sexta-feira, maio 31, 2019

Por que o papa argentino gosta tanto de políticos como Lula? - VILMA GRYZINSKI

REVISTA VEJA
Francisco escolhe muito bem quem vai receber e a quem escrever: na foto acima, entre figuras do passado, o atual candidato peronista a presidente



Sei o que vocês fizeram no verão passado: em 2018, Francisco recebe Amorim e Omamani; o bigodudo é o candidato peronista a presidente da Argentina (PT/Divulgação)

Será que o papa Francisco não sabe o que essas pessoas fizeram num passado recente?

Claro que sim. Jorge Bergoglio, seu nome como bispo, tem 82 anos é da geração que viveu todas as fases da história recente na Argentina e na América Latina.

Os ciclos de populistas dos anos cinquenta e sessenta, a ascensão de movimentos de esquerda que sonhavam imitar Cuba, os golpes militares desfechados como reação, com brutalidade feroz na Argentina e no Chile.

Depois, a transição democrática e governos de centro-direita, superados pelo novo populismo de esquerda. Kirchner, Lula, Evo, Hugo, Corrêa e mais Kirchner.

Em nome do combate às desigualdades sociais, associaram-se aos mais poderosos produtores e banqueiros para tirar dos pobres e dar aos muito ricos. Para compensar, a massa era acalmada, com bolsas-tudo, acesso ao consumo através da armadilha do crédito barato e empregos fugazes.

Em toda parte, o modelo brasileiro de corrupção foi exportado, somando-se às já conhecidas práticas locais. A maior diferença era de escala e de concentração: nunca ninguém conseguiu roubar tanto com tão poucos envolvidos.

Jorge Bergoglio acompanhou isso tudo passo a passo e foi um dos mais conhecidos críticos a Néstor Kirchner.

Ganhou fama de direitista na Argentina, agravada pelo episódio dos jesuítas colaboradores de grupos armados de esquerda que foram sequestrados e torturados durante o regime militar.

A pecha de delator foi recuperada por ex-montoneros antes que Cristina Kirchner mandasse o pessoal parar com a loucura de falar mal de um argentino eleito papa. Nessa ordem de importância, claro.

“Conservamos sobre Néstor e eu disse: sabe o que acho que aconteceu com vocês, Jorge? (Porque eu o chamo de Jorge quando conversamos e não Sua Santidade e ele, obviamente, me chama de Cristina). No fundo acho que a Argentina era um país pequeno demais para vocês juntos”, escreveu a ex-presidente do livro Sinceramente, usando dos recursos de narcisismo terminal, falsa intimidade, manipulação grotesca ou pura invenção de fatos.

Por que o papa recebeu uma política com esse tipo de caráter e boicotou o quanto pode seu substituto, Mauricio Macri?

De forma geral, podemos dizer que está no sangue. Bergoglio não consegue se desvincular da ideia do “rouba mas faz”. Influenciado pela opção preferencial pelos pobres, cujas dificuldades acompanhou intensamente como arcebispo, acaba colocando no pacote a preferência opcional pelos corruptos ou seus representantes.

Francisco podia ter se esquivado de um encontro como o registrado no ano passado pela foto acima. Escolheu deliberadamente receber os três personagens e falar com eles durante uma hora.

O ex-ministro Celso Amorim foi um dos participantes. Saiu de lá com um bilhete escrito a mão pelo papa em agradecimento ao livro enviado por Lula. As cortesias se multiplicaram na recente carta.

Se Francisco achasse justas as sentenças por corrupção ao apenado de Curitiba, certamente não usaria os termos escolhidos. E um católico criminoso que implorasse uma palavra de conforto ao papa, primeiro teria que pedir perdão pelos pecados cometidos.

Os outros participantes do encontro do ano passado foram o ex-senador chileno Carlos Omamani e Alberto Fernández, ex-ministro da Casa Civil de Néstor Kirchner.

Como num clássico tango argentino, a fila rodou rápido. Ironicamente, Fernández é agora o candidato a presidente ungido por Cristina Kirchner.

Numa manobra maquiavélica ou mefistofélica, ainda falta algum tempo para saber, Cristina resolveu convocar o homem de confiança do falecido marido, reservando para si um modesto papel de candidata a vice-presidente.

Todo mundo sabe o que Néstor Kirchner fez. E quem tiver alguma dúvida pode consultar os Cadernos das Propinas escritos pelo motorista que transportava os infindáveis sacos e malas cheios de milhões de dólares enviados por empresários bonzinhos que só queriam ajudar o presidente a pensar no bem do povo e na felicidade da nação.

Vários desses empresários estão recolhidos atualmente ao sistema prisional argentino. Políticos também.

Será que o papa acredita que um presidente Aníbal Fernández é um ínclito que fará um governo responsável?

Carlos Omamani, o ex-senador chileno, só se enrolou em doações irregulares feitas por uma grande mineradora. Mas o delito já prescreveu e ele disse que “vai se arrepender para o resto da vida”.

O ex-senador foi militante na juventude do Movimento de Esquerda Revolucionária, o MIR. O grupo armado queria fazer uma revolução à cubana no Chile e ajudou a criar o caos que impulsionou o golpe de estado do general Pinochet.

Em 1989, remanescentes ideológicos do MIR sequestraram o brasileiro Abílio Diniz, libertado na véspera do segundo turno entre Lula e Fernando Collor.

O ex-senador chileno adotou Marco Enríquez-Ominami Gumucio depois que se casou, no exílio, com a mãe dele. O pai biológico é Miguel Enríquez, criador do MIR, morto em 1974, logo depois do golpe. Marco criou um novo partido de esquerda depois de ter 20% dos votos na eleição presidencial de 2009.

Da mesma forma que escolhe quem vai receber e para quem vai escrever ou mandar rosários, o papa escolhe quem não vai receber.

Atualmente, esse é um assunto importante na Itália: se e quando o papa vai se encontrar com Matteo Salvini, o ministro do Interior que está engolindo adversários e aliados.

Os dois, obviamente, se detestam. Salvini saiu do campo restrito da Liga Norte, um partido secessionista, para se tornar o político mais importante do país unicamente com base no fechamento dos portos aos migrantes que continuam a chegar, embora em menor número, de países africanos.

Uma das maiores causas abraçadas pelo papa Francisco é a abertura irrestrita de fronteiras de todos os países para todos os que queiram entrar, independentemente de restrições econômicas ou de segurança.

O papa também acha que os recém-chegados têm direito a bolsa-imigrante, alojamento, celular, importação de familiares e outros benefícios.

No último comício antes das eleições para o Parlamento Europeu, das quais saiu fortalecido, Matteo Salvini beijou o crucifixo do terço que sempre leva no bolso (embora se reconheça como “o último da fila dos cristãos”) e invocou a proteção de Nossa Senhora da Imaculada Conceição para si mesmo e para toda a Itália.

E trolou o papa, fazendo uma referência em que a simples menção do nome de Francisco provocou vaias.

Vários representantes do Vaticano surtaram. Paolo Parolini, que é a segunda personalidade mais importante, como secretário de Estado, denunciou o “risco de abuso de símbolos religiosos”.

O jesuíta Bartolomeo Sorge tuitou que a Itália que vota na Liga “não é mais cristã”.

“Olhem o que escreve este teólogo. Só falta que alguém peça minha excomunhão. Avante, com fé, respeito e humildade”, respondeu Salvini, sem nenhum risco de ter, pelo menos, as duas últimas virtudes.

Esta é a situação existente no momento, resultado do envolvimento direto do papa em questões políticas e de dúvidas religiosas que desperta: a direita detesta o papa e a esquerda o exalta; a ala mais conservadora o considera ambíguo ou até herético e a turma da teologia da libertação o recebe como um profeta.

Fiéis perdidos ou confusos ficam no meio, sem entender por que Francisco um dia faz o discurso mais forte já vindo de um papa contra o aborto, comparando-o a contratar um pistoleiro de aluguel, e no outro exorta os católicos a abrir as portas a todos os que queiram morar em seus países.

Numa longa entrevista a uma vaticanista mexicana, o papa argentino se descreveu como “conservador”, embora concordando com a tese da jornalista de que vem caminhando para o outro lado desde que foi eleito para a Santa Sé.

Terminou falando, com profundo e comovente sentimento, da crueldade do mundo onde tantas mulheres são humilhadas, exploradas, abusadas ou assassinadas.

O lado A de Francisco tem uma força enorme, de fé e comprometimento. O lado B ainda acredita, tristemente, no “rouba mas faz”.

Os fiscais de passeata - GUILHERME FIUZA

FORBES BRASIL - 31/05


O liberal e o democrata se encontraram de novo depois da manifestação de domingo 26:

_ Que mico, hein?

_ Micão. Meia-dúzia de gatos pingados.

_ É. Se tirar aquela multidão de fascista querendo radicalizar na rua, não tinha quase ninguém.

_ Viu como fascista é fingido? Todo mundo em paz, sem xingamento, sem porrada, defendendo reforma…

_ Fazem tudo pra parecer democrata. Me engana que eu gosto.

_ Impressionante: no Brasil inteiro os caras conseguiram disfarçar a onda autoritária.

_ Não me impressiono, não. Isso é milícia treinada, meu caro.

_ Ah, logo vi.

_ Se o chefe manda os milicianos parecerem gente comum, você jura que é povo na rua. Se manda parecer família, os caras botam até criança no meio…

_ Absurdo! Agora que entendi aquela criançada ali. Tudo fachada.

_ Fachada pura.

_ Não seria o caso de uma CPI do abuso da infância pela milícia?

_ Melhor Ministério Público. Conheço um procurador, vou falar com ele.

_ Problema é que demora.

_ O que?

_ O processo.

_ Que processo, maluco? Tem que esperar processo nenhum. Ele bota uma nota no jornal amanhã e pronto.

_ Ah, show. Não dá pra esperar mesmo não. A ditadura tá vindo aí.

_ Isso ficou claríssimo na manifestação. Viu aquela conversinha mole de Previdência? Tudo armação pra fechar o Congresso.

_ Canalhas!

_ Calma. O Centrão vai reagir.

_ Tomara. Alguém tem que defender a nossa democracia.

_ Foi justamente por isso que eles foram pra rua: pra pressionar o Centrão e assim intimidar os democratas.

_ Tenho lido vários analistas dizendo isso: o Centrão é a resistência contra a ditadura.

_ Verdade. Aliás, a única coisa que melhora no Brasil de hoje é a análise política.

_ Pelo menos isso.

_ Vou fazer um post sobre o dia 26/5: a invasão da Paulista pela milícia obscurantista.

_ Puta análise. Até rimou.

_ Já postei.

_ Já curti.

_ Yes!

_ Uhu!

_ Boa essa sensação de estarmos lutando por um país mais livre e democrático apesar da onda reacionária.

_ Posta isso!

_ Postei!

_ Curti!

_ Ufa, Tô exausto.

_ Lutar pela democracia cansa mesmo.

_ Mas vale a pena.

_ Última coisa… Você que sempre foi crítico do PT: essas passeatas pedindo Lula Livre são pela educação ou isso é choro de perdedor?

_ Sinceramente? Se tem gente na rua se manifestando, quem sou eu pra julgar os motivos?

_ Perfeito. Viva a democracia!

_ Viva a liberdade!

_ Postei.

_ Curti.

