dos trabalhos de alunos não estão prontos para irem a público, por isso protejo seu conteúdo do acesso por mecanismos de busca.
Hoje fala-se muito nessa internet "escondida", inacessível pelos browsers comuns. Como acontece com todo ambiente novo, ela ganhou uma mitologia própria, tornando-se o habitat do que há de mais perverso na mente humana. Para muita gente é ali que os tais hackers pedófilos neonazistas traficam drogas e órgãos de bebês chineses, invisíveis aos olhos da lei.
Como tudo no mundo, nada é tão simples. A "deep web" nada mais é do que a parte da internet que não foi indexada pelo Google e seus concorrentes, cerca de 99% da rede.
Todo mundo já acessou documentos dela, mesmo que nunca tenha baixado um filme, aplicativo ou música ilegal. Boa parte do tráfego de informações financeiras, comerciais, estratégicas, científicas e administrativas se dá escondido do público. Não são conspirações nem lavagem de dinheiro, mas transações como extratos bancários e exames laboratoriais que, apesar de usarem a internet, não são públicos.
Também há repositórios privados, redes militares, fóruns estratégicos, intranets e laboratórios de pesquisa cujos dados, estratégicos, valem uma nota e precisam ser restritos a assinantes.
Se imaginarmos a web como espaço público cheio de bibliotecas, bancos, museus e shoppings, a "deep web" é composta por seus bastidores, em que estranhos não são bem-vindos.
Quem vai atrás deles corre o mesmo risco de quem entra na favela para comprar maconha, temendo igualmente a polícia e o ladrão. Um rapaz arrumado em um prédio na Cracolândia é mais suspeito do que seus moradores, muitos deles inocentes.
No mundo digital as aparências não são tão claras. Por isso browsers específicos, como o Tor, garantem o anonimato de seus usuários por meio de conexões distribuídas. O acesso é mais lento, recomendado apenas para quem pretende driblar firewalls, consciente do risco que isso representa. Repórteres o utilizam para escapar das restrições de censura em regimes fechados. Usando o mesmo canal, várias operações ilegais são conduzidas em anonimato, pagas em bitcoins.
Dentro desse mercado negro existem fóruns e wikis, cheios de links para orientar os turistas. Boa parte são golpes descarados ou arapucas. Imagine sua reação a uma plaquinha dizendo "vendem-se metralhadoras" em um barraco de favela e fica fácil entender que, como no mundo físico, quem pretende entrar na legalidade o faz por indicação, não por cliques em links.
Infelizmente muitos jovens não são tão espertos. Imbuídos de espírito de aventura e transgressão, animados com os resultados de seus experimentos com sexo, drogas e rock, muitos não têm uma percepção da realidade ampla o suficiente para distanciá-la da ficção. Como quem joga um novo game, se entusiasmam com o que encontram, se divertindo em chocar os colegas com novas perversidades. É tudo muito fascinante, até que alguém se machuque. Aí só resta torcer para que não seja sério.
Não acredito que grupos neonazistas os recrutem porque essas associações, como qualquer outra, precisam de dinheiro. É possível que alguns percam a noção do limite e do aceitável, mas o mais provável é que tudo isso seja esquecido. Minha geração cresceu exposta a "Faces da Morte" e não criou mais psicopatas do que estaria destinada. O grande perigo é ter seus computadores --e os de seus familiares-- invadidos, gerando um prejuízo bastante palpável.
A internet, profunda ou na superfície, não é a Disneylândia. Como toda associação humana, tem coisas boas e ruins. É preciso conhecê-la e desmistificá-la, tirando dela o que há de melhor.
segunda-feira, maio 20, 2013
Uma aberração - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 20/05
"Nunca foi tão difícil ser oposição ao maior canalha deste país."
Marconi Perillo, PSDB, governador de Goiás, sobre Lula
Tarde da noite da última terça-feira, Renan Calheiros (PMDB-AL) conversava com amigos na residência oficial do presidente do Senado, no Lago Sul, em Brasília, e ainda atendia ou disparava telefonemas. Àquela altura parecia convencido em definitivo de que só lhe restava a opção de empurrar goela abaixo do Senado a Medida Provisória 595, que estabelece um novo marco regulatório para o setor portuário.
VEZ POR OUTRA porém, interessado em sondar o estado de ânimo do seu interlocutor , comentava como se ainda hesitasse sobre o que fazer: "Se eu rasgar o acordo, estarei expondo o Senado à desmoralização". Havia um acordo firmado em 2003 pelos líderes de todos os partidos sob as bênçãos do então presidente do Senado, José Sarney. Qualquer Medida Provisória só seria aprovada ali depois de pelo menos duas sessões de discussão.
SEM TRUQUES, duas sessões equivalem a dois dias. Não é o suficiente para que se examinem assuntos complexos e que envolvam muitos e poderosos interesses. Mesmo assim é melhor do que votar no escuro. Medida Provisória é instrumento por meio do qual o presidente da República legisla e obriga o Congresso a agir com rapidez. Ela entra em vigor de imediato . Cabe ao Congresso referendá-la ou não.
O ACORDO DE 2003 fora quebrado uma semana antes para a aprovação de medidas que beneficiariam os inscritos no Bolsa Família. "A oposição não pode ficar contra os pobres", argumentou José Agripino Maia (DEM -RN). Os líder es de todos os partidos concordaram. E os do PMDB e do governo se apressaram em garantir: "Isso jamais significará a abertura de prece-dente". O acordo só seria quebrado daquela vez.
NADA MAIS FALSO. Mais falso somente o ar de pesar de Renan quando, perto do meio-dia da quinta-feira, duas horas depois de a Câmara dos Deputados ter encerrado a votação da Medida Provisória 595, e a12 horas do fim do prazo para que ela caducasse se não fosse votada pelo Senado, ele disse como se sua palavra valesse de fato alguma coisa: "Esta será a última vez que sob a minha presidência procede-remos assim ".
VOCÊ COMPACTUARIA com algo que julgasse de público uma "aberração"? No Dicionário do Aurélio , aberração que dizer anomalia, distorção, desatino . E com algo simplesmente "deplorável", você compactuaria? Deplorável é igual a detestável, lamentável, abominável. Só mais uma: e com algo "constrangedor"? Constranger tem a ver com tolher a liberdade, coagir , violentar , compelir , obrigar pela força.
FOI RENAN que chamou de "aberração" o ato de o Senado votar o novo marco regulatório dos portos sem discuti-lo pelo tempo necessário. Foi Renan que tachou de "deplorável" o que ele mesmo se dispôs a patrocinar . Por fim, foi Renan que reconheceu o "constrangimento " do Senado em se comportar não como manda a lei, mas como queria a presidente da República. O Senado rendeu-se e covardemente abdicou dos seus poderes. Por que o fez?
POUCOS, ENTRE os 81 senadores, são homens decentes. A política corrompeu-se, virou negócio. Sobre isso, Lula deu testemunho em dois momentos - há 30 anos, quando acusou o Congresso de abrigar 300 picaretas; e há uma semana, ao falar aos moços: "O político ideal que vocês desejam, aquele cara sabido, aquele cara probo, irretocável do ponto de vista do comportamento ético e moral, aquele político que a imprensa vende que existe, mas que não existe... " E completou: "Quem sabe esteja dentro de vocês". Porque dentro dele também não está.
Marconi Perillo, PSDB, governador de Goiás, sobre Lula
Tarde da noite da última terça-feira, Renan Calheiros (PMDB-AL) conversava com amigos na residência oficial do presidente do Senado, no Lago Sul, em Brasília, e ainda atendia ou disparava telefonemas. Àquela altura parecia convencido em definitivo de que só lhe restava a opção de empurrar goela abaixo do Senado a Medida Provisória 595, que estabelece um novo marco regulatório para o setor portuário.
VEZ POR OUTRA porém, interessado em sondar o estado de ânimo do seu interlocutor , comentava como se ainda hesitasse sobre o que fazer: "Se eu rasgar o acordo, estarei expondo o Senado à desmoralização". Havia um acordo firmado em 2003 pelos líderes de todos os partidos sob as bênçãos do então presidente do Senado, José Sarney. Qualquer Medida Provisória só seria aprovada ali depois de pelo menos duas sessões de discussão.
SEM TRUQUES, duas sessões equivalem a dois dias. Não é o suficiente para que se examinem assuntos complexos e que envolvam muitos e poderosos interesses. Mesmo assim é melhor do que votar no escuro. Medida Provisória é instrumento por meio do qual o presidente da República legisla e obriga o Congresso a agir com rapidez. Ela entra em vigor de imediato . Cabe ao Congresso referendá-la ou não.
O ACORDO DE 2003 fora quebrado uma semana antes para a aprovação de medidas que beneficiariam os inscritos no Bolsa Família. "A oposição não pode ficar contra os pobres", argumentou José Agripino Maia (DEM -RN). Os líder es de todos os partidos concordaram. E os do PMDB e do governo se apressaram em garantir: "Isso jamais significará a abertura de prece-dente". O acordo só seria quebrado daquela vez.
NADA MAIS FALSO. Mais falso somente o ar de pesar de Renan quando, perto do meio-dia da quinta-feira, duas horas depois de a Câmara dos Deputados ter encerrado a votação da Medida Provisória 595, e a12 horas do fim do prazo para que ela caducasse se não fosse votada pelo Senado, ele disse como se sua palavra valesse de fato alguma coisa: "Esta será a última vez que sob a minha presidência procede-remos assim ".
VOCÊ COMPACTUARIA com algo que julgasse de público uma "aberração"? No Dicionário do Aurélio , aberração que dizer anomalia, distorção, desatino . E com algo simplesmente "deplorável", você compactuaria? Deplorável é igual a detestável, lamentável, abominável. Só mais uma: e com algo "constrangedor"? Constranger tem a ver com tolher a liberdade, coagir , violentar , compelir , obrigar pela força.
FOI RENAN que chamou de "aberração" o ato de o Senado votar o novo marco regulatório dos portos sem discuti-lo pelo tempo necessário. Foi Renan que tachou de "deplorável" o que ele mesmo se dispôs a patrocinar . Por fim, foi Renan que reconheceu o "constrangimento " do Senado em se comportar não como manda a lei, mas como queria a presidente da República. O Senado rendeu-se e covardemente abdicou dos seus poderes. Por que o fez?
POUCOS, ENTRE os 81 senadores, são homens decentes. A política corrompeu-se, virou negócio. Sobre isso, Lula deu testemunho em dois momentos - há 30 anos, quando acusou o Congresso de abrigar 300 picaretas; e há uma semana, ao falar aos moços: "O político ideal que vocês desejam, aquele cara sabido, aquele cara probo, irretocável do ponto de vista do comportamento ético e moral, aquele político que a imprensa vende que existe, mas que não existe... " E completou: "Quem sabe esteja dentro de vocês". Porque dentro dele também não está.
O método da raposa - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 20/05
O "sentido da realidade" é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível
Para que servem os cientistas políticos? Para muita coisa talvez, mas não para prever fatos que deveriam ser da sua alçada, nos diz o artigo "Sobre Raposas e Porcos-Espinhos", de Nate Silver, na "Ilustríssima" de 12/5/2013. Neste terreno, pessoas menos obcecadas com sua própria "verdade" teriam mais sucesso.
O autor cita a derrocada da União Soviética como exemplo de fracasso dessa classe. Nenhum "especialista" foi capaz de prever o fim do "socialismo real". O texto aponta o risco de irrelevância da ciência política, pelo menos quando pautada por concepções de como o mundo deveria ser, ou, dito de outra forma, quando pautada por ideologias, praga comum no mundo acadêmico.
Não se trata de dizer que cientistas políticos não servem para nada, mas de perceber, entre outras coisas, o problema que se esconde por detrás de tal fracasso. Logo voltarei a este problema.
O estranho termo que dá título ao artigo citado vem do ensaio de Isaiah Berlin "O Porco-Espinho e a Raposa", da coletânea "Pensadores Russos", entre nós publicado pela Cia. das Letras em 1988. O ensaio não visa a falar da irrelevância dos cientistas políticos, mas sim dos diferentes modos como se constituem o pensamento e a vida de um grande autor. Ele mesmo, Berlin, podendo ser elencado entre as raposas.
Shakespeare, Montaigne e Aristóteles seriam raposas (eu acrescentaria o grande crítico Carpeaux a este grupo), Freud, Hegel e Marx, porcos-espinhos; portanto, para Berlin, não se trata de reduzir estes à nulidade.
Para o ensaísta britânico (judeu do Leste Europeu), raposas são flexíveis, não precisam de coerência ou unidade interna entre os elementos e teorias manipuladas pelo pensamento (ou vividas no dia a dia) porque não operam a partir de uma visão de mundo que supõe "um centro de sentido" do mundo.
O "sentido da realidade", título de um dos seus maiores ensaios, é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível por uma teoria da realidade ou da história. Eu posso, por exemplo, concordar com a teoria da mercadoria de Adorno e ao mesmo tempo achar que ela não esgota o entendimento do mundo. O "método" da raposa é não ter método.
O porco-espinho trabalha com a ideia de que ele descobriu o conjunto de teorias que explica o mundo (a "unidade do mundo" foi descoberta por ele), como o inconsciente de Freud, a dialética de Hegel ou o capital de Marx.
Mas, voltando ao problema que leva ao fracasso do modo de agir do porco-espinho (este, segundo Nate Silver, é menos eficaz na análise do mundo, e eu concordo com Silver aqui), é que, como diz Berlin, "os professores simplesmente tendem a exagerar a importância de suas atividades pessoais, como se fossem a força' central que impele o mundo".
Portanto, não se trata de negar o valor de porcos-espinhos (como negar o inconsciente, a dialética ou o capital como formas válidas de pensar o mundo?), mas, sim, de revelar o risco quando professores se fazem oráculos da verdade do mundo a partir de sua sala de aula, negando tudo mais que contradiga suas teorias de mundo. O que Silver aponta é este vício na mídia e como ele fica ridículo quando especialistas recusam o mundo em favor de "seu mundinho ideológico".
Outro livro essencial para pensarmos as causas da irrelevância das ciências humanas na lida com o mundo "que desencoraja especulações" (Gertrude Himmelfarb, historiadora americana) é "Envolvimento e Alienação" (ed. Bertrand Brasil, 1998), do sociólogo Nobert Elias.
Neste livro, Elias opõe o envolvimento à alienação como modo de ação dos cientistas sociais e defende a alienação como sendo o mais eficaz, e dá uma razão para as ciências sociais não serem capazes de evitar um único massacre étnico.
Claro, alienação, aqui, não é alienação marxista, mas o distanciamento que o cientista social deveria ter de suas preferências teóricas e "afetivas" quando investiga a realidade a sua volta. O envolvimento, seu contrário, infelizmente, é a atitude mais comum em minha casta intelectual: tornar-se oráculo de um "mundinho", aquele que eu tenho na minha cabeça.
O "sentido da realidade" é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível
Para que servem os cientistas políticos? Para muita coisa talvez, mas não para prever fatos que deveriam ser da sua alçada, nos diz o artigo "Sobre Raposas e Porcos-Espinhos", de Nate Silver, na "Ilustríssima" de 12/5/2013. Neste terreno, pessoas menos obcecadas com sua própria "verdade" teriam mais sucesso.
O autor cita a derrocada da União Soviética como exemplo de fracasso dessa classe. Nenhum "especialista" foi capaz de prever o fim do "socialismo real". O texto aponta o risco de irrelevância da ciência política, pelo menos quando pautada por concepções de como o mundo deveria ser, ou, dito de outra forma, quando pautada por ideologias, praga comum no mundo acadêmico.
Não se trata de dizer que cientistas políticos não servem para nada, mas de perceber, entre outras coisas, o problema que se esconde por detrás de tal fracasso. Logo voltarei a este problema.
O estranho termo que dá título ao artigo citado vem do ensaio de Isaiah Berlin "O Porco-Espinho e a Raposa", da coletânea "Pensadores Russos", entre nós publicado pela Cia. das Letras em 1988. O ensaio não visa a falar da irrelevância dos cientistas políticos, mas sim dos diferentes modos como se constituem o pensamento e a vida de um grande autor. Ele mesmo, Berlin, podendo ser elencado entre as raposas.
Shakespeare, Montaigne e Aristóteles seriam raposas (eu acrescentaria o grande crítico Carpeaux a este grupo), Freud, Hegel e Marx, porcos-espinhos; portanto, para Berlin, não se trata de reduzir estes à nulidade.
Para o ensaísta britânico (judeu do Leste Europeu), raposas são flexíveis, não precisam de coerência ou unidade interna entre os elementos e teorias manipuladas pelo pensamento (ou vividas no dia a dia) porque não operam a partir de uma visão de mundo que supõe "um centro de sentido" do mundo.
O "sentido da realidade", título de um dos seus maiores ensaios, é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível por uma teoria da realidade ou da história. Eu posso, por exemplo, concordar com a teoria da mercadoria de Adorno e ao mesmo tempo achar que ela não esgota o entendimento do mundo. O "método" da raposa é não ter método.
O porco-espinho trabalha com a ideia de que ele descobriu o conjunto de teorias que explica o mundo (a "unidade do mundo" foi descoberta por ele), como o inconsciente de Freud, a dialética de Hegel ou o capital de Marx.
Mas, voltando ao problema que leva ao fracasso do modo de agir do porco-espinho (este, segundo Nate Silver, é menos eficaz na análise do mundo, e eu concordo com Silver aqui), é que, como diz Berlin, "os professores simplesmente tendem a exagerar a importância de suas atividades pessoais, como se fossem a força' central que impele o mundo".
Portanto, não se trata de negar o valor de porcos-espinhos (como negar o inconsciente, a dialética ou o capital como formas válidas de pensar o mundo?), mas, sim, de revelar o risco quando professores se fazem oráculos da verdade do mundo a partir de sua sala de aula, negando tudo mais que contradiga suas teorias de mundo. O que Silver aponta é este vício na mídia e como ele fica ridículo quando especialistas recusam o mundo em favor de "seu mundinho ideológico".
Outro livro essencial para pensarmos as causas da irrelevância das ciências humanas na lida com o mundo "que desencoraja especulações" (Gertrude Himmelfarb, historiadora americana) é "Envolvimento e Alienação" (ed. Bertrand Brasil, 1998), do sociólogo Nobert Elias.
Neste livro, Elias opõe o envolvimento à alienação como modo de ação dos cientistas sociais e defende a alienação como sendo o mais eficaz, e dá uma razão para as ciências sociais não serem capazes de evitar um único massacre étnico.
Claro, alienação, aqui, não é alienação marxista, mas o distanciamento que o cientista social deveria ter de suas preferências teóricas e "afetivas" quando investiga a realidade a sua volta. O envolvimento, seu contrário, infelizmente, é a atitude mais comum em minha casta intelectual: tornar-se oráculo de um "mundinho", aquele que eu tenho na minha cabeça.
