Pensa-se que certas ações que trazem uma sensação de bem-estar na economia podem ser dissociadas das consequências que acarretarão
O debate acerca da natureza da Economia como espaço de conhecimento é infindável. De um lado, estão os economistas que defendem que ela deve ser considerada como um ramo do conhecimento associado às Ciências Exatas, enquanto que, de outro, estão os que entendem que se trata de um ramo assemelhado com a Sociologia e que deve ser avaliada sob um prisma que a frieza dos números seria incapaz de retratar.
Aqueles que, saindo dos bancos da faculdade, tentamos no debate público enquadrar a temática econômica no arcabouço formal da aritmética, aprendemos que nem sempre as equações são suficientes para expressar os dilemas com os quais as autoridades se defrontam no mundo real. E nem precisamos pensar em países nos quais o pensamento mágico costuma encontrar um terreno mais fértil para sua difusão. Mesmo nas economias avançadas, se uma greve colocar em risco a sobrevivência do governo, o presidente ou o primeiro-ministro provavelmente vai mandar o seu ministro da Fazenda atender, nem que seja parcialmente, ao pleito, por mais que isso não seja recomendável à luz dos ensinamentos da teoria econômica.
Ao mesmo tempo, é ilusório, para quem julga que a Economia seja uma “ciência social” (querendo com isso insinuar que sua relação com o rigor dos números seria bastante elástica), querer driblar algumas realidades. Cite-se aqui um caso: se o gasto público aumentar, o desequilíbrio terá que ser financiado de alguma maneira e, cedo ou tarde, as consequências irão aparecer.
A literatura deu o nome de “pensamento mágico” ao raciocínio conforme o qual certas ações que trazem uma sensação de bem-estar na economia podem ser dissociadas das consequências que irão acarretar. Em um texto publicado há mais de 25 anos, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards definiram populismo macroeconômico como “a política econômica que enfatiza o crescimento econômico e a distribuição de renda e não dá ênfase aos riscos da inflação, do financiamento do déficit público e das restrições externas” (“Macroeconomic populism”, Journal of Development Economics, 1990).
Na América Latina, o script do populismo envolve ingredientes clássicos. Na fase 1 das políticas, a bonança permite adotar políticas amplamente generosas, sem maior cuidado com o que virá depois. Na fase 2, aumenta-se a dívida — como no Brasil — ou queimam-se os estoques — como na Argentina. Isto último equivale a “torrar a herança”, na forma de utilizar reservas internacionais para financiar desequilíbrios do balanço de pagamentos, ou de se apropriar dos recursos dos fundos de pensão privados para fazer proselitismo ou, ainda, de reduzir o estoque de cabeças de gado, que é o que ocorre quando, num país onde se come muita carne como o vizinho do Sul, o governo entra em guerra com os produtores do campo. No final, na fase 3, chega-se à negação da realidade: num país que consome seus recursos, os governantes tendem a viver num mundo de fantasia. É o que constatou Héctor Méndez, um dos líderes da indústria na Argentina quando, após sair de uma reunião na Casa Rosada, reconheceu em 2014 que “é muito difícil falar da realidade nos encontros com a presidente”. Qualquer semelhança com nossa trajetória recente não é mera coincidência. A fase 4, enfim, é o colapso.
Quando se assiste à argumentação dos que resistem a qualquer forma de ajustamento, percebe-se a força do pensamento mágico entre nós. Se a todo ajuste se resiste e os governos cedem, a grande pergunta é: o que impedirá a dívida pública de continuar crescendo?
Por maior que seja a influência dos fatores políticos e sociais na determinação das variáveis econômicas, o economista que lida com as questões macroeconômicas tem a obrigação profissional de levar em conta duas coisas. Primeiro, a visão do conjunto e os efeitos agregados das políticas. Segundo, as consequências de médio e longo prazo das decisões adotadas. Frédéric Bastiat, defensor do livre mercado no século XIX, já tinha manifestado que “há apenas uma diferença entre um economista ruim e o bom economista. O primeiro fica limitado aos efeitos visíveis. O segundo leva em conta tanto os efeitos que podem ser vistos, como aqueles que podem ser previstos”. Políticas muito equivocadas levaram o Brasil ao desastre de 2014/2016. Teremos aprendido a lição?
