sábado, novembro 05, 2016

Depois da terça-feira - MONICA DE BOLLE

ZERO HORA - RS - 05/11

É difícil, muito difícil compreender o momento conturbado pelo qual o mundo atravessa. Passados oito anos da crise financeira internacional, cresce assustadoramente o populismo e o protecionismo nas economias avançadas. Valores e princípios estão sendo questionados, instituições estão sendo postas à prova. Dar conta da magnitude do que isso significa para a economia mundial, e, mais do que isso, para o quadro geopolítico é tarefa para lá de hercúlea. Contudo, o tempo é inexorável e terça-feira, dia 8 de novembro, está logo ali. Venha o resultado que vier, o quadro para os EUA e para o resto do mundo não é bom.

A candidata democrata Hillary Clinton, concorde-se ou não com as posturas dela, tem propostas para a economia americana, propostas com viés protecionista no que diz respeito à política externa. Não parece, entretanto, que seu programa, caso eleita, seja fundamentalmente diferente do que foi o governo Obama nos últimos oito anos — à exceção, é claro, do resgate econômico que ele foi obrigado a promover depois da lambança deixada pelo governo anterior. Contudo, Clinton iniciará seu governo sob intensa desconfiança, em país para lá de dividido, enfrentando o desenrolar das investigações sobre o uso de um servidor particular quando ocupou a Secretaria de Estado, e, por isso, sob ameaças de impeachment das alas Republicanas mais aguerridas. Se as dificuldades de Obama com o Congresso levaram à descrença em relação a Washington, muito pior do que isso serão as perspectivas para o relacionamento entre Clinton e o legislativo. O Brasil está aí para mostrar como crises políticas podem inviabilizar qualquer programa de governo. É esse o maior risco após terça-feira, caso a candidata democrata seja consagrada pelas urnas.

Donald Trump, o que é Donald Trump? Demagogo que não tem programa claro de governo. Um populista que, como urge ocorrer com os populistas e demagogos, repete à exaustão mensagens poderosas, propagandas, em que conteúdo não há. Homem de negócios que se diz bem-sucedido, mas que não teve a hombridade de revelar se de fato o é, recusando-se a publicar suas declarações de imposto de renda. Sujeito cujas declarações públicas deixam poucas dúvidas do ser humano deplorável que de fato é. Na economia, uma pessoa incapaz de mobilizar o que há de melhor no lado Republicano — economistas de renome o rechaçaram em peso. Sobrou-lhe o quê? Time de quinta categoria liderado por Peter Navarro, professor de economia da obscura Paul Marage School of Business, de UCLA|Irvine. Entre seus livros, a obra "If it's raining in Brazil, Buy Starbucks" — o livro trata de estratégias de trading para ganhar muito, muito dinheiro, milhões e milhões de dólares. O principal assessor econômico de Trump estudou em Harvard, mas o curso de grande prestígio resvalou para a autoajuda financeira. E, é claro, para a demonização do comércio internacional. É com equipe de ilustres desconhecidos liderados por Navarro que Trump pretende "Make America great Again".

O que acontece se Trump for eleito na terça-feira? A pergunta é tão próxima de "por que o corvo se parece com uma escrivaninha?" — enigma que o Chapeleiro Maluco propõe à Alice — que ninguém consegue respondê-la. Tudo o que pode ser dito é que a incerteza voltará a dar o tom da economia mundial, que guerras comerciais com a China e com o México podem ocorrer, que os riscos geopolíticos embutidos nas palavras descuidadas de Trump em relação ao Oriente Médio poderão fazer o preço do petróleo subir. Mais do que isso, o que pode ser dito é que a democracia mais admirada do planeta estará estrebuchando sob o comando de pessoa cujo autoritarismo é explícito — só não vê quem não quer. Não vê quem acredita que os defeitos de Hillary Clinton — e são muitos — são piores do que as sandices de Donald Trump.

Aconteça o que acontecer após terça-feira, economistas, cientistas políticos, sociólogos, e tantos outros cientistas sociais, terão como tarefa entender como o mundo chegou a esse ponto.

— Por que o corvo se parece com a escrivaninha?, pergunta o Chapeleiro

— E então? Já chegou a uma resposta?, insiste

— Não, desisto. Qual é a resposta?, retruca Alice

— Não faço a menor ideia, diz o Chapeleiro.

Preparemos nossos chapéus.


Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, professora da SAIS, Johns Hopkins University 

Nenhum comentário: