segunda-feira, maio 04, 2020

Bolsonaro propaga o vírus da anarquia institucional - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 04/05


Não é verdade que Jair Bolsonaro sofra de insanidade. Ele usufrui dela com extraordinário prazer. O problema não está no gozo que a falta de senso proporciona ao personagem. O insuportável é que, sendo o insano momentaneamente presidente, ele queira impor ao Brasil a sua loucura.

O país foi convertido em zona de guerra. Os brasileiros são torpedeados em duas frentes. Numa, o coronavírus mata em escala pandêmica. Noutra, o Brasil sofre ataques do seu próprio presidente. Bolsonaro diz "e daí?" para os milhares de mortos e propaga o vírus da anarquia institucional.

No exercício cotidiano do seu descaso sanitário, Bolsonaro tomou gosto pelas aglomerações, especialmente as de conteúdo golpista. É como se o presidente de 57,7 milhões de votos sonhasse com uma democracia sem Legislativo e sem Judiciário, na qual ele comandaria o governo civil mais militar que o país já conheceu.

Por sorte, Bolsonaro ainda não realizou o seu sonho. Ao contrário, conspira a favor da realização dos seus piores pesadelos. Há duas semanas, discursando para um ajuntamento de golpistas na frente do QG do Exército, Bolsonaro proclamou: "Não queremos negociar nada."

Neste domingo, Bolsonaro ornamentou outro ato antidemocrático. A pauta da manifestação sofreu dois acréscimos. Além das pauladas retóricas no Congresso e no Supremo, houve pancadaria contra jornalista e xingamento a Sergio Moro, o mais novo "comunista" dos devaneios bolsonaristas.

Dessa vez, Bolsonaro afirmou que não vai mais "admitir interferências" no seu governo. "Chegamos no limite", disse. "Acabou a paciência." Ele espera não ter problemas durante a semana. Do contrário, "não tem mais conversa". A Constituição "será cumprida a qualquer preço."

Bolsonaro esclareceu que não está só. Enxerga do seu lado "o povo", "as Forças Armadas" e "Deus". Quer dizer: a era bolsonarista transcorre em dois mundos: o de Bolsonaro e o real.

No mundo de Bolsonaro, uma aglomeração de adoradores se confunde com "o povo". Generais que fracassam na tentativa de presidir o presidente simbolizam o "apoio" dos quarteis. E o populismo místico do presidente estimula nas almas mais ingênuas a crença em uma aliança do governo com o plano celestial.

No mundo real, ouve-se nas janelas e nas varandas o som das panelas. Escuta-se ao fundo o silêncio constrangido dos comandantes militares. De resto, a conversão de personagens como Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto em heróis da resistência revela que Deus está acima de todos mas terceirizou ao Tinhoso as negociações com o centrão.

No mundo de Bolsonaro, o presidente "chegou no limite". No mundo real, Bolsonaro ultrapassou todos os limites. Contra o coronavírus não há outro remédio que não seja o isolamento social que Bolsonaro desrespeita. Por sorte, contra o vírus da anarquia institucional há vacina disponível. Chama-se Constituição.

Bolsonaro ainda não notou, mas o país vem se imunizando contra o vírus presidencial. A despeito dos seus arroubos, o presidente manda cada vez menos. Suas decisões são refeitas e desfeitas ora no Congresso, ora no Supremo. Cresce nos poderes vizinhos a impressão de que talvez seja necessário aumentar a dose da vacina.

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