O mundo analógico passou, e ainda brigamos pelos problemas do século passado - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 31/05

Não há tempo para políticas retrógradas; mas será que Brasília sabe disso?

O noticiário internacional tem mostrado o vulto do nosso atraso, especialmente na junção entre tecnologia e economia, um dos pilares dos negócios globais interconectados, enquanto a agenda dos grandes temas continua estacionada no século passado.

As recentes eleições comunitárias na União Europeia, por exemplo, puseram em pauta o risco de as tecnologias baseadas em inteligência artificial contraírem ainda mais o emprego já insuficiente na região.

O avanço tecnológico em todas as áreas da economia e da sociedade tem sido um elemento perturbador do status quo tecido no pós-guerra no mundo e não há como ignorá-lo, pois, em geral, chega sem avisar, antecipando nossa capacidade de lidar com os seus efeitos.

Exemplos não faltam: internet e redes sociais puseram em causa a mídia tradicional, o smartphone tornou obsoletos um sem-fim de negócios analógicos e aparelhos (máquina fotográfica, gravador, GPS, agências bancárias e de viagens, e o processo continua).

No limite, as inovações disruptivas põem em xeque até a liderança da maior potência global, os Estados Unidos, que se lançaram em uma guerra de contenção da China, um desafiante que desconhece limites e se apresenta na arena mundial como prenda e vilão.

Seu enorme mercado interno é grande fonte de receita das multinacionais com operações locais, enquanto as empresas chinesas disputam espaço e investem pesado nos países de seus rivais.

É mais pela supremacia tecnológica que pelas práticas de comércio mercantilista da China que Donald Trump foi à luta com uma longa lista de queixas —de acusação de roubo de propriedade intelectual a restrições a operações de firmas chinesas.

É o caso da Huawei, a empresa global mais bem-sucedida da China e líder mundial em equipamentos para redes sem fio 5G, a tecnologia-chave da próxima fase da onda digital.

Legal! E nós com isso? Com a robotização, que tira empregos na indústria e em serviços em toda parte? A queda de braço entre EUA e China? O nó entre suas cadeias de produção, que se imbricam com a de outros países, já implica a desaceleração das duas economias e do mundo. Ninguém está imune a esse choque.

Nós temos tudo e nada com tais conflitos. Nada, porque estamos tão atrasados que nosso foco continua sendo a reforma da Previdência, já feita pela maioria dos países, para sustar o viés de insolvência nacional.

E tudo, porque, depois de darmos jeito no setor público, ainda haverá pela frente o longo caminho para alcançar o mundo em transe pelas inovações. O que este governo e Congresso têm a dizer?

O que se sabe é que, quando vier a tardia retomada econômica no Brasil, ela deverá demandar menos empregos e exigir pessoal mais qualificado sem que a educação esteja preparada para prover tais capacitações. E também vai encontrar novas modalidades de negócios, como as plataformas de serviços bancários, os modelos de economia compartilhada etc.

Há uma penca de empresas inovadoras em tais segmentos no Brasil, mas mal resolvidas em meio a leis e regulações do arco da velha.

Hoje, fala-se de carro elétrico. Amanhã, de carro sem motorista, talvez compartilhado, não comprado.
O mundo analógico passou não só na economia mas nos costumes, na política, e nós ainda estamos discutindo problemas de 20 anos atrás.

Não há tempo para políticas retrógradas no mundo novo que já aconteceu. Mas será que Brasília sabe disso?

Pedro Luiz Passos
Empresário, conselheiro da Natura

Andando para trás - CELSO MING

O Estado de S. Paulo - 31/05


O desempenho da economia no primeiro trimestre, mesmo que esperado, é desolador. O ambiente é de desaceleração da atividade produtiva.

Em economia, algumas convenções perderam o sentido. Uma delas diz respeito a como entender um quadro de recessão. A convenção diz lá que deve ser considerada recessão a evolução negativa do PIB em dois trimestres consecutivos. No caso do Brasil, o avanço do PIB no último trimestre de 2018 (sobre o anterior) foi positivo em apenas 0,1% e o do primeiro deste ano, negativo em 0,2%. Na acumulada desses dois trimestres, a renda nacional a preços constantes de mercado, avisa o IBGE, recuou 0,3%. Mas, pelas tais convenções, essa perda de renda não deve ser considerada recessão, pois não configura queda do PIB em dois trimestres consecutivos. Isso aí é como subir um degrau de escada e descer dois. O resultado geral o que é?

Embora este seja o primeiro PIB negativo no encadeamento de oito trimestres consecutivos; e embora o período de 12 meses até final de março ainda registre crescimento de 0,9%, o fato é que o desempenho da economia, mesmo que esperado, é desolador.

Trata-se de ambiente claro de desaceleração da atividade produtiva. Apesar disso, os prognósticos ainda apontam para um avanço positivo do PIB em todo o ano de 2019, da ordem de 1,2%, conforme esperam as entidades rastreadas pela Pesquisa Focus, do Banco Central.

Na ótica da demanda de bens e serviços, o comportamento mais decepcionante foi o do investimento (Formação Bruta do Capital Fixo), que recuou 1,7% em relação ao último trimestre de 2018, totalizando perda de 4,1% em dois trimestres consecutivos. Como está no gráfico abaixo, apenas 15,5% do PIB foi destinado ao investimento. E queda do volume de investimento projeta queda também da produção futura: se há redução do plantio, há redução da colheita. Para crescer 3% ao ano de maneira sustentável, o investimento deve ser de pelo menos 22% do PIB. Do lado da oferta, também como esperado, o pior desempenho foi da indústria extrativa, que recuou 3,0%.

Para não ficar nessa linguagem sobe e desce de ascensorista, convém examinar as causas desse mau desempenho. Se ficarmos no mais curto prazo, os principais fatores não fugirão dos já martelados há semanas. É a desaceleração da atividade produtiva que ocorre em todo o mundo e, com ela, certa retração nos preços das commodities, de cujo mercado depende o Brasil; é o mergulho na recessão dos hermanos argentinos, que produziram notável impacto sobre as exportações brasileiras de manufaturados; e é o alastramento do pessimismo em relação à política econômica do governo, especialmente quanto à aprovação das reformas.

Mas podem estar atuando aí forças de maior abrangência, como observou a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, em coluna publicada nesta quarta-feira pelo Estado. Ela sugere que possa estar em curso um ciclo de estagnação secular global, com impacto também no Brasil. A ideia tem sido aventada pelo ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Larry Summers.

Monica identifica sinais de que a economia brasileira está mergulhada numa espécie de estado catatônico. Entre eles, o baixo crescimento do consumo das famílias, o alto nível de endividamento (que bloqueia o avanço do crédito) e incertezas que inibem o investimento. Esse pequeno desempenho fomenta o baixo-astral de corações e mentes, prostração que também impede o deslanche.

O que fazer para garantir uma virada, mesmo num ambiente adverso de longo prazo? Em primeiro, não atrapalhar os dois setores que vêm nadando contra a corrente: petróleo e agronegócio. Em segundo, agilizar projetos de infraestrutura, contando especialmente com a abundância de capitais externos, sempre prontos a acorrer ao Brasil, desde que haja clareza nas regras do jogo e vontade política. Mas aí entram em jogo fatores fora do âmbito econômico propriamente dito, especialmente os da macropolítica.

Os pactos do barulho e do silêncio - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 31/05

O Executivo estaria sequestrando Legislativo e Judiciário para atender a seus propósitos


Nas democracias, o pacto entre os Poderes se estabelece na Constituição. Desculpo-me se, ao fazer tal afirmação, chovo no molhado e no clichê, mas não resta alternativa quando o conhecimento firmado mais comezinho sobre política é ignorado em favor de uma fantasia.

Até porque me pergunto como se daria o "troço" —ocorreram-me substantivos menos decorosos. A "coisa" —mais uma concessão à delicadeza— só seria possível se cada Poder abrisse mão de suas respectivas prerrogativas para abraçar as que aos outros dois pertencem ou se os três adotassem estranhezas impróprias a cada um. Nesse caso, não seria pacto, mas bagunça.

Estamos obviamente diante de um entendimento prejudicado do que é o regime democrático e do que significa a independência entre os três Poderes. "Ah, isso é o mundo ideal...". É, sim! Na vida pública, convém perseguir o ideal para que o real não se abastarde. A ética da responsabilidade modula a da convicção. Se aquela mata esta, o horizonte é o pragmatismo obscurantista.

Avance-se um tanto mais. O Executivo e o Legislativo são os Poderes que traduzem as vontades conflitantes da sociedade. O Judiciário é, por excelência, o Poder do Estado. Os dois primeiros estão sujeitos às vagas de opinião, refletem a temperatura dos embates públicos, carregam as marcas e cicatrizes das nossas dissensões e divergências.

O Judiciário traz consigo a vocação de Poder Moderador. Embora nenhum Poder possa ser soberano na democracia —em que soberana é a Constituição—, sobrou aos senhores e senhoras do antes chamado "Pretório Excelso" desempenhar o papel, em várias circunstâncias, de "Poder dos Poderes".

A pergunta é obrigatória, e a resposta, evidente: "Quando a última palavra não está escrita, a quem pertence a última palavra?"

O Judiciário não atravessa a praça para somar forças com o Executivo e o Legislativo. Se o fizer, fatalmente acabará disputando o protagonismo. Será massa negativa —aquela que, na soma, diminui. Os outros dois Poderes é que fazem o movimento contrário quando, diante de uma dissensão insanável, buscam a Justiça. Aí, então, atua o Moderador.

Ora, como é possível que o Poder Irrecorrível se meta em porfias políticas —e isso fatalmente aconteceria— para, mais tarde, atuar como o juiz isento do que escapou, então, ao chamado "pacto"? É mentira que só exista jabuticaba no Brasil. Mas certas bobagens são endêmicas de nossas vastas solidões também teóricas.

Se querem saber, nem mesmo vejo caminhos por onde se operasse a aposentadoria compulsória de Montesquieu, o formulador original do molde moderno da tripartição de Poderes. A conversa nada traz de útil e só gera "balbúrdia", como diria aquele...

Há, ademais, de inconveniente o fato de que esse tal pacto foi ressuscitado como derivação necessária do "protesto a favor de Bolsonaro" a que se assistiu no domingo (26). Assim o noticiou parte considerável da imprensa, e se ouviu essa avaliação na boca de figuras coroadas do governo.

Sendo isso verdade, então não se trata de um pacto, mas de um rapto, na primeira acepção do termo. O Executivo estaria sequestrando o Legislativo e o Judiciário para atender a seus propósitos —sejam eles quais forem: reforma disso ou daquilo ou outros quaisquer.

A propósito: o Supremo passaria a atuar como consultor do Executivo ou eventualmente do Legislativo? Substituiríamos o controle de constitucionalidade pelo juízo prévio de constitucionalidade? "Olhem, é melhor não ir por aí porque isso não passaria por aqui." Não me parece que seja possível. Nem prudente.

Também prefiro, a exemplo de Clóvis Rossi, nesta Folha, o presidente que fala de pacto ao que fica no Twitter a espancar a língua, a lógica, o bom senso e as conquistas mais comezinhas da civilização.

Melhor o que fala de entendimento do que aquele que se diz mais poderoso do que Rodrigo Maia porque tem a caneta dos decretos, que, segundo sugeriu, podem mudar leis. Que Dias Toffoli lhe conte que não podem. Bem, sempre haverá um Bolsonaro pior do que o outro.

Noto, para encerrar, que essa conversa se deu na terça-feira (28). No domingo e na segunda, 55 presos foram assassinados em quatro presídios no Amazonas.

Há 70 partidos do crime a operar no sistema prisional do país, e seus braços, além dos muros, disputam mercado com as milícias. Sobre isso, fez-se o pior de todos os pactos, muito típico das elites políticas brasileiras: o do silêncio.

E o pacto do silêncio eloquente torna especialmente indecente o pacto do barulho vazio.

Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.

FGTS alivia, mas problema é que Brasil ficou com fobia de investir - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 31/05

Fundo ajuda um tico no consumo, mas falta investimento, o público em especial

Quando a água bate nas costas, para não dizer outra coisa, até economista ultraliberal inventa um modo de estimular o consumo. Ou, como disse o ministro Paulo Guedes (Economia), de modo pitoresco e característico, dá-se um jeito de fazer uma “chupeta na bateria” arriada do PIB (carregar provisoriamente uma bateria de carro).

No caso, o estímulo viria do dinheiro da liberação de saques nas contas do FGTS e do tutu esquecido no Pis/Pasep. Como disse Guedes e como sabe qualquer motorista que já ficou a pé com uma bateria nas últimas, “chupeta” dura pouco. É gambiarra. Mas estamos pifados em uma rua escura e sinistra. Vale.

Como se soube nesta quinta-feira, o Pibinho voltou a encolher no trimestre e pode não avançar muito mais do que 0,5% neste 2019, metade do crescimento insignificante do ano passado (1,1%).

Quanto vale o show dos saques do FGTS e do Pis/Pasep?

Depois da notícia do Pibículo, ouvia-se gente a dizer que os saques poderiam ser de 30% das contas ativas, o que renderia uns R$ 120 bilhões. É delírio ou rolo. O patrimônio líquido do FGTS era de R$ 104 bilhões em setembro de 2018 (segundo o último balancete trimestral disponível).

Patrimônio líquido é a diferença entre haveres (investimentos, aplicações financeiras, caixa) e obrigações (os depósitos nas contas dos trabalhadores, no grosso). Mas o Fundo não pode torrar essa “sobra” e, muito importante, do seu caixa sai dinheiro para financiar casas, saneamento e transporte (neste ano, R$ 78,6 bilhões).

O FGTS tem muito investimento de médio e longo prazo; não dá para mexer aí. Se torrar aplicações financeiras, pode haver descasamento de entradas e saídas de dinheiro (crise de liquidez); com um saque grande, a receita também vai cair.

Além do mais, um saque maciço vai limitar o dinheiro disponível para financiamentos a custo baratinho de obras de interesse popular. Por falar nisso, o governo já pensava em usar mais dinheiro do FGTS a fim de pagar os subsídios do Minha Casa Minha Vida, programa à míngua porque o governo está no osso. Por fim, a receita líquida do FGTS em 2018 foi 60% menor do que em 2014 (em termos reais).

Quem entende das finanças do FGTS diz que é difícil tirar mais do que R$ 20 bilhões dessa cartola. No Pis/Pasep restariam uns R$ 20 bilhões —o povo esqueceu de buscar, não sabe o que é ou já se foi desta vida. Vai esquecer de novo, em parte. No fim das contas, essa “chupeta” deve render menos que aquela do FGTS de Michel Temer.

O dinheiro pode dar uma animadinha no consumo, breve, mas benvinda. Mas há problemas de base: 1) consertar a economia (“reformas”), solução de médio prazo; 2) estimular o investimento em infraestrutura e moradias, porque o resto vai demorar: as empresas estão ociosas e/ou com medo do futuro e de estagnação crônica da economia, para nem falar da baderna política e administrativa que é o governo de Jair Bolsonaro.

O investimento em infraestrutura (estrada, esgoto etc.), moradias, máquinas e instalações produtivas caiu pelo segundo trimestre consecutivo. Ainda está 27% abaixo do que era no começo de 2014. A construção civil caiu 29% nesse tempo. É uma depressão horrenda.

O investimento público em obras cai sem parar, por falta de dinheiro e incompetências do governo. Investimento privado em concessões de infraestrutura virá, com alguma sorte e muita competência do governo, em fins de 2020.

No curto prazo, é preciso ter alguma outra ideia.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Atemorização em excesso - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O Globo - 31/05
Não tendo conseguido narrativa crível de aprovação da reforma, o governo tentou compensar com atemorização


Incutir no país o senso de urgência requerido para que a reforma da Previdência seja aprovada tem sido o grande desafio da equipe econômica do governo. E é natural que a campanha de persuasão tenha exigido certo grau de atemorização da opinião pública e do Congresso com as perspectivas desoladoras com que se defrontará o país, caso uma reforma abrangente, com potência fiscal adequada, se mostre, afinal, inviável.

Ao dar força redobrada à campanha conduzida pela equipe econômica do governo anterior, Paulo Guedes vem obrigando o país a fazer uma reflexão incômoda, procrastinada há décadas, sobre a insustentabilidade do quadro fiscal. E é inegável que boa parte da quebra de resistência à reforma adveio da disseminação de uma compreensão mais clara do que poderá ocorrer, caso os gastos previdenciários não possam ser contidos.

A esta altura do jogo, contudo, seria um erro supor que o segredo da viabilização de uma reforma da Previdência com potência fiscal adequada seja nova escalada de atemorização do país com cenários de fiasco da reforma. De um lado, há boas razões para crer que a tática de amedrontamento já tenha passado do ponto. Que seus efeitos colaterais já a tornaram disfuncional. De outro, parece claro que o verdadeiro entrave remanescente à aprovação da reforma não será removido pela aterrorização da opinião pública com os possíveis desdobramentos da não aprovação.

Na sexta-feira passada, o país foi alvoroçado pela divulgação de uma entrevista de Paulo Guedes à revista “Veja”. Tendo alertado que “se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo”, o ministro ameaçou: “Se só eu quero a reforma, vou embora para a casa... pego o avião e vou morar lá fora”. As reações de Bolsonaro não tardaram. De início, em tom defensivo: “Paulo Guedes está no direito dele. Ninguém é obrigado a ficar como ministro meu.” E, em seguida, fazendo coro com Guedes: “Se for uma reforminha ou não tiver reforma, não precisa mais de ministro da Economia, porque o Brasil pode entrar em um caos econômico. Ele vai ter que ir para a praia, vai fazer o que em Brasília?” (O GLOBO, 25/5)

Não se sabe que propósito podem ter tido explicitações tão espalhafatosas da extensão da insegurança do governo com a aprovação da reforma. Certamente não ajudaram a torná-la mais provável. Mas seus efeitos colaterais danosos saltam aos olhos. Ao brandir a iminência do caos, ajudaram a atrofiar ainda mais o que restava do já raquítico crescimento da economia. Levará algum tempo até que se possa entender com clareza por que o círculo virtuoso de recuperação da economia, antevisto no início do ano, se mostrou tão decepcionante. Mas, entre as possíveis explicações, não poderá deixar de constar o efeito deletério da atemorização exagerada do país a que o governo recorreu, para viabilizar a reforma da Previdência. Não tendo conseguido produzir uma narrativa crível de aprovação da reforma, o governo tentou compensar essa falha com uma atemorização desmesurada, que teve impacto devastador sobre decisões de investimento.

E por que o governo não conseguiu produzir uma narrativa crível? Porque não teve como explicar como seria contornado o verdadeiro entrave à aprovação da reforma. A principal dificuldade que vem sendo enfrentada pela reforma não advém mais da falta de senso de urgência da opinião pública e do Congresso e, sim, da gritante incapacidade do governo de mobilizar o vasto apoio parlamentar de centro direita com que poderia contar.

Bolsonaro ainda não conseguiu entender que, no Brasil, presidencialismo de coalizão não é opção. E, sim, a única forma possível de governar o país. É esta falha de entendimento que tem impedido o governo de construir uma narrativa crível de aprovação da reforma da Previdência.

Não adianta tentar compensar essa deficiência com uma escalada de aterrorização da opinião pública, dos investidores e do Congresso. Quem tem de ser assombrado com o espectro de uma reforma pífia é o próprio Bolsonaro. E é melhor que seja atemorizado intramuros. Não em público.

O tiozão Bolsonaro e o churrasco - NELSON MOTTA

O GLOBO - 31/05

É meio bizarra essa fixação dele em temas sexuais, virilidade

Fernando Gabeira, que conviveu como oposição a ele em vários mandatos na Câmara, disse que no dia a dia Bolsonaro era muito boa- praça e brincalhão ou, como definiu Kim Kataguiri no “Conversa com Bial”, “um tiozão de churrasco”.

Mas fazer piada velha, sem graça e machista sobre as supostas dimensões penianas dos japoneses, às vésperas de uma viagem oficial a Osaka, francamente, é o tiozão se torrando num churrasco.

O turista japonês riu e repetiu o gesto, mas o tiozão não entendeu que ele se referia ao PIB brasileiro. Ou à nossa educação e civilização. Ou à nossa indústria e tecnologia. Ou à saúde, Previdência e segurança pública. Ou, como o Professor Raimundo, aos nossos salários em relação aos deles. Ou a quase tudo no Brasil em comparação com o Japão.

Com um conjunto de ilhas pedregosas que, juntas, são menores do que Goiás, sem petróleo, sem minérios, sem terras agriculturáveis, sem recursos naturais, o Japão se tornou a terceira maior economia do mundo, mas o Brasil, bem dotado por natureza de tudo o que um país pode desejar, perde longe em potência para os japoneses.

O japa poderia ter feito aquele gesto cafajeste com as mãos estendidas, à la Paulo Silvino, dizendo “ah como era graaande”, mas foi educado. Tanto em pênis como em países, o tamanho importa menos do que o que se faz com ele.

É meio bizarra essa fixação do tiozão em temas sexuais, virilidade, macheza, homossexualidade; vive falando em “abraço hétero”, como se alguém duvidasse não sê-lo, convida os turistas a comerem nossas mulheres, mas não admite que eles transem com homens, sem definir se as lésbicas estão liberadas, se o bissexualismo é permitido, e como seriam feitos esses controles. Teste da farinha no aeroporto!, zurram no churrasco. Enquanto isso, países que já recebem dez vezes mais turistas que o Brasil disputam a tapa o rico mercado do turismo gay.

Seria cômico, se não fosse trágico. Mas um trágico tosco e constrangedor. O problema é que as piadas do tiozão ajudam o seu governo a virar churrasco.

Banho de água fria - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 31/05

PIB e estudantada nas ruas encolhem o que seria a melhor semana de Bolsonaro


A expectativa de que esta fosse a melhor semana do presidente Jair Bolsonaro, em seus cinco meses de governo, ruiu ontem com o anúncio do PIB negativo e o despertar de um velho ator da política brasileira: a estudantada. Uma nova fase de recessão entrou no radar e o bolsonarismo conseguiu acionar o antibolsonarismo.

Desde as manifestações de domingo a seu favor, Bolsonaro andava saltitante e feliz. Propôs um “pacto” ao Legislativo e ao Judiciário (aliás, alvos dos atos bolsonaristas), aprovou sem dificuldade a MP que reformou a Esplanada dos Ministérios e foi a pé, simpaticamente, ao Congresso.

