terça-feira, julho 12, 2016

Meirelles constrói vitórias em silêncio - FERNANDO EXMAN

VALOR ECONÔMICO - 12/07

A dinâmica interna do governo Temer é diferente de Dilma


À espera da conclusão do processo de impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer conta com um voto de confiança do mercado financeiro e do setor produtivo. Sacramentada a provável interrupção do mandato de Dilma, porém, o pemedebista não deve contar com uma benevolência sem fim. A manutenção dessa situação e o sucesso do governo dependerá, além da capacidade da articulação política do Palácio do Planalto para fazer andar sua agenda, da habilidade do presidente da República em manter intacta a autoridade - e consequentemente a credibilidade - da equipe econômica.

Autoridades e empresários comemoram sinais de reversão da queda de confiança na economia, apesar de dificuldades pontuais do governo interino e a adoção de medidas que aumentem os gastos a curto prazo. Uma delas foi o fracasso do governo em sua tentativa de aprovar na Câmara o regime de urgência para a tramitação do projeto que trata da renegociação das dívidas dos Estados com a União.

Não bastasse o prazo imposto pelo Supremo Tribunal Federal para a renegociação dos débitos, algumas unidades da federação informaram ao Palácio do Planalto que havia um risco real de declararem moratória. Temer e seus articuladores ainda tentam acelerar a aprovação da proposta, mas não pretendem abrir mão da cláusula que também obrigará esses entes federados a limitar o aumento de gastos. O mesmo pode ocorrer em relação às finanças dos municípios. Tal iniciativa reforçará a proposta de emenda à Constituição que prevê medida semelhante em relação às despesas do governo federal.

Embora saiba que não terá como manter a máquina pública funcionando sem fazer algumas concessões, a intenção do governo é também reduzir o impacto das negociações salariais com os servidores. O aumento de benefícios sociais seguirá a mesma linha, numa simbiose entre reajustes e um maior combate a fraudes.

Outro exemplo mais recente foi a definição da meta fiscal. Com discrição e sem entrar em disputas públicas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, viu sua visão prevalecer. A ala política do governo defendia uma meta mais condescendente, que contemplasse um déficit primário de até R$ 170 bilhões. No entanto, o objetivo do governo será encerrar 2017 com um déficit de até R$ 139 bilhões.

O Executivo terá menos dinheiro para destravar obras e projetos país afora, a um ano das eleições de 2018, o que não agradou a aliados. Mas conseguiu dar o sinal de que está disposto a reorganizar a economia brasileira de forma gradual e atacando problemas estruturais - mesmo sem ainda detalhar como obterá toda a arrecadação prevista.

Temer deu liberdade para que ministros de outras áreas opinassem sobre o assunto, mas a mensagem do Palácio do Planalto foi clara: toda e qualquer decisão de política econômica será conduzida por Meirelles. Dessa forma, a ala política do governo pode até divergir, mas a decisão tomada se adequará à Fazenda. O único capaz de derrubar uma definição de Meirelles e sua equipe é o próprio Temer - o que até agora não aconteceu. Da mesma forma, ficou acertado que o ministro da Fazenda não buscará protagonismo nas articulações com o Parlamento, as quais ficarão sob responsabilidade do Palácio do Planalto.

O episódio deu pistas de como deve ser o processo decisório num governo Temer. Na administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divergências públicas entre ministros eram comuns. O primeiro escalão do governo debatia em praça pública as mais variadas questões, até que Lula tomava partido. O petista considerava esse um processo natural, desde que todos depois respeitassem e executassem a decisão de governo adotada em seu gabinete.

Dilma mudou essa dinâmica quando tomou posse. Interditou o debate público entre ministros e direcionou ao seu escaninho todas as decisões da máquina pública federal. Eram raros os momentos em que auxiliares diretos da presidente entravam em choque fora das salas de reuniões.

Temer, por sua vez, viu um início de governo mais agitado. Ministros recém-empossados se posicionaram publicamente a respeito dos mais variados e delicados temas, o que não o ajudou a evitar críticas em meio a um turbulento momento político. Como resultado, o interino viu-se obrigado a cobrar que seus subordinados evitassem polêmicas e holofotes. Mesmo que sem maiores sobressaltos, no entanto, informações sobre o descontentamento de segmentos do governo com o ajuste fiscal não tardaram a circular.

Agora, o presidente interino já esboça movimentos mais arrojados para levar adiante após ser confirmado no cargo, em linha com a expectativa do mercado. Temer reconheceu que poderá ser obrigado a anunciar "medidas impopulares", numa demonstração de que não está disposto a ser mais um presidente acusado de ter praticado uma espécie de "estelionato eleitoral" e enganado a população - uma vez que há quem veja semelhanças entre o atual momento político e uma eleição indireta travada entre Temer e a presidente afastada.

Espera-se, assim, que o governo envie ao Congresso propostas para as reformas previdenciária e trabalhista. Diante da penúria das contas públicas, o próprio presidente interino não descarta a elevação da carga tributária.

Tais iniciativas certamente enfrentarão resistências de sindicatos e movimentos sociais, inclusive os que fazem parte da base de sustentação do atual governo no Legislativo. Os executivos que voltaram a frequentar o Palácio do Planalto têm informado Temer de que há sinais claros de um possível aumento do consumo e do investimento ainda neste segundo semestre. No entanto, também estão atentos se Meirelles continuará a absorver críticas e construir vitórias em silêncio - ou passará a se ver obrigado a expor-se em debates públicos a fim de defender suas ideias e conseguir levar adiante seus planos. Mudanças na atual dinâmica interna e correlação de forças na cúpula do governo, acreditam, podem sinalizar futuros riscos para a recuperação da economia.

Fernando Exman é coordenador do "Valor PRO" em Brasília. Raymundo Costa volta a escrever em setembro

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