quarta-feira, julho 24, 2019

A hora da responsabilidade - HENRIQUE MEIRELES

O GLOBO - 24/07

Um passo imprescindível é reincluir os estados na reforma


Depois de ampla negociação entre diferentes atores políticos, finalmente foi aprovada, em primeiro turno na Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência, marcando um avanço muito importante para o país. Uma grande notícia para o Brasil. Dentre os méritos do texto aprovado, o mais relevante é que manteve uma economia robusta.

Apesar disso, nem tudo merece ser comemorado. A não inclusão de estados e municípios no texto final traz consequências muito negativas para o país. É importante revertê-la se quisermos evitar graves problemas fiscais nos próximos anos.

Na proposta original, o pacote para estados e municípios era significativo: traria uma economia de R$ 350 bilhões em dez anos, somente para estados, segundo estimativas do Ministério da Economia. Algo, portanto, que poderia aumentar o ganho de todo o setor público com a reforma em mais de 40%.

Mas a relevância não se dá somente pela economia. Muitos estados brasileiros vivem uma situação fiscal grave. Para vários deles, há alguns anos as despesas superam as receitas, o que acaba resultando no atraso de salários, queda nos investimentos e retração na oferta de serviços públicos de qualidade.

Segundo dados do Tesouro Nacional, são 14 os estados que não atendem ao limite de despesa com pessoal definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 60% da receita. Na verdade, nos casos mais dramáticos, esse comprometimento chega a 80%, indicando que sobram pouquíssimos recursos para outros gastos do governo além de pagar salários e aposentadorias.

Olhando para essa métrica, felizmente o Estado de São Paulo pode se orgulhar: tem a menor relação dentre todos os estados. Nossas contas estão equilibradas, diferentemente da maioria das unidades da Federação. No entanto, São Paulo também terá problemas se não fizermos hoje a reforma da Previdência estadual.

Nos últimos anos, além do gasto com servidores ativos, a despesa com inativos também se tornou um problema grave para os estados e municípios. Isso ocorre porque grande parte de seus funcionários tem direito a aposentadorias especiais.

É por isso que o déficit da Previdência nos estados tem crescido substancialmente nos últimos anos. Esse déficit, que representava algo como 0,4% do PIB entre 2007 e 2010, já alcança 1,4% do PIB, segundo dados oficiais. Para os próximos anos, a tendência é de piora, em linha com o envelhecimento da população. Em realidade, alguns estados já possuem mais servidores na aposentadoria do que em atividade.

É importante lembrar que o desequilíbrio nas contas públicas estaduais não é novidade. Nos últimos anos, renegociamos a dívida dos estados com a União, alongando por 20 anos e reduzindo as parcelas com juros por 24 meses. Criamos o Regime de Recuperação Fiscal, desenhado sob medida para atender àqueles entes em pior situação fiscal. Recentemente, o governo federal voltou a socorrê-los, através da criação do Plano de Equilíbrio Fiscal, que busca dar um alívio de curto prazo para estados com problemas mais graves.

Essas soluções, sempre temporárias e emergenciais, poderão continuar sendo demandadas nos próximos anos caso não aproveitemos a oportunidade, que temos hoje, de realizar um ajuste mais estrutural nas finanças públicas subnacionais. Portanto, se quisermos solucionar de fato o problema fiscal do Brasil, voltando a pagar contas em dia e oferecer serviços de maior qualidade à população, um passo imprescindível é reincluir os estados na reforma. Chegou a hora da responsabilidade.

Henrique Meirelles é secretário de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e foi ministro da Fazenda e presidente do Banco Central

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