Dizem que “alegria de pobre dura pouco”, mas, desta vez, foi a alegria do presidente que durou apenas três dias. Já na quinta-feira, o desânimo voltou a turvar o ambiente político, econômico e, consequentemente, social. Agora, com uma novidade: o intocável Paulo Guedes começa a ser arranhado. Só a promessa de reforma da Previdência não está mais dando para o gasto.

A queda de 0,2% do PIB no primeiro trimestre não surpreendeu o mercado, mas contém alguns dados de doer. Foi o primeiro recuo desde 2016 e escancarou a dificuldade do País em garantir investimento. Por quê? Porque os erros políticos do governo Bolsonaro afetam a confiança e a economia. Quem investe num ambiente desses, cheio de trapalhadas e incógnitas?

Um dos erros é provocar, sistematicamente, um setor com alto poder de mobilização, a educação. O primeiro ministro, Vélez Rodríguez, foi engolido por um redemoinho ideológico. O segundo, Abraham Weintraub, já assumiu cutucando a onça com vara curta.

Ambos veem esquerdistas por todos os lados, mas Weintraub foi das palavras aos atos, com cortes no orçamento das universidades, desdém pela área de Humanas e redução das pesquisas (sem falar na desconfiança de órgãos de excelência como IBGE e Fiocruz, que têm fortes laços com a academia). De tanto insistir, o governo conseguiu devolver os estudantes às ruas, depois de anos e anos de preguiça, leniência e alegre promiscuidade da UNE com o poder na era PT.

Bolsonaro teve uma inegável vitória com as manifestações de domingo. Agora, está zero a zero. Os atos a favor dele tinham pauta genérica, com público aberto, e os de ontem tinham foco específico, reunindo estudantes, professores e suas famílias, mas também ocorreram em todos os Estados e no DF. Fazendo as contas, o resultado é que os times entraram em campo e não vão sair tão cedo. É bom para o governo ter “povo” nas ruas o tempo todo? Difícil achar que sim.

Foi embalado pelo apoio de domingo que o presidente resgatou a proposta de um “pacto nacional” feita pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. Fala-se em pacto quando o ambiente político e econômico não é bom, recorre-se à “governabilidade” e o grande beneficiário é sempre o mesmo: o presidente da República.

Todos os presidentes pós-redemocratização tentaram articular em algum momento um pacto em torno de si, mas o único grande pacto realmente efetivo no País foi o governo Itamar Franco, na base do “quem pariu Mateus que o embale”. Todas as forças políticas relevantes, exceto o PT, cumpriram o compromisso de garantir uma travessia tranquila de dois anos após o impeachment/renúncia de Collor.

Para qualquer pacto é preciso uma disposição de acertar e de somar, não dividir. Se a previsão do PIB cai pela 13.ª semana, a sensação é de que o governo não está acertando. E os atos de ontem funcionam como um banho de água fria. Os bolsonaristas vão ter de fazer muita manifestação para tentar reverter o desânimo, mas nem eles nem Paulo Guedes podem tudo. O presidente precisa dar uma forcinha.

Água na fervura - MERVAL PEREIRA

O Globo - 31/05


Bolsonaro foi cândido num encontro recente com políticos ao prometer mudar de comportamento


As manifestações de ontem, convocadas por lideranças estudantis e de partidos de esquerda para protestar mais uma vez contra os cortes de verba na educação, foram menores que as anteriores, assim como seriam menores as de apoio ao presidente Bolsonaro, se convocadas em tão curto espaço de tempo.

Não tem sentido essa disputa permanente pelo espaço público entre oposição e bolsonaristas, enquanto o país sofre com o aumento do desemprego, a queda da economia e a absoluta falta de confiança dos investidores na segurança jurídica das decisões que forem eventualmente tomadas.

Nenhum dos dois lados em disputa é hegemônico no momento, e será preciso um grande acordo nacional para sairmos do buraco em que governos petistas nos colocaram. O presidente Bolsonaro parece ter entendido a situação calamitosa, diante da realidade do dinheiro público encurtando a cada momento.

Mesmo tendo sido vitorioso o suficiente no domingo, ele chamou os presidentes dos dois outros poderes para um encontro em que combinou um pacto de líderes em torno de objetivos comuns, como a reforma da Previdência, a melhoria da educação, a atuação mais eficiente da Justiça.

Fora o fato de que o Judiciário não tem o que fazer na parte do pacto em que o apoio às reformas é o objetivo, a união de todos é bem-vinda, e seria bom que se comportassem como adultos nessa disputa de poder em que se envolveram Legislativo e Executivo.

A eleição de figuras políticas heterodoxas como Bolsonaro aqui e Trump nos Estados Unidos, com todas as diferenças entre os dois líderes e os dois países, leva a uma polarização política que deságua na vontade de lutar pelo impeachment do incumbente. Como os democratas estão fazendo abertamente nos Estados Unidos, e como já começa a tatear a oposição por aqui.

Cabe ao presidente jogar água na fervura, e o estilo belicoso de fazer política tanto de Bolsonaro quanto de Trump não ajuda nada. Bolsonaro parece ter entendido, e está empenhado no momento em uma aproximação política.

Disse que é muito bom ter o Judiciário junto aos esforços para o apaziguamento político do país, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pediu que não se visse maldade onde não houve, referindo-se à graça desastrada feita por Bolsonaro ao dizer que sua caneta Bic tem mais tinta que a de Maia.

De engraçado na frase, apenas a despretensiosa caneta Bic, que ganhou uma propaganda de graça, e dá um toque popular ao presidente. Um homem comum, que sai do Palácio, e atravessa a rua para abraçar um comediante.

Tudo indica que, para além das ruas, os Poderes estão se compondo. Bolsonaro foi cândido num encontro recente com políticos ao prometer mudar de comportamento. Descobriu, confessou, que não pode falar tudo o que quer, nem fazer o que lhe passa na cabeça em termos políticos.

Parece ter entendido que, assim como venceu as eleições calado, sem ir aos debates, devido ao atentado que sofreu, pode governar calado. Calado no caso não significa amordaçado, pois mesmo fora do combate direto nos palanques e nos debates, Bolsonaro fez discursos e pronunciamentos à distância que ajudaram a consolidar sua vitória. E governar calado não significa voto de silêncio obsequioso, mas evitar polêmicas inúteis e, portanto, desnecessárias.

Seus ministros mais ideologicamente mobilizados se inspiram no espírito bélico que Bolsonaro insuflava até agora. Foi o que aconteceu ontem com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, a pretexto de terçar armas com os estudantes, ameaçou professores e alunos que foram às passeatas.

E gravou um vídeo ridículo, tentando imitar Fred Astaire no filme “Cantando na chuva” para contestar o que classificou de “chuva de fake news”. Se as redes sociais pararem de ser alimentadas pelas intrigas do filho vereador, e do filósofo at large, entraremos em um ambiente político favorável ao entendimento, que no momento significa a aprovação da reforma da Previdência.

Ruas, corredores e gabinetes - FERNANDO GABEIRA

O Estado de S. Paulo - 31/05
A sociedade está dando régua e compasso. Mas quem pode utilizar esse impulso são os políticos


Vivemos um momento de manifestações, de um lado e de outro, até com a velha disputa: a minha é maior que a sua. Não sou teórico no assunto, mas o fato de ter vivido muitas manifestações ao longo de 60 anos me autoriza a especular sobre elas de modo geral.

Para começar, sei que observadores de fora sempre são vistos com desconfiança. Há uma constante tensão entre manifestações e os modos de calcular seu alcance: técnicas aritméticas de contá-las, diferenças entre o que viram os manifestantes e a PM, os cálculos nunca coincidem. Enfim uma constante sensação de que os movimentos não foram devidamente reconhecidos.

Falando sobre o falso dilema entre governar com conchavos e obter o que o governo quer apenas com pressão popular, ouvi de uma leitora que estava equivocado. Ela parou de ler o texto supondo que condenaria as manifestações pró-governo. Pena, porque alguns parágrafos adiante descrevia as condições em que essas manifestações são perfeitamente possíveis: quando há convergência de propósitos entre manifestantes e governos, um momento em que é preciso mostrar a demanda social por um tema em debate.

Manifestar-se, para mim, é uma forma de autoexpressão válida em si. Jamais analiso as manifestações apenas por seu tamanho. Existem outros critérios decisivos. Até que ponto elas transcendem a pura autoexpressão e contribuem para a solução real do problema?

Neste último caso, elas são medidas por seu grau de eficiência. E isso não depende apenas dos manifestantes, mas de como as forças políticas que eles apoiam vão aproveitar seu impulso positivo.

Tanto nas manifestações pró-governo como nas contrárias a ele procuro encontrar essa lógica. Um pouco como no futebol: a equipe cria condições de gol, mas são os atacantes, em geral, que o completam. Nas manifestações pelas reformas era de esperar que, dentro das instituições, as aspirações coincidentes fossem levadas adiante.

Bolsonaro deu um passo, parecendo compreender a complementaridade política-manifestantes: a assinatura de um pacto com o Congresso e o STF. Acho o pacto inócuo. Não exclui as negociações específicas para que as pautas de reforma caminhem, o que significa obter de fato os votos necessários à sua aprovação.

No caso do Coaf nas mãos de Sergio Moro, houve um curtocircuito entre o que as pessoas pediam nas ruas e alguns políticos do governo prometiam. A realidade é que os prazos e ritos parlamentares tornariam muito arriscado devolver o Coaf ao Ministério da Justiça. Era possível perder toda a reforma do Ministério apenas para salvar um aspecto dela.

Em outro plano, as manifestações pela educação são ainda defensivas. Trata-se de não perder verbas essenciais para seu funcionamento. Mas um tema dessa dimensão para o País sempre se alarga quando entra em debate.

Não se trata apenas de verbas, mas da necessidade de manter a educação no topo da agenda. Nesse caso, cabe uma questão básica: estamos satisfeitos com a qualidade da educação? Como virar esse jogo?

Manifestantes trazem calor, despertam a esperança de uma grande ação para valorizar realmente esse tema no Brasil. Mas quem pode utilizar esse impulso são os grupos políticos.

A oposição apoia o que acontece nas ruas, mas não propõe ainda uma saída. Os dois ministros da Educação que vi passar pelo Congresso foram questionados sobre um plano estratégico. Não tinham. Senti que alguns deputados se contentaram em mostrar que a discussão, da parte do governo, está limitada ao marxismo cultural e ao método Paulo Freire. Não há ao menos um esboço do que deve ser feito nessa frente, a partir do olhar da oposição.

São espaços abertos. Assim como o governo, fortalecido com as manifestações, precisa aprimorar seus métodos de negociação para conseguir as reformas,
 a oposição será forçada a pensar o tema educacional com mais amplitude. E tentar algumas vitórias.

Quando as equipes jogarem com um mínimo de coordenação entre rua e Parlamento, o ritmo político no Brasil deixará de ser erradio e ineficaz.

A sociedade está dando régua e compasso. Apoiar uma ou outra manifestação, tirar selfies e louvá-las nas redes e mesmo votar de acordo com o prometido não basta. É preciso algo mais que demonstrações isoladas.

É possível argumentar que essa sintonia entre ruas e Parlamentos deveria ser pensada por partidos. Mas a verdade é que eles não existem como intérpretes e realizadores das aspirações. Em ambos os casos, nas reformas e na educação, será preciso criar frentes suprapartidárias para responder com algo mais profundo que um simples tapa nas costas ou um like nas redes sociais.

