quarta-feira, setembro 27, 2017

Juros civilizados: um novo consenso? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 27/09/2017
A queda em curso da taxa básica de juros (Selic) já deixa lições para os formuladores de política econômica e analistas que acompanham o tema. Muito provavelmente, se não houver surpresas negativas no cenário econômico e político, a Selic, que está em 8,25% ao ano e deve ser reduzida para 7,5% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), cairá a níveis historicamente baixos nos próximos meses, mantendo-se assim por um bom tempo. Isso dará ao país a chance de começar a acabar com a cultura dos juros altos que, com o Plano Real, tomou o lugar de outra chaga - a da inflação crônica.

A primeira lição é a de que, com inflação alta, não há como reduzir os juros. Este é um aprendizado importante porque, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014), o Banco Central (BC) decidiu baixar a Selic, mesmo com a inflação corrente subindo e as expectativas dos agentes econômicos se deteriorando. No espaço de pouco mais de um ano, de agosto de 2011 a outubro de 2012, a Selic foi levada de 12,5% a 7,25% ao ano, o menor patamar pós-Real.

Como aquele movimento era inconsistente e, ademais, irresponsável, a ilusão durou menos de seis meses e os juros voltaram a subir, e isso só não ocorreu antes porque, manietado pela presidente da República, o Copom demorou a reagir. Para se ter ideia da importância do quesito credibilidade na condução da política monetária, mesmo com a economia voando baixo e no momento seguinte entrando em profunda e prolongada recessão, o BC promoveu um ciclo de aperto monetário que foi de abril de 2013 a agosto de 2016. Durou, portanto, mais de três anos, levou a Selic a 14,25% ao ano e não derrotou a inflação.

No regime de metas, que começou a ser implantado em meados de 1999, a taxa básica de juros passou a ser o principal instrumento de combate à inflação. Mas, assim como a taxa de câmbio, os juros são um preço, isto é, eles são determinados pelos fundamentos da economia. O regime de metas foi lançado juntamente com duas políticas: a do câmbio flutuante e a de geração de superávit primários, necessários para a contenção do crescimento da dívida pública.

Esse tripé foi fundamental para salvar o Plano Real de mais um fracasso do país na batalha para estabilizar os preços. Nos primeiros cinco anos do Real, lançado em julho de 1994, a taxa de juros foi usada para atrair capitais ao país e, assim, manter a taxa de câmbio apreciada, uma forma de expor a economia doméstica à concorrência estrangeira. A estratégia barateou as importações, forçando a queda dos preços internos.

De certa forma, aquele modelo de âncora cambial foi bem-sucedido ao quebrar a lógica da indexação que prevaleceu nos tempos de inflação descontrolada. O IPCA, o índice oficial de preços, caiu em 1998 ao menor patamar da história - 1,66%. O câmbio quase-fixo, porém, começou a ser questionado em 1997, quando as economias de países asiáticos, que adotavam regimes de câmbio similares ao nosso, foram forçadas a desvalorizar suas moedas para reequilibrar o balanço de pagamentos. A origem do problema era fiscal - os governos estavam exagerando na gastança.

Ficou claro, já em 1997, que o Brasil foi longe demais com o câmbio quase-fixo, instrumento que, embora tenha obtido sucesso na derrubada da inflação, criou uma série de distorções, como a convivência da economia com juros muito altos por um período prolongado de tempo, medida que encareceu sobremaneira o custo de acumulação das reservas cambiais e provocou forte expansão da dívida pública. Em meados de 1998, a Rússia foi levada à breca pelo mesmo movimento de desconfiança que atingira os asiáticos, e o Brasil, na sequência, teve o mesmo destino - o país só não entrou em moratória porque foi socorrido pelo FMI duas vezes em cinco meses.

O tripé adotado em 1999 substituiu a âncora cambial e foi bem-sucedido ao mitigar os efeitos inflacionários da maxidesvalorização sofrida pelo real naquele ano. No regime de metas, a taxa Selic é o instrumento de combate à carestia, mas ela é resultado de uma combinação de fatores, sendo o principal deles a política fiscal. Se o governo é despoupador, isto é, se acumula déficits constantes no orçamento e por essa razão vai sempre ao mercado pedir dinheiro emprestado para pagar as contas, a tendência dos juros é subir por duas razões: a expansão fiscal aumenta a demanda agregada da economia, obrigando o BC a promover aperto maior de liquidez para segurar os preços; e o crescimento permanente da dívida pública leva os investidores a exigirem prêmios (juros) cada vez mais altos para financiá-la.

Quem se der ao trabalho de olhar as séries históricas do BC constatará que o regime de metas não só desinflacionou a economia brasileira desde a sua implantação, como também diminuiu, no mesmo período, os níveis de taxas de juros vigentes por aqui. Virtuosos, os dois processos só foram interrompidos quando crises imprevisíveis - como a do apagão de energia em 2001 e a de desconfiança dos investidores durante a eleição de 2002 - e decisões equivocadas - como a do governo Dilma de abandonar o tripé e implantar a Nova Matriz Econômica, a estratégia adotada para implodir o arcabouço utilizado desde 1999 - tomaram seu lugar. Esta é a prova cabal de que o Copom não eleva os juros para beneficiar os rentistas...

Uma lição óbvia que fica para quem formulou e admira a Nova Matriz é a de que não se reduz a taxa de juros na marra. Até Dilma sabia que, para diminuir a Selic, a inflação precisaria estar sob controle. Ocorre que, para segurar o IPCA, ela ordenou intervenções nos preços administrados (combustíveis, energia etc) que custaram caro ao país - em 2015, quando chegou a hora de corrigir os erros dessas intervenções, os preços administrados subiram 18,1%, empurrando o IPCA naquele ano para 10,7%.

No atual momento, os agentes econômicos estão otimistas com as perspectivas tanto para os juros quanto para a inflação, porque além de se ter uma equipe econômica de reconhecida qualidade e crível, o governo tem aprovado medidas como o teto dos gastos e levado ao Congresso propostas de reforma, como a da Previdência, que vão assegurar inflação e juros baixos no médio e longo prazos.

O nome do jogo é confiança: a situação fiscal é precária e exigirá mudanças difíceis de serem aprovadas pelos políticos, mas os agentes econômicos confiam no caminho escolhido.

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