REVISTA VEJA
O ESCRITOR ARGENTINO Jorge Luis Borges publicou certa vez um pequeno tratado sobre o método científico: um conto de apenas um parágrafo a respeito de um império famoso por sua cartografia. A arte de fazer mapas se desenvolveu de tal forma nesse país que eles cresceram até atingir o tamanho natural — o mapa do império tinha o tamanho do império. Mas sua utilidade começou a ser questionada, e as gerações seguintes abandonaram a prática. Restaram ruínas do mapa. “Em todo o país não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas.” A mensagem: para ter utilidade, todo mapa — ou qualquer modelo científico — precisa simplificar a realidade. Se quisermos trafegar país afora, interessa pouco anotar árvores ou casas. Mas estradas e cidades são imprescindíveis.
Essa digressão vem bem a calhar após o anúncio do Prêmio Nobel de Economia deste ano. Richard Thaler tem uma história curiosa. Foi um aluno medíocre. Recusado como professor repetidamente pelas universidades, acabou se empregando como consultor — até ser demitido, aos 27 anos. A Universidade de Rochester lhe deu, afinal, uma vaga temporária. Seu orientador dizia que ninguém esperava muito dele. O cultuado psicólogo Daniel Kahneman, Nobel de Economia de 2002, disse que Thaler havia sido preguiçoso.
Foi Kahneman, aliás, que transformou sua vida. Thaler escrevera uma lista de ações do dia a dia que considerava irracionais. Elas violavam a base da teoria econômica: a de que somos dotados de uma racionalidade extrema. Seus pares lhe davam pouca atenção. Diziam saber que as pessoas ocasionalmente eram irracionais, mas isso seria apenas um desvio aleatório do padrão. O pressuposto da racionalidade seria uma simplificação da realidade necessária para melhor entendê-la — como as estradas e as cidades no mapa.
Thaler achava o contrário. Somos irracionais em boa parte do tempo. Estava a ponto de abandonar a profissão quando deparou com as pesquisas de Kahneman e seu parceiro, Amos Tversky, que estudavam a irracionalidade do ponto de vista psicológico. Foi o empurrão de que precisava. Em um dos experimentos que desenvolveu, conferia 20 dólares a estudantes para que dividissem como quisessem com outra pessoa. Surpreendentemente, a divisão resultava justa: os estudantes pegavam para si mais ou menos metade do dinheiro. O valor da justiça se sobrepunha ao anseio de tirar o máximo de proveito pessoal — o esperado segundo a visão neoclássica. Mas o resultado mudava quando aos estudantes era dado o poder de extorquir dinheiro do outro. Ninguém roubava nada, em compensação embolsava o total de 20 dólares.
A insistência de Thaler lhe valeu, além da mais alta distinção acadêmica, mais de 1 milhão de dólares. A dúvida, porém, permanece: qual mapa melhor explica a economia? Os economistas comportamentais reduziram muito da certeza em torno da versão clássica. Mas não a ponto de irem para o centro do palco. Para Paul Krugman, outro Nobel, é possível que cada visão ajude a decifrar áreas diferentes da economia. Os economistas já não eram famosos por suas previsões quando tinham apenas um mapa onde olhar. Estarão menos perdidos com dois?
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