Possivelmente ainda encontraremos nas ruas grupos antidemocráticos nas suas propostas, como o fechamento do Congresso, ou mesmo na prática, como a violência ou o vandalismo. Essas forças ainda são minoritárias e insignificantes. Mas o que as alimenta é precisamente a ideia de que as manifestações não mudam nada.

Se houver sintonia entre instituições e as ruas, resultados práticos, a tendência é de manifestações cada vez mais pacíficas. E talvez menos frequentes.

Ser parlamentar com as ruas constantemente cheias é uma experiência interessante. Não há o que temer, apenas vislumbrar a oportunidade histórica que não tiveram mandatos em fases de indiferença.

Ali dentro do Parlamento, sozinho ninguém avança. O passo é descobrir quem está percebendo a mesma realidade ou vivendo a mesma ilusão. Só a prática vai mostrar.

Tudo isso acontece num momento difícil. Índices de crescimento baixos, perigo de recessão, gastos nas alturas. O governo depende de um crédito suplementar de R$ 249 bilhões. Isso dá à palavra experiência um interessante sotaque chinês da velha maldição: que vivam tempos interessantes.

JORNALISTA

Bolsonaro é inteligente? - HELIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/05

Atos do presidente suscitam dúvidas se ele tem uma estratégia pensada ou não


Bolsonaro, afinal, é inteligente ou não? Ele estabelece objetivos e se vale de uma estratégia pensada para alcançá-los ou apenas vai se posicionando meio caoticamente diante das questões que se lhe apresentam? As opiniões se dividem.

Um bom argumento pró-inteligência é o de que ele venceu a eleição mais disputada do país. Velhas raposas da política, algumas com lustrosos títulos acadêmicos, já tentaram e fracassaram.

Admito que o presidente fez coisas certas durante a campanha, mas desconfio um pouco do uso de resultados discretos como métrica de capacidades individuais. O acaso e outras forças que não controlamos são muito mais decisivos para o desfecho de eventos do que nossas mentes fascinadas por comando estão prontas a admitir.

No caso em tela, não me parece despropositado afirmar que, em 2018, o que vimos foi mais o PT perdendo a eleição do que algum candidato a vencendo. Bolsonaro beneficiou-se de ter a imagem de ser o que de mais afastado do PT existia, além de, devido à facada, ter sido poupado de apresentar suas ideias e submetê-las a escrutínio.

Já os que advogam pela vacuidade presidencial apontam como prova principal a gratuidade das polêmicas em que ele se envolve. Via de regra, são questiúnculas com as quais ele tem pouco a ganhar e muito a perder.

Concordo em parte. A desnecessidade dos ataques bolsonaristas é de fato chocante, mas os defensores da hipótese de vida inteligente têm uma resposta fácil: a aparente superfluidade é parte da estratégia; o presidente é tão inteligente que está sempre alguns lances à frente dos que tentam interpretá-lo. Até que surja um momento no qual se possa carimbar o governo como definitivamente fracassado, não há como refutar essa possibilidade.

Isso vale só no plano teórico. No mundo real, quando vejo os despautérios presidenciais, fica difícil acreditar que sejam mais do que simples despautérios.

Nem a galinha decolou - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 31/05


Até um crescimento sem fôlego seria bem-vindo num país assolado pelo desemprego, mas nem isso os desempregados, subempregados e desalentados tiveram no primeiro trimestre do novo governo.


Até um voo de galinha, um crescimento sem fôlego, seria bem-vindo num país assolado pelo desemprego, mas nem isso os desempregados, subempregados e desalentados tiveram no primeiro trimestre do novo governo, quando a economia encolheu 0,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade continuou fraca em abril e em maio, desanimando empresários e consumidores e derrubando as previsões para este ano. Até o governo cortou sua previsão. Com a confirmação oficial do péssimo começo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre a liberação de dinheiro do PIS-Pasep e do FGTS. Um sinal, enfim, de um empurrãozinho nos negócios e no emprego? Nada disso, por enquanto. Só depois de aprovada a reforma da Previdência, disse o ministro. Se essas torneiras forem abertas “sem as mudanças fundamentais”, explicou, o resultado será um voo de galinha. E os vinte e tantos milhões de desocupados e marginalizados do mercado de empregos?

Terão de esperar, porque o ministro e seus colegas de governo parecem pouco preocupados com essa gente. Ou, no mínimo, pouco atentos a detalhes do dia a dia, como as condições para comprar comida, remédios, sabonetes e também passagens para ir em busca de ocupação ou até a uma entrevista de emprego.

Tudo se passa, em Brasília, como se só o longo prazo importasse. De fato, crescimento duradouro só se alcança com previsibilidade, confiança, investimentos produtivos, educação e treinamento. A reforma da Previdência é importante para criar um horizonte mais claro. Mas as pessoas precisam comer no curto prazo. Além disso, até um voo de águia depende de um impulso inicial.

Por que deixar esse impulso para depois de aprovada a reforma? Para manter a sensação de urgência, como se os mais de 13 milhões de desempregados e milhares de empresários em risco de quebra fossem usados como reféns?

Nem mesmo um pequeno impulso moveu a economia nos primeiros três meses. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,2% menor que nos meses de outubro a dezembro de 2018, quando a produção, já se arrastando, avançou apenas 0,1%. Os sinais de otimismo em relação ao novo governo logo se dissiparam.

O presidente se manteve ocupado com estranhas prioridades, como armas e mudança da embaixada em Israel. Ministros se atropelaram ou se meteram em confusões, faltou coordenação no Executivo, a base parlamentar falhou e a equipe econômica se concentrou em assuntos de longo prazo, como se o País, sem milhões em condições dramáticas, pudesse esperar as grandes mudanças institucionais.

Sem recursos e sem confiança, as famílias consumiram apenas 0,3% mais que no trimestre final de 2019. Consumidores em condições melhores poderiam ter dado um impulso a mais à produção. Nesse quadro de estagnação interna e exportações travadas, a indústria de transformação produziu 0,5% menos que no trimestre imediatamente anterior. Poderia ter tido um desempenho muito melhor, sem dificuldade, porque o setor trabalha com cerca de 30% de capacidade ociosa. Poderia também ter oferecido mais empregos – e empregos formais.

Com ampla capacidade ociosa, o setor empresarial teria pouco estímulo para investir em máquinas, equipamentos e obras, especialmente diante de um horizonte opaco. O governo, sem dinheiro e enrolado em confusões, pouco poderia contribuir para a formação de capital fixo. Somados esses fatores, o investimento foi 1,7% menor que no trimestre final de 2019. Investir em infraestrutura será crucial para um crescimento duradouro, mas para isso será preciso avançar em licitações e em mobilização de capital privado.

A aprovação da reforma da Previdência, embora essencial, será insuficiente para prover o impulso necessário à movimentação da economia. Ao anunciar a liberação de recursos para as famílias, o ministro Paulo Guedes parece endossar esse ponto de vista. Seria melhor – e mais humano – antecipar esse impulso. Além disso, o presidente ajudará se der atenção às questões mais prementes, parar de agir por impulso, deixar as picuinhas, tuitar menos e começar a governar para todos os brasileiros.

Menos PIB - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 31/05

Atividade econômica encolhe no 1º trimestre e prenuncia resultado fraco no ano


Longe de se recuperar da retração de 2014-16, a atividade econômica voltou a encolher no primeiro trimestre deste 2019, conforme se divulgou nesta quinta-feira (30).

A queda de 0,2% deve reduzir mais as projeções para o Produto Interno Bruto do ano. A crise argentina e a catástrofe de Brumadinhoavariaram a indústria; o mau tempo prejudicou a agricultura.

Entretanto o drama em comum no ciclo recessivo e na exasperante estagnação posterior é a míngua dos investimentos —as despesas privadas e públicas em infraestrutura, moradias, novas instalações produtivas, máquinas e equipamentos, que caíram pelo segundo trimestre consecutivo.

Estão hoje ainda em patamar 27% abaixo do observado cinco anos antes, um recuo trágico e ainda pouco compreendido. Economistas debatem as causas dessa crise de gravidade peculiar, por alguns chamada de depressão.

Qualquer que seja a conclusão da controvérsia, fato é que o investimento público declina sem a compensação do dispêndio privado. Há empresas que não desembolsam porque o nível de ociosidade se mostra historicamente alto; outras, por falta de confiança em relação ao cenário futuro.
Alternativa de estímulo à economia, a concessão de obras e atividades em infraestrutura, como rodovias, portos e aeroportos, ainda aguarda iniciativa mais concreta do governo Jair Bolsonaro (PSL).

O consumo das famílias cresce, embora lentamente, acompanhando a também tímida recuperação da massa dos rendimentos do trabalho. Fala-se agora em liberar mais dinheiro das contas do FGTS, o que seria um paliativo.

Do depauperado setor público não se deve esperar contribuição. Ao contrário, temem-se novos cortes de gastos até o final do ano. Tampouco se conta com algum aumento de exportações.

Resta o investimento empresarial —encalacrado, no entanto, pelo tumulto político e por problemas recorrentes nas áreas regulatória e tributária, por exemplo.

De mais construtivo, o governo pode deixar de lado conflitos inúteis, articular a aprovação de reformas legislativas e destravar o programa de privatizações.

Seria indevido atribuir à atual administração maior responsabilidade pelo fiasco do PIB do início do ano, porém já se teme mais um resultado ruim ou medíocre no trimestre em curso. Daqui em diante, os prejuízos adicionais estarão debitados na conta de Bolsonaro.

quinta-feira, maio 30, 2019

Bolsonaro, seu bobo - FERNANDO SCHULER

FOLHA DE SP - 30/05

Apaixonados, governistas e oposicionistas, são inúteis para o bom debate público


Na semana que passou, assistimos de camarote a mais uma lição sobre como funciona nossa alegre democracia na era do escândalo.

Dias atrás o presidente compartilhou com os amigos um texto confuso e irrelevante, e sua base difusa de apoio marcou uma passeata, para o fim de semana.

Isso bastou para que a tagarelice digital levantasse o tom. Ouvi gente boa dizendo que era uma "carta de renúncia", como a de Jânio. Uma "ameaça" ao país, escreveu outro. Uma jovem deputada vaticinou: a continuar assim, é "impeachment ou renúncia". O exagerômetro nacional quase pifou, mas depois tudo virou espuma, como quase sempre acontece.

Passados alguns dias, ninguém mais se lembra do que dizia o tal artigo esquisito, a manifestação domingueira correu tranquila, com 75% dos manifestantes tendo ido à avenida Paulista, segundo dados do Monitor Digital, em apoio às reformas que o país precisa fazer.

Nossos alarmistas não perdoaram: foi um sucesso? Pior para o governo. E se tivesse sido um fracasso? Pior ainda. E se tivessem cancelado tudo, antes? Sinal de fraqueza. A realidade pode variar do jeito que quiser, a constante é sempre a mesma: o governo errou, o governo perdeu, o governo é bobo, vulgar, agride japoneses, faz o diabo.

Vejam só as passeatas de domingo. Não havia um boneco satirizando Rodrigo Maia? Não havia gente falando mal do centrão? É evidente que isso vai terminar mal, vai estragar mais ainda a relação com os Poderes, com o Congresso, não é mesmo?

