terça-feira, abril 03, 2018

Religião, ficção ou realidade? - HELIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 03/04

Um número não desprezível de pessoas acredita na infalibilidade do papa


O papa disse que o inferno não existe.

Há duas formas de tratar a religião. Podemos vê-la como um discurso puramente alegórico —isto é, sem maiores preocupações em retratar o mundo real (como a série “O Mecanismo”). Nesse plano, abrir o mar Vermelho (Êx. 14:21-28), parar o movimento do Sol (Josué 10:12-14) e falar em concepção imaculada, ressurreições e alma não representam um desafio cognitivo.

Eu diria até que essa religiosidade pode ser saudável. Aquilo que se assume desde sempre como ficção raramente dá margem a fundamentalismos e à violência a eles associada. No mais, frequentar igrejas oferece ao fiel a possibilidade de inventar propósitos para a sua vida, além de oportunidades de interação social, o que é bom para a saúde.

O outro modo de encarar a religião é dar crédito às afirmações dos textos sagrados e de sacerdotes e tratá-las como hipóteses testáveis sobre o mundo. Aí, pouco do que dizem para em pé. Afinal, não dá para suspender a rotação da Terra sem arrasar o planeta; seres humanos não se reproduzem por partenogênese; e inexiste modelo físico pelo qual uma alma imaterial possa interagir com um corpo feito de matéria bariônica.

O fiel pode, é claro, escolher ficar com a religião mesmo que ela vá contra a física, a química, a biologia, a estatística. Um número não desprezível de pessoas acredita na infalibilidade do papa e na inerrância das Escrituras. Mas deve ser cognitivamente frustrante viver num mundo em que a ciência entrega seus produtos (antibióticos, fornos de micro-ondas etc.) e a religião se esconde confortavelmente atrás de uma mercadoria que só pode ser despachada quando o comprador já não estiver aqui para assinar o recibo.

Espero que o Vaticano não precise de mais 2.000 anos para concluir que o paraíso e todo aquele papo de salvação eterna são tão simbólicos quanto o inferno, que não existe.

2 comentários:

Anônimo disse...

O colunista poderia explicar como o "pensamento" que é imaterial pode fazer que o corpo se mova?

Isto não se encaixa na sua tese que o imaterial não pode afetar a materia bariônica.

A luz, a gravidade, o magnetismo são imateriais e afetam a matéria.

Quem desconhece física básica não está apto a falar mal da religião.

Anônimo disse...

“Alma imaterial”..... Releia o texto. E ainda que o autor tivesse mencionado *qualquer* forma de imaterialidade - ainda assim inexistem provas de que a alma imaterial possui a capacidade de afetar a matéria bariônica. Ou seja, mesmo que o autor não tivesse conhecimentos básicos de física, isto não o impediria de apontar a falta de consistência na crença cega por conveniência.