Quem cedo madruga - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 20/05
O presidente da OAB nacional, Marcus Vinícius Furtado, vai requerer nesta semana ao STF (Supremo Tribunal Federal) celeridade no julgamento de ações que tratam do horário de funcionamento dos 27 Tribunais de Justiça. A entidade defende o funcionamento do Judiciário em dois turnos, sem restrição de horário ao atendimento de advogados. A iniciativa é uma resposta ao presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, que ironizou defensores por só ''acordarem'' após as 11h.
Fusos... O ministro Luiz Fux, relator de ação proposta pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), suspendeu liminarmente resolução do Conselho Nacional de Justiça que obriga o Judiciário a atender o público de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h. Hoje, os tribunais funcionam em meio expediente.
... trocados Segundo a OAB, Fux alegou ter suspendido os efeitos provisoriamente para não onerar, até o julgamento da ação, os tribunais, que seriam obrigados a ampliar imediatamente o horário de atendimento.
No telhado A dificuldade na aprovação da MP dos Portos deve atrasar o lançamento do Código da Mineração. O texto em estudo aumenta de 2% para 4% os royalties para as mineradoras e não reajusta os valores de participação especial.
Lobby de peso Além da Vale do Rio Doce, principal interessada na proposta, o código afeta os negócios de dois empresários que se digladiaram na MP dos Portos, Eike Batista e Daniel Dantas.
Efeito Dilma Com a viagem oficial do prefeito Gustavo Fruet ao Japão, nesta semana, Curitiba vai viver situação inédita: a vice Mirian Gonçalves será a primeira petista e a primeira mulher a assumir o comando da cidade.
Ampulheta Termina em duas semanas o prazo que Márcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte ligado ao senador Aécio Neves, recebeu para dizer ao PSB se será candidato ao governo de Minas.
Come quieto O deputado Leonardo Quintão (PMDB), que foi derrotado na eleição de 2010, está disposto a trocar de partido para dar palanque a Eduardo Campos no Estado do tucano.
Café Aécio cedeu parte das inserções nacionais de TV do PSDB em São Paulo a Geraldo Alckmin. O engajamento do governador é considerado fundamental para o mineiro ganhar densidade eleitoral no Estado e quebrar resistências internas à sua postulação à Presidência.
Leite Dada a importância de São Paulo em 2014, o discurso que mais agradou Aécio na convenção foi justamente o de Alckmin. O senador considerou contundente a fala do governador, que se dispôs a ser "o mais paulista dos mineiros" para ajudá-lo.
Um mesmo... O marqueteiro Renato Pereira, que quase não faz jingles e usa músicas consagradas nas campanhas que comanda, selecionou "Coração Civil", de Milton Nascimento, como trilha sonora da convenção.
... coração Outra canção de Milton, "Coração de Estudante'', virou hino das Diretas Já e da campanha do avô de Aécio, Tancredo Neves, à Presidência e da comoção que se seguiu à sua morte antes de tomar posse, em 1985.
Muita calma O presidente nacional do MD, Roberto Freire, explica que não anunciou apoio ao tucano ao discursar no ato do partido.
Mesmo barco Ele explica que, ao afirmar que estará com o PSDB em 2014, quis dizer que ficará "junto das oposições". Seu recém-criado partido negocia aliança com o PSB de Eduardo Campos.
tiroteio
Canalha é quem loteia o próprio governo entre amigos como o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o ficha-suja Demóstenes Torres.
DO PRESIDENTE NACIONAL DO PT, RUI FALCÃO, sobre o governador de Goiás, Marconi Perillo, ter xingado o ex-presidente Lula durante convenção do PSDB.
Contraponto
Xarás em conflito
Em audiência pública no Senado na semana passada, diante do ministro Aloizio Mercadante (Educação), o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) criticou decisão do Executivo de editar medida provisória sobre a área com teor semelhante a projeto de lei que ele já havia apresentado.
Quando o ministro começou a justificar a medida, seu telefone celular tocou.
Apesar de ser um assessor da presidente Dilma Rousseff na linha, o petista pediu para falar mais tarde:
-Se eu parar para atender o Executivo, o Aloysio vai me criticar de novo! -justificou.
Nem Eduardo, nem Marina - RENATO JANINE RIBEIRO
Valor Econômico - 20/05
Não entram aqui minhas simpatias pessoais. Mas, à fria análise, parece que, no ano que vem, a Presidência da República irá para o PT e o PSDB, sem chances para outros pretendentes. Isso pela simples razão de que só esses dois partidos se prepararam para governar o país, para exercer a hegemonia em nossa política.
Proponho sair da pequena crônica, que beira a fofoca. Sim, está difícil Marina obter as 500 mil assinaturas que viabilizariam seu partido, a Rede. Sim, interessa ao governo dificultar sua criação, e à oposição facilitá-la. Sim, o governo não quer que novos partidos ampliem seu horário na televisão, e a oposição o quer. Sim, para 2014 palanques nos Estados e minutos na TV valem muito. Sim, Eduardo Campos e Marina Silva são nomes que abrilhantam qualquer disputa eleitoral.
Mas nenhum deles representa, hoje, um projeto articulado para o Brasil.
Construir uma hegemonia política não é trivial. (Aprendi a usar esta expressão, "não é trivial", com os cientistas. Ela não quer dizer só o óbvio - que é algo difícil, exigente e que sai do usual. Quer dizer, também, algo que faz brilharem seus olhos, que eles desejam, em que apostam as fichas). O PSDB e o PT têm anos de estrada nesta tarefa. Suas trajetórias foram distintas, mas ambos dispõem de algo importante: capilaridade. Estão representados no Brasil inteiro. Têm militantes e simpatizantes em todos os municípios. Eventualmente, podem atuar por procuração, por partidos interpostos. O PMDB gaúcho já ocupou o lugar que seria o dos tucanos no Rio Grande do Sul. O antigo PFL ajudava o PSDB a captar votos à direita. Por sua vez, o PT conta com o PCdoB e outros pequenos partidos de esquerda, e contou com o apoio ou a intermediação do PSB para aumentar seus eleitores. Mas a liderança dos dois partidos que nos deram os três mais recentes presidentes da República é inconteste.
É claro que aí alguém perguntará: e o PMDB? Está em toda a parte. Sua capilaridade é a mais longeva que temos. Mas não basta deitar raízes pelo Brasil inteiro. É preciso - além disso - ter propostas. Os dois partidos hegemônicos têm o que dizer, concretamente, a qualquer grupo social ou político do País. Outros, não. Podem usar seus votos populares e suas bancadas para negociar o poder. Não conseguem, porém, disputá-lo. O PMDB é o gigante de nossos pequenos partidos. Tem capilaridade porque renunciou a ter projeto - ao contrário de PT e PSDB que, sem projetos, perderiam os cabelos. Nossa política se assenta neste sábio tripé: dois partidos amplos com projetos, que disputam o poder, mais um partido amplo sem projeto e que dá governabilidade ao vitorioso.
A construção dos dois partidos tomou tempo. O PT foi mais demorado. Nasceu em 1981, começou com poucos deputados, em 1989 já disputava a presidência da República mas só chegou a essa esfera de poder aos 21 anos, em 2002. O PSDB foi mais rápido. Criado em 1988, em 1994 já elegia o presidente do Brasil. Compreende-se. O Partido dos Trabalhadores representava uma iniciativa diferente, praticamente inédita, até em termos mundiais: quantos são, hoje, os grandes partidos trabalhistas, empenhados em mudanças sociais maiores e que não sejam marxistas? O Labour Party britânico se moderou, o Partido do Congresso indiano não é essencialmente dos trabalhadores. Num país conservador, em que nos primeiros anos da Nova República eram frequentes crimes contra trabalhadores do campo, o PT teve uma dura missão. Ainda mais porque o PSDB dava todos os sinais de que sempre venceria, em capilaridade, o PT. Era surpreendente como, no governo FHC, o partido do governo tinha um discurso, um projeto para praticamente cada grupo social - enquanto o PT falava a poucos, dos inúmeros setores em que se divide a sociedade. Hoje, parece que se inverteu a situação. O melhor exemplo disso é a recente cooptação do campeão da pequena empresa, velho adversário do PT, parceiro dos tucanos no governo do Estado mais rico do país, pelo governo federal. Um ano atrás, por sinal, eu dizia nesta coluna que o empreendedorismo, que deveria ser uma causa importante de um novo liberalismo, estava em mãos do PT. Pois é. Um novel aliado do PT vai lidar com o projeto de espirito empreendedor para todos. O desafio de Aécio é recuperar a capilaridade, com proposta, que o PSDB teve, em tempos de Fernando Henrique.
Há riscos num presidente sem partido forte, sem capilaridade? Collor que o diga; ou melhor, o Brasil, que viveu os resultados negativos de sua eleição. Foi um pleito solteiro, em que o desconhecido governador de Alagoas pôde aparecer em sucessivos programas eleitorais e granjear, do nada, grande popularidade. Hoje, já não há eleição solteira. Elas se dão em dois lotes, um presidencial-estadual, outro municipal. Não há como disputar a presidência sem se aliar a candidatos ao Congresso e aos governos estaduais. Isso requer capilaridade. Isso fortalece as instituições. Podemos ter um sistema eleitoral difuso e até confuso, mas ele restringe a disputa presidencial a quem tenha, se vitorioso, condições de governar. O que não está errado. Pois, sem alianças políticas, sem parceiros claros na sociedade, como se há de governar? É essa a dificuldade de Eduardo Campos e Marina Silva. A diferença, hoje, é que essa dificuldade, em vez de prejudicar o futuro governo de um deles, já prejudica suas candidaturas. Estar bem espalhado pelo país e ter o que dizer ao país todo. Ter cabelos longos (e ideias também longas) é condição para se eleger, não só para governar. Precisarão ainda comer muito feijão, Eduardo e Marina, para se tornarem competitivos.
Não entram aqui minhas simpatias pessoais. Mas, à fria análise, parece que, no ano que vem, a Presidência da República irá para o PT e o PSDB, sem chances para outros pretendentes. Isso pela simples razão de que só esses dois partidos se prepararam para governar o país, para exercer a hegemonia em nossa política.
Proponho sair da pequena crônica, que beira a fofoca. Sim, está difícil Marina obter as 500 mil assinaturas que viabilizariam seu partido, a Rede. Sim, interessa ao governo dificultar sua criação, e à oposição facilitá-la. Sim, o governo não quer que novos partidos ampliem seu horário na televisão, e a oposição o quer. Sim, para 2014 palanques nos Estados e minutos na TV valem muito. Sim, Eduardo Campos e Marina Silva são nomes que abrilhantam qualquer disputa eleitoral.
Mas nenhum deles representa, hoje, um projeto articulado para o Brasil.
Construir uma hegemonia política não é trivial. (Aprendi a usar esta expressão, "não é trivial", com os cientistas. Ela não quer dizer só o óbvio - que é algo difícil, exigente e que sai do usual. Quer dizer, também, algo que faz brilharem seus olhos, que eles desejam, em que apostam as fichas). O PSDB e o PT têm anos de estrada nesta tarefa. Suas trajetórias foram distintas, mas ambos dispõem de algo importante: capilaridade. Estão representados no Brasil inteiro. Têm militantes e simpatizantes em todos os municípios. Eventualmente, podem atuar por procuração, por partidos interpostos. O PMDB gaúcho já ocupou o lugar que seria o dos tucanos no Rio Grande do Sul. O antigo PFL ajudava o PSDB a captar votos à direita. Por sua vez, o PT conta com o PCdoB e outros pequenos partidos de esquerda, e contou com o apoio ou a intermediação do PSB para aumentar seus eleitores. Mas a liderança dos dois partidos que nos deram os três mais recentes presidentes da República é inconteste.
É claro que aí alguém perguntará: e o PMDB? Está em toda a parte. Sua capilaridade é a mais longeva que temos. Mas não basta deitar raízes pelo Brasil inteiro. É preciso - além disso - ter propostas. Os dois partidos hegemônicos têm o que dizer, concretamente, a qualquer grupo social ou político do País. Outros, não. Podem usar seus votos populares e suas bancadas para negociar o poder. Não conseguem, porém, disputá-lo. O PMDB é o gigante de nossos pequenos partidos. Tem capilaridade porque renunciou a ter projeto - ao contrário de PT e PSDB que, sem projetos, perderiam os cabelos. Nossa política se assenta neste sábio tripé: dois partidos amplos com projetos, que disputam o poder, mais um partido amplo sem projeto e que dá governabilidade ao vitorioso.
A construção dos dois partidos tomou tempo. O PT foi mais demorado. Nasceu em 1981, começou com poucos deputados, em 1989 já disputava a presidência da República mas só chegou a essa esfera de poder aos 21 anos, em 2002. O PSDB foi mais rápido. Criado em 1988, em 1994 já elegia o presidente do Brasil. Compreende-se. O Partido dos Trabalhadores representava uma iniciativa diferente, praticamente inédita, até em termos mundiais: quantos são, hoje, os grandes partidos trabalhistas, empenhados em mudanças sociais maiores e que não sejam marxistas? O Labour Party britânico se moderou, o Partido do Congresso indiano não é essencialmente dos trabalhadores. Num país conservador, em que nos primeiros anos da Nova República eram frequentes crimes contra trabalhadores do campo, o PT teve uma dura missão. Ainda mais porque o PSDB dava todos os sinais de que sempre venceria, em capilaridade, o PT. Era surpreendente como, no governo FHC, o partido do governo tinha um discurso, um projeto para praticamente cada grupo social - enquanto o PT falava a poucos, dos inúmeros setores em que se divide a sociedade. Hoje, parece que se inverteu a situação. O melhor exemplo disso é a recente cooptação do campeão da pequena empresa, velho adversário do PT, parceiro dos tucanos no governo do Estado mais rico do país, pelo governo federal. Um ano atrás, por sinal, eu dizia nesta coluna que o empreendedorismo, que deveria ser uma causa importante de um novo liberalismo, estava em mãos do PT. Pois é. Um novel aliado do PT vai lidar com o projeto de espirito empreendedor para todos. O desafio de Aécio é recuperar a capilaridade, com proposta, que o PSDB teve, em tempos de Fernando Henrique.
Há riscos num presidente sem partido forte, sem capilaridade? Collor que o diga; ou melhor, o Brasil, que viveu os resultados negativos de sua eleição. Foi um pleito solteiro, em que o desconhecido governador de Alagoas pôde aparecer em sucessivos programas eleitorais e granjear, do nada, grande popularidade. Hoje, já não há eleição solteira. Elas se dão em dois lotes, um presidencial-estadual, outro municipal. Não há como disputar a presidência sem se aliar a candidatos ao Congresso e aos governos estaduais. Isso requer capilaridade. Isso fortalece as instituições. Podemos ter um sistema eleitoral difuso e até confuso, mas ele restringe a disputa presidencial a quem tenha, se vitorioso, condições de governar. O que não está errado. Pois, sem alianças políticas, sem parceiros claros na sociedade, como se há de governar? É essa a dificuldade de Eduardo Campos e Marina Silva. A diferença, hoje, é que essa dificuldade, em vez de prejudicar o futuro governo de um deles, já prejudica suas candidaturas. Estar bem espalhado pelo país e ter o que dizer ao país todo. Ter cabelos longos (e ideias também longas) é condição para se eleger, não só para governar. Precisarão ainda comer muito feijão, Eduardo e Marina, para se tornarem competitivos.
Gás de xisto, uma nova revolução energética? - JOSÉ GOLDEMBERG
ESTADÃO - 20/05
A Revolução Industrial teve início no fim do século 18 e foi baseada no uso do carvão. A Inglaterra, com suas amplas reservas desse mineral, liderou a revolução. Com o correr do tempo, contudo, o petróleo começou a substituir o carvão por causa de suas características mais atraentes, como ser líquido e mais fácil de transportar. Finalmente, em meados do século 20, o gás natural, que é mais limpo, começou a dominar o cenário energético.
O que vemos aqui é a confirmação do malicioso comentário atribuído ao secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras", mas pela descoberta de que metais eram melhores para fazer machados (ou lanças) do que pedras.
Hoje, no mundo, o carvão representa 26% do consumo de energia; o petróleo, 32%; e o gás natural, 20%. O petróleo é ainda dominante, mas a produção mundial está se concentrando no Oriente Médio porque nos Estados Unidos (o maior consumidor mundial) e na maioria dos demais países ela está caindo.
Os Estados Unidos importam do Oriente Médio metade do petróleo que consomem (cerca de 10 milhões de barris por dia), a um custo de mais de US$ 300 bilhões por ano, e não são poucos os que acreditam que as guerras naquela região do mundo (principalmente no Iraque) têm que ver com a necessidade de obter garantias de fornecimento por governos mais amistosos.
Daí a importância que discussões sobre "independência energética" tem nos Estados Unidos e que é prometida por todos os governos desde os tempos de John Kennedy e Richard Nixon, por volta de 1960. Essa independência nunca foi alcançada e, ao contrário, o que aumentou foi a dependência das importações de petróleo do Oriente Médio.
Eis que desenvolvimentos tecnológicos nos últimos dez anos estão mudando drasticamente esse cenário, com a exploração do gás de xisto. A possibilidade técnica de usar esse gás é conhecida há muito tempo, mas o custo de exploração só a tornou viável nos últimos anos. A partir do ano 2000 houve uma "explosão" no aumento da produção: em 2000 o gás de xisto representava 1% do gás natural produzido nos Estados Unidos, em 2010 eram 20% e existem previsões de que em 2035 serão quase 50%.
Com isso os Estados Unidos, que até recentemente importavam gás, estão começando a exportar. Além disso, os preços do gás caíram drasticamente nesse país, que está importando menos petróleo, uma vez que aquele combustível vem substituindo derivados do petróleo tanto na indústria quanto no transporte.
Havendo mais petróleo disponível no mundo, os seus preços tenderão a cair, tornando inviáveis projetos para sua produção, muito caros. Até a exploração do pré-sal no Brasil poderia ser afetada por essa queda de preços.
Estamos, pois, diante do que poderá ser uma nova revolução energética e da ascensão de uma "era do gás", como foi a do carvão no século 19.
Quão realista, todavia, é essa possibilidade?
Xisto é uma camada de mineral situada a três ou quatro quilômetros abaixo da superfície do solo, na qual gás se encontra aprisionado. É preciso "fraturar" o xisto para libertar o gás, o que é feito com jatos de água a alta pressão, a qual se adicionam certas substâncias químicas. É nessa área que muitos progressos tecnológicos ocorreram entre os anos de 1980 e 2000. Existem camadas de xisto no subsolo em muitos países do mundo, o Brasil incluído.
