sexta-feira, junho 19, 2020

Operação isola mais o presidente do que os inquéritos de Brasília - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 19/06

Caso Fabrício Queiroz impede Bolsonaro de compartilhar, politicamente, sua condição de vítima


A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, isola mais o presidente e sua família do que quaisquer dos outros inquéritos em curso. Ao se debruçarem sobre máquinas de notícias falsas ou atos antidemocráticos, as investigações conduzidas no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral atingem não apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família, como os seguidores que têm intensa atuação nas ruas e nas redes sociais. O caso Fabrício Queiroz, ainda que, a princípio, ofereça menos dano jurídico ao presidente, o impede de compartilhar, politicamente, sua condição de vítima. O rolo das “rachadinhas” começa e acaba em sua família.

Depois de uma semana difícil, que teve a prisão de perpetradores dos atos antidemocráticos, a derrota no prosseguimento do inquérito das “fake news” e pressão sobre Abraham Weintraub que acabou levando à demissão do ministro, o presidente contava com o recesso do Judiciário e o Congresso em funcionamento remoto para jogar água na fervura das investigações que o cercam. A prisão do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, porém, mostrou que a chapa não vai esfriar.

A síndrome de perseguição do presidente da República convive com um descuido incompatível com o cargo que ocupa e com os restos a pagar acumulados em sua carreira pública e de sua família. Um exemplo disso é a escolha de Frederick Wassef para advogado do filho e seu próprio, no inquérito que investiga o atentado de Adélio Bispo contra si, durante a campanha eleitoral.

É inexplicável que presidente que tem uma Agência Brasileira de Informações (Abin) na cabeceira contrate e franqueie acesso ao gabinete presidencial de um advogado que respondeu pelo desaparecimento de uma criança num ritual satânico nos anos 1990 em inquérito que envolveu busca e apreensão na mesma casa de Atibaia (SP) onde estava escondido Fabrício Queiroz.

A presença do ex-assessor no seu sítio há mais de um ano não coloca apenas o advogado na mira da obstrução de justiça como também complica a situação de Flávio que, reiteradas vezes, disse ter desconhecimento de seu paradeiro. As dubiedades se estendem ao próprio presidente, que ora defende Queiroz, ora busca se manter independente de Queiroz que foi seu assessor antes de servir ao gabinete do filho e na conta bancária de quem foi encontrado até um depósito bancário para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Um procurador federal aposta que Queiroz pagará um preço baixo se decidir ficar calado dada as baixas penas relacionadas ao crime de peculato, pelo qual é acusado. O problema é se o ministério público e a polícia se valerem de recurso abundantemente usado na Lava-jato e puserem as mãos sobre a família dele, sobre a qual já há pedidos de prisão expedidos.

Mas as dubiedades não param por aí. Por que, exatamente, o ex-assessor foi preso agora se a investigação já está em curso há mais de um ano? Uma investigação que, aliás, vinha muito morna. Tanto que nem foragido Fabrício Queiroz era.

Ao longo desses 18 meses desde o início deste inquérito, muita coisa mudou. O governador Wilson Witzel, que era aliado de Bolsonaro, virou opositor, acabou caindo nas mãos da Polícia Federal e hoje é alvo de impeachment. Bolsonaro já acusou a proximidade entre o governador e o juiz do caso, Flavio Itabaiana, representante da quinta geração de uma família de magistrados.

A dúvida é se Witzel, acuado, ainda teria força para tamanha reação? Talvez não, mas a prisão nasceu de um pedido do Ministério Público do Rio, foi autorizada por um juiz carioca, teve estreita colaboração do Ministério Público de São Paulo e foi executada pela polícia civil do governador paulista, João Doria, outro alvo de Bolsonaro.

A outra mudança veio do Supremo Tribunal Federal. Em janeiro de 2019, quando Bolsonaro havia acabado de tomar posse, o ministro Luiz Fux chegou a suspender o inquérito que corre no STF ante um pedido da defesa de Flávio para que ele fosse levado para a primeira instância. Fux suspendeu o inquérito, mas entregou a decisão sobre sua continuidade para o relator, o ministro Marco Aurélio Mello, que optou por mantê-lo no Supremo.

Hoje, depois de tudo que se conhece sobre o presidente e sua família, é de se perguntar se Fux faria o mesmo. A julgar por votos recentes do ministro, não. Em liminar, Fux decidiu que a condição de comandante supremo não faz de Bolsonaro, comandante absoluto sobre o uso das Forças Armadas na ordem interna do país.

Dias depois, durante o julgamento do inquérito sobre a continuidade das “fake news”, Fux chegou a dizer que as manifestações dos bolsonaristas contra o Supremo são o germe da instalação do terrorismo no Brasil. Este Fux que entregou seu cartão de visitas ao presidente antes de assumir a presidência do Supremo, em setembro, é um juiz egresso da magistratura carioca e com muita ascendência sobre seus antigos colegas. Foi-se o tempo em que o juiz bolsonarista Marcelo Bretas, autor da ordem de prisão do ex-governador Sérgio Cabral, era o ícone da magistratura carioca.

Se a magistratura desembarcou do bolsonarismo, a polícia ainda o apoia. E este é o maior temor da comunidade militar que acompanhou os desdobramentos da prisão ontem em Brasília. A polícia de São Paulo tem fortes núcleos bolsonaristas que têm criado problemas para Doria. A omissão da polícia militar no Distrito Federal durante os ataques ao Supremo e a falta de isonomia da corporação nas manifestações de rua em São Paulo, entre grupos pró e contra Bolsonaro, geram inquietações sobre a reação policial ante o prosseguimento de uma operação que, ao contrário dos inquéritos em curso em Brasília, tem a participação das corporações estaduais e não da Polícia Federal.

São temores como este que levaram os comandantes da operação a avisar aos policiais envolvidos quem era o alvo quando faltava apenas uma hora para sua deflagração. O mesmo cuidado deve cercar a custódia de Fabrício Queiroz no sistema penitenciário do Rio. Ao contrário de Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope que também trabalhou para Queiroz, e foi morto numa operação ainda hoje nebulosa, Queiroz está desde hoje sob custódia do Estado e tudo o que lhe acontecer será de responsabilidade dos agentes públicos.

Se a operação é resultado de ventos que mudaram de direção, a biruta só não girou no Congresso. Desde a posse, há senadores pressionando pela instalação de um processo no Conselho de Ética contra o senador Flávio Bolsonaro. De lá pra cá, nada andou. As sessões remotas da pandemia, sem funcionamento de conselhos ou comissões, somadas ao crescente peso do Centrão, que agora avança sobre o Ministério da Educação, reforçam a inércia.

Entre os ventos que mudam e as inércias que permanecem, a pacata Atibaia (SP), conhecida pelo clima ameno e pela produção de frutas, resiste como palco de espetaculares operações. Só não dá para confundir o sítio atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o imóvel onde se escondia Queiroz. Nas fotos da operação, vê-se, acima da lareira da casa do advogado Frederick Wassef, um cartaz de propaganda do AI-5.

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