Não há tempo para políticas retrógradas; mas será que Brasília sabe disso?
O noticiário internacional tem mostrado o vulto do nosso atraso, especialmente na junção entre tecnologia e economia, um dos pilares dos negócios globais interconectados, enquanto a agenda dos grandes temas continua estacionada no século passado.
As recentes eleições comunitárias na União Europeia, por exemplo, puseram em pauta o risco de as tecnologias baseadas em inteligência artificial contraírem ainda mais o emprego já insuficiente na região.
O avanço tecnológico em todas as áreas da economia e da sociedade tem sido um elemento perturbador do status quo tecido no pós-guerra no mundo e não há como ignorá-lo, pois, em geral, chega sem avisar, antecipando nossa capacidade de lidar com os seus efeitos.
Exemplos não faltam: internet e redes sociais puseram em causa a mídia tradicional, o smartphone tornou obsoletos um sem-fim de negócios analógicos e aparelhos (máquina fotográfica, gravador, GPS, agências bancárias e de viagens, e o processo continua).
No limite, as inovações disruptivas põem em xeque até a liderança da maior potência global, os Estados Unidos, que se lançaram em uma guerra de contenção da China, um desafiante que desconhece limites e se apresenta na arena mundial como prenda e vilão.
Seu enorme mercado interno é grande fonte de receita das multinacionais com operações locais, enquanto as empresas chinesas disputam espaço e investem pesado nos países de seus rivais.
É mais pela supremacia tecnológica que pelas práticas de comércio mercantilista da China que Donald Trump foi à luta com uma longa lista de queixas —de acusação de roubo de propriedade intelectual a restrições a operações de firmas chinesas.
É o caso da Huawei, a empresa global mais bem-sucedida da China e líder mundial em equipamentos para redes sem fio 5G, a tecnologia-chave da próxima fase da onda digital.
Legal! E nós com isso? Com a robotização, que tira empregos na indústria e em serviços em toda parte? A queda de braço entre EUA e China? O nó entre suas cadeias de produção, que se imbricam com a de outros países, já implica a desaceleração das duas economias e do mundo. Ninguém está imune a esse choque.
Nós temos tudo e nada com tais conflitos. Nada, porque estamos tão atrasados que nosso foco continua sendo a reforma da Previdência, já feita pela maioria dos países, para sustar o viés de insolvência nacional.
E tudo, porque, depois de darmos jeito no setor público, ainda haverá pela frente o longo caminho para alcançar o mundo em transe pelas inovações. O que este governo e Congresso têm a dizer?
O que se sabe é que, quando vier a tardia retomada econômica no Brasil, ela deverá demandar menos empregos e exigir pessoal mais qualificado sem que a educação esteja preparada para prover tais capacitações. E também vai encontrar novas modalidades de negócios, como as plataformas de serviços bancários, os modelos de economia compartilhada etc.
Há uma penca de empresas inovadoras em tais segmentos no Brasil, mas mal resolvidas em meio a leis e regulações do arco da velha.
Hoje, fala-se de carro elétrico. Amanhã, de carro sem motorista, talvez compartilhado, não comprado.
O mundo analógico passou não só na economia mas nos costumes, na política, e nós ainda estamos discutindo problemas de 20 anos atrás.
Não há tempo para políticas retrógradas no mundo novo que já aconteceu. Mas será que Brasília sabe disso?
Pedro Luiz Passos
Empresário, conselheiro da Natura
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