Há, porém, problemas para a sua utilização, que são de diversos tipos:
Viabilidade econômica, que depende do tamanho da reserva de gás;
duração da produção de gás, uma vez que os depósitos de xisto são finitos;
problemas regulatórios na autorização para perfurar poços;
e problemas ambientais.
Nos Estados Unidos houve uma combinação favorável de fatores que permitiu o rápido sucesso da exploração. Em primeiro lugar, naquele país o subsolo é propriedade do dono da terra e a decisão de perfurar é dele; no Brasil, por exemplo, o subsolo é da União e a exploração exige autorização do governo federal. Em segundo lugar, as exigências ambientais eram poucas no início da exploração e existiam grandes depósitos de xisto.
É essa combinação que explica por que num curto período de dez anos foram abertos cerca de 20 mil poços de gás de xisto nos Estados Unidos. Mas é pouco provável que todas essas condições favoráveis se repitam tanto na Europa como em outras partes do mundo. Problemas ambientais já levaram até os Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.
Os problemas ambientais originam-se no fato de que grande quantidade de água tem de ser usada, misturada com areia e um "coquetel" de substâncias químicas (cuja composição tem sido mantida confidencial pelas empresas) para "fraturar" o xisto. Cerca de 50% a 70% da água injetada é recuperada e trazida de volta para a superfície, onde é colocada em lagoas que podem poluir o lençol freático. Além disso, o gás liberado do xisto não é metano puro, vem acompanhado de nitrogênio (que não queima) e de várias impurezas, como sulfato de hidrogênio (que é tóxico e corrosivo), tolueno e outros solventes.
Outro problema que lança dúvidas sobre a realidade de uma revolução na área de gás, causada pelo uso de gás de xisto, é que a produção de cada poço não deve ultrapassar 15 ou 20 anos. Se esse for realmente o caso, não estamos de fato diante de uma "revolução", mas talvez de uma "bem organizada campanha de relações públicas", como declarou recentemente Alexei Miller, presidente da Gazprom, a empresa russa que é a maior produtora mundial de gás.
A Revolução Industrial teve início no fim do século 18 e foi baseada no uso do carvão. A Inglaterra, com suas amplas reservas desse mineral, liderou a revolução. Com o correr do tempo, contudo, o petróleo começou a substituir o carvão por causa de suas características mais atraentes, como ser líquido e mais fácil de transportar. Finalmente, em meados do século 20, o gás natural, que é mais limpo, começou a dominar o cenário energético.
O que vemos aqui é a confirmação do malicioso comentário atribuído ao secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras", mas pela descoberta de que metais eram melhores para fazer machados (ou lanças) do que pedras.
Hoje, no mundo, o carvão representa 26% do consumo de energia; o petróleo, 32%; e o gás natural, 20%. O petróleo é ainda dominante, mas a produção mundial está se concentrando no Oriente Médio porque nos Estados Unidos (o maior consumidor mundial) e na maioria dos demais países ela está caindo.
Os Estados Unidos importam do Oriente Médio metade do petróleo que consomem (cerca de 10 milhões de barris por dia), a um custo de mais de US$ 300 bilhões por ano, e não são poucos os que acreditam que as guerras naquela região do mundo (principalmente no Iraque) têm que ver com a necessidade de obter garantias de fornecimento por governos mais amistosos.
Daí a importância que discussões sobre "independência energética" tem nos Estados Unidos e que é prometida por todos os governos desde os tempos de John Kennedy e Richard Nixon, por volta de 1960. Essa independência nunca foi alcançada e, ao contrário, o que aumentou foi a dependência das importações de petróleo do Oriente Médio.
Eis que desenvolvimentos tecnológicos nos últimos dez anos estão mudando drasticamente esse cenário, com a exploração do gás de xisto. A possibilidade técnica de usar esse gás é conhecida há muito tempo, mas o custo de exploração só a tornou viável nos últimos anos. A partir do ano 2000 houve uma "explosão" no aumento da produção: em 2000 o gás de xisto representava 1% do gás natural produzido nos Estados Unidos, em 2010 eram 20% e existem previsões de que em 2035 serão quase 50%.
Com isso os Estados Unidos, que até recentemente importavam gás, estão começando a exportar. Além disso, os preços do gás caíram drasticamente nesse país, que está importando menos petróleo, uma vez que aquele combustível vem substituindo derivados do petróleo tanto na indústria quanto no transporte.
Havendo mais petróleo disponível no mundo, os seus preços tenderão a cair, tornando inviáveis projetos para sua produção, muito caros. Até a exploração do pré-sal no Brasil poderia ser afetada por essa queda de preços.
Estamos, pois, diante do que poderá ser uma nova revolução energética e da ascensão de uma "era do gás", como foi a do carvão no século 19.
Quão realista, todavia, é essa possibilidade?
Xisto é uma camada de mineral situada a três ou quatro quilômetros abaixo da superfície do solo, na qual gás se encontra aprisionado. É preciso "fraturar" o xisto para libertar o gás, o que é feito com jatos de água a alta pressão, a qual se adicionam certas substâncias químicas. É nessa área que muitos progressos tecnológicos ocorreram entre os anos de 1980 e 2000. Existem camadas de xisto no subsolo em muitos países do mundo, o Brasil incluído.
Há, porém, problemas para a sua utilização, que são de diversos tipos:
Viabilidade econômica, que depende do tamanho da reserva de gás;
duração da produção de gás, uma vez que os depósitos de xisto são finitos;
problemas regulatórios na autorização para perfurar poços;
e problemas ambientais.
Nos Estados Unidos houve uma combinação favorável de fatores que permitiu o rápido sucesso da exploração. Em primeiro lugar, naquele país o subsolo é propriedade do dono da terra e a decisão de perfurar é dele; no Brasil, por exemplo, o subsolo é da União e a exploração exige autorização do governo federal. Em segundo lugar, as exigências ambientais eram poucas no início da exploração e existiam grandes depósitos de xisto.
É essa combinação que explica por que num curto período de dez anos foram abertos cerca de 20 mil poços de gás de xisto nos Estados Unidos. Mas é pouco provável que todas essas condições favoráveis se repitam tanto na Europa como em outras partes do mundo. Problemas ambientais já levaram até os Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.
Os problemas ambientais originam-se no fato de que grande quantidade de água tem de ser usada, misturada com areia e um "coquetel" de substâncias químicas (cuja composição tem sido mantida confidencial pelas empresas) para "fraturar" o xisto. Cerca de 50% a 70% da água injetada é recuperada e trazida de volta para a superfície, onde é colocada em lagoas que podem poluir o lençol freático. Além disso, o gás liberado do xisto não é metano puro, vem acompanhado de nitrogênio (que não queima) e de várias impurezas, como sulfato de hidrogênio (que é tóxico e corrosivo), tolueno e outros solventes.
Outro problema que lança dúvidas sobre a realidade de uma revolução na área de gás, causada pelo uso de gás de xisto, é que a produção de cada poço não deve ultrapassar 15 ou 20 anos. Se esse for realmente o caso, não estamos de fato diante de uma "revolução", mas talvez de uma "bem organizada campanha de relações públicas", como declarou recentemente Alexei Miller, presidente da Gazprom, a empresa russa que é a maior produtora mundial de gás.
Espírito animal - GABRIEL LEAL DE BARROS
O GLOBO - 20/05
A importante e contínua desaceleração do crescimento econômico, identificada de forma mais evidente no final de 2011, fez com que o governo retomasse a vigorosa expansão da política fiscal. Isto foi feito através de muitos e diferentes canais, sendo alguns já conhecidos à época do aprofundamento da crise internacional. Apesar da quantidade e da intensidade das medidas anunciadas para reanimar a economia e manter inflamado o espírito animal dos investidores, os resultados alcançados até agora são desanimadores.
Além do volume superior a R$ 46 bilhões (mais de 1% do PIB) de incentivos e desonerações fiscais conferidos apenas em 2012, chama também a atenção o discutível conteúdo estratégico destas medidas. A situação fiscal deteriorou-se no período pós-crise, pela combinação de despesa concentrada em gastos primários correntes com o fraco desempenho da arrecadação, em parte causado pelas desonerações. Houve ainda a perda de credibilidade com as operações contábeis atípicas e questionáveis no fim do ano passado.
Uma larga parcela de R$ 20 bilhões das desonerações será descontada das metas de superávit fiscal primário do governo, o que significa flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que pode ser considerada o "Plano Real" das contas públicas.
Nota-se um acúmulo de iniciativas na área tributária e fiscal, que se soma ao festival de desonerações, complicando a agenda do governo e dificultando o bom gerenciamento nestas áreas. Há, por exemplo, a grande discussão sobre as relações políticas e socioeconômicas entre União, estados e municípios. É um debate que envolve a reforma do ICMS interestadual, a mudança dos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), os royalties do petróleo, a ampliação dos limites de endividamento e a mudança dos indexadores de dívida dos governos subnacionais.
O congestionamento cria problemas. A relação estreita entre a mudança do FPE e a definição dos royalties, em vez de acelerar as negociações, está, na verdade, bloqueando o debate franco que é essencial para que as discussões dos diferentes assuntos avancem.
Da mesma forma, a lenta e penosa questão da reforma do ICMS arrasta-se simultaneamente às negociações dos indexadores das dívidas estaduais e da criação do fundo de compensação e desenvolvimento regional. Este último, aliás, visa justamente a compensar as perdas decorrentes das mudanças planejadas para o ICMS.
Apesar de toda essa carregada agenda de reformas e os mais de R$ 100 bilhões em novas desonerações previstas para este e o próximo ano, o investimento não decola, a inflação permanece elevada e preocupante, a deterioração das contas fiscais é aguda e o PIB segue em marcha lenta. Não há, na área tributária, uma diretriz clara que acelere as discussões e norteie as expectativas de empresários e investidores. Fica evidente que o desafio de montar uma estratégia de crescimento a curto, médio e longo prazos ainda não foi vencido.
Além do volume superior a R$ 46 bilhões (mais de 1% do PIB) de incentivos e desonerações fiscais conferidos apenas em 2012, chama também a atenção o discutível conteúdo estratégico destas medidas. A situação fiscal deteriorou-se no período pós-crise, pela combinação de despesa concentrada em gastos primários correntes com o fraco desempenho da arrecadação, em parte causado pelas desonerações. Houve ainda a perda de credibilidade com as operações contábeis atípicas e questionáveis no fim do ano passado.
Uma larga parcela de R$ 20 bilhões das desonerações será descontada das metas de superávit fiscal primário do governo, o que significa flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que pode ser considerada o "Plano Real" das contas públicas.
Nota-se um acúmulo de iniciativas na área tributária e fiscal, que se soma ao festival de desonerações, complicando a agenda do governo e dificultando o bom gerenciamento nestas áreas. Há, por exemplo, a grande discussão sobre as relações políticas e socioeconômicas entre União, estados e municípios. É um debate que envolve a reforma do ICMS interestadual, a mudança dos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), os royalties do petróleo, a ampliação dos limites de endividamento e a mudança dos indexadores de dívida dos governos subnacionais.
O congestionamento cria problemas. A relação estreita entre a mudança do FPE e a definição dos royalties, em vez de acelerar as negociações, está, na verdade, bloqueando o debate franco que é essencial para que as discussões dos diferentes assuntos avancem.
Da mesma forma, a lenta e penosa questão da reforma do ICMS arrasta-se simultaneamente às negociações dos indexadores das dívidas estaduais e da criação do fundo de compensação e desenvolvimento regional. Este último, aliás, visa justamente a compensar as perdas decorrentes das mudanças planejadas para o ICMS.
Apesar de toda essa carregada agenda de reformas e os mais de R$ 100 bilhões em novas desonerações previstas para este e o próximo ano, o investimento não decola, a inflação permanece elevada e preocupante, a deterioração das contas fiscais é aguda e o PIB segue em marcha lenta. Não há, na área tributária, uma diretriz clara que acelere as discussões e norteie as expectativas de empresários e investidores. Fica evidente que o desafio de montar uma estratégia de crescimento a curto, médio e longo prazos ainda não foi vencido.
Crise global em seus últimos capítulos - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Valor Econômico - 20/05
Hoje, com mais clareza, posso afirmar ao leitor do Valor que estamos vivendo os últimos capítulos da crise que domina a economia americana - e mundial - há mais de cinco anos. Dois eventos recentes reforçaram essa minha percepção e tornou mais crível a observação que fiz neste espaço há alguns meses: não apostem contra o capitalismo. Em primeiro lugar, a informação de que o ajuste fiscal em curso nos Estados Unidos está sendo mais profundo do que o previsto, com o déficit no primeiro trimestre do ano reduzindo-se para 4% do PIB, em comparação aos 6% ocorrido em 2012. Nesse ritmo de ajuste, já em 2014, o desequilíbrio fiscal americano ficará abaixo dos 3% do PIB.
O presidente Obama está conseguindo fazer esse movimento com a ajuda decisiva de duas instituições de fora do governo: o Partido Republicano na Câmara dos Representantes, que fez aprovar uma Lei que obriga a redução compulsória de gastos, principalmente no orçamento da Defesa e o Federal Reserve [Fed], que com sua política monetária agressiva está permitindo que a economia cresça acima dos 2% ao ano apesar do ajuste nos gastos do governo.
Essa é a combinação dos sonhos de qualquer economista que siga o pensamento Keynesiano em situações como essa por que passa o gigante capitalista americano. As limitações políticas eleitorais, nas democracias de massa modernas, normalmente reduzem a probabilidade de se chegar a essa combinação. Por isto a importância - já percebida pelo presidente Obama - de manter a direita americana clamando por menos despesas e engessando principalmente o orçamento militar.
O segundo evento, que reforçou o meu viés otimista, foi a mudança recente na governança de outra economia importante na cena mundial - o Japão. Depois de mais de duas décadas de uma postura política covarde em relação à deflação, a nova liderança japonesa decidiu ir à luta com todas as armas disponíveis para sair dessa armadilha. É preciso entender que isso só foi politicamente possível depois que o Fed deu o exemplo nos Estados Unidos.
Veio da ação corajosa e agressiva do Banco Central americano a legitimidade das ações recentes do Banco do Japão. Isso ficou claro na última reunião do G-"7 quando, sob pressão dos Estados Unidos, a política de combate à deflação, via emissão maciça do yen, foi sancionada pelos países mais ricos do mundo. Apenas ficaram de fora, reclamando das ações japonesas, os alemães com sua eterna fixação na hiperinflação, a China e outros países asiáticos que usaram a força do yen japonês, nas últimas décadas, como instrumento de industrialização.
A história nos ensinou que as economias de mercado criam, em intervalos variáveis, ciclos de desajustes conjunturais que acabam por interromper os períodos de crescimento e bem estar econômicos. Mas não podemos esquecer que o normal é o crescimento - e não crise e recessão - e a história nos mostra isso de maneira clara. Por razões quase sempre ligadas aos defeitos do ser humano ao lidar com as questões econômicas - ambição e ideologia sendo as mais importantes delas - algumas dessas crises se apresentam com um grau de complexidade maior. Entre estas, em função principalmente de erros de gestão da política econômica dos países centrais, algumas se transformam em situações recessivas mais graves.
Nessa verdadeira escala Richter de crises econômicas, a grande Depressão dos anos 30 figura em primeiro e destacado lugar. Afinal ela marcou o início de um desastre político de proporções gigantescas que foi o nascimento do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.
A crise de agora tinha tudo para seguir o padrão da grande Depressão. Mas dois fatos principais evitaram que isso acontecesse. O primeiro é que a crise dos anos 30 ensinou a um grande grupo de economistas como se deve lidar com essas situações. O segundo é que, por um acidente histórico, estava no comando do Fed um especialista em situações como a vivida nos Estados Unidos a partir do colapso do mercado subprime de hipotecas. Talvez deva mencionar um terceiro fator, de natureza política, que permitiu a ação do Fed no período que se seguiu à quebra do Banco Lehman Brothers em 2008: a derrota do Partido Republicano e a eleição de um político democrata para a Casa Branca. Com esse movimento, o Tesouro americano tornou-se, na primeira fase do enfrentamento da crise, um parceiro necessário do Fed.
Por isso a importância que dou à redução do déficit americano nos últimos dois anos e a estabilização, que agora pode ser vista a olho nu, da dívida pública dos Estados Unidos. Este ajuste é que cria a ponte entre o presente e o futuro, elemento fundamental para que possamos entrar em um novo ciclo de crescimento sustentável na maior economia do mundo.
Com a economia americana deslanchando novamente tudo fica mais fácil. O crescimento chinês se consolida, criando um segundo pólo de fortalecimento da economia mundial. Se a eles adicionarmos a economia japonesa com algum grau de expansão sustentada chegaremos a um alinhamento de astros que nos levará com certeza a um novo período de dinamismo no mundo global de hoje.
Neste mundo novo talvez o governo da presidente Dilma erre menos na condução de sua política econômica e permita que a economia brasileira saia do marasmo em que se meteu nos últimos dois anos.
Hoje, com mais clareza, posso afirmar ao leitor do Valor que estamos vivendo os últimos capítulos da crise que domina a economia americana - e mundial - há mais de cinco anos. Dois eventos recentes reforçaram essa minha percepção e tornou mais crível a observação que fiz neste espaço há alguns meses: não apostem contra o capitalismo. Em primeiro lugar, a informação de que o ajuste fiscal em curso nos Estados Unidos está sendo mais profundo do que o previsto, com o déficit no primeiro trimestre do ano reduzindo-se para 4% do PIB, em comparação aos 6% ocorrido em 2012. Nesse ritmo de ajuste, já em 2014, o desequilíbrio fiscal americano ficará abaixo dos 3% do PIB.
O presidente Obama está conseguindo fazer esse movimento com a ajuda decisiva de duas instituições de fora do governo: o Partido Republicano na Câmara dos Representantes, que fez aprovar uma Lei que obriga a redução compulsória de gastos, principalmente no orçamento da Defesa e o Federal Reserve [Fed], que com sua política monetária agressiva está permitindo que a economia cresça acima dos 2% ao ano apesar do ajuste nos gastos do governo.
Essa é a combinação dos sonhos de qualquer economista que siga o pensamento Keynesiano em situações como essa por que passa o gigante capitalista americano. As limitações políticas eleitorais, nas democracias de massa modernas, normalmente reduzem a probabilidade de se chegar a essa combinação. Por isto a importância - já percebida pelo presidente Obama - de manter a direita americana clamando por menos despesas e engessando principalmente o orçamento militar.
O segundo evento, que reforçou o meu viés otimista, foi a mudança recente na governança de outra economia importante na cena mundial - o Japão. Depois de mais de duas décadas de uma postura política covarde em relação à deflação, a nova liderança japonesa decidiu ir à luta com todas as armas disponíveis para sair dessa armadilha. É preciso entender que isso só foi politicamente possível depois que o Fed deu o exemplo nos Estados Unidos.
