O presidente Jair Bolsonaro acelerou o trabalho de desmontagem do próprio governo. Na semana em que o deputado Samuel Moreira (PSDB) apresentou seu relatório sobre a crucial reforma da previdência, Bolsonaro estava preocupado com outras coisas. Por exemplo, demitir, um dia sim e o outro também, desafetos. O primeiro da semana foi o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Santos Cruz, o presidente dos Correios, general Juarez Cunha, e o presidente do BNDES, Joaquim Levy - os dois últimos pela imprensa. O presidente disse no sábado que estava farto de Levy e ordenou que ele demitisse Marcos Barbosa Pinto, nomeado para a diretoria de Mercado de Capitais do banco, caso contrário seria também mandado embora. Levy pediu demissão no domingo, no início da manhã.
Por motivos nunca claros, membros do primeiro escalão do governo e das estatais ascendem e são derrubados ao sabor das idiossincrasias de Bolsonaro e de seus filhos internautas, Carlos e Eduardo, de onde quase sempre parte a balbúrdia no governo. Santos Cruz trombou com a dupla e o pseudo-filósofo, Olavo de Carvalho, e, no episódio da intromissão indevida do presidente em um comercial do Banco do Brasil, lembrou a ele que não poderia mandar na propaganda das estatais pois existem leis sobre isso. Dono do cofre da Comunicação, regulou recursos da propaganda e chocou-se com os interesses do secretário da Secom, Fabio Wajngarten, indicado pelos filhos de Bolsonaro.
As demais demissões saíram da cabeça do presidente, que age por impulsos aparentemente incontroláveis. Acostumado a ver petistas por todos os lados, Bolsonaro enxergou tons explícitos de "sindicalismo" no presidente do Correios, Juarez Paula Cunha, que disse ser contrário à privatização da estatal. Foi demitido em entrevista coletiva, mas mantinha-se no cargo na segunda-feira à tarde.
Joaquim Levy entrou como alvo de delírios persecutórios do presidente. Bolsonaro não gostou da indicação de Marcos Barbosa Pinto, advogado, ex-chefe de gabinete da Presidência do BNDES na gestão de Demian Fiocca (2005-2006) e ex-sócio da Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga. Barbosa ajudou a formatar o Prouni e sua carreira em governos petistas levou Bolsonaro a julgá-lo um deles - algo distante da verdade.
O próprio Levy fora secretário do Tesouro do primeiro governo de Lula e breve ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. Diretor do Banco Mundial, foi convidado por Paulo Guedes para o cargo, depois que o ministro da Economia esmerou-se em obter aprovação de Bolsonaro, que seguiu desconfiado do currículo de Levy. Guedes lavou as mãos sobre a demissão e também o criticou. "O grande problema é que ele não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro", disse o ministro ao G1. Do passado assombra os presidentes do BNDES a insistência de Bolsonaro em abrir a "caixa preta" do banco, uma missão que pode se revelar infrutífera, apesar dos esforços.
Como se o governo fosse dotado de uma linha de ação clara e transparente, com passos definidos e metas claras, a solução para o futuro cobrada de Levy não é algo que se tira do bolso do paletó. O BNDES foi o único fornecedor - com menos dinheiro, ainda é - de crédito de longo prazo no Brasil. O banco seguiu os desígnios de governos eleitos, petistas, e sua política ruiu junto com a desastrosa política econômica de Dilma Rousseff. Como ministro de Dilma, Levy pretendia que o banco iniciasse a devolução de R$ 487 bilhões ao Tesouro.
A devolução desse dinheiro foi agora uma pedra na garganta de Levy. Paulo Guedes definiu que a fatia do banco no ano é de R$ 126 bilhões. O presidente do BNDES fez o certo: devolveu R$ 30 bilhões e ficou de examinar o restante, até porque não se trata de decisão simples. O Tribunal de Contas exigiu procedimentos para evitar que a volta dos recursos ao Tesouro seja considerada pedalada fiscal ilegal. Levy estava pesando, o que não é trivial, se parte do dinheiro
seria ou não necessária para atender a demanda por empréstimos. Cautela e relutância parecem ser sinônimos no irado governo Bolsonaro.
A carteira de crédito líquida do banco despencou de mais de 10% do PIB para algo em torno de 7% e os desembolsos caíram a menos da metade. Com Levy, o banco ajustava o foco a algo que já lhe é natural, o financiamento da infraestrutura, e pretendia mover fatia importante de recursos para a inovação. Mudar a linha de um banco que esteve no centro da política econômica por quase duas décadas não é uma tarefa solitária. A culpa que lhe foi atribuída indica que, para o governo, era.
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