ESTADÃO - 14/09
Sobre-endividamento, palavra grande e feia, termo que significa dívida em excesso. A crise financeira de 2008 foi provocada pelo excesso de endividamento concentrado em alguns setores de vários países desenvolvidos. Foi em razão desse sobre-endividamento e do risco de que a insolvência generalizada gerasse uma depressão descomunal que diversos bancos centrais adotaram posturas ditas “não convencionais” para as políticas monetárias. Taxas de juros nulas, compras de títulos do governo de prazo longo feitas em grande volume pelos bancos centrais, experimentos com taxas de juros negativas – a inversão da lógica convencional, fazendo com que o credor tenha de pagar pelo privilégio de conceder crédito – todas foram maneiras de enfrentar problemas sem precedentes. Funcionaram?
Há muitos que insistem em dizer que não, continuando a crer na neutralidade da moeda – a incapacidade da política monetária de não apenas sustentar a atividade econômica, como também de empurrá-la um pouco quando o excesso das dívidas exerce força contrária. Contudo, a evidência empírica sobre a política monetária não convencional revela a falácia da neutralidade monetária. Quando as dívidas são excessivas, a política monetária adquire papel fundamental. O recém-publicado Relatório de Genebra intitulado O que mais os Bancos Centrais podem fazer?, co-autorado por alguns de meus colegas no Peterson Institute for International Economics mostra que há pouco de neutro nos efeitos da política monetária. Há, inclusive, espaço para que alguns bancos centrais façam mais do que têm feito.
A maior parte das políticas não convencionais implantadas desde 2008, isto é, a compra de títulos do governo e de outros ativos pelos bancos centrais globais, teve como objetivo reduzir as taxas de juros de médio e longo prazo para prover alívio aos setores mais endividados. A redução do custo do serviço da dívida permitiu que o processo de desalavancagem – a redução dos passivos das famílias, do governo, das instituições financeiras – prosseguisse de forma mais rápida do que teria sido se os governos não tivessem lançado mão dessas políticas.
Ao contrário dos países desenvolvidos em 2008, o Brasil não passou por uma crise financeira avassaladora. Entretanto, é inegável o estado lastimável das contas públicas brasileiras, o sobre-endividamento do governo federal, das unidades federativas, e de diversos municípios que resultou de anos de equívocos na condução da política econômica do País. É igualmente inegável a situação precária dos balanços das famílias e das empresas decorrente da brutal recessão que assola o Brasil há dois anos. No caso das empresas brasileiras, são especialmente preocupantes os resultados de uma análise recente do Cemec / Ibmec.
De acordo com o estudo, entre 2010 e 2016, diversas empresas de capital aberto e fechado observaram forte aumento do endividamento, com expressiva redução na capacidade de cobrir o serviço dessa dívida com o fluxo de caixa gerado de seus negócios. Em 2015, com a desvalorização do câmbio, cerca de metade das empresas analisadas teve geração de caixa inferior às despesas financeiras. Ainda mais preocupante é que ao longo do primeiro trimestre de 2016 não houve sinais de melhora: a relação entre geração de caixa e despesas financeiras continuou a cair para muitas empresas de capital aberto. A análise exclui a Petrobrás.
Diante dessas dificuldades, não é difícil imaginar que parte relevante da queda da arrecadação observada em 2015 e 2016 provenha da preferência por priorizar o pagamento de dívidas em detrimento do pagamento de impostos. Dito de outra forma, já que as empresas estão estranguladas, nada ocorre – nem investimento, nem pagamento de impostos em alguns casos. Nesse contexto, semelhante ao que se viu em 2008, parece fazer muito sentido a redução rápida dos juros, que já deveria ter começado. Juros menores dariam alívio às empresas, acelerariam a desalavancagem da economia, e, ao fazê-lo, poderiam até criar espaço para que a arrecadação se recuperasse, melhorando as perspectivas fiscais de curto prazo. Não custa lembrar: inflação não sobe com sobre-endividamento.
Navegar é preciso, reduzir juros não é preciso, ainda que seja urgente.
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