terça-feira, maio 16, 2017

As feminazis e as mulheres do Brasil - MIGUEL DE ALMEIDA

O GLOBO - 16/05

O belo é tão necessário quanto a fotossíntese e a erótica de Anaïs Nin


Quis o acaso (ou o destino) colocar no mesmo tempo cronológico três mulheres — Iolanda, Monica e Adriana — e a ludita guerrilha feminazi. Mais uma gargalhada da história.

A guerrilha feminazi se caracteriza por uma insistente caçada nem sempre aos homens mas em especial às mulheres bonitas, independentes e inteligentes (não necessariamente nessa ordem).

É espécie de missão catequizadora de extermínio da individualidade feminina. Fernandinha Torres, Juliana Paes e Emma Watson (é o alinhamento da Internacional Feminazi) tiveram suas meias desfiadas (arranhadas?) após saírem da conduta ditada por um códex rígido, azedo e fascista. Outras sofrerão nas unhas mal cortadas da milícia que esconde o rosto.

São as Sem Esmalte.

E preconceituosas, porque renegam a importância da biologia da beleza. O belo é tão necessário quanto a fotossíntese e a erótica de Anaïs Nin.

O códex aplicado pelas proto-feministas segue uma linha tênue de proximidade com o olhar histórico adotado pelo politicamente correto. Você critica os fatos do passado com o conhecimento do presente e desce a borduna nos fatos do presente com a insensibilidade dos mercadores de escravos.

São abolidas as nuances históricas de percepção e de política. Para um fácil entendimento e compreensão, ajuda, é perfeito: a complexidade é mortal aos palanqueiros necessitados de dividir o mundo entre o mal e o bem. Ou: eles e nós.

No caso, homens e mulheres, apartados, clivados.

A brigada se mobiliza em caçadas exploratórias, em expedições de justiçamento e nas dissoluções de independência. Lembra muito os métodos de Zé Stalin de dilapidação de biografias. Aos adversários são destinados insultos, infâmias e aleivosias disfarçadas de aconselhamentos.

Outro dia a ex-ministra Eleonora Menicucci foi derrotada num processo contra o ator Alexandre Frota. A sentença saiu da lavra de uma juíza, condenando-a a pagar R$ 10 mil. A reação revoltada da ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres (um dos 40 ministérios da ex-Dilma) anotou que sua invertida partiu de uma mulher. Esperava que a questão de gênero se sobrepusesse a uma interpretação jurídica. Julgada por uma mulher, imaginou, teria ganho de causa, porque afinal também é mulher.

Parece lógico, mas não é: se trata de uma tentativa de intimidação. Da brigada feminista contra as mulheres. Há um esforço de uniformizar as análises e os procedimentos.

A atriz Juliana Paes declarou que era uma feminista adepta de batom vermelho e salto alto. A patrulha reagiu ao uso do batom vermelho, ao salto alto e à sua condição de ser feminista. De novo, um esforço concentrado em desfavor da biologia da beleza.

Dorothy Parker, famosa por seu humor cáustico, deveria ser leitura de cabeceira por conta de sua postura de dar de ombros. Preferia colecionar a rasgar sutiãs… Sem hastear bandeira, foi feminista radical e avançou palmo-a- palmo nos espaços literários americanos dominados por homens. Trouxe à literatura um olhar diferenciado, agudo, da solidão feminina frente a uma estrutura social em transformação. As mulheres brigavam por um lugar ao sol, apoiadas em suas diferenças; mas brigavam para integrar um mundo caótico, competitivo, que necessitava de mudanças. E elas queriam participar desse cenáculo tortuoso, quando poderiam se esforçar para torná-lo outro, no mínimo melhor. Ficariam doentes como os homens que o integram.

No fundo, almejavam deixar de ser súcubos para se tornar íncubos. Seis por meia-dúzia.

Pois minhas heroínas Anaïs Nin e Dorothy Parker dariam risadas desabridas no Brasil contemporâneo...

...Pois chegamos a Iolanda, Monica e Adriana.

Nunca antes neste país o povo trabalhador se deparou com tantas mulheres envolvidas em tamanhas falcatruas. Sinal dos tempos? Para isso que brigaram? Houve um certo orgulho quando o Brasil elegeu uma mulher como presidente. Tolice, esse raciocínio, essa agenda é ultrapassada: gênero, raça ou origem social não deveriam pautar processos eleitorais.

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Foi-se Antonio Candido, meu vizinho paulistano nos Jardins. Com frequência o encontrava na Alameda Pamplona, em passos lentos, bengala à mão, boina à cabeça, jaqueta azulada, na sua elegância circunspecta. Eu gritava de longe — Professor —, ele estancava, sorria, e me apertava as mãos com força. Candido, antes de pensador privilegiado, foi estilista, com texto acondicionado em poderosa estrutura e recursos linguísticos desconhecidos ou distantes à maior parte de seus colegas acadêmicos. Como escrevia bem… E seu bom humor era notável pelo refinamento. Era o último dos chato-boys, em alcunha dada à turma da “Clima” (Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros), por Oswald de Andrade. Casado com sobrinha de Mário de Andrade, professora Gilda de Mello e Souza, soube como poucos juntar os Andrades, Mário e Oswald, duas facetas do Brasil teimosamente transformadas pela inquisição intelectual em Fla x Flu, opositores, quando deveriam estar na mesma arquibancada: o amor e o humor.

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