Não estragou. Na semana em que os corpos deveriam ser recolhidos, o governo promove um agradável convescote entre os chefes de Poderes, propondo um pacto pelas reformas. Na sequência, o Senado aprova a MP da reforma administrativa.

Sim, mas o pacto é "enganador", "exotérico", um "conto do vigário"! Até o croissant servido no café da manhã deveria ser falso! OK, OK, e o suco de laranja era de caixinha. E o governo perdeu na votação do Coaf! Exato. Vai aí uma revelação: na democracia, governos ganham e perdem, no Parlamento projetos são ajustados, coisas assim.

E quando isso acontece, não significa que o sistema, o governo ou a democracia estejam em crise.

Há muito o que aprender com essas coisas todas. Uma delas é que eventualmente há muita gente um pouco precipitada, por aí, dando opinião. Democracia digital é assim, não há o que fazer.

Um exemplo: sabem o que significa o tal pacto entre os Poderes? Um gesto, apenas isso. O presidente do Supremo nem sequer deveria assinar algo apoiando uma reforma que depois irá, necessariamente, passar pela corte que preside.

Mas a política é assim, feita de gestos, de um movimento pendular entre momentos de tensão e diálogo. Não era diálogo, afinal, que os críticos do governo mais exigiam, geralmente aos berros, do presidente? OK, é chato perder uma pauta tão fácil. Entendo a brabeza.

Imaginem só se a reforma da Previdência passar, sem o governo ter negociado quase nada com o Congresso. Imagina a raiva. Minha sugestão é que os teóricos do caos tratem de dar um jeito para uma tragédia dessas não acontecer. E digo para andarem rápido, pois a reforma vai avançando.

Outra lição: só há uma coisa mais inútil para o bom debate público do que um apaixonado governista, um apaixonado oposicionista. Ambos não se contentam com as próprias opiniões. Exigem também seus próprios fatos. Sua opinião funciona como uma espécie de ponto fixo, no palco, ao redor do qual dança a realidade.

O problema com esse tipo de análise é que faz escorrer pelo ralo qualidades essenciais para a democracia: o bom senso, a prudência na análise, a independência para colocar o dedo na ferida, quando o governo erra, e fazer o contrário, quando o governo acerta.

O governo erra feio, por exemplo, quando aposta em uma inútil guerra cultural, na educação, e em tudo que envolve certo conservadorismo tosco que parece pairar, como um fantasma, nos arredores do Planalto. Seu maior erro, continuo achando, é aquele que ninguém vê: a completa ausência de um projeto, uma ideia que seja, sobre a reforma das instituições políticas, neste país com 27 partidos no Congresso, que ainda funciona, quem sabe, porque Deus talvez seja mesmo brasileiro.

Mas o governo também acerta. A agenda econômica é obviamente um exemplo. MP da liberdade econômica, autonomia do Banco Central. Dá para escolher. E arrisco dizer o seguinte: quem sabe à revelia do governo, talvez descubramos, depois que o inverno passar, que o Congresso pode funcionar, aprovar reformas, agir com mais independência (ainda que com mais ruído), sem a tutela do Executivo, sem o velho modelo que um dia Fernando Henrique chamou de "presidencialismo de cooptação" e que todos nós sabemos como funcionava.

Talvez descubramos que não era má a ideia de que o Congresso tomasse as rédeas de uma reforma difícil, como a da Previdência, e que a prática de distribuir ministérios e diretorias da Caixa Econômica Federal para arrumar votos, no Parlamento, não guardava nenhuma virtude. Era apenas uma mazela (mais uma) de um país que se acostumou com muito pouco.

Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Veneno da política intoxica o PIB e derruba 2019 - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 30/05


Nas pegadas de um final de semana em que o Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro ameaçou fechar as portas —"Pego o avião e vou morar lá fora", disse Paulo Guedes—, o IBGE informa nesta quinta-feira (30) que o PIB do primeiro trimestre de 2019 foi medíocre. É o prenúncio de um mal maior: o excesso de veneno na política intoxica a economia, comprometendo o crescimento do país pelo terceiro ano consecutivo.

A recuperação da economia está, por assim dizer, pendurada numa palavra: Confiança. Algo que os governos não conseguem inspirar. Após a ruinosa gestão de Dilma Rousseff, o impeachment e a pauta liberal de Michel Temer animaram a conjuntura. Súbito, o grampo do Jaburu carbonizou as expectativas. Em vez de salvar a Previdência e sanear as contas públicas, Temer priorizou o salvamento do próprio pescoço.

A eleição de Jair Bolsonaro, com Paulo Guedes a tiracolo, reacendeu o otimismo do mercado. A ilusão durou pouco. Em cinco meses de mandato, descobriu-se que a única coisa que cresce no Brasil é a capacidade do capitão de produzir crises contra si mesmo. Já seria o suficiente para potencializar o pessimismo. Nem precisava do auxílio externo proporcionado pelos ruídos da guerra comercial entre China e Estados Unidos.

Continua na ribalta ela, a reforma da Previdência. Até o asfalto já roncou pelo ajuste previdenciário —coisa inédita no mundo. Mas a ficha dos atores políticos demora a cair. Com sorte, Bolsonaro se autoimpõe uma abstinência de redes sociais. E a coisa se resolve até setembro. Com azar, novas polêmicas esticarão a corda até as vésperas do Natal, empurrando o pessimismo e a retração dos investimentos para dentro de 2020.

O brasileiro deve ser um dos sujeitos mais bombardeados por notícias econômicas do mundo. Aqui, a economia tem mais espaço no noticiário do que o futebol. Quanto mais a economia não dá certo, mais manchetes ela ocupa. Quanto mais o cidadão acompanha as novidades, mais percebe que entende apenas o suficiente para saber que precisa entender muito mais para descobrir o que leva um país com 13 milhões de desempregados a desperdiçar tanta energia com desavenças políticas.

Política é crime? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 30/05

Doações tiveram candidaturas como destino final


Dentre as inúmeras ações criminosas praticadas pelos delatores do grupo J&F contra o país, uma volta a chamar a atenção. Em uma delação corrompida e ensaiada, destaca-se o enorme esforço que fizeram para colaborar com o movimento de criminalização indistinta da atividade política, pelo qual o Brasil já está pagando um alto preço.

Na busca desesperada pela manutenção dos incríveis benefícios de sua delação, Joesley Batista, réu confesso de mais de 200 crimes, resolve afirmar, dentre outros absurdos, que as doações oficiais feitas ao PSDB e a partidos da nossa coligação em 2014 eram, na verdade, compra de apoio político. Com base em tamanho disparate, na última semana foram bloqueados mais de R$ 100 milhões em minha conta pessoal. Isso mesmo os delatores tendo afirmado que “o Aécio nunca fez nada por nós”. Mesmo não havendo em meus 30 anos de vida pública qualquer ação em favor do grupo J&F.

Desnecessário dizer que jamais possuí esse valor astronômico. Na verdade, nunca tive saldo que correspondesse a 1% disso. Portanto, doações oficiais, devidamente registradas junto à Justiça Eleitoral, de uma hora para outra se transformaram em crime apenas porque o delator assim resolveu tratá-las, com o intuito de criar um falso ativo no seu balcão de negociação.

Esses recursos, como foi amplamente comprovado, tiveram como destino final dezenas de candidaturas em todo o país e diretórios estaduais e nacionais de nove diferentes partidos políticos. Nunca transitaram nas minhas contas. Nunca fui acusado de me beneficiar pessoalmente de nenhum centavo. Ainda assim, o pedido de bloqueio foi feito na minha conta pessoal.

Por analogia, é de se supor que possam vir a ser igualmente bloqueados, na conta pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff, R$ 600 milhões referentes aos valores que os mesmos delatores dizem ter doado à coligação do PT no mesmo pleito.

Apesar de se tratar da coligação adversária, tal decisão, registro, seria igualmente injusta.
Por essa mesma lógica, milhares de candidatos que disputaram eleições dentro da lei, mesmo tendo suas contas aprovadas, podem, a qualquer momento, ser acusados de corrupção. Basta que isso interesse a algum delator e ao seu acordo.

Sentados no alto do trono de ouro da impunidade, fora do alcance da Justiça, os executivos da J&F apontam para políticos e escolhem quem “salvar” e quem “condenar” em função de seus interesses, da repercussão e do prêmio que possam alcançar. Apontam e escolhem. “Essa doação foi correta. Essa foi compra de apoio politico.” E, se alguém ousar pedir provas que sustentem tão grave acusação, ouvirá: “Ah, o politico em questão me disse que um dia, no futuro, poderia me ajudar”. Pronto. Está aí a “prova“ da propina.

Ou seja, a distinguir as doações apenas o sentido que, anos depois, em função da conveniência do momento, os delatores atribuem, arbitrariamente, a cada uma delas.

A aliança entre PSDB, DEM, PTB e Solidariedade é a mesma que se repete há várias eleições presidenciais. Antes e depois de 2014.

Um trecho do depoimento de Ricardo Saud, delator da J&F, referindo-se a doações ao Solidariedade, dá a medida da irresponsabilidade das acusações. “Mas o Solidariedade... não foi comprado, ...porque eles já vinham contra a Dilma, eles já iam automaticamente para o PSDB… mas… vamos falar que foi comprado também por 15 milhões…”. Ou sobre o DEM: “...o DEM também é mais ou menos igual ao Solidariedade, não precisava muito comprar…”.

Com a mesma tranquilidade com que respondo a questionamentos da Justiça sobre outras doações eleitorais, faço hoje esse desabafo porque a legítima busca da sociedade por justiça não pode ser manipulada por aqueles que se julgam acima da lei.

Por ironia, não existe em toda a delação uma acusação sequer contra mim por uso incorreto de recurso público. Na outra vertente, é incalculável o prejuízo que o grupo J&F causou aos brasileiros.

Alguns dados, apontados pela imprensa, são estarrecedores. Entre 2002 e 2013, a J&F recebeu quase R$ 13 bilhões de recursos do BNDES. O valor do acordo de leniência é outro presente para os delatores. Vão pagar R$ 10 bilhões em 25 anos. O valor a ser pago por ano equivaleria a um dia de receita do grupo.

Hoje, sabe-se que delatores, mesmo tendo omitido ilícitos, falseado informações e cometido crimes após o suspeito acordo de delação firmado com a Procuradoria-Geral da República, continuam impunes.
Do alto do trono de ouro, não faltam motivos para gargalhadas.

Aécio Neves
Deputado federal (PSDB-MG); ex-senador (2011-18), ex-governador de Minas Gerais (2003-10) e candidato à Presidência da República em 2014

O poder da caneta - WILLIAM WAACK

O Estado de S.Paulo - 30/05

Na relação com o Congresso, Bolsonaro está conseguindo o contrário do que pretende

As pessoas que foram às ruas no domingo atendendo a chamado do presidente e as que vão às ruas nesta quinta-feira para protestar contra o governo deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Jair Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo e no qual a caneta Bic do presidente é insuficiente para vencer.

Começa pelo tal “pacto” dos três Poderes que nem tem como existir (o STF assinando pactos?). A ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) – frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” – ou o que Bolsonaro entende por isso – teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria em caso de necessidade os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entender de alguma maneira.

Nesse sentido, Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso está caminhando até com certa rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência –é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica.