Veio da ação corajosa e agressiva do Banco Central americano a legitimidade das ações recentes do Banco do Japão. Isso ficou claro na última reunião do G-"7 quando, sob pressão dos Estados Unidos, a política de combate à deflação, via emissão maciça do yen, foi sancionada pelos países mais ricos do mundo. Apenas ficaram de fora, reclamando das ações japonesas, os alemães com sua eterna fixação na hiperinflação, a China e outros países asiáticos que usaram a força do yen japonês, nas últimas décadas, como instrumento de industrialização.
A história nos ensinou que as economias de mercado criam, em intervalos variáveis, ciclos de desajustes conjunturais que acabam por interromper os períodos de crescimento e bem estar econômicos. Mas não podemos esquecer que o normal é o crescimento - e não crise e recessão - e a história nos mostra isso de maneira clara. Por razões quase sempre ligadas aos defeitos do ser humano ao lidar com as questões econômicas - ambição e ideologia sendo as mais importantes delas - algumas dessas crises se apresentam com um grau de complexidade maior. Entre estas, em função principalmente de erros de gestão da política econômica dos países centrais, algumas se transformam em situações recessivas mais graves.
Nessa verdadeira escala Richter de crises econômicas, a grande Depressão dos anos 30 figura em primeiro e destacado lugar. Afinal ela marcou o início de um desastre político de proporções gigantescas que foi o nascimento do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.
A crise de agora tinha tudo para seguir o padrão da grande Depressão. Mas dois fatos principais evitaram que isso acontecesse. O primeiro é que a crise dos anos 30 ensinou a um grande grupo de economistas como se deve lidar com essas situações. O segundo é que, por um acidente histórico, estava no comando do Fed um especialista em situações como a vivida nos Estados Unidos a partir do colapso do mercado subprime de hipotecas. Talvez deva mencionar um terceiro fator, de natureza política, que permitiu a ação do Fed no período que se seguiu à quebra do Banco Lehman Brothers em 2008: a derrota do Partido Republicano e a eleição de um político democrata para a Casa Branca. Com esse movimento, o Tesouro americano tornou-se, na primeira fase do enfrentamento da crise, um parceiro necessário do Fed.
Por isso a importância que dou à redução do déficit americano nos últimos dois anos e a estabilização, que agora pode ser vista a olho nu, da dívida pública dos Estados Unidos. Este ajuste é que cria a ponte entre o presente e o futuro, elemento fundamental para que possamos entrar em um novo ciclo de crescimento sustentável na maior economia do mundo.
Com a economia americana deslanchando novamente tudo fica mais fácil. O crescimento chinês se consolida, criando um segundo pólo de fortalecimento da economia mundial. Se a eles adicionarmos a economia japonesa com algum grau de expansão sustentada chegaremos a um alinhamento de astros que nos levará com certeza a um novo período de dinamismo no mundo global de hoje.
Neste mundo novo talvez o governo da presidente Dilma erre menos na condução de sua política econômica e permita que a economia brasileira saia do marasmo em que se meteu nos últimos dois anos.
Estratégia para um novo sistema tributário - FRANCISCO DORNELLES
O GLOBO - 20/05
A tributação de um país deveria apoiar-se em poucos impostos, com bases tributadas sólidas, fatos geradores bem definidos, quando indiretos, que sejam não cumulativos, e quando diretos, que sejam progressivos, sempre que possível.
Este objetivo foi perseguido na proposta por mim relatada e aprovada por subcomissão no Senado Federal em 2008, que define uma estratégia para a gradual construção de um novo sistema tributário para o Brasil.
Entre as inovações, a proposta promove a fusão do IPI, do PIS, do Cofins e outras contribuições da União, mais o ICMS estadual e o ISS municipal, de modo a gestar um amplo e autêntico imposto sobre o valor adicionado, com legislação nacional, cadastro federal, fiscalização estadual e municipal e a arrecadação compartilhada automaticamente entre os três níveis de governo.
Sempre atentei que não se muda um sistema tributário com facilidade. Além das dificuldades naturais a qualquer reforma estrutural, há um agravante no Brasil que são as implicações federativas. As dificuldades de mudanças do sistema fiscal do Brasil são mais de natureza federativa do que de natureza tributária. Isso reforça minha concordância com a iniciativa do governo federal de identificar alguns problemas mais prementes, com reflexos sobre o chamado Custo Brasil, e buscar soluções pontuais.
Considero, assim, oportuna a iniciativa do governo federal visando à desoneração da folha de salários. Esta base antiga e própria da previdência social acabou sendo explorada à exaustão. Para financiar um regime geral tão abrangente, foi preciso elevar e exigir nas contribuições patronais alíquotas superiores às praticadas por outros países, em especial aqueles contra os quais mais concorremos no mercado internacional. Os diferenciados e pesados encargos sociais impõem um ônus aos produtores brasileiros superiores aos suportados pelos empregadores dos países concorrentes.
Para reduzir o custo da mão de obra brasileira há cerca de dois anos o governo federal adotou, no âmbito do plano Brasil Maior, a substituição da folha salarial, taxada à alíquota de 20%, por uma contribuição sobre a receita bruta com alíquotas de 1% a 2%. A medida foi adotada em caráter temporário e focada naqueles ramos da indústria que, ao mesmo tempo, são mais intensivos de mão de obra e mais expostos à concorrência externa - como era o caso clássico da têxtil, vestuário e calçados. A mudança foi expandida para outras atividades.
A desoneração da folha salarial é uma iniciativa que está sendo perseguida por outras economias emergentes. O Brasil não pôde seguir a mesma tendência internacional de trocar a folha salarial por um imposto sobre o valor adicionado por não existir, de fato, o IVA no país. Entretanto, os benefícios de reduzir o custo do trabalho e de estimular o emprego formal, através da substituição da contribuição sobre a folha de salários por uma contribuição sobre a receita bruta, mais do que compensam a cumulatividade decorrente da adoção da nova base tributária.
Este objetivo foi perseguido na proposta por mim relatada e aprovada por subcomissão no Senado Federal em 2008, que define uma estratégia para a gradual construção de um novo sistema tributário para o Brasil.
Entre as inovações, a proposta promove a fusão do IPI, do PIS, do Cofins e outras contribuições da União, mais o ICMS estadual e o ISS municipal, de modo a gestar um amplo e autêntico imposto sobre o valor adicionado, com legislação nacional, cadastro federal, fiscalização estadual e municipal e a arrecadação compartilhada automaticamente entre os três níveis de governo.
Sempre atentei que não se muda um sistema tributário com facilidade. Além das dificuldades naturais a qualquer reforma estrutural, há um agravante no Brasil que são as implicações federativas. As dificuldades de mudanças do sistema fiscal do Brasil são mais de natureza federativa do que de natureza tributária. Isso reforça minha concordância com a iniciativa do governo federal de identificar alguns problemas mais prementes, com reflexos sobre o chamado Custo Brasil, e buscar soluções pontuais.
Considero, assim, oportuna a iniciativa do governo federal visando à desoneração da folha de salários. Esta base antiga e própria da previdência social acabou sendo explorada à exaustão. Para financiar um regime geral tão abrangente, foi preciso elevar e exigir nas contribuições patronais alíquotas superiores às praticadas por outros países, em especial aqueles contra os quais mais concorremos no mercado internacional. Os diferenciados e pesados encargos sociais impõem um ônus aos produtores brasileiros superiores aos suportados pelos empregadores dos países concorrentes.
Para reduzir o custo da mão de obra brasileira há cerca de dois anos o governo federal adotou, no âmbito do plano Brasil Maior, a substituição da folha salarial, taxada à alíquota de 20%, por uma contribuição sobre a receita bruta com alíquotas de 1% a 2%. A medida foi adotada em caráter temporário e focada naqueles ramos da indústria que, ao mesmo tempo, são mais intensivos de mão de obra e mais expostos à concorrência externa - como era o caso clássico da têxtil, vestuário e calçados. A mudança foi expandida para outras atividades.
A desoneração da folha salarial é uma iniciativa que está sendo perseguida por outras economias emergentes. O Brasil não pôde seguir a mesma tendência internacional de trocar a folha salarial por um imposto sobre o valor adicionado por não existir, de fato, o IVA no país. Entretanto, os benefícios de reduzir o custo do trabalho e de estimular o emprego formal, através da substituição da contribuição sobre a folha de salários por uma contribuição sobre a receita bruta, mais do que compensam a cumulatividade decorrente da adoção da nova base tributária.
O freio da ignorância - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 20/05
SÃO PAULO - O século 21 avança depressa, e o período de alta vigorosa do PIB no final da década passada parece cada vez mais a exceção num longo período de quase 35 anos de desempenho rasteiro. Mas por que o Brasil está há tanto tempo nesse labirinto da renda média, sem perspectiva de encontrar logo a saída?
Haverá decerto mais de uma resposta correta, e a melhor delas conjugará um feixe de fatores preponderantes. Dívida externa, experimentos macroeconômicos desastrosos e desestímulo à poupança e ao investimento estão entre eles.
A vizinhança tampouco ajudou. No entorno da China estão Japão, Coreia do Sul e várias nações dinâmicas da Ásia, todos comprometidos com a economia de mercado e obsessivos competidores globais nas cadeias de alto valor industrial.
No entorno do Brasil está provavelmente a maior concentração mundial de bravateiros nacionalistas. Abundam regimes populistas de nações especializadas na produção de comida, pedra e óleo.
Mas o Brasil possui dimensões de continente. Teria condições plenas de conectar-se ele próprio ao circuito global do conhecimento, da inovação e da eficiência.
Se não fez isso, foi também porque, geração atrás de geração, nossas lideranças negligenciaram o investimento profundo e maciço em educação. Nesse quesito, curiosamente, o nacional-desenvolvimentismo, de direita ou de esquerda, costuma exibir desempenho péssimo.
Tem sido pródigo em distribuir regalias a empresários, criar amarras contra a competição externa, fabricar oligopólios domésticos e manipular preços. Relegou, porém, a nota de rodapé as necessidades de criar conhecimento e de elevar depressa a instrução e, assim, a produtividade dos brasileiros.
Sem plano ambicioso para a educação, a expectativa de acelerar a economia num horizonte visível continuará prejudicada.
SÃO PAULO - O século 21 avança depressa, e o período de alta vigorosa do PIB no final da década passada parece cada vez mais a exceção num longo período de quase 35 anos de desempenho rasteiro. Mas por que o Brasil está há tanto tempo nesse labirinto da renda média, sem perspectiva de encontrar logo a saída?
Haverá decerto mais de uma resposta correta, e a melhor delas conjugará um feixe de fatores preponderantes. Dívida externa, experimentos macroeconômicos desastrosos e desestímulo à poupança e ao investimento estão entre eles.
A vizinhança tampouco ajudou. No entorno da China estão Japão, Coreia do Sul e várias nações dinâmicas da Ásia, todos comprometidos com a economia de mercado e obsessivos competidores globais nas cadeias de alto valor industrial.
No entorno do Brasil está provavelmente a maior concentração mundial de bravateiros nacionalistas. Abundam regimes populistas de nações especializadas na produção de comida, pedra e óleo.
Mas o Brasil possui dimensões de continente. Teria condições plenas de conectar-se ele próprio ao circuito global do conhecimento, da inovação e da eficiência.
Se não fez isso, foi também porque, geração atrás de geração, nossas lideranças negligenciaram o investimento profundo e maciço em educação. Nesse quesito, curiosamente, o nacional-desenvolvimentismo, de direita ou de esquerda, costuma exibir desempenho péssimo.
Tem sido pródigo em distribuir regalias a empresários, criar amarras contra a competição externa, fabricar oligopólios domésticos e manipular preços. Relegou, porém, a nota de rodapé as necessidades de criar conhecimento e de elevar depressa a instrução e, assim, a produtividade dos brasileiros.
Sem plano ambicioso para a educação, a expectativa de acelerar a economia num horizonte visível continuará prejudicada.
O sorriso de Renan (e o de Dilma) - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 20/05
Enquanto o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, vislumbra crise atrás de crise para o governo Dilma Rousseff, no Senado, ela pode se preparar para uma boa temporada, semelhante à que obteve na semana passada para aprovar a Medida Provisória dos Portos. O motivo de tanto apoio é proporcional à quantidade de pré-candidatos a governador de olho na presença dela e de Lula no palanque estadual em 2014. Se não para o próprio senador, para algum aliado dele.
A lista de candidatos ainda não está fechada, mas há nomes certos, a começar pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. Dois dias antes da votação, um senador comentava que ele não tinha outra alternativa senão votar a MP dos Portos. Afinal, era o tema de maior relevância para a popular presidente Dilma Rousseff e um candidato a governador não poderia desprezar essa ajuda ao governo.
Renan ou será candidato a governador de Alagoas ou lançará o deputado federal Renan Filho, seu primogênito. Hoje, a perspectiva é de Renan concorrer ao governo estadual, mas não se pode desconsiderar que a tentadora possibilidade de disputar a reeleição no Senado resulte numa mudança de planos. Independentemente do que ele decidir, o apoio do governo federal ao palanque dos Calheiros está fechado desde já.
O rol de senadores candidatos inclui ainda o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, do Ceará. Ele hoje tem um corredor estreito para encorpar sua pré-candidatura. O desejo do governador Cid Gomes é lançar um candidato da sua confiança — especula-se, inclusive, o nome do Secretario Especial de Portos, Leônidas Cristino. E o do PT, bem, o do PT sempre é o de lançar um nome da sua própria lavra. Isso só muda quando o partido tem a vice e com ela a perspectiva de ficar com o cargo no futuro.
No Ceará, o PT ainda não definiu o que fazer, uma vez que Cid Gomes também aguarda os movimentos do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para desenhar o seu tabuleiro estadual. Com os dois parados, Eunício tem optado por ajudar o governo, de olho no apoio que pode receber dos petistas logo ali na frente, caso Eduardo Campos seja candidato a presidente da República. Dois dias antes da votação da MP dos Portos, o senador cearense avisava a seus liderados aliados ao Planalto que, se a medida provisória chegasse ao Senado antes da meia-noite de quinta-feira, seria votada e a perspectiva era de aprovação.
O quadro de pré-candidatos a governador no PMDB tem ainda o líder do governo, Eduardo Braga, do Amazonas. Com o atual chefe do estado, Omar Aziz, fora do páreo, Braga planeja uma pré-candidatura de forma a não perder terreno para os adversários. Na eleição para prefeito de Manaus, o PMDB apoiou a candidatura da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e terminou perdendo para o PSDB do senador Arthur Virgílio Neto. Se prosseguir com a candidatura, Braga não perderá nem mesmo o mandato de senador, uma vez que a primeira suplente é a mulher dele, Sandra Backsmann Braga.
Enquanto isso, na Câmara…
Essas candidaturas ajudam a explicar a ajuda crucial que o governo recebeu da maioria dos senadores do PMDB, em especial de Renan Calheiros, para aprovar a MP dos Portos em menos de 24 horas, sem dar aos integrantes daquela Casa nem sequer tempo de entender o que havia saído da Câmara. A atitude de Renan, diametralmente oposta à dos peemedebistas na Câmara, foi registrada no Planalto como um alento. Não por acaso, a presidente Dilma era toda sorrisos com o aliado no fim de semana, durante a inauguração do estádio Mané Garrincha em Brasília.
Para os deputados do PMDB, entretanto, o semblante de Dilma se manterá fechado. E ainda não há a menor perspectiva de tudo voltar ao normal. Até porque a presidente acha que, como na semana passada, conseguirá vencer os congressistas pelo cansaço. Se continuar assim, talvez, Eduardo Cunha esteja certo: será crise atrás de crise. Só não piora porque os senadores servem de rede, antes de os projetos do governo atingirem o solo. Mais um sinal de que Lula estava certo quando orientou o PT a priorizar a eleição de senadores em 2010. Afinal, depois da derrota a CPMF em 2007, ele disse que não perderia mais nenhuma batalha por ali. Realmente, quando o assunto é importante, senadores não faltam ao governo. E, assim, o Congresso já tem até apelido: Casa do morde-assopra. O que Cunha morde, Renan assopra.
Com tantos candidatos a governador em gestação no Senado, a perspectiva é de se repetir outras vezes o grande apoio da Casa ao governo
Enquanto o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, vislumbra crise atrás de crise para o governo Dilma Rousseff, no Senado, ela pode se preparar para uma boa temporada, semelhante à que obteve na semana passada para aprovar a Medida Provisória dos Portos. O motivo de tanto apoio é proporcional à quantidade de pré-candidatos a governador de olho na presença dela e de Lula no palanque estadual em 2014. Se não para o próprio senador, para algum aliado dele.
A lista de candidatos ainda não está fechada, mas há nomes certos, a começar pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. Dois dias antes da votação, um senador comentava que ele não tinha outra alternativa senão votar a MP dos Portos. Afinal, era o tema de maior relevância para a popular presidente Dilma Rousseff e um candidato a governador não poderia desprezar essa ajuda ao governo.
Renan ou será candidato a governador de Alagoas ou lançará o deputado federal Renan Filho, seu primogênito. Hoje, a perspectiva é de Renan concorrer ao governo estadual, mas não se pode desconsiderar que a tentadora possibilidade de disputar a reeleição no Senado resulte numa mudança de planos. Independentemente do que ele decidir, o apoio do governo federal ao palanque dos Calheiros está fechado desde já.
O rol de senadores candidatos inclui ainda o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, do Ceará. Ele hoje tem um corredor estreito para encorpar sua pré-candidatura. O desejo do governador Cid Gomes é lançar um candidato da sua confiança — especula-se, inclusive, o nome do Secretario Especial de Portos, Leônidas Cristino. E o do PT, bem, o do PT sempre é o de lançar um nome da sua própria lavra. Isso só muda quando o partido tem a vice e com ela a perspectiva de ficar com o cargo no futuro.
No Ceará, o PT ainda não definiu o que fazer, uma vez que Cid Gomes também aguarda os movimentos do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para desenhar o seu tabuleiro estadual. Com os dois parados, Eunício tem optado por ajudar o governo, de olho no apoio que pode receber dos petistas logo ali na frente, caso Eduardo Campos seja candidato a presidente da República. Dois dias antes da votação da MP dos Portos, o senador cearense avisava a seus liderados aliados ao Planalto que, se a medida provisória chegasse ao Senado antes da meia-noite de quinta-feira, seria votada e a perspectiva era de aprovação.
