terça-feira, fevereiro 20, 2018

Alguns são mais iguais do que os outros? - IVES GRANDA DA SILVA MARTINS

FOLHA DE SP - 20/02

Apesar de considerar correto o encarceramento antes da sentença final, a Constituição não o permite

Ninguém discute o nível intelectual, o conhecimento jurídico ou a idoneidade dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. São, todos eles, autênticos juristas.

No entanto, o protagonismo individual que se manifesta em alguns casos e a invasão da competência de outros Poderes por parte dos ministros transformaram o debate -travado até 2003 no plenário, em nível elevado- em algo diferente, semelhante aos protagonizados pelos parlamentares nas casas legislativas com direito, inclusive, a ofensas pessoais e manifestação de preferências ideológicas.

Tal protagonismo em questões exclusivas de outros Poderes -o artigo 103, 2º, da Constituição não permite, nem nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão do Legislativo, que o pretório excelso legisle- colocou o Supremo em posição, no mínimo, vulnerável.

O ex-presidente Lula, por seus advogados pretéritos e atuais, ingressou com pedido de habeas corpus no STF para que o artigo 5º, inciso LVII, da lei suprema seja-lhe aplicado: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Dessa maneira, se infrutíferos os embargos de declaração contra a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não seria recolhido ao cárcere, como foram todos aqueles outros políticos, burocratas e criminosos comuns desde que o STF entendeu que bastaria a condenação em segunda instância, antes de seu trânsito em julgado, para que o acusado fosse colocado atrás das grades.

Embora por contagem apertada, 6 a 5, a decisão prevalece por tempo considerável, inúteis tendo sido até o presente as tentativas de modificar tal inteligência da Suprema Corte.

Agora, seguidores do ex-presidente Lula defendem -embora não tivessem essa interpretação legal quando outros adversários políticos, como Eduardo Cunha, foram encarcerados- que apenas com o trânsito em julgado da decisão condenatória pode-se efetuar a prisão.

Na minha modesta opinião de velho advogado, a exegese correta do dispositivo é a seguinte: efetivamente, só com o trânsito em julgado de uma decisão condenatória alguém será considerado culpado.

O STF, porém, com apoio até cinematográfico do Ministério Público e o aplauso generalizado da sociedade, decidiu que a condenação por tribunal de segunda instância autoriza a decretação da prisão.

Pessoalmente, não interpreto a lei segundo minhas preferências, pois, apesar de considerar correto o encarceramento antes da sentença final, a Constituição não o permite, razão pela qual expus meu desconforto de professor provinciano com a decisão dos iluminados membros do pretório excelso.

A Suprema Corte terá agora que decidir mais uma vez a questão, visto que o eminente ministro Edson Fachin passou para o plenário a apreciação do habeas corpus.

Recentemente, o também ilustrado ministro Alexandre de Moraes incorporou-se à tese do encarceramento após decisão de segunda instância, e a competente presidente da corte, Cármen Lúcia -cujos estudos e escritos sempre admirei, embora com pequenas divergências-, declarou que, se a Suprema Corte tivesse que mudar sua orientação por se tratar do ex-presidente, estaria se "apequenando".

Está o país, portanto, na expectativa de saber se o pretório excelso confirma, e de forma definitiva, a decisão anterior, segundo a qual o ex-presidente deverá ser recolhido ao cárcere como o foram inúmeros outros políticos, burocratas e cidadãos, ou se muda a inteligência do caso, para gáudio de seus seguidores.

Nesta hipótese, passará para o povo não para mim a impressão de que a Suprema Corte assim decidiu por ser o ex-presidente quem é, abrindo, por outro lado, fantástica avenida para que os atuais encarcerados sejam também libertados.

No livro "A Revolução dos Bichos", George Orwell faz a paradigmática afirmação de que "todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros". Numa eventual mudança de jurisprudência, ficará no ar tal sensação?

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