segunda-feira, agosto 01, 2016

Para combater o terrorismo, é preciso aprender a respeitar os terroristas - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 01/08

Outro dia ouvia uma famosa música cantada por uma famosa cantora e escrita por um famoso compositor que dizia mais ou menos o seguinte: "Nada nunca se conseguiu nem se conseguirá com violência...".

Parei e me perguntei: como fulano, compositor e cantor tão competente, pode escrever uma coisa idiota como essa?

Daí me lembrei que esse tipo de dificuldade cognitiva é comum em artistas, intelectuais e afins (gente que julga o mundo pelos dois livros que leu ou pela música que escreveu ou pela tese que defendeu na universidade).

Você também tem dificuldade de ver a realidade? Também projeta sobre ela essa doce autoimagem de pessoa boa e preocupada com os refugiados na Europa?

Ou é capaz de lembrar que, apesar de ser a favor das leis trabalhistas, demite sua empregada quando o FGTS fica caro? Eis um bom teste de caráter. És capaz de reconhecer isso, ou omites tal fato diante das câmeras e dos jantares inteligentes?

A ideia de que nada nunca se conseguiu ou se conseguirá com violência é de um tal absurdo que apenas um grave retardo mental pode levar uma pessoa a pensar isso.

Nem tudo, mas grande parte do que se conseguiu na história do sapiens foi conseguido com violência. Inclusive coisas que os bonitinhos se derretem e acham tão valiosas, como direitos humanos, democracia, liberdades individuais, ciência. O "diálogo" consegue muita coisa enquanto as pessoas não começam a brigar a sério por nada.

Aliás, um pequeno reparo profético: estou seguro de que, no futuro, olharão para nossa fé obsessiva na democracia como olhamos para os medievais e sua fé na leitura das vísceras dos animais. Rirão de como pudemos, um dia, levar tão a sério a soberania popular. No dia em que descobrirmos como limitar o poder (maior ganho efetivo da democracia) sem perder tempo com a soberania popular, a democracia acaba.

De volta à ideia absurda de que nunca nada se conseguiu ou se conseguirá com violência. Como diz um amigo meu esquisito, esquecemos que, para se sair dando "bom dia!" por aí, muito sangue correu na história da humanidade. A civilização é um exercício contínuo de violência, com ou sem sangue, sobre as pessoas e seus grupos de pertencimento.

Em tempos de terrorismo na Europa (ainda que a imprensa alemã minta, evitando reconhecer o terrorismo em seu território, com medo, justificado, de que isso cause pânico social diante dos milhões de refugiados sírios que a Alemanha acabou de importar), muita gente começa a despertar do longo delírio que foi esse parque temático humanista europeu das últimas décadas. A primeira coisa a ser feita no combate ao terrorismo é aprender a respeitar os terroristas e não vê-los como "vítimas sociais".

Os europeus esqueceram que o humanismo moderno é uma peça de publicidade oriunda de um debate teológico acerca do pecado original nos séculos 16 e 17. Nem a natureza humana "pecadora" existe nem a natureza humana "boa" do humanismo existe. A história é, sim, feita de sangue. E, muitas vezes, por "boas causas".

Antes que algum inteligentinho diga que sou a favor da violência, lembremo-nos de algo. Não se trata de ser a favor ou contra nada, trata-se de olhar a história e a vida real e perceber que, para que você desfile na Paulista de bike, no Iguatemi com seu Visa ou na Vila Madalena com seu Buda, muito sangue correu, corre e correrá no mundo.

Os intelectuais e afins, que deveriam nos ajudar a compreender o mundo, estão há décadas pregando concepções de mundo por aí, alheios à realidade das pessoas reais.

Ocupados com sua vaidade moral evidente, querem passar a ideia de que são pessoas boas e com bons sentimentos. Mentira. Por exemplo, ninguém detesta mais "o povo" do que artistas e intelectuais. Um professor de universidade que seja obrigado a conviver com o povo tomaria remédio contra náuseas todos os dias.

Desistimos, nós intelectuais, há décadas, de compreender o mundo. Optamos por vender ideias que façam as pessoas pensarem boas coisas de si mesmas. De certa forma, grande parte de nós produz autoajuda empacotada com palavras bonitas e elegantes.


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