O GLOBO - 03/11
Infelizmente, uma nova recaída no expansionismo levaria a uma crise fiscal maior, com aumento do risco, rebaixamentos, saídas de capital, depreciação, inflação
O momento é fértil para ideias salvadoras. Afinal, o mar não está pra peixe. A economia vai mal, a recessão não tem fim, o desemprego está em alta, e as rendas caem. A política parece em transe: nenhuma das saídas possíveis parece provável, o que ilustra a dificuldade do momento.
O núcleo do problema no Brasil é a incapacidade política de fazer o necessário ajuste fiscal. Uma vez resolvido, acredito que a confiança para de cair, o investimento descongela e a retomada é possível. Só então o Brasil estará pronto para enfrentar seus outros desafios, mas também suas oportunidades.
Nem sempre a situação política é tão delicada, e nem sempre o Executivo precisa do Congresso para ajustar as contas públicas. Mas, nesse caso, a combinação é perversa. Não ha equilíbrio político/econômico que nos leve naturalmente a uma saída da crise. Enquanto não se enxerga a saída, a deterioração continua, com a confiança em queda.
Diante da incapacidade de perceber uma saída adequada para o problema político/fiscal, surgem discussões sobre o resto, o entorno. Como reativar a economia nesse impasse? Vale estimular a economia por meio de outras medidas como redução do compulsório? Como usar melhor as reservas internacionais para ajudar a economia? E se adotássemos um novo regime, fixando o câmbio em torno de uma banda?
No afã de achar uma saída para a economia surgem diversas ideias “ditas” boas e originais. Pena que, na sua maioria, as originais não sejam boas; nem as boas, originais.
Uma delas fala em voltar ao expansionismo do passado recente — leia-se: gastar ou emprestar o que não se tem. Resolver um problema fiscal gastando mais é uma ideia original, mas não é boa. Se gastar mais fosse a solução, não haveria governos em dificuldades fiscais, bastaria mudar a mentalidade. Como se a solução do problema no Brasil pudesse ser a mesma receita que levou à situação atual: gastos crescentes que viraram déficits difíceis de reverter. Infelizmente, uma nova recaída no expansionismo levaria a uma crise fiscal maior, com aumento do risco, rebaixamentos, saídas de capital, depreciação, inflação, salário real menor, queda na confiança, aprofundamento da recessão e desemprego; enfim, uma crise econômica e política maior. Seria um verdadeiro “expanicídio”.
Mas “expanicídio” não é a única ideia salvadora. Outras ideias proliferam.
Fala-se em usar as reservas internacionais do Brasil para diversos fins. Alguns propõem usá-las para abater a dívida interna do Brasil, com o intuito de mostrar uma dívida bruta menor para as agências de classificação e o mercado. É uma manobra que tem poucas chances de sucesso. Ainda há os que gostariam de usar as reservas para controlar o câmbio (fixo ou banda), evitando a flutuação livre, que hoje gera depreciação cambial e pressão inflacionária. O uso das reservas para controlar a taxa de câmbio (e a inflação) não é uma medida sustentável, pois utiliza um recurso precioso para sustentar uma distorção.
Não é surpreendente que as ideias de como gastar as reservas proliferem no meio da crise, ainda mais quando há a percepção de que estão sobrando. As reservas internacionais hoje são o último estoque relevante de “munição” do governo. Representam mais de 20% do PIB de reservas, que cobre cinco vezes a dívida de curto prazo e uma boa parte de toda a dívida externa. As reservas devem ser usadas para dar alguma tranquilidade aos poupadores em reais, garantindo que o governo tem recursos para acalmar o mercado em caso de pânico ou corrida contra o país. Num momento de corrida, cada dólar conta, e normalmente a percepção de abundância tende a desaparecer.
Aqui, a tática é na defesa: evitar que a ansiedade leve a decisões que piorem o problema.
Nem tudo que faz parte do entorno é na defesa. Há discussões que são bem relevantes no ataque. Uma vez quebrado o impasse político/fiscal, a porta estará aberta para a retomada. Mas, mesmo nesse caso, o crescimento sustentável estará longe de ser garantido. Para alavancar o crescimento, é fundamental assegurar as condições para o investimento e, consequentemente, o próprio crescimento.
Em suma, enquanto o ajuste fiscal não ocorre, a tática é na defesa, mas também no ataque. Na defesa há de se evitar decisões custosas, como o “expanicídio”, que usaria artificialmente recursos que já se esgotaram, sem falar da utilização inadequada das últimas munições disponíveis, como o nível de reservas. Mas vale também partir para o ataque, criando condições de crescimento para depois do ajuste. Dessa forma, já se acena para um futuro mais promissor, enquanto se batalha para desatar o nó fiscal/político.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco
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