O quadro de pré-candidatos a governador no PMDB tem ainda o líder do governo, Eduardo Braga, do Amazonas. Com o atual chefe do estado, Omar Aziz, fora do páreo, Braga planeja uma pré-candidatura de forma a não perder terreno para os adversários. Na eleição para prefeito de Manaus, o PMDB apoiou a candidatura da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e terminou perdendo para o PSDB do senador Arthur Virgílio Neto. Se prosseguir com a candidatura, Braga não perderá nem mesmo o mandato de senador, uma vez que a primeira suplente é a mulher dele, Sandra Backsmann Braga.
Enquanto isso, na Câmara…
Essas candidaturas ajudam a explicar a ajuda crucial que o governo recebeu da maioria dos senadores do PMDB, em especial de Renan Calheiros, para aprovar a MP dos Portos em menos de 24 horas, sem dar aos integrantes daquela Casa nem sequer tempo de entender o que havia saído da Câmara. A atitude de Renan, diametralmente oposta à dos peemedebistas na Câmara, foi registrada no Planalto como um alento. Não por acaso, a presidente Dilma era toda sorrisos com o aliado no fim de semana, durante a inauguração do estádio Mané Garrincha em Brasília.
Para os deputados do PMDB, entretanto, o semblante de Dilma se manterá fechado. E ainda não há a menor perspectiva de tudo voltar ao normal. Até porque a presidente acha que, como na semana passada, conseguirá vencer os congressistas pelo cansaço. Se continuar assim, talvez, Eduardo Cunha esteja certo: será crise atrás de crise. Só não piora porque os senadores servem de rede, antes de os projetos do governo atingirem o solo. Mais um sinal de que Lula estava certo quando orientou o PT a priorizar a eleição de senadores em 2010. Afinal, depois da derrota a CPMF em 2007, ele disse que não perderia mais nenhuma batalha por ali. Realmente, quando o assunto é importante, senadores não faltam ao governo. E, assim, o Congresso já tem até apelido: Casa do morde-assopra. O que Cunha morde, Renan assopra.
Com tantos candidatos a governador em gestação no Senado, a perspectiva é de se repetir outras vezes o grande apoio da Casa ao governo
Dificuldades e facilidades - DENIS LERRER ROSENFIELD
ESTADÃO - 20/05
A Polícia Federal executou imensa operação no Rio Grande do Sul, prendendo o atual e o ex-secretário estadual do Meio Ambiente, o secretário municipal do Meio Ambiente da capital, além de funcionários de órgãos ambientais, entre eles um dirigente, vários empresários e "despachantes ambientais". Como sempre, a operação foi montada para produzir muito estardalhaço, embora até agora as provas tenham sido escassas - ainda não dá para ver com precisão se os supostamente envolvidos são efetivamente culpados.
Os elementos mais probatórios parecem ser os de licenças de mineração, particularmente de areia, a cargo do governo estadual. No que concerne a Porto Alegre, o que veio a público até o momento parece indicar a ausência de corrupção ou atos ilícitos, apesar de o secretário ter amargado, com os outros secretários, cinco dias no Presídio Central. O castigo veio antes do suposto crime.
Interessa aqui, contudo, não somente o caso particular do Estado ou da capital, como também seu significado nacional, na medida em que as questões de licenças ambientais impactam, por exemplo, diretamente a construção civil e os shopping centers. Empresários desses ramos são submetidos a uma verdadeira via-crúcis para a obtenção de licenças ambientais e viárias para seus empreendimentos. Diante de dificuldades de tal monta, não deveria surpreender o aparecimento de vendedores de facilidades.
Um ponto que merece especial destaque é o fato de os empresários terem sido imediatamente acusados de corruptores. Houve um nítido viés antiempresarial, como se o lucro fosse um ilícito potencial e o privado, algo de certa maneira nocivo por princípio. Nesse sentido, a iniciativa privada é tomada por responsável pelos supostos crimes, como se a inclinação ao "crime" fosse própria de sua natureza. Aliás, algumas das incriminações são simplesmente ridículas, como o fato de o funcionário público X ter tirado da fila determinado processo a pedido do empresário Y, de modo que pudesse ser analisado com prioridade. Qual o crime nisso?
Note-se que esses processos se encontram em filas intermináveis, que se arrastam por vários anos - um processo que leve um ou dois anos é considerado rápido, pois outros podem tardar de quatro a seis, talvez mais. A pergunta que cabe é a seguinte: que negócio pode aguardar tanto tempo por uma licença? Anormal seria que os empresários não tentassem acelerar os processos de licenciamento, por uma razão muito clara: o prejuízo daí resultante.
Isso não significa, evidentemente, que as regras não devam ser seguidas. Acontece que as regras e seus procedimentos são formulados como se visassem à criação de um sem-número de obstáculos, como se empreender fosse uma atividade que, de certo modo, deveria ser punida.
A situação é kafkiana, com empresários perdidos nos labirintos burocráticos. Para um processo andar, só com contatos nos órgãos ambientais e em outros departamentos, porque por si mesmos não tendem a caminhar. O "despachante ambiental" torna-se, assim, uma figura necessária, pois, em sentido estrito, os processos não andam. Se existem "despachantes ambientais" e imobiliários, isso se deve à própria natureza do processo. Brotam lá onde as dificuldades florescem.
As regras de licenciamento ambiental e de construção em geral são elaboradas de forma a não facilitar a vida dos interessados, seja para um edifício, um shopping ou a simples reforma de uma casa. Desaparece a ideia do servidor público, cuja função deveria ser precisamente servir ao cidadão, que paga impostos e, desse modo, paga os salários de toda a máquina estatal. Muitos municípios estão justamente procurando resgatar essa ideia, orientando, inclusive, a atual administração da cidade de Porto Alegre.
Foi noticiado que mais de 60% dos atuais processos ambientais no governo estadual nem sequer foram analisados. Ou seja, a maioria está literalmente parada. A ineficiência burocrática é de tal ordem que as pessoas envolvidas terminam utilizando os mais diferentes recursos para que suas demandas possam ser analisadas.
Note-se que a ineficiência burocrática pode bem significar, no que parece ser o caso estadual, a ausência de meios - por exemplo, um número muito pequeno de computadores em relação à quantidade de funcionários. Equipar Secretarias de Meio Ambiente - quiçá até com doações privadas - é uma necessidade incontornável.
A corrupção, quando ocorre, é fruto de um certo tipo de regras, de burocracia e de meios. Quando tudo é feito para dificultar os projetos empresariais e particulares, surgem os mais diferentes tipos de "oportunidades". Fosse outra a situação, as oportunidades não surgiriam e os vendedores de facilidades não teriam a quem oferecer os seus serviços.
Seria muito simples resolver o problema da corrupção na burocracia pública, e na ambiental em particular. As compensações viárias, por sua vez, não poderiam ser de um montante que tornasse o empreendimento inviável ou pouco atrativo. Um limite deveria ser estabelecido.
Bastaria, no geral, que as regras ambientais fossem claras, precisas e transparentes. Os processos, seguindo regras exequíveis, seriam encaminhados por meio eletrônico e respondidos também eletronicamente. Cada parte se responsabilizando por suas ações, conforme as competências respectivas.
Em caso de resposta negativa, as razões deveriam ser claramente formuladas, para que outro encaminhamento fosse possível, na observância das leis. Mais importante ainda, a burocracia teria um prazo máximo e breve de resposta, com os funcionários e departamentos envolvidos sendo responsabilizados, até juridicamente se for o caso, por seu não cumprimento. Sem prazos curtos que sejam obedecidos, abrem-se as portas para a corrupção.
A Polícia Federal executou imensa operação no Rio Grande do Sul, prendendo o atual e o ex-secretário estadual do Meio Ambiente, o secretário municipal do Meio Ambiente da capital, além de funcionários de órgãos ambientais, entre eles um dirigente, vários empresários e "despachantes ambientais". Como sempre, a operação foi montada para produzir muito estardalhaço, embora até agora as provas tenham sido escassas - ainda não dá para ver com precisão se os supostamente envolvidos são efetivamente culpados.
Os elementos mais probatórios parecem ser os de licenças de mineração, particularmente de areia, a cargo do governo estadual. No que concerne a Porto Alegre, o que veio a público até o momento parece indicar a ausência de corrupção ou atos ilícitos, apesar de o secretário ter amargado, com os outros secretários, cinco dias no Presídio Central. O castigo veio antes do suposto crime.
Interessa aqui, contudo, não somente o caso particular do Estado ou da capital, como também seu significado nacional, na medida em que as questões de licenças ambientais impactam, por exemplo, diretamente a construção civil e os shopping centers. Empresários desses ramos são submetidos a uma verdadeira via-crúcis para a obtenção de licenças ambientais e viárias para seus empreendimentos. Diante de dificuldades de tal monta, não deveria surpreender o aparecimento de vendedores de facilidades.
Um ponto que merece especial destaque é o fato de os empresários terem sido imediatamente acusados de corruptores. Houve um nítido viés antiempresarial, como se o lucro fosse um ilícito potencial e o privado, algo de certa maneira nocivo por princípio. Nesse sentido, a iniciativa privada é tomada por responsável pelos supostos crimes, como se a inclinação ao "crime" fosse própria de sua natureza. Aliás, algumas das incriminações são simplesmente ridículas, como o fato de o funcionário público X ter tirado da fila determinado processo a pedido do empresário Y, de modo que pudesse ser analisado com prioridade. Qual o crime nisso?
Note-se que esses processos se encontram em filas intermináveis, que se arrastam por vários anos - um processo que leve um ou dois anos é considerado rápido, pois outros podem tardar de quatro a seis, talvez mais. A pergunta que cabe é a seguinte: que negócio pode aguardar tanto tempo por uma licença? Anormal seria que os empresários não tentassem acelerar os processos de licenciamento, por uma razão muito clara: o prejuízo daí resultante.
Isso não significa, evidentemente, que as regras não devam ser seguidas. Acontece que as regras e seus procedimentos são formulados como se visassem à criação de um sem-número de obstáculos, como se empreender fosse uma atividade que, de certo modo, deveria ser punida.
A situação é kafkiana, com empresários perdidos nos labirintos burocráticos. Para um processo andar, só com contatos nos órgãos ambientais e em outros departamentos, porque por si mesmos não tendem a caminhar. O "despachante ambiental" torna-se, assim, uma figura necessária, pois, em sentido estrito, os processos não andam. Se existem "despachantes ambientais" e imobiliários, isso se deve à própria natureza do processo. Brotam lá onde as dificuldades florescem.
As regras de licenciamento ambiental e de construção em geral são elaboradas de forma a não facilitar a vida dos interessados, seja para um edifício, um shopping ou a simples reforma de uma casa. Desaparece a ideia do servidor público, cuja função deveria ser precisamente servir ao cidadão, que paga impostos e, desse modo, paga os salários de toda a máquina estatal. Muitos municípios estão justamente procurando resgatar essa ideia, orientando, inclusive, a atual administração da cidade de Porto Alegre.
Foi noticiado que mais de 60% dos atuais processos ambientais no governo estadual nem sequer foram analisados. Ou seja, a maioria está literalmente parada. A ineficiência burocrática é de tal ordem que as pessoas envolvidas terminam utilizando os mais diferentes recursos para que suas demandas possam ser analisadas.
Note-se que a ineficiência burocrática pode bem significar, no que parece ser o caso estadual, a ausência de meios - por exemplo, um número muito pequeno de computadores em relação à quantidade de funcionários. Equipar Secretarias de Meio Ambiente - quiçá até com doações privadas - é uma necessidade incontornável.
A corrupção, quando ocorre, é fruto de um certo tipo de regras, de burocracia e de meios. Quando tudo é feito para dificultar os projetos empresariais e particulares, surgem os mais diferentes tipos de "oportunidades". Fosse outra a situação, as oportunidades não surgiriam e os vendedores de facilidades não teriam a quem oferecer os seus serviços.
Seria muito simples resolver o problema da corrupção na burocracia pública, e na ambiental em particular. As compensações viárias, por sua vez, não poderiam ser de um montante que tornasse o empreendimento inviável ou pouco atrativo. Um limite deveria ser estabelecido.
Bastaria, no geral, que as regras ambientais fossem claras, precisas e transparentes. Os processos, seguindo regras exequíveis, seriam encaminhados por meio eletrônico e respondidos também eletronicamente. Cada parte se responsabilizando por suas ações, conforme as competências respectivas.
Em caso de resposta negativa, as razões deveriam ser claramente formuladas, para que outro encaminhamento fosse possível, na observância das leis. Mais importante ainda, a burocracia teria um prazo máximo e breve de resposta, com os funcionários e departamentos envolvidos sendo responsabilizados, até juridicamente se for o caso, por seu não cumprimento. Sem prazos curtos que sejam obedecidos, abrem-se as portas para a corrupção.
Política? - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 20/05
Começo a semana diferente, com a responsabilidade de dirigir o maior partido de oposição do Brasil.
Ninguém desconhece as enormes dificuldades da representação política no país. Embalado pela profusão de cerca de três dezenas de legendas e pela lógica do modelo de governança de coalizão, o quadro partidário é anêmico: sofre de forte descrédito, movido por denúncias graves de apropriação e manejo indevido de recursos e um sem-número de outras incongruências.
Faltam nitidez programática e posicionamento. No lugar das ideias, prevalece a sobrevivência eleitoral, à reboque de alianças contraditórias. Algumas inexplicáveis.
O aliciamento político, a partilha de cargos e os interesses em extensas áreas da administração pública enfraqueceram o debate nacional e tornaram o exercício do contraditório cada vez mais raro, quase uma excentricidade. Para impedi-lo, lança-se mão do expediente de tentar transmudar cobranças legítimas, críticas e questionamentos em antipatriotismo, como se governo e país fossem um só.
A política de alianças e a composição de uma base congressual extensa e heterogênea, como a atual, só se justificam quando se constituem em ferramenta política para fazer mudanças estruturais necessárias, enfrentar corporativismos ou garantir viabilidade de reformas. É o preço que se paga para fazer o que precisa ser feito, o que, muitas vezes, requer medidas impopulares, que deveriam superar a conveniência da hora ou das urnas futuras.
O descrédito com a atividade política se amplia mais com o descompasso existente no país entre promessa e compromisso. O que, em política, deveria ser sinônimo, na prática são termos que não guardam nenhuma relação entre si.
Recordo, uma vez mais, apenas um dentre inúmeros exemplos, a promessa não cumprida da presidente da República na campanha de 2010 de desonerar as empresas de saneamento como forma de acelerar os investimentos na área.
Temos governos que não se sentem obrigados a cumprir o que pactuaram com a população nas urnas e uma população que, já amortecida por sucessivas frustrações, parece achar isso natural, a ponto de abrir mão de justas cobranças.
E, com isso, reveste de triste verdade a famosa frase de Apparício Torelly, o Barão de Itararé, adaptada à política: de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada
Nesse ambiente de descrédito, onde todos perdem, os partidos precisam retomar a responsabilidade que lhes cabe na representação da sociedade.
Para nós, do PSDB, uma das principais tarefas nesse campo tem sido buscar formas de impedir que a política perca, aos olhos da população, a sua legitimidade como instrumento transformador da realidade.
Começo a semana diferente, com a responsabilidade de dirigir o maior partido de oposição do Brasil.
Ninguém desconhece as enormes dificuldades da representação política no país. Embalado pela profusão de cerca de três dezenas de legendas e pela lógica do modelo de governança de coalizão, o quadro partidário é anêmico: sofre de forte descrédito, movido por denúncias graves de apropriação e manejo indevido de recursos e um sem-número de outras incongruências.
Faltam nitidez programática e posicionamento. No lugar das ideias, prevalece a sobrevivência eleitoral, à reboque de alianças contraditórias. Algumas inexplicáveis.
O aliciamento político, a partilha de cargos e os interesses em extensas áreas da administração pública enfraqueceram o debate nacional e tornaram o exercício do contraditório cada vez mais raro, quase uma excentricidade. Para impedi-lo, lança-se mão do expediente de tentar transmudar cobranças legítimas, críticas e questionamentos em antipatriotismo, como se governo e país fossem um só.
A política de alianças e a composição de uma base congressual extensa e heterogênea, como a atual, só se justificam quando se constituem em ferramenta política para fazer mudanças estruturais necessárias, enfrentar corporativismos ou garantir viabilidade de reformas. É o preço que se paga para fazer o que precisa ser feito, o que, muitas vezes, requer medidas impopulares, que deveriam superar a conveniência da hora ou das urnas futuras.
O descrédito com a atividade política se amplia mais com o descompasso existente no país entre promessa e compromisso. O que, em política, deveria ser sinônimo, na prática são termos que não guardam nenhuma relação entre si.
Recordo, uma vez mais, apenas um dentre inúmeros exemplos, a promessa não cumprida da presidente da República na campanha de 2010 de desonerar as empresas de saneamento como forma de acelerar os investimentos na área.
Temos governos que não se sentem obrigados a cumprir o que pactuaram com a população nas urnas e uma população que, já amortecida por sucessivas frustrações, parece achar isso natural, a ponto de abrir mão de justas cobranças.
E, com isso, reveste de triste verdade a famosa frase de Apparício Torelly, o Barão de Itararé, adaptada à política: de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada
Nesse ambiente de descrédito, onde todos perdem, os partidos precisam retomar a responsabilidade que lhes cabe na representação da sociedade.
Para nós, do PSDB, uma das principais tarefas nesse campo tem sido buscar formas de impedir que a política perca, aos olhos da população, a sua legitimidade como instrumento transformador da realidade.
Agruras do presidencialismo - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 20/05
Até ingressar na magistratura e desquitar-me da atividade partidária que exerci desde estudante durante 40 anos, tive ensejo de conhecer perfis, almas, procedimentos relativos a candidatos que, em sua variedade, iam do ridículo ao heroico, do paspalho ao astuto, do grotesco ao falso, do honrado desambicioso leal, em uma palavra, exemplar, um arco de variadas cores. E, diante de tal riqueza, sempre eu perguntei como essa personagem não fora aproveitada como figura central de um romance preparado por um escritor de talento, a revelar a multiplicidade e riqueza, a pequenez e a grandeza dessa figura, capaz de mostrar uma parcela da inacabável variedade do ser humano.
Essa observação me veio à tona ao verificar as mutações que a senhora Presidente vem revelando, pelo menos em sua personalidade pública, desde que feita candidata à reeleição. Não me aventurando à exegese do fenômeno, fico apenas em seu registro. Lembro apenas que correu a versão segundo a qual seria pessoa de personalidade forte ou marcante, quiçá autoritária, senão durona, qualidade que deixou entrever, embora, com cuidado, ao enfrentar indivíduos colocados em postos de relevo em seu governo, seria o tempo da "faxina" que, aliás, teve a duração das rosas; e depois da metamorfose ocorrida, pelo menos na imagem pública da atual candidata, a durona chegou até à ressurreição de um ou outro faxinado.
Como é óbvio, não possuo nenhum laboratório apto a selecionar e sancionar a qualidade, louvável ou não, desta ou daquela situação concreta, imputável à cabeça do governo; limito-me a acompanhar o que a imprensa divulga, para ficar no mais acessível ou simples instrumento de divulgação dos fenômenos diários na imensa congérie de fatores que dia a dia é distribuída a milhares de pessoas, que os digere ou ignora.
Para ilustrar o que me parece útil mostrar, reproduzo um dado que, sem ser monumental, é revelador de sua inerente relevância. Repito o que foi divulgado: a inadimplência do consumidor patina e recua em ritmo lento nos últimos meses, porque a disparada da inflação acabou achatando a renda das famílias, especialmente as mais pobres e que gastam mais com alimentos. Para manter o padrão de consumo, a saída encontrada pelas famílias foi assumir novas dívidas. Isso amplia o risco de inadimplência futura num cenário de alta da taxa de juros.
Pretendia mostrar alguns dados dessa realidade, mas fato novo me leva a mudar o tema. A notícia do dia é relativa à aprovação da MP dos Portos após 50 horas de confronto. Não tenho elementos para pronunciar-me acerca do merecimento de cada uma das posições, e a matéria é de particular seriedade e de longa data o setor se constituiu em um feudo. A Sra. Presidente, que tem o apoio de 18 ou 19 siglas, não conseguiu aprovar a MP como queria e só mediante concessões e depois de esforços desmedidos. É natural que o governo conte com o apoio dos partidos que nele tem participação, como também é natural que o governo não se submeta pura e simplesmente à maioria que o prestigia. Deve haver determinado equilíbrio. Nos tempos da Arena, "o maior partido do Ocidente", na expressão do antigo presidente da agremiação, aprovou tudo e resultou que nunca mais veio a ser "o maior partido do Ocidente"; trocou até de nome e de nada adiantou. Fala-se agora na "quebra da base aliada", quando se poderia denominar de fatalidade inerente ao sistema presidencial, concebido quando as instituições democráticas engatinhavam.
Até ingressar na magistratura e desquitar-me da atividade partidária que exerci desde estudante durante 40 anos, tive ensejo de conhecer perfis, almas, procedimentos relativos a candidatos que, em sua variedade, iam do ridículo ao heroico, do paspalho ao astuto, do grotesco ao falso, do honrado desambicioso leal, em uma palavra, exemplar, um arco de variadas cores. E, diante de tal riqueza, sempre eu perguntei como essa personagem não fora aproveitada como figura central de um romance preparado por um escritor de talento, a revelar a multiplicidade e riqueza, a pequenez e a grandeza dessa figura, capaz de mostrar uma parcela da inacabável variedade do ser humano.
Essa observação me veio à tona ao verificar as mutações que a senhora Presidente vem revelando, pelo menos em sua personalidade pública, desde que feita candidata à reeleição. Não me aventurando à exegese do fenômeno, fico apenas em seu registro. Lembro apenas que correu a versão segundo a qual seria pessoa de personalidade forte ou marcante, quiçá autoritária, senão durona, qualidade que deixou entrever, embora, com cuidado, ao enfrentar indivíduos colocados em postos de relevo em seu governo, seria o tempo da "faxina" que, aliás, teve a duração das rosas; e depois da metamorfose ocorrida, pelo menos na imagem pública da atual candidata, a durona chegou até à ressurreição de um ou outro faxinado.
Como é óbvio, não possuo nenhum laboratório apto a selecionar e sancionar a qualidade, louvável ou não, desta ou daquela situação concreta, imputável à cabeça do governo; limito-me a acompanhar o que a imprensa divulga, para ficar no mais acessível ou simples instrumento de divulgação dos fenômenos diários na imensa congérie de fatores que dia a dia é distribuída a milhares de pessoas, que os digere ou ignora.
Para ilustrar o que me parece útil mostrar, reproduzo um dado que, sem ser monumental, é revelador de sua inerente relevância. Repito o que foi divulgado: a inadimplência do consumidor patina e recua em ritmo lento nos últimos meses, porque a disparada da inflação acabou achatando a renda das famílias, especialmente as mais pobres e que gastam mais com alimentos. Para manter o padrão de consumo, a saída encontrada pelas famílias foi assumir novas dívidas. Isso amplia o risco de inadimplência futura num cenário de alta da taxa de juros.
Pretendia mostrar alguns dados dessa realidade, mas fato novo me leva a mudar o tema. A notícia do dia é relativa à aprovação da MP dos Portos após 50 horas de confronto. Não tenho elementos para pronunciar-me acerca do merecimento de cada uma das posições, e a matéria é de particular seriedade e de longa data o setor se constituiu em um feudo. A Sra. Presidente, que tem o apoio de 18 ou 19 siglas, não conseguiu aprovar a MP como queria e só mediante concessões e depois de esforços desmedidos. É natural que o governo conte com o apoio dos partidos que nele tem participação, como também é natural que o governo não se submeta pura e simplesmente à maioria que o prestigia. Deve haver determinado equilíbrio. Nos tempos da Arena, "o maior partido do Ocidente", na expressão do antigo presidente da agremiação, aprovou tudo e resultou que nunca mais veio a ser "o maior partido do Ocidente"; trocou até de nome e de nada adiantou. Fala-se agora na "quebra da base aliada", quando se poderia denominar de fatalidade inerente ao sistema presidencial, concebido quando as instituições democráticas engatinhavam.
O poder da compra - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 20/05
A renovação da cúpula do PSDB é uma volta à era FHC. Aécio Neves quer dar a Fernando o que é de Henrique. Convencer o eleitor de que o salto do Brasil foi dado quando os tucanos mandavam em Pindorama. Méritos à parte, é muita fé no marketing político.
Quando o PT chegou ao poder, o fogão estava universalizado no Brasil: 98% dos brasileiros tinham. Foi um feito da era tucana. Outros itens de consumo doméstico estavam à beira da universalização. A televisão atingia a casa de 90% dos brasileiros, e a geladeira era usada por 86%. Sob a dupla Lula-Dilma, suas taxas chegaram a 97% e a 96%, respectivamente.
Por que, então, a maioria dos eleitores teima em creditar aos presidentes petistas o seu salto de consumo? Não foram 11% a mais de posse de geladeira que impulsionaram o triplo mortal carpado do petismo. Talvez seja a máquina de lavar roupa: 52% de aumento sob o PT. Mas ainda está fora do alcance de metade dos brasileiros - e não é "o" sonho de consumo da metade masculina.
Então foram os telefones, especialmente os celulares. Pulularam das mãos e ouvidos de 61% para 91% dos eleitores brasileiros. Praticamente só quem ganha menos de dois salários mínimos não tem um aparelho em casa ou no bolso. Mas a privatização que possibilitou esse avanço foi no governo tucano. O consumidor não pode ser tão mal-agradecido. Há de ser outra coisa.
A internet! Só pode ser a internet. Tudo, hoje, é culpa da internet. Nenhum bem ou serviço avançou mais desde que o PT é governo: cresceu 200% a posse de computador em casa e 241% a conexão domiciliar ao mundo digital. De cada 10 casas, 4 estão ligadas à rede mundial de computadores e a proporção cresce 30% ao ano. De casa ou do trabalho, meio Brasil está conectado.
Mas essa é uma tendência mundial, consequência dos avanços e do barateamento da tecnologia. O governo petista lançou um programa ainda imberbe de banda larga popular. Deu sorte. Também.
No pós-guerra, a universalização dos bens de consumo de massa garantiu prosperidade aos EUA por três décadas. Quando o mercado saturou, mudou-se a estratégia. Em vez de mais do mesmo para todos, veio a diferenciação pelo consumo, o culto ao status pessoal via personalização dos produtos. Todo mundo quer ser diferenciado, não pelo que é, mas pelo que aparenta ter.
O PT chegou ao poder antes do auge da massificação do consumo no Brasil. Associou sua imagem à universalização muito mais do que os tucanos, que perderam o bonde no meio do processo. Os neoconsumidores sufragam o PT na urna para defender seu novo status quo, não a conversa ideológica do partido. Contra isso, recontar a história pode ser justo, mas é irrelevante.
É Carnaval! Mais arrastada do que guarda-roupa em mudança, a votação da MP dos Portos foi um desfile de alegorias políticas brasilienses: batalha de confete entre blocos privados, desarmonia partidária, ala dos oportunistas - tudo ao custoso ritmo da bateria de cooptação governista. Carnaval de verbas e verbos.
É o cenário perfeito para um passista como o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), exercitar seu bailado. Termina aplaudido pelos figurantes por saber arrancar do governo mais do que o governante está disposto a dar. Valoriza o voto do baixo clero da Câmara e posa de mestre-sala.
Cunha só baila porque o governo toca. Ele já dançou o minueto ao som de presidentes como Fernando Collor e governadores como Sérgio Cabral e Anthony Garotinho (com quem trocou impropérios outro dia). Dilma Rousseff é a maestrina da vez.
Se quiser, como se propala, acabar com a festa de Cunha, a presidente vai ter que parar a música - aí, ainda mais foliões vão reclamar. Contra a penitência, ameaçam com abstinência de votos.
Dilma está descobrindo que, em Brasília, Momo reina o ano inteiro e a Quaresma termina em fevereiro.
A renovação da cúpula do PSDB é uma volta à era FHC. Aécio Neves quer dar a Fernando o que é de Henrique. Convencer o eleitor de que o salto do Brasil foi dado quando os tucanos mandavam em Pindorama. Méritos à parte, é muita fé no marketing político.
Quando o PT chegou ao poder, o fogão estava universalizado no Brasil: 98% dos brasileiros tinham. Foi um feito da era tucana. Outros itens de consumo doméstico estavam à beira da universalização. A televisão atingia a casa de 90% dos brasileiros, e a geladeira era usada por 86%. Sob a dupla Lula-Dilma, suas taxas chegaram a 97% e a 96%, respectivamente.
Por que, então, a maioria dos eleitores teima em creditar aos presidentes petistas o seu salto de consumo? Não foram 11% a mais de posse de geladeira que impulsionaram o triplo mortal carpado do petismo. Talvez seja a máquina de lavar roupa: 52% de aumento sob o PT. Mas ainda está fora do alcance de metade dos brasileiros - e não é "o" sonho de consumo da metade masculina.
Então foram os telefones, especialmente os celulares. Pulularam das mãos e ouvidos de 61% para 91% dos eleitores brasileiros. Praticamente só quem ganha menos de dois salários mínimos não tem um aparelho em casa ou no bolso. Mas a privatização que possibilitou esse avanço foi no governo tucano. O consumidor não pode ser tão mal-agradecido. Há de ser outra coisa.
A internet! Só pode ser a internet. Tudo, hoje, é culpa da internet. Nenhum bem ou serviço avançou mais desde que o PT é governo: cresceu 200% a posse de computador em casa e 241% a conexão domiciliar ao mundo digital. De cada 10 casas, 4 estão ligadas à rede mundial de computadores e a proporção cresce 30% ao ano. De casa ou do trabalho, meio Brasil está conectado.
Mas essa é uma tendência mundial, consequência dos avanços e do barateamento da tecnologia. O governo petista lançou um programa ainda imberbe de banda larga popular. Deu sorte. Também.
No pós-guerra, a universalização dos bens de consumo de massa garantiu prosperidade aos EUA por três décadas. Quando o mercado saturou, mudou-se a estratégia. Em vez de mais do mesmo para todos, veio a diferenciação pelo consumo, o culto ao status pessoal via personalização dos produtos. Todo mundo quer ser diferenciado, não pelo que é, mas pelo que aparenta ter.
O PT chegou ao poder antes do auge da massificação do consumo no Brasil. Associou sua imagem à universalização muito mais do que os tucanos, que perderam o bonde no meio do processo. Os neoconsumidores sufragam o PT na urna para defender seu novo status quo, não a conversa ideológica do partido. Contra isso, recontar a história pode ser justo, mas é irrelevante.
É Carnaval! Mais arrastada do que guarda-roupa em mudança, a votação da MP dos Portos foi um desfile de alegorias políticas brasilienses: batalha de confete entre blocos privados, desarmonia partidária, ala dos oportunistas - tudo ao custoso ritmo da bateria de cooptação governista. Carnaval de verbas e verbos.
É o cenário perfeito para um passista como o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), exercitar seu bailado. Termina aplaudido pelos figurantes por saber arrancar do governo mais do que o governante está disposto a dar. Valoriza o voto do baixo clero da Câmara e posa de mestre-sala.
Cunha só baila porque o governo toca. Ele já dançou o minueto ao som de presidentes como Fernando Collor e governadores como Sérgio Cabral e Anthony Garotinho (com quem trocou impropérios outro dia). Dilma Rousseff é a maestrina da vez.
Se quiser, como se propala, acabar com a festa de Cunha, a presidente vai ter que parar a música - aí, ainda mais foliões vão reclamar. Contra a penitência, ameaçam com abstinência de votos.
Dilma está descobrindo que, em Brasília, Momo reina o ano inteiro e a Quaresma termina em fevereiro.
Novas fronteiras - PAULO GUEDES
O GLOBO - 20/05
Importantes protagonistas da grande crise financeira contemporânea, os Estados Unidos permanecem à frente da nova ordem mundial em sua mais nova e formidável dimensão: a economia digital. A inovação e o empreendedorismo baseados no conhecimento, fatores críticos à dinâmica de crescimento desse novo setor, foram responsáveis pela criação de empresas como Apple, Intel, Microsoft, Google, Facebook, Cisco, Oracle, YouTube, Twitter, Amazon e tantas outras.
Enquanto se entregavam aos excessos dos financistas e perdiam a liderança em setores industriais tradicionais, como as indústrias do aço, automobilística e química para alemães e asiáticos, os americanos mantiveram seu domínio nas áreas das novas tecnologias. As fronteiras móveis entre as indústrias atingidas em cheio pela internet, como mídia, telecomunicações, saúde e educação, criaram extraordinárias oportunidades de investimento. O mergulho nessas novas fronteiras é que os mantém na liderança dessa construção do futuro, enquanto simultaneamente enfrentam o declínio e a obsolescência dos setores convencionais.
A educação, fonte inequívoca da vantagem competitiva dessas novas empresas da economia digital, é por sua vez também radicalmente transformada pelas novas tecnologias. A ponto de constituir ambiente natural para a criação de fabulosos empreendimentos nos quais se dá a convergência das novas tecnologias, como a internet, com áreas até então convencionais, como mídia e telecomunicações, revolucionando práticas milenares de transmissão de conhecimento.
O ritmo de investimentos nessas novas tecnologias, e nas indústrias que ajudam a transformar radicalmente, depende de fatores ambientais ainda rarefeitos entre nós, brasileiros. Basta pensar no Vale do Silício: muito empreendedorismo, capital humano de qualidade, incentivos fiscais e capital de risco abundante. Mas há uma grande vantagem inerente ao setor: por sua natureza virtual e intangibilidade de boa parte de sua cadeia produtiva, torna-se difícil sua regulamentação pelo governo. Enquanto a regulamentação inadequada andou travando investimentos nas áreas de energia, petróleo e infraestrutura de transporte, construímos em poucos anos no Brasil algumas das maiores empresas educacionais do mundo.
Enquanto se entregavam aos excessos dos financistas e perdiam a liderança em setores industriais tradicionais, como as indústrias do aço, automobilística e química para alemães e asiáticos, os americanos mantiveram seu domínio nas áreas das novas tecnologias. As fronteiras móveis entre as indústrias atingidas em cheio pela internet, como mídia, telecomunicações, saúde e educação, criaram extraordinárias oportunidades de investimento. O mergulho nessas novas fronteiras é que os mantém na liderança dessa construção do futuro, enquanto simultaneamente enfrentam o declínio e a obsolescência dos setores convencionais.
A educação, fonte inequívoca da vantagem competitiva dessas novas empresas da economia digital, é por sua vez também radicalmente transformada pelas novas tecnologias. A ponto de constituir ambiente natural para a criação de fabulosos empreendimentos nos quais se dá a convergência das novas tecnologias, como a internet, com áreas até então convencionais, como mídia e telecomunicações, revolucionando práticas milenares de transmissão de conhecimento.
O ritmo de investimentos nessas novas tecnologias, e nas indústrias que ajudam a transformar radicalmente, depende de fatores ambientais ainda rarefeitos entre nós, brasileiros. Basta pensar no Vale do Silício: muito empreendedorismo, capital humano de qualidade, incentivos fiscais e capital de risco abundante. Mas há uma grande vantagem inerente ao setor: por sua natureza virtual e intangibilidade de boa parte de sua cadeia produtiva, torna-se difícil sua regulamentação pelo governo. Enquanto a regulamentação inadequada andou travando investimentos nas áreas de energia, petróleo e infraestrutura de transporte, construímos em poucos anos no Brasil algumas das maiores empresas educacionais do mundo.
Riscos da vitória - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 20/05
BRASÍLIA - Na base do sufoco, o governo Dilma demonstrou força e ganhou a batalha da votação da MP dos Portos. Agora, terá de administrar os riscos gerados pela vitória.
O primeiro deles reside dentro do próprio Palácio do Planalto. Há uma tentação de usar a vitória para sancionar um modelo de articulação política que mostrou falhas durante boa parte do processo.
O governo avalia, por exemplo, que o resultado fragilizou a visão de que o PMDB é imprescindível para suas disputas na Câmara. Em várias votações da MP, o partido ficou contra o Planalto, mas perdeu.
Na questão atual, análise correta. Dilma derrotou o PMDB do líder Eduardo Cunha. Em futuras, como CPIs, pode não ser. Uma aliança entre peemedebistas e oposição tende a ser fatal para o governo.
Daí que fechar os olhos para os erros políticos não é prudente. Melhor não reagir com o fígado e discutir já a relação com a base aliada.
O segundo risco foi o preço da votação-relâmpago da MP no Senado, que ali chegou a horas de perder validade. Presidente da Casa, Renan Calheiros avisou o Planalto que aprovaria o texto, mas teria de fazer concessões à oposição.
Resultado: MPs devem cair em breve no Senado, pois o compromisso é não mais votá-las caso cheguem com prazo de vencimento inferior a sete dias. O ritmo lerdo da Câmara e a desarticulação governista podem tornar isso frequente.
O terceiro risco está em gestação. Cresce o apoio na Câmara à proposta de tornar obrigatória a liberação das emendas parlamentares, pelas quais congressistas enviam dinheiro para suas bases eleitorais.
Reação à tática governista de bloquear essa grana e soltá-la na véspera de votações importantes, como voltou a ocorrer na MP dos Portos.
No governo, há quem releve tais ameaças no ar. Afinal, nada de vital deve ser enviado ao Congresso a partir de agora. A conferir. Brincar com fogo costuma ser perigoso.