Fabio Giambiagi é economista
O debate acerca da natureza da Economia como espaço de conhecimento é infindável. De um lado, estão os economistas que defendem que ela deve ser considerada como um ramo do conhecimento associado às Ciências Exatas, enquanto que, de outro, estão os que entendem que se trata de um ramo assemelhado com a Sociologia e que deve ser avaliada sob um prisma que a frieza dos números seria incapaz de retratar.
Aqueles que, saindo dos bancos da faculdade, tentamos no debate público enquadrar a temática econômica no arcabouço formal da aritmética, aprendemos que nem sempre as equações são suficientes para expressar os dilemas com os quais as autoridades se defrontam no mundo real. E nem precisamos pensar em países nos quais o pensamento mágico costuma encontrar um terreno mais fértil para sua difusão. Mesmo nas economias avançadas, se uma greve colocar em risco a sobrevivência do governo, o presidente ou o primeiro-ministro provavelmente vai mandar o seu ministro da Fazenda atender, nem que seja parcialmente, ao pleito, por mais que isso não seja recomendável à luz dos ensinamentos da teoria econômica.
Ao mesmo tempo, é ilusório, para quem julga que a Economia seja uma “ciência social” (querendo com isso insinuar que sua relação com o rigor dos números seria bastante elástica), querer driblar algumas realidades. Cite-se aqui um caso: se o gasto público aumentar, o desequilíbrio terá que ser financiado de alguma maneira e, cedo ou tarde, as consequências irão aparecer.
A literatura deu o nome de “pensamento mágico” ao raciocínio conforme o qual certas ações que trazem uma sensação de bem-estar na economia podem ser dissociadas das consequências que irão acarretar. Em um texto publicado há mais de 25 anos, Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards definiram populismo macroeconômico como “a política econômica que enfatiza o crescimento econômico e a distribuição de renda e não dá ênfase aos riscos da inflação, do financiamento do déficit público e das restrições externas” (“Macroeconomic populism”, Journal of Development Economics, 1990).
Na América Latina, o script do populismo envolve ingredientes clássicos. Na fase 1 das políticas, a bonança permite adotar políticas amplamente generosas, sem maior cuidado com o que virá depois. Na fase 2, aumenta-se a dívida — como no Brasil — ou queimam-se os estoques — como na Argentina. Isto último equivale a “torrar a herança”, na forma de utilizar reservas internacionais para financiar desequilíbrios do balanço de pagamentos, ou de se apropriar dos recursos dos fundos de pensão privados para fazer proselitismo ou, ainda, de reduzir o estoque de cabeças de gado, que é o que ocorre quando, num país onde se come muita carne como o vizinho do Sul, o governo entra em guerra com os produtores do campo. No final, na fase 3, chega-se à negação da realidade: num país que consome seus recursos, os governantes tendem a viver num mundo de fantasia. É o que constatou Héctor Méndez, um dos líderes da indústria na Argentina quando, após sair de uma reunião na Casa Rosada, reconheceu em 2014 que “é muito difícil falar da realidade nos encontros com a presidente”. Qualquer semelhança com nossa trajetória recente não é mera coincidência. A fase 4, enfim, é o colapso.
Quando se assiste à argumentação dos que resistem a qualquer forma de ajustamento, percebe-se a força do pensamento mágico entre nós. Se a todo ajuste se resiste e os governos cedem, a grande pergunta é: o que impedirá a dívida pública de continuar crescendo?
Por maior que seja a influência dos fatores políticos e sociais na determinação das variáveis econômicas, o economista que lida com as questões macroeconômicas tem a obrigação profissional de levar em conta duas coisas. Primeiro, a visão do conjunto e os efeitos agregados das políticas. Segundo, as consequências de médio e longo prazo das decisões adotadas. Frédéric Bastiat, defensor do livre mercado no século XIX, já tinha manifestado que “há apenas uma diferença entre um economista ruim e o bom economista. O primeiro fica limitado aos efeitos visíveis. O segundo leva em conta tanto os efeitos que podem ser vistos, como aqueles que podem ser previstos”. Políticas muito equivocadas levaram o Brasil ao desastre de 2014/2016. Teremos aprendido a lição?
Fabio Giambiagi é economista
Nenhum comentário:
Postar um comentário