sábado, novembro 07, 2015

Indicação de apoio à censura prévia no STF - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/11

Em julgamento sobre constitucionalidade da indicação compulsória de horário para a programação de TV e rádio, vota-se contra a liberdade de expressão


O percurso da República brasileira, pontilhado por surtos de autoritarismo, reforça marcas de intolerância na cultura político-institucional do país. Por isso, embora já com 27 anos de plena vigência, dispositivos da Constituição que garantem as liberdades civis clássicas de uma democracia que se pretende moderna, volta e meia estão sob escrutínio em alguma esfera do Judiciário.

Lembre-se que a Lei de Imprensa, criada pelo marechal Costa e Silva, o segundo presidente na ditadura militar de 64, continuou a vigorar depois da exaurido o regime, em 1985, até ser revogada pelo Supremo Tribunal Federal, apenas em 2009, por inconstitucionalidade.

Na quinta-feira, foi retomado na Corte julgamento semelhante, para decidir sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo PTB, com apoio da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), contra o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ele considera infração, portanto passível de punição — multa e suspensão das transmissões —, emissora de TV e rádio não cumprir a indicação de horário autorizado pelo governo federal para as programações.

Mas, ao transformar em compulsória uma autorização de horário que precisa ser indicativa, o ECA instituiu um tipo de censura prévia, e assim atropelou o direito constitucional à liberdade de expressão.

Foi o que afirmou o ministro-relator do processo, Dias Toffoli, ao dar seu voto no início do julgamento, no final de 2011.

— São as próprias emissoras que devem proceder ao enquadramento do horário de sua programação, e não o Estado — defendeu. Pois, segundo ele, “toda a lógica constitucional da liberdade de expressão, da liberdade de comunicação social, volta-se para a mais absoluta vedação dessa atuação estatal.”

Seguiram Toffoli três ministros — Luiz Fux, Cármen Lúcia e Carlos Ayres Britto, hoje aposentado. Agora, no reinício do julgamento, surgiu o primeiro voto contrário, do recém-empossado ministro Edson Fachin.

Toffoli não deixou de alertá-lo para o sentido inconstitucional do seu voto. Foi pedido vista, pelo ministro Teori Zavascki, e se ganhou tempo para consolidar a melhor interpretação do conflito entre este dispositivo do ECA e a liberdade de expressão. É um dado de peso que, entre os cinco primeiros votos dados no julgamento, quatro sejam pela inconstitucionalidade do artigo.

Há algumas fronteiras tênues entre democracia e autoritarismo. Neste caso, a aparentemente simples mudança do sentido do dispositivo — de indicativo para compulsório — reinstitui a famigerada censura prévia.

Além de trazer embutida a ideia perversa do Estado-tutor, ao qual o cidadão tudo delega, até a escolha da programação de rádio e TV para a sua família.

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