Até podiam ser vistos alguns Pixulecos na avenida Paulista, e de vez em quando alguém puxava um coro de “a nossa bandeira jamais será vermelha”.
A manifestação de apoiadores do governo, no entanto, tinha outros inimigos. Eram os “traidores”.
O centrão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os ministros do STF e o MBL (Movimento Brasil Livre) tomaram o lugar que durante muito tempo foi ocupado por Lula, Fernando Haddad ou Gleisi Hoffmann.
Um desavisado que aparecesse por ali com uma camiseta do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do MBL, correria tanto risco quanto alguém que usasse uma do PT.
Um exemplo dessa mudança de alvos ocorreu no carro de som do grupo Direita SP, quando foram lidos os nomes dos deputados federais paulistas do centrão que votaram contra a permanência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com Sergio Moro (Justiça).
Um a um foram vaiados parlamentares de DEM, PP, MDB, PRB e outros, com destaque para Paulinho da Força (SD-SP), chamado de “maldito”.
Os do PT e PSOL foram ignorados, porque, como justificou o locutor, destas legendas nunca se esperou apoio para as pautas do governo. Era como se tivessem sido rebaixadas a uma Série B do antibolsonarismo.
Já a direita não-alinhada ao governo foi tratada como uma inimiga muito mais forte, o que revela uma disputa de espaço no conservadorismo.
O MBL apanhou muito, algo sintomático dado que era um protesto de direita. Foi chamado de “tchutchuca do centrão” e “Movimento Bumbum Livre”. Num rap improvisado, o MC Reaça mandou o movimento para a “Cuba que o pariu”, sob intensos aplausos.
Sobraram petardos também para as deputadas Janaina Paschoal (PSL), que criticou as manifestações, e Carla Zambelli (PSL), vista como titubeante na defesa dos atos.
“Eu tenho vergonha de ter votado na Janaina e ver que ela chegou lá e em cinco minutos nos esqueceu”, disse uma liderança do Direita SP no microfone.
Muitas das pessoas ali presentes apoiavam as reformas propostas por Moro e Paulo Guedes (Economia) até com mais força do que defendiam o próprio presidente Jair Bolsonaro.
Contraditoriamente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos principais defensores da reforma da Previdência, era criticado em cartazes e palavras de ordem. Seu pecado: tentar roubar o protagonismo de Bolsonaro.
“Ele teve 67 mil votos [na verdade, 74.232] e o Bolsonaro teve 57 milhões, não dá para comparar”, disse a empresária Milcia Ghilardi, que estava com um grupo que carregava uma faixa contra o “golpe” do parlamentarismo. “Nós votamos no Bolsonaro, é ele quem deve governar, não o Rodrigo Maia”, afirmou.
Corretor de seguros, José Alexandre Acre afirmou que “Maia usa sua inteligência para o mal”. “Ele se elegeu a duras penas, não gosta do Sergio Moro e agora se aliou ao centrão”.
Outrora idolatrado em manifestações do tipo, que incluíam até o maior símbolo de prestígio da direita –seu próprio boneco inflável–, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, foi outro a receber críticas, embora em escala menor do que a destinada ao odiado centrão.
“Ele é traíra. Tudo que o Bolsonaro fala ele é contra. É a favor do aborto, contra porte de armas, defende a Venezuela”, disse João de Andrade, bancário aposentado que veio de Araras (SP) para a manifestação.
Apesar da virulência de alguns discursos, eles ficaram no limiar da defesa da ruptura institucional, mas sem cruzar essa linha vermelha, no que parece ter sido uma orientação dos movimentos de evitar qualquer posicionamento que pudesse ser classificado como antidemocrático.
Vaias a ministros do STF, pedidos de impeachment de integrantes da corte como Dias Toffoli e Gilmar Mendes (outro que já foi visto como aliado dos que estavam na Paulista) estiveram por todo lado.
Mas, excetuando-se manifestações isoladas de pessoas mais exaltadas, não se ouviu a defesa do fim do Supremo ou do Congresso Nacional.
Ninguém lembrou, por exemplo, do cabo e do soldado mencionados por Eduardo Bolsonaro como suficientes para fechar o STF.
O máximo a que se chegava eram faixas como “A Justiça se perde com esses togados do STF”. Ou o muito aplaudido discurso de um sargento, completo com sua farda do Exército, que defendeu a mudança na forma como os ministros são escolhidos, com obrigatoriedade de serem juízes de carreira.
A Paulista estava cheia, embora não intransitável. Havia muitos empresários, profissionais liberais e estudantes universitários que defendiam as reformas. Um deles, Ericon Matheus, segurava um cartaz que dizia: “Larga esse ódio e venha amar o Guedes”.
Mas também participaram muitos desempregados e moradores de bairros periféricos, todos defendendo uma reforma que vai, em última análise, reduzir direitos, o que não deixa de ser uma demonstração de força do governo.
“Vim pelo pacote do Moro, a reforma da Previdência e contra os ministros do STF. Bolsonaro está tentando governar, mas tem a interferência do Parlamento”, afirmou José Carlos de Oliveira, 21, ajudante de pedreiro em Guarulhos (SP).
Não se perdeu totalmente o clima de domingão na Paulista. Crianças tiravam fotos em cima de um caminhão do Exército estacionado (propriedade de um colecionador). Ambulantes vendiam camistas de Bolsonaro a R$ 10.
Bastões de plástico branco eram distribuídos. Mas neste domingo, não eram bonecos de Lula preso, como em outras manifestações. Tinham a frase “Congresso corrupto”, com ratos passeando pelas letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário