segunda-feira, junho 17, 2019

Terrorismo digital - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 17/06

Prática é agora um player legítimo na nossa realidade política


O Ministério Público caiu sob um ataque orquestrado e financiado de terrorismo digital. Esse é o grande protagonista político do vazamento das conversas entre agentes da Lava Jato. Num olhar que vê a cauda longa de certos eventos, o debate ao redor da possível simpatia dos diálogos vazados pela condenação de Lula não é o essencial, porque o Estado de Direito já está sob ataque sistemático no país, e quem começou a matá-lo foi o próprio PT, com seu desejo de poder por mil anos.

O PT não tem moral pra falar de defesa da democracia. Caso Haddad tivesse vencido as eleições, hoje apoiaríamos o ditador Maduro na Venezuela, que foi elogiado por altas patentes do partido quando foi “reeleito”. Portanto, a narrativa de virgem violentada que o PT faz após esse conteúdo hackeado só engana bobo.

O corrupto PT se vende como defensor da democracia, mas quem crê nessa imagem é ingênuo, ignorante ou mentiroso. E, numa democracia, a verdade sempre está na UTI, desde Atenas, e nada mudou.

O essencial nesse evento é a aceitação tácita por parte dos agentes institucionais da política e do debate público autorizado do terrorismo digital como player legítimo no faccionalismo político que tomou conta do Brasil.

De agora em diante, o terrorismo digital está valendo como arma política, seja pra que lado for. O “case Brasil” será objeto de estudo, dentro dos limites, claro, que um país irrelevante como o nosso merece no cenário intelectual e político internacional. Na geopolítica, o Brasil vale menos do que a Nigéria.

O terrorismo é uma tática inventada para combater um inimigo de forma a tornar o seu cotidiano instável, numa palavra, aterrorizado. Mas uma das faces essenciais do terrorismo é que sua legitimidade como forma de luta é aceita por muitos, ao mesmo tempo que é combatida por outros.

Para israelenses, o Hamas é terrorista; para palestinos, são guerreiros da liberdade. Para britânicos, o IRA era terrorista; para irlandeses, também guerreiros da liberdade.

Aqueles que aceitam o terrorismo consideram-no uma forma legítima de combate diante de um inimigo muito poderoso e instituído legalmente —como um Estado, uma empresa (um Ministério Público?). Esses poderes são sempre vistos como assimétricos em relação às vítimas que são obrigadas a combatê-los lançando mão do terrorismo.

A política sempre legitimou as formas distintas de terrorismo, inclusive enterrando seus terroristas como heróis. Intelectuais, à esquerda e à direita, sempre serviram coroas de flores em seus enterros, elogiando-os em aulas, em artigos nos jornais ou revistas, em emissões na TV ou no rádio, em posts nas redes sociais, enfim, nos veículos de conteúdo.

O terrorismo digital custa caro. Como toda máfia, requer logística e pessoal treinado. Quem pagou por esse hackeamento? De onde veio o dinheiro? Quem é contemplado positivamente pelo hackeamento e pelo conteúdo disponibilizado? O site que o divulgou é ideologicamente isento?

Claro que não. Evidente que os extremos polarizados do espectro político sempre tenderam para um ethos semelhante ao da máfia, principalmente pelo seu temperamento faccionalista, como um PCC ou um Comando Vermelho. As lutas ideológicas radicalizadas desde o século 19 sempre simpatizaram e produziram grupos terroristas.

Esses últimos acontecimentos marcam o retorno do polo à esquerda para a pole position da guerra digital, que é o futuro da política no mundo (e tanta gente por aí dizia que o PT estava morto). Mas, o fato vai mais longe do que isso.

Para além dos diretamente interessados (a esquerda como um todo, políticos corruptos em geral, intelectuais e artistas orgânicos que perderam a boquinha, professores irrelevantes) na destruição dos protagonistas da Lava Jato e, por consequência, da autonomia da Lava Jato, a classe política também vê a possível “queda da República de Curitiba” com um certo gozo: “Ufa!! Escapamos por pouco!”

De qualquer forma, parece piada os discursos sobre o controle das redes digitais por parte do Estado. Escreva aí: ninguém controla as mídias digitais. A democracia será e já está sendo devastada por ela, por seus grupos ativistas, seus hackers militantes e mercenários, seus bots competentes.

O ocorrido deve ser investigado, como tudo mais. Mas quem larga na frente nos ganhos são os que lucram com a desmoralização da Lava Jato e o crescimento do movimento Lula Livre. Voltamos à luta armada —agora digital.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

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