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, está se ampliando a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo não só continua distante, mas, talvez, nunca se concretize. O presidente não se mostra disposto a liderar nada nesse sentido, e já deixou a própria bancada mais de uma vez na mão. Confia estar na rota política correta. É a que vai ajudar a diminuir muito o poder da sua caneta.

A rua e o povo - MARIA HERMÍNIA TAVARES

FOLHA DE SP - 30/05

O 'povo' de Bolsonaro pode ocupar avenidas, mas é minoria da população

Mobilizar o povo para pressionar as instituições políticas —especialmente o Congresso— é estratégia clássica do populismo. Ela começou a ser posta em prática no último domingo, por iniciativa de grupos mais radicais do bolsonarismo com o dissimulado beneplácito do seu líder e o incentivo entusiasmado de sua prole.

A extrema direita colocou muita gente nas ruas. Ainda assim, ficou bem longe de falar em nome daquilo que o presidente chamou de “essa população maravilhosa” que não pode ser ignorada.

O “povo”, cujas aspirações Bolsonaro imagina encarnar, é uma ficção política; na realidade se divide em relação ao governo, tanto na avaliação do seu desempenho quanto nas expectativas.

Segundo pesquisa de opinião da XP-Investimentos, realizada pelo Ipespe, neste mês, vem caindo a porcentagem daqueles que consideram o governo ótimo ou bom. Tendo chegado a 35%, empatou com os que, crescentemente, pensam que ele é ruim ou péssimo (36%).

O ceticismo também se manifesta na queda de 16 pontos percentuais dos entrevistados com expectativa positiva em relação ao futuro do governo: hoje, menos da metade (47%) prevê que o governo será ótimo ou bom.

Na verdade, embora predomine o total de brasileiros que atribui aos governos passados, especialmente aos do PT, a responsabilidade pelasdificuldades econômicas do presente, simplesmente dobrou a proporção daqueles que pensam que a culpa é do atual.

Bem pesados os números, verifica-se que os manifestantes favoráveis ao presidente e críticos do Congresso e do Judiciário falam hoje em nome de menos de um terço da população. Não passam de 31% aqueles que pensam que o governo deve endurecer suas posições, mesmo que isso lhe torne mais difícil aprovar suas propostas.

Em contrapartida, quase a metade dos brasileiros (48%) pensa que o governo deveria flexibilizar sua conduta para que os seus projetos cheguem a bom termo. Ou seja, o Planalto deveria negociar com o Legislativo: o benefício para a governança do país compensaria o custo (para o prestígio de seu titular) de ele engavetar as suas expressões mais pontiagudas, tão a gosto de seus adeptos aversivos à “velha política”.

No que decerto é o resultado mais significativo do levantamento, 83% dos entrevistados consideram importante que o presidente tenha uma boa relação como o seu homólogo da Câmara, Rodrigo Maia, execrado por manifestantes de domingo.

O “povo” de Bolsonaro pode ocupar avenidas, mas é minoria da população. Como dois mais dois são quatro, governar voltado para ela e em seu nome é receita perfeita de crise política.

Maria Hermínia Tavares de Almeida
Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

O que explica a fraqueza do PIB - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/05


A Fundação Getúlio Vargas (FGV) está otimista. Acha que o PIB do primeiro trimestre divulgado hoje será zero. “A que ponto chegamos, o que prevê zero está otimista”, comenta o economista Armando Castelar. Os bancos estão projetando um PIB ligeiramente negativo, algo em torno de 0,2%. Mais importante do que o número em si é a constatação de que o país está indo para o terceiro ano de frustração. As projeções começam bem e vão murchando com o passar dos meses.

Houve fatos concretos que prejudicaram o começo de 2019. Um deles foi o rompimento da barragem de Brumadinho, que encolheu a produção da Vale. Como a Petrobras também produziu menos, a indústria extrativa mineral teve uma queda que a FGV está projetando em 9,3% em relação ao último trimestre do ano passado. Há questões que são mais estruturais. A indústria da construção não consegue melhorar. Seu encolhimento tem a ver diretamente com a confiança.

— Ninguém vai pegar um empréstimo para comprar um imóvel sem saber se vai continuar empregado, se a renda permanecerá no mesmo nível. O empresário também se retrai — explica Castelar.

Pelos cálculos da FGV, a construção pode ter uma queda de 0,9%, e isso faz com que ela esteja 31% abaixo do primeiro trimestre de 2014.

— O problema é a questão fiscal, e o que preocupa é a dificuldade de coordenação política do governo. Entre o segundo turno e o começo do ano houve um aumento da confiança, mas depois caiu. Há um círculo vicioso, o governo não avança nas reformas, a confiança cai, o país não cresce, o imposto não é recolhido, o emprego não é criado, a renda não sobe, a popularidade do governo cai e diminuem as chances de aprovação das reformas — diz Armando Castelar.

O Bradesco soltou estudo para tentar explicar o baixo crescimento da economia. O banco prevê uma queda de 0,2% no PIB do primeiro trimestre e acha que uma das causas prováveis é que o mundo está crescendo menos. A outra, e mais importante, é o colapso fiscal do país. O mundo está com taxas de 3% de alta do PIB, bem mais elevadas do que as do Brasil nos últimos anos, mas o comércio está em desaceleração, por causa da briga entre EUA e China. Isso está começando a nos afetar, tanto que mesmo com o dólar mais alto as exportações não estão reagindo.

— O Brasil acumulou há muito tempo um problema crônico de falta de competitividade — diz Castelar.

O Itaú também estima queda de 0,2% no primeiro trimestre, e na visão do economista-chefe do banco, Mário Mesquita, “o segundo trimestre não está com uma cara boa”. A previsão preliminar é de alta de apenas 0,1% e o risco é de novo corte na estimativa de 1% para o ano de 2019.

— Tivemos frustração com as reformas, há a guerra comercial entre EUA e China, com impacto sobre o crescimento mundial, e a ociosidade das empresas está muito elevada, o que inibe investimentos — afirma Mesquita.

Mesmo que o governo aprove a reforma da Previdência, a estimativa é de aceleração do PIB para apenas 2% no ano que vem, com uma queda muito pequena do desemprego, de 11,9% para 11,6%, segundo o banco.

A FGV está com uma projeção mais otimista para o PIB do ano: 1,4%. Mas isso no cenário de aprovação da reforma da Previdência.

— Acho que todo mundo está fazendo seus cálculos com a hipótese de aprovação da reforma. Nós achamos que ela deve ser votada até setembro. Se passar disso e continuar complicado, haverá um impacto muito grande na economia — diz Castelar.

O quadro econômico não é feito apenas de más notícias. A inflação está controlada. O índice está um pouco alto, mas tenderá a cair com os dados de maio e, principalmente, junho. Quando sair do acumulado de 12 meses o número de junho do ano passado, em que houve a greve dos caminhoneiros, o índice deve voltar a ficar em torno de 4%.

O que preocupa mesmo é a marcha da insensatez na economia, na política, no meio ambiente. O governo criou uma quantidade exorbitante de problemas políticos e administrativos para si mesmo nestes primeiros meses de administração. A cada dia novos sinais ruins são emitidos. Os de ontem foram na área ambiental. O ministro Ricardo Salles continua no seu esforço de demolição do setor, e a Câmara aprovou mudanças temerárias no Código Florestal. Se eles pensam estar favorecendo a recuperação se enganam. A nova economia do mundo, para a qual o nosso agronegócio fornece, vê com maus olhos o desmonte ambiental no país.

Não bastará a Previdência para resgatar a economia - CELSO MING

O Estado de S. Paulo - 30/05


Todo o avião tem de funcionar. Mas as pessoas querem balas de prata.

Um dia espalhou-se a crença, ou apenas jeito de dizer, de que lobisomens, vampiros, assombrações e monstros dessa ordem seriam definitivamente eliminados com um tiro certeiro de bala de prata.

Logo se viu que não existem tais monstros nem balas de prata. A expressão ficou para dar a entender que não existem soluções simples para problemas complexos. Ou, então, que determinados problemas têm de ser enfrentados sem vacilação, sob pena de mergulho imediato no caos ou no fim do mundo.

O Brasil tem uma longa história de eleições de problemas de vida ou de morte e de soluções radicais. Talvez o mais antigo tenha acontecido no século 19, quando o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire se impressionou com a devastação provocada pela saúva e proclamou: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. De lá para cá, apesar do formicida Tatu e das iscas de exterminação que vieram depois, nem o Brasil acabou com a saúva nem a saúva acabou com o Brasil.

Mas teve Ruy Barbosa no início do século 20, para quem tudo se resolveria se fosse sancionado um único artigo de lei, revogadas as disposições em contrário: “Todo o brasileiro está obrigado a ter vergonha na cara”.

E então vieram os economistas. Logo eles passaram a dizer que o grande problema do Brasil era o latifúndio improdutivo e que, por isso, seria preciso reforma agrária radical já para acabar com todas as mazelas. Também houve o tempo em que tudo se resolveria quando o Brasil tivesse indústria e quando controlasse o petróleo. Veio a indústria e, quando esta se desenvolveu, no resto do mundo e também no Brasil, o setor predominante da economia passou a ser o de serviços. “O petróleo é nosso” ajudou, mas não resolveu.

Nos anos 60, os economistas mais identificados com o progresso ensinavam que a inflação era o efeito colateral inevitável do processo de desenvolvimento. Nos anos 70, no regime militar, o avanço passou a depender da chegada de capitais e, assim, a estratégia de desenvolvimento baseou-se no aumento da dívida externa. Deu no que deu, na baita crise do endividamento. A cada disparada da inflação, o governo da hora inventava um plano infalível, como o congelamento artificial de preços, o corte de zeros da moeda velha e a criação de uma nova.

A história econômica do Brasil vem convivendo com recomendações infalíveis. Por muitos anos, os empresários brasileiros vinham identificando o câmbio atrasado ou os juros escorchantes como a explicação definitiva para todos os males do setor. Agora, muitos elegeram o trabalho informal como vilão maior.

De umas semanas para cá, foram inúmeros os economistas e políticos que saíram a advertir que nem a reforma da Previdência, nem a ainda longínqua estabilização fiscal, nem a também distante modernização do ensino seriam a bala de prata que garantiria o fim da estagnação em que está atolada a economia.

O maior erro desses diagnósticos e dos procedimentos recomendados está na falta de visão abrangente. O desempenho de um avião não depende apenas da perícia do piloto, nem só das turbinas, das asas, da fuselagem ou da excelência do trem de pouso. Depende de que tudo funcione como planejado.

Não bastará uma boa reforma da Previdência, nem apenas a derrubada do custo Brasil, nem melhorar o sistema de ensino para resgatar a economia. Todo o avião tem de funcionar. Mas, no dia a dia, as pessoas querem balas de prata.

Insegurança jurídica - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/05

Duas decisões monocráticas têm o efeito de paralisar o programa de venda de ativos da Petrobras


Um bom exemplo da impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) participar de um pacto político com o Executivo e o Legislativo é o julgamento de hoje das liminares que impedem a privatização de estatais e suas subsidiárias.

Duas medidas correlatas foram tomadas monocraticamente por ministros, afetando as privatizações, cujo programa está em curso e é um dos pilares das reformas econômicas do governo.

A decisão do plenário do Supremo pode gerar reação do Congresso, que já tem um projeto para impedir que ministros possam tomar decisões individuais.

Estudos como “O Supremo em números”, realizados pela Fundação Getulio Vargas do Rio, mostram que o fenômeno da “monocratização” das decisões, decorrência do enorme número de processos que impossibilita que todos sejam julgados pelo plenário, vem prejudicando a atuação regular do STF.

Nada menos que 80% das decisões atualmente são monocráticas. Para o jurista Joaquim Falcão, criador do projeto da FGV, este fato ”deturpa o sistema, já que a Constituição dá o direito ao cidadão ser julgado pela instituição do Supremo, não por este ou aquele ministro”.

Nesses casos que serão julgados hoje pelo plenário, dois ministros interromperam um programa de desinvestimento da Petrobras, com possíveis efeitos colaterais no programa de privatização do governo, se as decisões forem aprovadas pela maioria.

O ministro Ricardo Lewandowski deu uma liminar em junho do ano passado proibindo a venda do controle de estatais e suas subsidiárias, inclusive da Petrobras, sem a prévia autorização do Congresso.

Essa decisão, se referendada pelo plenário, acrescentará à insegurança jurídica a demora do processo de privatização, pois a tramitação no Congresso necessariamente será demorada, e sujeita a injunções politicas de todas as ordens.

Dentro do mesmo entendimento, Lewandowski, em abril, encaminhou uma reclamação de sindicatos para proibir as privatizações de refinarias da Petrobras, que o ministro Edson Fachin acatou, suspendendo decisão do Superior Tribunal de Justiça que permitiu a venda de 90% das ações da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras, alegando que ela só poderia ser feita através de licitação.

As duas decisões monocráticas têm o efeito de paralisar o programa de venda de ativos da Petrobras, e podem dar à estatal um prejuízo de cerca de U$ 30 bilhões, além de já terem gerado uma insegurança jurídica que pode afetar o programa de privatizações do governo, que tem o potencial de gerar até R$ 1 trilhão.

Além dos impactos econômicos imediatos nos resultados da Petrobras, e a ingerência nos planos de privatização do governo, as decisões monocráticas, aumentando a insegurança jurídica, poderão afetar os investimentos aguardados para a retomada do crescimento econômico.

A definição de que estatais só podem ser vendidas com a autorização do Congresso, e de que as subsidiárias têm que ser vendidas através de licitações, e não do programa especial que a Petrobras utiliza, com autorização legal e o aval do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afeta a economia como um todo, especialmente no momento crucial que estamos vivendo.

Parece incoerente a especialistas que, se a Petrobras pode criar empresas, subsidiárias, coligadas, da mesma forma não possa aliená-las, extingui-las, incorpora-las. Trata-se de ato de gestão da empresa, que tem órgãos de direção que, em tese, sabem o que é melhor da ela.

O programa de desinvestimento de ativos está em andamento desde o governo Temer, quando Pedro Parente assumiu a presidência de uma estatal quebrada e começou seu processo de recuperação.

Outra questão preocupante é o ritmo do Supremo, que hoje, em tese, vai apenas decidir se referenda ou não a decisão do ministro Lewandowski. O mérito da questão ficaria para outro julgamento, sem data marcada. Se não houver a decisão de queimar etapas e transformar a sessão de hoje em exame do mérito, continuará a insegurança jurídica na dependência da pauta do Supremo.


‘Harmonia’ não é submissão - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 30/05


Votos no Congresso para aprovar reformas não brotam por abiogênese. São fruto de um trabalho de convencimento e do reconhecimento de opiniões divergentes.



O governo espera que haja “harmonia” entre os Poderes para aprovar a reforma da Previdência e outras medidas necessárias para tirar o País da crise e colocá-lo no “caminho da prosperidade”, como disse o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Essa afinação seria resultado de um “pacto” que o Executivo pretende articular com o Congresso e o Judiciário. Depois do primeiro encontro entre os chefes dos Poderes para discutir a ideia do tal “pacto”, o ministro Lorenzoni explicou que “o Brasil precisa de harmonia e os Poderes têm de dialogar a favor do País”. Também a propósito da “harmonia”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “não há antagonismo entre os Poderes” e que, em razão disso, o governo está confiante de que o Congresso vai aprovar a reforma. Assim, parece disseminada no governo a certeza de que a “harmonia” entre os Poderes, gerada pelo anunciado “pacto pelo Brasil”, é o que falta para aprovar as reformas.

O governo parece mesmo acreditar que um acordo de cavalheiros do Executivo com o Legislativo e o Judiciário terá o condão de dispensar o Palácio do Planalto de fazer política – isto é, de conquistar votos em defesa de seus projetos no Congresso.

Ora, ainda que se alcance uma harmonia entre os Poderes, sempre desejável, isso não significa submissão automática do Congresso às teses do governo. Na provável hipótese de encontrar resistência entre os parlamentares para aprovar a reforma da Previdência, o que fará o governo? Acusará o Congresso de romper o tal “pacto”?

Em nenhum momento as eventuais reticências aos projetos do Executivo podem ser entendidas como violação do anunciado entendimento entre os Poderes, pois esse entendimento, se houver, deve se dar em termos de princípios, nunca em termos de resultados. Isso significa que, em nome da tal “harmonia”, a liderança do Congresso pode até se comprometer a facilitar a tramitação das reformas e pode até se empenhar pessoalmente em favor dessas matérias, mas jamais poderá garantir sua aprovação, pois esta decorre da conquista de votos no plenário – isto é, do convencimento dos deputados e senadores.

Essa conquista depende em grande medida do empenho do governo, que até aqui faltou. Mesmo os deputados e senadores governistas se ressentem da ausência de uma articulação política eficaz do Palácio do Planalto, e as iniciativas patrocinadas pelo presidente Jair Bolsonaro para demonstrar disposição para o diálogo não frutificaram – ao contrário, encontraram ceticismo explícito. O governo parece convencido de que suas propostas devem ser aceitas pelos parlamentares simplesmente porque são “a favor do Brasil”, para usar a expressão do ministro Lorenzoni. Segundo essa concepção, presume-se que quem discorda das propostas do governo está contra o Brasil – e faz parte da “velha política”, rótulo reservado a todos os que não anuem, harmonicamente, com tudo o que emana do Palácio do Planalto.

Tais bravatas podem ter sido úteis para vencer a eleição, mas não são boas para governar, ainda mais em um país que necessita urgentemente de reformas. O governo precisa começar a entender que os membros do Congresso, a exemplo do presidente da República, foram eleitos pelo voto direto e livre. Não pode esperar que os deputados e senadores simplesmente aceitem sem discussão as propostas palacianas, em nome de uma tal “harmonia”. “Nós não vamos ser submissos. Somos eleitos para votar o que a sociedade clama, e não o que o governo quer”, declarou o deputado Wellington Roberto, líder do PL (ex-PR) na Câmara, dando o tom das reações no Congresso ao “pacto” proposto pelo Palácio do Planalto.

Há razoável disposição no Congresso para aprovar a reforma da Previdência, ânimo que já se percebia mesmo antes da iniciativa do governo em torno do entendimento entre os Poderes. Ou seja, o caminho está aberto para o avanço dessa e de outras importantes pautas. Mas votos não brotam por abiogênese. São fruto de um duro trabalho de convencimento e do reconhecimento democrático de opiniões divergentes. Tudo isso pode ser resumido em uma palavra: política. Sem ela, restam apenas “pactos” vazios.

Justiça absurda - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 30/05

De onde tiraram que nadar numa piscina particular, para a qual não se paga, é manter a dignidade?


O caso: moradora de um condomínio no Guarujá, litoral de São Paulo, e seus filhos foram proibidos de frequentar a piscina, o salão de festas e a brinquedoteca. Motivo: inadimplência, dívida já chegando a R$ 290 mil.

O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, observou no seu voto: “Não há dúvida de que a inadimplência vem gerando prejuízos ao condomínio... (a moradora) está inadimplente desde 1998... E os autores possuem bens suficientes, em valores que superam os R$ 2,5 milhões”.

A ministra Isabel Gallotti acrescentou: “Quando se vive em condomínios, a inadimplência causa vários transtornos”. E manifestou sua “perplexidade”, isso mesmo, “perplexidade”, que a inadimplente possa usar áreas que demandam manutenção cara.

Na mesma direção, o ministro Marco Buzzi cravou: “Para usar essa piscina, esse direito todo, alguém tem de pagar”.

Para uma pessoa normal, a decisão estava tomada.

Mas a Justiça brasileira não é normal. Acreditem: por unanimidade, o STJ decidiu que o condomínio não poderia impor aquelas restrições. Ou seja, eis a superior decisão: embora cause prejuízo a todos os demais moradores, embora cause perplexidade, embora pegue uma carona grátis, o condômino inadimplente tem direito de usar todos os benefícios do condomínio, mesmo que não pague por isso há 21 anos.

Como disse o ministro Buzzi, “alguém tem de pagar”. E o STJ mandou a conta para os trouxas que pagam em dia.

O argumento: a restrição ao uso da piscina viola o direito de propriedade e a dignidade humana.

Mas o Código Civil diz que o condômino inadimplente não tem direito de participar nem de votar nas assembleias. Claro que se trata de um limite ao direito de propriedade. Só que essa norma tem que ser interpretada “restritivamente”, observou o relator.

Então, ficamos assim: negar o direito do inadimplente de votar nas assembleias dos proprietários, tudo bem. Negar o sagrado mergulho na piscina paga pelos outros, aí trata-se de uma afronta ao direito de propriedade e à dignidade humana.

Sei que muitos leitores devem estar pensando: onde está a pegadinha?

A pegadinha é a imensa insegurança jurídica que persiste no Brasil. Isso inclui desde as instâncias e o tempo que os tribunais tomam para resolver — o caso vem de 1998, foi parar no STJ e ainda não terminou — até o teor das decisões que não resistem à mais simples lógica.

Vamos falar francamente: numa Justiça minimamente eficiente e garantidora do cumprimento das leis e dos contratos, esse caso não passaria do primeiro passo. Imagino o juiz, perplexo: a senhora nunca paga o condomínio e quer que a Justiça lhe garanta o direito de nadar na piscina dos outros que pagam?

Não se trata de um caso fora do padrão. A Justiça brasileira manipula o conceito de direito de propriedade com frequência, passando por cima de leis e contratos, com o objetivo de “fazer justiça” — objetivo vago, que varia conforme a orientação doutrinária e ideológica do juiz.

Dignidade humana justifica tudo. De onde tiraram que nadar numa piscina particular, para a qual não se paga, é manter a dignidade?

Não faz muito tempo, o mesmo STJ dizia que o dono de uma loja não poderia dar desconto ao cliente que pagasse em dinheiro. Precisou o Congresso Nacional aprovar uma lei nova — uma das leis mais ridículas — dizendo que comerciante e comprador poderiam negociar o preço livremente.

E nem é bom se lembrar disso. É bem capaz de alguma corte declarar que essa lei é ilegal.

E tem outros trouxas nessa história: os contribuintes brasileiros que pagam seus impostos regularmente, impostos que financiam a Judiciário —onde se encontram os maiores salários do funcionalismo.

NO STF
E por falar nisso, o Supremo Tribunal Federal deve decidir hoje se a Petrobras, uma empresa pública colocada no mercado, tem o direito de vender uma subsidiária transportadora de gás.

Isso mesmo: um caso de Suprema Corte, como se não tivesse mais nada para resolver.