quinta-feira, outubro 15, 2015

A baliza de Teori - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 15/10

Teori Zavascki é o mais diligente dos ministros do Supremo. Leva 15 dias, em média, para uma decisão liminar e 23 dias para a publicação de um acórdão. O prazo para liminar se multiplica por quatro quando cai nas mãos do ministro Luiz Fux e por sete nos acórdãos publicados pelo ministro Marco Aurélio Mello. Na primeira das três liminares concedidas pelo Supremo para barrar o rito do impeachment definido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Teori gastou quatro dias além da média aferida pela FGV do Rio.

A diligência do mais discreto dos ministros da Corte, que não dá entrevistas e vive há dois anos uma reclusa viuvez em Brasília, encurtou o prazo de validade do presidente da Câmara dos deputados. A decisão, a ser julgada no mérito pelo plenário da Corte, carimba de ´inusitado´ o rito pretendido. Desde que sua movimentação bancária foi escancarada por promotores suíços, o adjetivo passaria por elogioso a Eduardo Cunha não fosse o desmonte daquela que se apresentava como a única saída para a manutenção do seu cargo - uma rede de proteção em troca de rito que daria curso ao processo de impeachment por maioria simples.

O desmembramento da Lava-jato, decidido pelo mesmo Teori, já havia enfraquecido o presidente da Câmara na medida em que dispersou a defesa dos envolvidos na operação e evitou a reprise da estratégia traçada pelo ex-deputado José Dirceu no mensalão.

Ao remeter os processos para a primeira instância, Teori possibilitou que a Lava-jato, para os desprovidos de foro, deixe, paulatinamente, o rito acelerado do juiz Sérgio Moro e entre na toada mais morosa e permeável da primeira instância. Ao mesmo tempo, homologou delações premiadas que deixam Eduardo Cunha tanto mais exposto do que qualquer outro dos possíveis réus com foro, quanto privado, pela imprevisibilidade do Supremo, de firmar acordos de sobrevivência.

A fiança desses acordos é desfeita pela expectativa de que o STF acolha a denúncia do procurador-geral da República contra o presidente da Câmara. Pelo conjunto da obra, é provável que o Supremo tanto o acolha como réu quanto rejeite o rito que estabeleceu para o impeachment.

Colaboram para isso os modos e usos do presidente da Câmara bem como o respeito desfrutado por Teori Zavascki dentro e fora da Corte. Na sabatina que, em 2012, aprovou sua indicação para o Supremo, o ministro circunscreveu seu ofício com uma definição que o meio jurídico acabaria usando para resumir seus três anos na Corte: "Um bom juiz, além de ter os predicados de honorabilidade, de imparcialidade e de conhecimento técnico, deve agregar também a capacidade de ouvir, a capacidade de pesar, a capacidade de decidir com bom senso".

Governo e oposição não teriam qualquer compromisso de manter acordos para dar prosseguimento a um processo recauchutado de impeachment ou para barrá-lo. Pela simples razão de que o país não pode correr o risco de ter um réu no terceiro cargo da linha sucessória da Presidência da República.

Restaria ao presidente da Câmara renunciar ao cargo na tentativa de conseguir um salvo-conduto no Conselho de Ética que lhe permita concluir o mandato de deputado. Foi numa manobra do gênero que o presidente do Senado, Renan Calheiros, conseguiu salvar seu mandato em 2007 durante sua primeira passagem pela presidência daquela Casa. O senador contou com o apoio de um governo Luiz Inácio Lula da Silva que já havia pulado a fogueira do mensalão, recuperara a popularidade mas não tinha interesse em alimentar ruídos com o PMDB.

Para perder o apoio do seu partido e da Câmara, o presidente da Casa ainda precisa ser alvo de uma campanha popular bem sucedida ou de um bloqueio judicial dos meios com os quais abastece sua rede de apoiadores. Se renunciar ao cargo, é até provável, pelo trâmite da Lava-Jato, que Eduardo Cunha ainda possa se recandidatar e venha a ser julgado no exercício de um próximo mandato.

Tanto quanto a presidente da República, o da Câmara ganha tempo para permanecer no cargo com as incertezas que cercam sua eventual substituição. O deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), preferido do vice-presidente Michel Temer, expôs em demasia sua opção pelo impeachment; o líder do PMDB, Leonardo Picciani, desgastou-se com o fracasso em votar os vetos presidenciais na primeira sessão do Congresso depois da reforma ministerial; e Miro Teixeira (Rede-RJ) é independente demais para galvanizar apoio na Casa.

Ao tentar ganhar tempo para si, o presidente da Câmara expande também a validade do mandato presidencial. O governo conclui as nomeações do segundo escalão e faz acordo com o Congresso para usar recursos do PAC para as emendas ao Orçamento na tentativa de ganhar gordura para embates legislativos como a manutenção dos vetos presidenciais, a prorrogação da DRU e a batalha-mor da CPMF.

Numa visível mudança de discurso, a presidente subiu o tom - "Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?" - e escancarou o pedágio pago ao seu antecessor: "Eu represento as reformas que o Lula fez".

Ao discursar ao lado de Dilma na noite de terça-feira em congresso da CUT, o ex-presidente debitou em sua conta a mudança no discurso da sucessora e mostrou o próximo pedágio da estrada que pode levá-la até 2018 - "Não tem um país no mundo que tenha feito ajuste e melhorado a economia".

É possível que estivesse jogando para sua plateia de sindicalistas, mas o ex-presidente não poderia ter indicado mais claramente que o rearranjo do governo fustigará o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. É uma pressão a ser reforçada pelos agraciados da reforma ministerial que têm seis breves meses, até o início da campanha municipal, para gastar.

Em sua investida pela reconfiguração do discurso e da ação presidencial, Lula enfrentará os limites que o Judiciário pode vir a impor, seja na investigação da denúncia de que foram pagas propinas por MP de incentivos fiscais, seja nas desventuras em série da Petrobras. O mesmo Teori Zavascki que, ao questionar o rito de Eduardo Cunha, deu oxigênio a Dilma autorizou que o ex-presidente seja ouvido no inquérito da Lava-jato.


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