segunda-feira, maio 15, 2017

Transição incompleta - PAULO GUEDES

O Globo - 15/05

Uma casta privilegiada e inútil provocou o desprezo e a fúria de um povo fustigado pelo excesso de impostos e humilhado pelo luxo da corte


O país amadurece. Lula fez um contido manifesto político, enquanto Moro colheu seu depoimento. Manifestações sem violência em Curitiba. O enredo foi compreendido. As colaborações premiadas desnudam a engrenagem da corrupção a cada dia. Definem também os papéis principais. É um triste espetáculo constatar a perda de dignidade dos mais eminentes atores. A simples admissão de que nossas práticas políticas se degeneraram pouparia importantes biografias do patético e do trágico.

Mas não há grandeza, apenas a busca da sobrevivência onde antes havia a disputa pelo poder. A cumplicidade e a mentira no topo aumentaram o prêmio das delações embaixo. E agora o fogo das investigações está subindo morro acima. A marqueteira Monica Moura exibiu com descontração a banalidade dos malfeitos e desmascarou a proclamada inocência de Dilma. Atribuiu a Palocci a denúncia do “chefe” Lula como responsável pela aprovação do preço e garantidor do pagamento do serviço. Confirmou a parceria da Odebrecht nos malfeitos. A colaboração premiada do ex-ministro Palocci seria a pá de cal na morte da Velha Política.

Argumentava Tocqueville que, sob a aparência 
de ruptura, a Revolução Francesa teria de ser compreendida como continuidade histórica do Antigo Regime. A concentração do poder político e financeiro no governo central da monarquia absoluta esvaziou as funções da aristocracia, que desfrutava ainda seus privilégios. Uma nobreza privilegiada e inútil provocou o desprezo e a fúria de um povo fustigado pelo excesso de impostos e humilhado pelo luxo da corte. Prisioneiros da turbulência política e da crise econômica causadas por disfuncional engrenagem de poder centralizado, os franceses sofreram a degeneração dos nobres ideais iluministas no Terror jacobino e nas guerras napoleônicas.

No Brasil, também o regime militar de 1964 a 1985 centralizou poderes políticos e recursos financeiros, desidratando as atribuições da classe política no uso dos recursos públicos. A redemocratização ocorreu há mais de três décadas. Já era tempo de percebermos a associação entre o dirigismo na economia e a corrupção na política. Mas o despreparo de políticos e economistas inebriados pelo poder segue responsável pela turbulenta transição rumo à Grande Sociedade Aberta.

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