quinta-feira, outubro 26, 2017

Classificação etária em mostra do Masp é fórmula para evitar polêmicas - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 26/10

Abriu a exposição "Histórias da Sexualidade", no Masp, em SP. São centenas de obras, divididas em nove temas (corpos nus, religiosidades, jogos sexuais etc.).

Os curadores criaram assim uma exposição que se visita sem distrações. Ninguém fica a fim de construir teorias sobre por que o pinto dos pré-colombianos seria diferente do pinto dos expressionistas alemães.

O espectador percorre livremente a mostra, digamos, de sexualidade em sexualidade. Claro, há obras obviamente carregadas de desejo e fantasias sexuais, mas algumas pedem um tempo para o espectador descobrir por que elas estão na mostra.

Um exemplo disso? Veja, no tema "religiosidades", duas estátuas, em tamanho natural, de penitentes ajoelhados queimando e sofrendo nas chamas do purgatório. Enfim, há um catálogo e, num volume separado, uma ótima coletânea de textos.

Vivemos num estranho clima, em que os supostos liberais pedem que haja censura às artes enquanto as esquerdas defendem a liberdade de expressão (que nunca lhes foi especialmente querida quando elas estiveram no poder). Nesse fogo cruzado paradoxal, o Masp parece ter encontrado a fórmula para evitar polêmicas. Mas não foi de graça.

A exposição é proibida aos menores de 18 anos. O que significa que, se você for menor, nem mesmo a autorização dos pais permitirá seu acesso. E, se você for o responsável por um menor, você deverá se curvar à decisão do Estado.

Alguns dizem que o Masp amarelou. Outros dizem que foi a tática certa para que a exposição não corresse o perigo de ser fechada, mesmo que temporariamente.

Qualquer proibição para menores de 18 anos (que é sempre uma proibição que substitui a autoridade dos pais por aquela do Estado) é, para mim, uma indignidade, que só merece desacato.

Portanto, quem quiser permitir que os filhos adolescentes tenham acesso à exposição recorra aos truques que os próprios jovens usam para entrar nas festas. Ou então, sem ilegalidades, compre o catálogo (proibido para menores), leve-o para casa e ofereça-o a seus filhos, sobrinhos e netos.

Não tenho uma confiança cega na família e nas boas intenções dos pais, e é necessário que o Estado (o Judiciário) aplique a lei, protegendo o menor da violência, inclusive de seus próximos (veja-se o caso dos pais que, poucas semanas atrás, no Piauí, deixaram o filho de 11 anos para dormir numa penitenciária, com um estuprador de menores).

Também admito que o Estado dê indicações aos pais sobre espetáculos etc. que os pais podem desconhecer: olhe, a gente acha que seu filho ou filha de 14 anos (embora tenham a idade do consentimento sexual ou seja, de decidir sozinhos com quem transar) não deveriam ler, digamos, o "Decamerão".

Mas não reconheço no Estado a autoridade moral para decretar o que meus filhos podem ou não podem ver, ler etc.

Nada me garante que os funcionários do Estado tenham as qualidades necessárias para ocupar essa função (seria preciso, para isso, que tivessem formação milagrosa por vastidão, profundidade e capacidade crítica de pensamento). De fato, os funcionários da censura são sempre parecidos com o protagonista da série "Magnífica 70" (HBO).

Além disso, como o Estado seria o censor, se ele, no seu conjunto, é infinitamente mais obsceno do que qualquer site de pornografia que ele proibisse? Enfim, curiosamente, a preocupação da censura é quase sempre focada no sexo. Agora, a exposição (mesmo precoce) ao sexo não é a que mais me preocupa na formação de uma crianças.

Por exemplo, no próximo domingo, 70% (visão realista) dos sermões que serão ouvidos nas igrejas ou nos templos do país serão provavelmente ofensivos ao meu bom senso, ao meu interesse pela verdade e, portanto, ao meu padrão moral.

Muito mais do que a visão de um ato sexual, esses discursos poderão influenciar qualquer menor a ponto de reprimi-lo, de inibi-lo, de estragar sua vida futura e extraviar sua capacidade de juízo ético.

Mesmo assim, sou contra qualquer censura prévia do Estado, que se sobreporia à autoridade dos pais. Ou seja, não peço que o Estado proíba templos e igrejas aos menores de 18 anos. Prefiro, como disse, que a responsabilidade seja deixada aos pais.

Quanto a mim, tentarei preservar meus filhos, sobrinhos e netos dessa possível decadência moral.

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