Era uma vez um navio muito grande.
Como uma caravela moderna, partiu com destino a um novo mundo.
Mais justo, mais feliz, mais próspero.
Pelo menos era assim que venderam as milhares de passagens.
Só aquele navio, dizia a propaganda, sabia o caminho.
O comandante conhecia os perigos dos mares por onde iriam navegar, mas alegava que enfrentariam apenas marolinhas.
O primeiro terço da viagem foi relativamente tranquilo, apesar de alguns passageiros alertarem sobre tripulantes que não estavam imbuídos do mesmo espírito.
Alegavam que alguns oficiais estavam roubando comida da cozinha.
O comandante ignorou as acusações.
Eram, afinal, seus mais próximos comandados.
O segundo terço da viagem foi bem mais complicado.
As marolas se transformaram em ondas gigantescas e os passageiros mais atentos descobriram que o navio não era tão bem construído como anunciaram nos cartazes das agências de turismo.
Um ou outro passageiro se jogou ao mar, em desespero.
Mas para o comandante o objetivo era chegar ao destino, não importando o estado do navio.
No último terço da viagem, a coisa desandou de uma vez.
O comando passou a ser de uma suboficial.
Inexperiente, arrogante, não ouvia ninguém.
Errou tudo.
Rota, velocidade, combustível, liderança.
O caos se instaurou no navio.
Parte dos passageiros pedia a cabeça da comandante, outra parte achava que era assim, que aquele caos era o preço para chegar a um destino tão especial.
A cozinha era assaltada diariamente pelos oficiais.
O combustível foi quase todo roubado e evidentemente não sobraria o suficiente para chegarem onde queriam.
O navio fazia mais água do que uma jangada.
Centenas de passageiros jogavam botes ao mar.
Curiosamente a tripulação ignorava os problemas.
Para acalmar os passageiros a comandante declarava que tudo estava sob controle.
Mas ninguém entendia o que ela dizia.
O tempo fechado, as tempestades, a água invadindo a sala de máquinas.
Nada parecia assustar a intrépida tripulação.
Ou não faziam ideia de como um navio flutua, já havia quem desconfiasse.
A comida ficou escassa.
A energia foi cortada.
A água também estava racionada.
Centenas de passageiros foram jogados ao mar para que o que sobrou dos mantimentos fosse suficiente para quem restava a bordo.
Afinal, o que importava era chegar ao destino.
Alguém alertou que estavam indo na direção oposta.
Mas a comandante não tinha claro como usar a bússola.
O tempo passou e boa parte dos passageiros tentou se salvar.
Quando tudo estava definitivamente perdido, o navio lentamente afundando, apenas a tripulação e um punhado de passageiros insistia em continuar a bordo gritando:
– Motim! Motim! Motim!
O navio desapareceu sem deixar vestígios.
Ninguém sabe dizer como, onde ou quando.
Apenas sua lenda sobreviveu.
Até hoje, se você perguntar a algum marinheiro experiente, é bem possível que ele tenha visto o navio fantasma em suas viagens.
E quando você quiser mais detalhes, provavelmente ele dirá que viu o navio afundando, numa noite nublada, com jornalistas, blogueiros e artistas se atirando do convés.
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