ESTADÃO - 11/10
A votação da chamada “PEC dos gastos”, tão fundamental para interromper a caminhada rumo ao abismo, é um excelente momento para uma reflexão nacional: todo mundo se diz a favor das reformas, da austeridade, da responsabilidade fiscal, desde que... não atinja a sua própria corporação e seus privilégios.
Afora uma exceção ou outra, os economistas e especialistas são majoritariamente a favor de um teto de gastos públicos durante os próximos 20 anos, quando o aumento do gasto estará atrelado à inflação do ano anterior. Tem, usa. Não tem, não usa. Mas grupos específicos se armam até os dentes, principalmente de pareceres técnicos, para bombardear uma medida que interessa a todo o País, mas pode, um dia, quem sabe, vir a prejudicá-los.
Foi assim que surgiu do nada, na noite de sexta-feira, a três dias do início da votação, uma “nota técnica” da Procuradoria-Geral da República, mas sem a assinatura de Rodrigo Janot, declarando que a PEC fere a cláusula pétrea da Constituição que estabelece a independência entre os Poderes. Pela nota, o Executivo estaria se arvorando um “superórgão” controlador dos demais Poderes, inviabilizando o cumprimento das funções constitucionais e institucionais do Ministério Público e prejudicando o combate à corrupção.
Nesta segunda-feira, 10, também a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) recriminou a PEC. No primeiro parágrafo, reclamou genericamente que a medida “reduzirá os gastos federais em educação, saúde e em programas sociais relevantes”. Só no segundo, foi ao ponto central: “A proposta compromete e limita a atuação da Defensoria Pública da União”, pois vai “na contramão da garantia ao acesso à Justiça pela população de baixa renda”. Para bom leitor, o recado é claro: Não mexam nos nossos privilégios!
Pragmático, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso respondeu indiretamente a essas duas críticas ao negar um pedido do PT e do PCdoB para interromper a votação da PEC na Câmara. Ele argumentou que não houve uma “clara violação de cláusula pétrea” e que o Congresso é a instância própria para os debates públicos sobre escolhas políticas feitas pelo Estado e pela sociedade. Sua conclusão: “Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional”. Atenção ao “interesse nacional”.
A seu estilo, e sem os limites de um parecer oficial, o também ministro Gilmar Mendes classificou a nota dos procuradores de “absurdo total”, ironizando: “Ela foge ao meu alcance, talvez seja algo muito elevado para a minha inteligência”. E emendou a pergunta incômoda: “Será que a União deve se endividar para pagar os ricos procuradores da República?”. A origem de Gilmar é o MP...
Por falar em “ricos procuradores”, o pesquisador da FGV José Roberto Afonso levantou, e o Estadopublicou, que seis das dez categorias mais bem pagas no País são do serviço público. Num momento, aliás, em que os Estados mal conseguem pagar salários em dia e seis deles, mais o DF, nem têm como pagar o 13.º salário dos funcionários. Uma herança maldita, claro, de gestões populistas que, em nome do estatismo e de um nacionalismo arcaico, incharam a máquina, afugentaram investimentos e deixaram 12 milhões de cidadãos e cidadãs sem emprego.
Apesar de tudo isso, é justamente do serviço público que partem os maiores ataques contra o ajuste fiscal, o teto de gastos, a reforma da Previdência e outras medidas essenciais para reaquecer a economia e combater o dramático desemprego. Todo mundo deve ter direito a bons salários, mas a calamidade atual não está em quem tem renda garantida e, na prática, não pode ser demitido. Está, sim, em quem não tem emprego nem renda. Essa é a prioridade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário