quarta-feira, abril 29, 2020

Será que eles não enxergam? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/04

Apesar dos absurdos que já fez e disse, Bolsonaro tem apoio de um terço do eleitorado


Jair Bolsonaro disse e fez absurdos durante a epidemia de Covid-19, traiu algumas de suas principais bandeiras de campanha e, apesar disso, segue com o apoio de cerca de um terço do eleitorado, como mostrou pesquisa Datafolha.

Sei que vão me xingar por dizer isso, mas o paralelo com os petistas é inevitável. Lula também conservou o apoio de mais ou menos outro terço do eleitorado. Nem entro no mérito jurídico da sentença que condenou o ex-presidente, mas, no mínimo, o fato de ter tolerado altos níveis de corrupção e estabelecido relações pessoais absolutamente promíscuas com empreiteiros configura um desastre ético que contraria tudo o que o PT sempre defendera.

O que acontece com o cérebro do militante político, que parece perder a capacidade de ver o óbvio? O jornalista Ezra Klein, autor de "Why We´re Polarized", oferece uma boa resposta a esse enigma. Ele obviamente não fala nada de bolsonaristas e petistas, mas recorre à literatura psicológica e da ciência política para esmiuçar as mentes de democratas e republicanos. Com as devidas adaptações, muitas de suas conclusões valem para o Brasil.

O mais surpreendente é constatar que não há nada de irracional no comportamento desses eleitores. Eles apenas decidiram colocar suas identidades políticas à frente de outros valores que possam alimentar. Na esfera individual, faz sentido. Quem age dessa forma reforça os vínculos sociais que tem com seu grupo, o que é fonte de satisfação pessoal.

O problema é que, no plano coletivo, essa supervalorização da identidade de grupo leva à polarização, que raramente é saudável para a política, e mesmo a posições claramente disfuncionais, como o apoio acrítico a líderes populistas que colocam sua agenda pessoal à frente dos interesses do país. Não há reparo simples para essa dinâmica, que vem colocando sob estresse algumas das mais sólidas democracias do planeta.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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