sexta-feira, agosto 26, 2016

Paz na Colômbia sinaliza nova era no continente - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 26/08

Tratado põe fim a 52 anos de conflito com as Farc, que custou 220 mil vidas, e soterra uma visão de mundo populista, ancorada em valores da Guerra Fria


Num acordo que vem sendo costurado há quatro anos, mediante complexas negociações e em meio a avanços e retrocessos, o governo da Colômbia e o maior grupo guerrilheiro do país, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), anunciaram na quarta-feira que um entendimento definitivo foi alcançado, colocando um ponto final em meio século de conflito. O conflito envolvendo maior grupo guerrilheiro da América Latina durou 52 anos, custou cerca de 220 mil vidas e forçou o deslocamento de mais cinco milhões de pessoas.

Os arquitetos do acordo trataram não apenas do fim das hostilidades militares, mas sobretudo desenharam um mapa para a reintegração de ex-guerrilheiros das Farc e grupos paramilitares à vida civil, o que exigiu o acerto de detalhes jurídicos minuciosos. O pacto terá ainda que ser referendado pela população colombiana por meio de plebiscito, a ser realizado em 2 de outubro.

O presidente Juan Manuel Santos apostou seu futuro político ao atuar como negociador e avalista do acordo. Ele enfrenta internamente a oposição do ex-presidente Álvaro Uribe, em cujo mandato, encerrado em 2010, o governo da Colômbia obteve importantes vitórias militares contra a guerrilha, empurrando as Farc para a negociação. Uribe, ecoando parte da população, afirma que o tratado é injusto ao anistiar os rebeldes de crimes e excessos. Os EUA, por sua vez, apoiam a iniciativa, afirmando em nota que ela representa “uma transformação notável”, levando o país para um futuro de otimismo e esperança, após várias gerações de colombianos submetidas ao conflito.

“Hoje começa o fim do sofrimento, da dor e da tragédia da guerra”, celebrou o presidente Santos, numa transmissão em cadeia nacional de TV. “Vamos abrir a porta para um novo estágio em nossa História”.

De fato, o tratado de paz na Colômbia marca uma virada histórica não só para a Colômbia, mas igualmente para todo o continente americano, ajudando a soterrar uma mentalidade nacional-populista cujas raízes foram fortalecidas na Guerra Fria. Não à toa, as conversações foram realizadas em Havana, cujo governo também dá passos históricos rumo a uma reaproximação com os EUA, trocando o fim do embargo econômico por uma abertura política. A ver.

O pacto com as Farc sinaliza, portanto, o esgotamento de um ciclo histórico, em que grupos de extrema-esquerda, disseminaram uma retórica “anti-imperialista” e a defesa de uma fantasiosa noção de soberania. As Farc encontraram eco em projetos políticos de poder, como o bolivarismo, e tiveram apoio do ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez e seu colega equatoriano, Rafael Correa. Até mesmo o lulopetismo, por meio do Foro de São Paulo, uma espécie de confederação de grupos de esquerda, acolheu representantes da guerrilha colombiana.


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