BRASÍLIA - Na base do sufoco, o governo Dilma demonstrou força e ganhou a batalha da votação da MP dos Portos. Agora, terá de administrar os riscos gerados pela vitória.
O primeiro deles reside dentro do próprio Palácio do Planalto. Há uma tentação de usar a vitória para sancionar um modelo de articulação política que mostrou falhas durante boa parte do processo.
O governo avalia, por exemplo, que o resultado fragilizou a visão de que o PMDB é imprescindível para suas disputas na Câmara. Em várias votações da MP, o partido ficou contra o Planalto, mas perdeu.
Na questão atual, análise correta. Dilma derrotou o PMDB do líder Eduardo Cunha. Em futuras, como CPIs, pode não ser. Uma aliança entre peemedebistas e oposição tende a ser fatal para o governo.
Daí que fechar os olhos para os erros políticos não é prudente. Melhor não reagir com o fígado e discutir já a relação com a base aliada.
O segundo risco foi o preço da votação-relâmpago da MP no Senado, que ali chegou a horas de perder validade. Presidente da Casa, Renan Calheiros avisou o Planalto que aprovaria o texto, mas teria de fazer concessões à oposição.
Resultado: MPs devem cair em breve no Senado, pois o compromisso é não mais votá-las caso cheguem com prazo de vencimento inferior a sete dias. O ritmo lerdo da Câmara e a desarticulação governista podem tornar isso frequente.
O terceiro risco está em gestação. Cresce o apoio na Câmara à proposta de tornar obrigatória a liberação das emendas parlamentares, pelas quais congressistas enviam dinheiro para suas bases eleitorais.
Reação à tática governista de bloquear essa grana e soltá-la na véspera de votações importantes, como voltou a ocorrer na MP dos Portos.
No governo, há quem releve tais ameaças no ar. Afinal, nada de vital deve ser enviado ao Congresso a partir de agora. A conferir. Brincar com fogo costuma ser perigoso.
O FAT pede socorro - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 20/05
Criado para custear o seguro-desemprego, dar qualificação profissional ao trabalhador e financiar programas de desenvolvimento e geração de emprego, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) não está conseguindo cumprir suas funções com receitas próprias, embora essas sejam bilionárias. Suas despesas têm crescido mais depressa do que as receitas, o que tem exigido dinheiro do Tesouro Nacional para equilibrar suas contas. Esse quadro se agravará no futuro, o que já exige a revisão dos critérios dos pagamentos feitos pelo Fundo ou de suas receitas.
Entre 2008 e 2012, as receitas próprias do Fundo de Amparo ao Trabalhador - originárias, basicamente, da contribuição do PIS/Pasep e da remuneração das transferências para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que as aplica em programas de desenvolvimento - cresceram à média anual de 11,4%, tendo alcançado R$ 54,8 bilhões no ano passado. Esse valor não inclui os repasses do Tesouro Nacional. Já as despesas cresceram bem mais, à média de 17,5% ao ano, tendo atingido R$ 57,1 bilhões em 2012. Se contasse apenas com os próprios recursos, o FAT teria registrado um rombo de R$ 2,3 bilhões no ano passado. Como recebeu R$ 5,3 bilhões do Tesouro, encerrou o exercício com um superávit nominal de R$ 3 bilhões.
Em 2013, o socorro será maior, pois o FAT receberá R$ 3,26 bilhões do Tesouro. Mesmo assim, de acordo com as estimativas de resultados até 2016 anexadas ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, deverá ter um rombo de R$ 4,15 bilhões, o que elevará o repasse total para R$ 7,41 bilhões.
A ajuda do Tesouro crescerá nos dois próximos anos (R$ 8,97 bilhões em 2014 e R$ 10,66 bilhões em 2015) e diminuirá em 2016 (R$ 5,0 bilhões). Ou seja, para zerar suas contas, o FAT terá de contar com R$ 32 bilhões do Tesouro.
Mas o rombo pode estar subestimado, por meio de uma previsão de crescimento mais rápido da receita e mais lento das despesas. Entre 2008 e 2012, as receitas próprias do FAT cresceram 22,7% em termos reais, enquanto as despesas, no mesmo período, aumentaram 45,3%, daí o surgimento do rombo. Para o período 2013-2016, admitindo-se a inflação anual de 4,5% em todos os anos (este é o centro da meta que o Banco Central vem mantendo desde 2005 e já foi definido para 2014), as receitas próprias crescerão 41% em valores reais e as despesas, 21,3%, o que significaria a inversão da tendência.
Essa inversão até poderá ocorrer, mas, pelas explicações da direção do FAT para o aumento mais rápido das despesas nos últimos anos, é pouco provável. Os fatores que impulsionaram os gastos continuarão a fazê-lo, talvez até com mais intensidade, no futuro próximo, se nada for mudado.
A formalização crescente do mercado de trabalho fez crescer a arrecadação do FAT, mas também impôs maiores despesas, pois, com a maior movimentação do mercado de trabalho, cresceu o número dos empregados que são demitidos sem justa causa e que se habilitam a receber o salário-desemprego. Igualmente aumentou o número de trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e têm direito ao abono salarial. A expectativa é de que essa tendência se mantenha. Além de crescer o número dos beneficiários do FAT, o valor unitário dos benefícios aumenta em termos reais, pois eles são indexados ao salário mínimo, reajustado por índices maiores do que a inflação.
O governo precisa, de fato, fazer estudos "para adequar o fluxo de receitas e despesas do FAT (...) aos novos paradigmas do mercado de trabalho", como sugere o coordenador-geral de recursos do Fundo, Paulo Cesar Bezerra de Moura. Mas isso não basta. A direção do Fundo precisa melhorar a gestão dos recursos. Nas projeções das despesas futuras há um notável crescimento dos gastos com qualificação, que foram de R$ 58,4 milhões em 2012 e deverão alcançar R$ 1 bilhão em 2016. Recorde-se que foi a título de qualificação do trabalhador que entidades sindicais apoiadas pelo Ministério do Trabalho desviaram milhões de reais do Fundo de Amparo ao Trabalhador há alguns anos.
Criado para custear o seguro-desemprego, dar qualificação profissional ao trabalhador e financiar programas de desenvolvimento e geração de emprego, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) não está conseguindo cumprir suas funções com receitas próprias, embora essas sejam bilionárias. Suas despesas têm crescido mais depressa do que as receitas, o que tem exigido dinheiro do Tesouro Nacional para equilibrar suas contas. Esse quadro se agravará no futuro, o que já exige a revisão dos critérios dos pagamentos feitos pelo Fundo ou de suas receitas.
Entre 2008 e 2012, as receitas próprias do Fundo de Amparo ao Trabalhador - originárias, basicamente, da contribuição do PIS/Pasep e da remuneração das transferências para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que as aplica em programas de desenvolvimento - cresceram à média anual de 11,4%, tendo alcançado R$ 54,8 bilhões no ano passado. Esse valor não inclui os repasses do Tesouro Nacional. Já as despesas cresceram bem mais, à média de 17,5% ao ano, tendo atingido R$ 57,1 bilhões em 2012. Se contasse apenas com os próprios recursos, o FAT teria registrado um rombo de R$ 2,3 bilhões no ano passado. Como recebeu R$ 5,3 bilhões do Tesouro, encerrou o exercício com um superávit nominal de R$ 3 bilhões.
Em 2013, o socorro será maior, pois o FAT receberá R$ 3,26 bilhões do Tesouro. Mesmo assim, de acordo com as estimativas de resultados até 2016 anexadas ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, deverá ter um rombo de R$ 4,15 bilhões, o que elevará o repasse total para R$ 7,41 bilhões.
A ajuda do Tesouro crescerá nos dois próximos anos (R$ 8,97 bilhões em 2014 e R$ 10,66 bilhões em 2015) e diminuirá em 2016 (R$ 5,0 bilhões). Ou seja, para zerar suas contas, o FAT terá de contar com R$ 32 bilhões do Tesouro.
Mas o rombo pode estar subestimado, por meio de uma previsão de crescimento mais rápido da receita e mais lento das despesas. Entre 2008 e 2012, as receitas próprias do FAT cresceram 22,7% em termos reais, enquanto as despesas, no mesmo período, aumentaram 45,3%, daí o surgimento do rombo. Para o período 2013-2016, admitindo-se a inflação anual de 4,5% em todos os anos (este é o centro da meta que o Banco Central vem mantendo desde 2005 e já foi definido para 2014), as receitas próprias crescerão 41% em valores reais e as despesas, 21,3%, o que significaria a inversão da tendência.
Essa inversão até poderá ocorrer, mas, pelas explicações da direção do FAT para o aumento mais rápido das despesas nos últimos anos, é pouco provável. Os fatores que impulsionaram os gastos continuarão a fazê-lo, talvez até com mais intensidade, no futuro próximo, se nada for mudado.
A formalização crescente do mercado de trabalho fez crescer a arrecadação do FAT, mas também impôs maiores despesas, pois, com a maior movimentação do mercado de trabalho, cresceu o número dos empregados que são demitidos sem justa causa e que se habilitam a receber o salário-desemprego. Igualmente aumentou o número de trabalhadores que ganham até dois salários mínimos e têm direito ao abono salarial. A expectativa é de que essa tendência se mantenha. Além de crescer o número dos beneficiários do FAT, o valor unitário dos benefícios aumenta em termos reais, pois eles são indexados ao salário mínimo, reajustado por índices maiores do que a inflação.
O governo precisa, de fato, fazer estudos "para adequar o fluxo de receitas e despesas do FAT (...) aos novos paradigmas do mercado de trabalho", como sugere o coordenador-geral de recursos do Fundo, Paulo Cesar Bezerra de Moura. Mas isso não basta. A direção do Fundo precisa melhorar a gestão dos recursos. Nas projeções das despesas futuras há um notável crescimento dos gastos com qualificação, que foram de R$ 58,4 milhões em 2012 e deverão alcançar R$ 1 bilhão em 2016. Recorde-se que foi a título de qualificação do trabalhador que entidades sindicais apoiadas pelo Ministério do Trabalho desviaram milhões de reais do Fundo de Amparo ao Trabalhador há alguns anos.
A educação ultrajada - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 20/05
O clima de violência crescente em sala de aula têm explicações que começam num ambiente familiar normalmente desestruturado e, por isso, precisa ser enfrentado de forma articulada.
Pesquisa realizada recentemente pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo chama a atenção para uma realidade comum à maioria das unidades da federação: nada menos de 44% dos professores entrevistados já sofreram algum tipo de violência na escola, entre agressões físicas, verbais, assédio moral e bullying. O comportamento agressivo por parte de alunos é apontado como um dos responsáveis por danos à integridade psicológica dos educadores, além de figurar entre as principais causas da desistência do magistério. No momento em que a qualidade do ensino formal constitui-se numa das questões centrais da pauta de prioridades do país, esta é uma questão central, pois demonstra o quanto a educação recebida em casa tende a ser decisiva para o futuro de crianças e adolescentes e para o do próprio país.
O que o levantamento indica de mais preocupante é um número cada vez maior de professores, particularmente os do Ensino Médio, exposto à violência de grupos de alunos com distúrbios de comportamento. A maioria dos educadores já presenciou estudantes sob o efeito de drogas, alcoolizados ou portando armas brancas e de fogo. Sob esse clima de hostilidade permanente, são comuns casos que vão desde pressão psicológica e bullying até puxões de cabelo, pontapés e agressões de maior gravidade, além de riscos aos demais colegas e de danos à estrutura física dos estabelecimentos de ensino. Uma das consequências é que, nesse ambiente, as tensões atrapalham o processo de aprendizado. Ao mesmo tempo, cada vez menos professores se mostram em condições de continuar desafiando o medo no cotidiano para transmitir conteúdos.
O clima de violência crescente em sala de aula têm explicações que começam num ambiente familiar normalmente desestruturado, pouco preocupado em transmitir valores mínimos de respeito ao próximo, e, por isso, precisa ser enfrentado de forma articulada. No momento em que se intensifica a discussão sobre a qualidade do ensino formal no país, a educação familiar aparece como um obstáculo difícil de transpor. Essa não é atribuição da escola e sim um dever de casa que os pais não estão fazendo, por razões difíceis de serem enfrentadas de um momento para outro.
A questão é que, enquanto o desafio não é enfrentado, as deficiências do ensino, explicadas por razões como a falta de motivação de professores e alunos, só tendem a se agravar ainda mais, com prejuízos generalizados para os brasileiros e para a imagem do país de maneira geral. Muitas escolas vêm investindo em medidas preventivas, com ênfase em alternativas como mediação ou arbitragem, além de envolvimento dos pais, quando há condições para isso. Sempre que uma agressão é consumada, porém, é óbvio que a escola precisa agir com o rigor que o aluno não encontrou em casa, para não passar também a ideia de tolerância com a violência.
O clima de violência crescente em sala de aula têm explicações que começam num ambiente familiar normalmente desestruturado e, por isso, precisa ser enfrentado de forma articulada.
Pesquisa realizada recentemente pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo chama a atenção para uma realidade comum à maioria das unidades da federação: nada menos de 44% dos professores entrevistados já sofreram algum tipo de violência na escola, entre agressões físicas, verbais, assédio moral e bullying. O comportamento agressivo por parte de alunos é apontado como um dos responsáveis por danos à integridade psicológica dos educadores, além de figurar entre as principais causas da desistência do magistério. No momento em que a qualidade do ensino formal constitui-se numa das questões centrais da pauta de prioridades do país, esta é uma questão central, pois demonstra o quanto a educação recebida em casa tende a ser decisiva para o futuro de crianças e adolescentes e para o do próprio país.
O que o levantamento indica de mais preocupante é um número cada vez maior de professores, particularmente os do Ensino Médio, exposto à violência de grupos de alunos com distúrbios de comportamento. A maioria dos educadores já presenciou estudantes sob o efeito de drogas, alcoolizados ou portando armas brancas e de fogo. Sob esse clima de hostilidade permanente, são comuns casos que vão desde pressão psicológica e bullying até puxões de cabelo, pontapés e agressões de maior gravidade, além de riscos aos demais colegas e de danos à estrutura física dos estabelecimentos de ensino. Uma das consequências é que, nesse ambiente, as tensões atrapalham o processo de aprendizado. Ao mesmo tempo, cada vez menos professores se mostram em condições de continuar desafiando o medo no cotidiano para transmitir conteúdos.
O clima de violência crescente em sala de aula têm explicações que começam num ambiente familiar normalmente desestruturado, pouco preocupado em transmitir valores mínimos de respeito ao próximo, e, por isso, precisa ser enfrentado de forma articulada. No momento em que se intensifica a discussão sobre a qualidade do ensino formal no país, a educação familiar aparece como um obstáculo difícil de transpor. Essa não é atribuição da escola e sim um dever de casa que os pais não estão fazendo, por razões difíceis de serem enfrentadas de um momento para outro.
A questão é que, enquanto o desafio não é enfrentado, as deficiências do ensino, explicadas por razões como a falta de motivação de professores e alunos, só tendem a se agravar ainda mais, com prejuízos generalizados para os brasileiros e para a imagem do país de maneira geral. Muitas escolas vêm investindo em medidas preventivas, com ênfase em alternativas como mediação ou arbitragem, além de envolvimento dos pais, quando há condições para isso. Sempre que uma agressão é consumada, porém, é óbvio que a escola precisa agir com o rigor que o aluno não encontrou em casa, para não passar também a ideia de tolerância com a violência.
Causa e efeito - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 20/05
Na década de 1990, a adoção de uma agressiva política de intolerância com a criminalidade abriu o caminho para a melhoria dos indicadores de violência em Nova York. Em São Paulo, a inversão da curva de modalidades de crimes como homicídio, ao longo da década passada, aproximou os índices de mortes violentas por grupos de cem mil habitantes do patamar considerado aceitável pela Organização das Nações Unidas (10/100 mil), principalmente na capital.
São dois exemplos de metrópoles que recorreram, em seus programas de combate à insegurança pública, ao princípio de que é crucial, em momentos de explosão da violência, prender mais. Nas duas cidades, deu-se uma relação de causa e efeito: a mais prisões corresponderam significativas reduções do número de crimes nas ruas.
Nova York navega hoje em invejáveis números de pacificação, ainda que problemas decorrentes da violência não tenham sido totalmente superados - o que seria utopia. Em São Paulo, mesmo que os índices de criminalidade ainda não estejam dentro de limites toleráveis, inclusive com preocupantes sinalizações nos últimos meses, a situação parece mais sob controle do que há uma década e meia. Em ambos os casos, a permanência de demandas na área de segurança não deve ser interpretada como falência do princípio do incremento de prisões como antídoto contra a violência criminal, mas como ensinamento de que, se prender é importante, não basta encher indiscriminadamente as cadeias de criminosos.
É imperativo que também sejam empregadas outras ações, nos planos da prevenção, para reduzir as oportunidades de crimes (política educacional, programas de inclusão social, oportunidades de emprego etc.), e da recuperação (aperfeiçoamento dos dispositivos correcionais do sistema carcerário, sabidamente tíbios ou mesmo ficcionais, aplicação criteriosa de penas para crimes de menor gravidade, ampliação e melhoria do sistema carcerário, hoje superpopuloso e com um grande déficit de vagas, muitas delas ocupadas por sentenciados que poderiam estar cumprindo penas alternativas).
A discussão sobre a necessidade de aumentar a intolerância com os criminosos, a partir de medidas que incluem o incremento de prisões, reapareceu no início do mês a partir de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A análise do Ipea incorpora sugestões para, especificamente, reduzir o número de homicídios no país, mas presta-se, com certeza, a melhorar os indicadores de outros tipos de crimes. Além dessa proposta, o órgão sugere um aumento do efetivo das polícias e medidas eficazes contra a evasão escolar.
São iniciativas que precisam ser tomadas em conjunto com outras ações, inclusive fora dos limites da segurança pública. O país exibe, de forma crônica, números inaceitáveis da violência decorrente da criminalidade. Propostas para melhorá-los, como a do Ipea, merecem ser seriamente consideradas. Até porque atacam uma das piores mazelas da sociedade brasileira, a impunidade.
São dois exemplos de metrópoles que recorreram, em seus programas de combate à insegurança pública, ao princípio de que é crucial, em momentos de explosão da violência, prender mais. Nas duas cidades, deu-se uma relação de causa e efeito: a mais prisões corresponderam significativas reduções do número de crimes nas ruas.
Nova York navega hoje em invejáveis números de pacificação, ainda que problemas decorrentes da violência não tenham sido totalmente superados - o que seria utopia. Em São Paulo, mesmo que os índices de criminalidade ainda não estejam dentro de limites toleráveis, inclusive com preocupantes sinalizações nos últimos meses, a situação parece mais sob controle do que há uma década e meia. Em ambos os casos, a permanência de demandas na área de segurança não deve ser interpretada como falência do princípio do incremento de prisões como antídoto contra a violência criminal, mas como ensinamento de que, se prender é importante, não basta encher indiscriminadamente as cadeias de criminosos.
É imperativo que também sejam empregadas outras ações, nos planos da prevenção, para reduzir as oportunidades de crimes (política educacional, programas de inclusão social, oportunidades de emprego etc.), e da recuperação (aperfeiçoamento dos dispositivos correcionais do sistema carcerário, sabidamente tíbios ou mesmo ficcionais, aplicação criteriosa de penas para crimes de menor gravidade, ampliação e melhoria do sistema carcerário, hoje superpopuloso e com um grande déficit de vagas, muitas delas ocupadas por sentenciados que poderiam estar cumprindo penas alternativas).
A discussão sobre a necessidade de aumentar a intolerância com os criminosos, a partir de medidas que incluem o incremento de prisões, reapareceu no início do mês a partir de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A análise do Ipea incorpora sugestões para, especificamente, reduzir o número de homicídios no país, mas presta-se, com certeza, a melhorar os indicadores de outros tipos de crimes. Além dessa proposta, o órgão sugere um aumento do efetivo das polícias e medidas eficazes contra a evasão escolar.
São iniciativas que precisam ser tomadas em conjunto com outras ações, inclusive fora dos limites da segurança pública. O país exibe, de forma crônica, números inaceitáveis da violência decorrente da criminalidade. Propostas para melhorá-los, como a do Ipea, merecem ser seriamente consideradas. Até porque atacam uma das piores mazelas da sociedade brasileira, a impunidade.
Vacilos de Obama - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 20/05
Presidente dos EUA aliena até simpatizantes progressistas com abusos de seu governo contra adversários políticos e a agência de notícias AP
Imagine-se a violência dos protestos nos EUA se o governo de um presidente conservador, com o perfil de Ronald Reagan ou George W. Bush, fosse flagrado monitorando ligações telefônicas de jornalistas. Ou se, em visível tentativa de intimidação, pusesse o fisco para atazanar grupos oposicionistas.
Numa rápida e destrutiva sequência de revelações, não é uma administração republicana, mas sim a do progressista Barack Obama, que se vê no fulcro de acusações de abuso desse calibre. O presidente democrata responde com sinais ambíguos ao que, sem dúvida, é a mais grave sequência de equívocos políticos de seu governo.
De um lado, demitiu o responsável pelo IRS (o equivalente americano da Receita Federal), Steven Miller. As explicações de Miller ao Congresso, na sexta-feira, mostraram-se, todavia, insatisfatórias.
Enquanto isso, talvez para evitar a contrapartida de parecer excessivamente fraco em assuntos de segurança nacional, no caso da quebra de sigilo telefônico da agência de notícias Associated Press (AP), a resposta de Obama esteve longe de corresponder à sua imagem de defensor dos direitos civis.
Foram duas dezenas de telefones da AP que sofreram, durante dois meses, a intromissão federal, sob a justificativa de que jornalistas estariam em contato com uma fonte ligada à Al Qaeda.
Ao contrário do que aconteceu no episódio do Imposto de Renda, Obama sustentou o acerto dessa outra iniciativa. Pela legislação em vigor, entretanto, uma série de restrições se impõe ao governo quando encaminha investigações que envolvam órgãos da imprensa.
O monitoramento foi amplo demais, argumenta o presidente da AP, Gary Pruitt. Em entrevista à Folha, o executivo disse que chegou a segurar informações por solicitação do governo.
A bisbilhotice generalizada nos registros de ligações, como parece ter sido o caso (os 20 números telefônicos eram usados por uma centena de repórteres), acarretaria entretanto consequências mais profundas. "Comportamentos como esse", considera Pruitt, "vão intimidar delatores potenciais dentro do governo e fontes de jornalistas, se acharem que serão expostos."
Não é simples, naturalmente, o equilíbrio entre questões de segurança e o livre direito à informação. Mas o governo Obama, que já paga o preço de não ter cumprido a promessa de desativar a prisão de Guantánamo, com esses dois últimos episódios parece municiar mais do que nunca a oposição, tanto do lado conservador quanto do lado progressista -ao qual dá novos motivos de decepção.
Presidente dos EUA aliena até simpatizantes progressistas com abusos de seu governo contra adversários políticos e a agência de notícias AP
Imagine-se a violência dos protestos nos EUA se o governo de um presidente conservador, com o perfil de Ronald Reagan ou George W. Bush, fosse flagrado monitorando ligações telefônicas de jornalistas. Ou se, em visível tentativa de intimidação, pusesse o fisco para atazanar grupos oposicionistas.
Numa rápida e destrutiva sequência de revelações, não é uma administração republicana, mas sim a do progressista Barack Obama, que se vê no fulcro de acusações de abuso desse calibre. O presidente democrata responde com sinais ambíguos ao que, sem dúvida, é a mais grave sequência de equívocos políticos de seu governo.
De um lado, demitiu o responsável pelo IRS (o equivalente americano da Receita Federal), Steven Miller. As explicações de Miller ao Congresso, na sexta-feira, mostraram-se, todavia, insatisfatórias.
Enquanto isso, talvez para evitar a contrapartida de parecer excessivamente fraco em assuntos de segurança nacional, no caso da quebra de sigilo telefônico da agência de notícias Associated Press (AP), a resposta de Obama esteve longe de corresponder à sua imagem de defensor dos direitos civis.
Foram duas dezenas de telefones da AP que sofreram, durante dois meses, a intromissão federal, sob a justificativa de que jornalistas estariam em contato com uma fonte ligada à Al Qaeda.
Ao contrário do que aconteceu no episódio do Imposto de Renda, Obama sustentou o acerto dessa outra iniciativa. Pela legislação em vigor, entretanto, uma série de restrições se impõe ao governo quando encaminha investigações que envolvam órgãos da imprensa.
O monitoramento foi amplo demais, argumenta o presidente da AP, Gary Pruitt. Em entrevista à Folha, o executivo disse que chegou a segurar informações por solicitação do governo.
A bisbilhotice generalizada nos registros de ligações, como parece ter sido o caso (os 20 números telefônicos eram usados por uma centena de repórteres), acarretaria entretanto consequências mais profundas. "Comportamentos como esse", considera Pruitt, "vão intimidar delatores potenciais dentro do governo e fontes de jornalistas, se acharem que serão expostos."
Não é simples, naturalmente, o equilíbrio entre questões de segurança e o livre direito à informação. Mas o governo Obama, que já paga o preço de não ter cumprido a promessa de desativar a prisão de Guantánamo, com esses dois últimos episódios parece municiar mais do que nunca a oposição, tanto do lado conservador quanto do lado progressista -ao qual dá novos motivos de decepção.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
"Acho absolutamente natural que o Senado faça esse convite"
Ministro Gilberto Carvalhosobre sua convocação para explicar o caso Rose Noronha
Kassab dispensa Campos de olho no apoio do PT
Na expectativa de obter apoio do PT em eventual segundo turno ao governo de São Paulo, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, “cortou as asas” do governador e presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE), a quem disse, em conversa reservada, que seu partido deverá apoiar a reeleição da presidenta Dilma em 2014. Kassab quer ser alternativa do PT, caso o partido não consiga emplacar nome ao governo paulista.
Fenômeno isolado
Kassab disse, em roda de correligionários, que acha difícil o PT fazer o candidato ao governo como fez com Fernando Haddad, na prefeitura.
‘Independentes’
Apesar de o PSD haver indicado Guilherme Afif para ministro de Dilma, a bancada na Câmara bate o pé que o partido não é da base aliada.
Isolado
Campos também enfrenta problema para obter apoio de governadores do PSB como Cid Gomes (CE), Casagrande (ES) e Wilson Martins (PI).
Comprometido
Em Minas, o prefeito de BH, Márcio Lacerda (PSB), foi eleito com a ajuda de Aécio Neves (PSDB), que deverá concorrer contra Campos.
O único lugar seguro
Deputado pela UDN nos anos 40, Otávio Mangabeira foi designado para representar a Câmara numa demonstração de tiro da Marinha, em alto mar. Ele foi com uma certa má vontade. A bordo do navio de guerra, era visível seu desinteresse. O comandante armou sua vingança quando viu o absorto Mangabeira tomar um grande susto ao primeiro disparo de canhão:
- Ora, deputado, não vá me dizer que está com medo...
Otávio Mangabeira foi rápido no gatilho:
- Estou sim, almirante. O único lugar seguro por aqui é o alvo.
Ministro Gilberto Carvalhosobre sua convocação para explicar o caso Rose Noronha
Kassab dispensa Campos de olho no apoio do PT
Na expectativa de obter apoio do PT em eventual segundo turno ao governo de São Paulo, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, “cortou as asas” do governador e presidenciável Eduardo Campos (PSB-PE), a quem disse, em conversa reservada, que seu partido deverá apoiar a reeleição da presidenta Dilma em 2014. Kassab quer ser alternativa do PT, caso o partido não consiga emplacar nome ao governo paulista.
Fenômeno isolado
Kassab disse, em roda de correligionários, que acha difícil o PT fazer o candidato ao governo como fez com Fernando Haddad, na prefeitura.
‘Independentes’
Apesar de o PSD haver indicado Guilherme Afif para ministro de Dilma, a bancada na Câmara bate o pé que o partido não é da base aliada.
Isolado
Campos também enfrenta problema para obter apoio de governadores do PSB como Cid Gomes (CE), Casagrande (ES) e Wilson Martins (PI).
Comprometido
Em Minas, o prefeito de BH, Márcio Lacerda (PSB), foi eleito com a ajuda de Aécio Neves (PSDB), que deverá concorrer contra Campos.
Novo ministro da Agricultura já balança no cargo
O ministro Antônio Andrade (Agricultura) foi nomeado há pouco mais de um mês, mas recebeu recados do líder do PMDB lembrado o prazo de 90 dias para “mostrar serviço”, entregando os cargos que prometeu à bancada. Ele é um dos ministros que nem despacham com Dilma, mas na quarta-feira (15) acabou salvo pelo gongo: foi chamado para um despacho com ela. Pelo menos é o que ele diz. Mas ninguém viu.
Um devedor
Antonio Andrade não é expert em Agricultura, mas dá para o gasto. E a cúpula do PMDB o retirou do baixo clero para o estrelato, no ministério.
Ajoelhada no milho
Dilma não se perdoa pela própria atitude de abrir mão do ex-ministro da Agricultura Mendes Ribeiro. Gosta dele e aprovava seu trabalho.
Lambendo feridas
Ideli Salvatti opera para segurar Garotinho como líder do PR. Ele peitou Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pedido do governo, que depois o traiu.
Nem pensar
Papagaio de pirata oficial, Aloísio Mercadante trabalha para trocar o ministério da Educação pela Casa Civil. Contra a vontade do ex-presidente Lula, que não gosta dele, e de dez em cada dez petistas.
Verniz na lixa
Aécio Neves trabalha para suavizar a reputação da irmã, Andrea, que tem fama de truculenta, para lançá-la à sucessão de Antonio Anastasia, em Minas. Quer fazer dela uma espécie de Dilma do tucanato.
Tapete vermelho
O governador Eduardo Campos tenta convencer a ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins a trocar o PT pelo PSB, e lançá-la ao governo do Ceará. É seu troco ao cearense Cid Gomes (PSB), que o hostiliza.
Mudança
Os modestos índices de Eduardo Campos nas pesquisas, apesar da superexposição, deverá precipitar sua decisão de desistir de uma vez ou efetivar o marqueteiro Duda Mendonça no comando da campanha.
Brilho próprio
O experiente Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos mais admirados diplomatas do nosso tempo, acha que o embaixador Roberto Azevedo deve apenas a ele próprio sua eleição à direção-geral da Organização Mundial do Comércio. “É um rapaz brilhante”, afirmou.
O seu, o nosso...
As assembleias legislativas ficarão às moscas: seus dirigentes estarão no Recife de terça (21) a sexta (24), para a Conferência Nacional dos Legisladores Estaduais. Cada deputado receberá diárias de R$ 2.082.
Novidade
Ronaldo Caiado (DEM-GO) nem sabia do “serviço vip” do aeroporto de Brasília para deputados: “Nunca usei, nunca vi”. A Câmara paga entre R$ 8 mil a R$ 11 mil a cinco servidores parar “facilitar” as viagens.
Assédio moral
O Ministério Público do Trabalho apura denúncia de assédio moral contra funcionários da Codeplan, a Cia de Planejamento do governo do DF. Há muitos relatos de maus-tratos, xingamentos e humilhações.
Pensando bem...
...os escândalos envolvendo corrupção de parlamentares mostram que se o pobre desesperado saqueia, o político folgado sacaneia.
Poder sem pudor
O ministro Antônio Andrade (Agricultura) foi nomeado há pouco mais de um mês, mas recebeu recados do líder do PMDB lembrado o prazo de 90 dias para “mostrar serviço”, entregando os cargos que prometeu à bancada. Ele é um dos ministros que nem despacham com Dilma, mas na quarta-feira (15) acabou salvo pelo gongo: foi chamado para um despacho com ela. Pelo menos é o que ele diz. Mas ninguém viu.
Um devedor
Antonio Andrade não é expert em Agricultura, mas dá para o gasto. E a cúpula do PMDB o retirou do baixo clero para o estrelato, no ministério.
Ajoelhada no milho
Dilma não se perdoa pela própria atitude de abrir mão do ex-ministro da Agricultura Mendes Ribeiro. Gosta dele e aprovava seu trabalho.
Lambendo feridas
Ideli Salvatti opera para segurar Garotinho como líder do PR. Ele peitou Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pedido do governo, que depois o traiu.
Nem pensar
Papagaio de pirata oficial, Aloísio Mercadante trabalha para trocar o ministério da Educação pela Casa Civil. Contra a vontade do ex-presidente Lula, que não gosta dele, e de dez em cada dez petistas.
Verniz na lixa
Aécio Neves trabalha para suavizar a reputação da irmã, Andrea, que tem fama de truculenta, para lançá-la à sucessão de Antonio Anastasia, em Minas. Quer fazer dela uma espécie de Dilma do tucanato.
Tapete vermelho
O governador Eduardo Campos tenta convencer a ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins a trocar o PT pelo PSB, e lançá-la ao governo do Ceará. É seu troco ao cearense Cid Gomes (PSB), que o hostiliza.
Mudança
Os modestos índices de Eduardo Campos nas pesquisas, apesar da superexposição, deverá precipitar sua decisão de desistir de uma vez ou efetivar o marqueteiro Duda Mendonça no comando da campanha.
Brilho próprio
O experiente Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos mais admirados diplomatas do nosso tempo, acha que o embaixador Roberto Azevedo deve apenas a ele próprio sua eleição à direção-geral da Organização Mundial do Comércio. “É um rapaz brilhante”, afirmou.
O seu, o nosso...
As assembleias legislativas ficarão às moscas: seus dirigentes estarão no Recife de terça (21) a sexta (24), para a Conferência Nacional dos Legisladores Estaduais. Cada deputado receberá diárias de R$ 2.082.
Novidade
Ronaldo Caiado (DEM-GO) nem sabia do “serviço vip” do aeroporto de Brasília para deputados: “Nunca usei, nunca vi”. A Câmara paga entre R$ 8 mil a R$ 11 mil a cinco servidores parar “facilitar” as viagens.
Assédio moral
O Ministério Público do Trabalho apura denúncia de assédio moral contra funcionários da Codeplan, a Cia de Planejamento do governo do DF. Há muitos relatos de maus-tratos, xingamentos e humilhações.
Pensando bem...
...os escândalos envolvendo corrupção de parlamentares mostram que se o pobre desesperado saqueia, o político folgado sacaneia.
Poder sem pudor
O único lugar seguro
Deputado pela UDN nos anos 40, Otávio Mangabeira foi designado para representar a Câmara numa demonstração de tiro da Marinha, em alto mar. Ele foi com uma certa má vontade. A bordo do navio de guerra, era visível seu desinteresse. O comandante armou sua vingança quando viu o absorto Mangabeira tomar um grande susto ao primeiro disparo de canhão:
- Ora, deputado, não vá me dizer que está com medo...
Otávio Mangabeira foi rápido no gatilho:
- Estou sim, almirante. O único lugar seguro por aqui é o alvo.
SEGUNDA NOS JORNAIS
- Globo: Enxurrada de dólares – Empresas brasileiras captam mais no exterior
- Folha: Virada cultural tem arrastões, nove feridos e um morto
- Estadão: Virada Cultural mais violenta tem arrastões e duas mortes
- Correio Braziliense: GDF pretende convocar 6,4 mil concursados
- Valor: Inflação faz novos estragos nos balanços das empresas
- Estado de Minas: Galo é bi
- Jornal do Commercio: Recife, Cabo e Jaboatão livres do racionamento
- Zero Hora: Importar médicos é bom para a saúde?
- Brasil Econômico: Competitividade é questão do país, não da indústria
domingo, maio 19, 2013
Quando eu estiver louco se afaste - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 19/05
Há que se respeitar quem sofre de depressão, distimia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda terapêutica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em suas relações profissionais e pessoais.
Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência. Mas tem um grupo que está longe de ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles.
São os temperamentais que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica — ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico. São morrinhas,
apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?
Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace/Quando eu estiver louco, subitamente se afaste/quando eu estiver fogo/suavemente se encaixe...”. A letra é poética, sem dúvida, mas é o melô do folgado.
Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura. Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?
Já fui muito boazinha, lembro bem. Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos.
Já gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando — e claro que esses “outros” são seus afetos mais íntimos, pois com colegas e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?
Chega-se numa etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais. Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo?
Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em suas relações. Já que ficam loucos a torto e direito, só nos resta se afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas e que não desperdiçam nosso tempo com draminhas repetitivos, dos quais já se conhece o final: sempre sobra pra nós os fáceis.
Há que se respeitar quem sofre de depressão, distimia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda terapêutica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em suas relações profissionais e pessoais.
Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência. Mas tem um grupo que está longe de ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles.
São os temperamentais que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica — ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico. São morrinhas,
apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?
Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace/Quando eu estiver louco, subitamente se afaste/quando eu estiver fogo/suavemente se encaixe...”. A letra é poética, sem dúvida, mas é o melô do folgado.
Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura. Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?
Já fui muito boazinha, lembro bem. Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos.
Já gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando — e claro que esses “outros” são seus afetos mais íntimos, pois com colegas e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?
Chega-se numa etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais. Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo?
Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em suas relações. Já que ficam loucos a torto e direito, só nos resta se afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas e que não desperdiçam nosso tempo com draminhas repetitivos, dos quais já se conhece o final: sempre sobra pra nós os fáceis.
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