quarta-feira, fevereiro 04, 2015

O naufrágio de um sonho - REVISTA VEJA

Revista Veja

Fruto do ideário petista de usar o pré-sal para refundar a indústria naval brasileira, a Sete Brasil agora luta para sobreviver e não ser arrastada para o lamaçal do petrolão 

MALU GASPAR 

Reside em um edifício comercial de janelas espelhadas com vista para o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, um dos mais vistosos símbolos do delírio petrolífero petista. É ali que funciona a Sete Brasil, empresa formada por bancos privados, por fundos de pensão e pela própria Petrobras para administrar as sondas de exploração do pré-sal. No passado não muito distante, a nova fronteira exploratória era considerada tão promissora que os dirigentes da estatal só a chamavam de "bilhete premiado". Os ventos pareciam tão favoráveis que a Petrobras fez uma encomenda recorde à Sete — eram 28 sondas por 89 bilhões de dólares — com a exigência de que fossem construídos no Brasil pelo menos 55% de cada uma delas. Essa imposição se enquadrava na política do conteúdo nacional, fincada na ideia de que valia a pena pagar mais caro pelos equipamentos e dar contratos a estaleiros que ainda nem existiam para fazer a indústria nacional deslanchar. Tudo isso foi dimensionado na era pré-petro-lão, quando o dinheiro afluía aos bilhões para o projeto petista. Só que o curso da história mudou, e a Sete agora está à míngua, com risco até de quebrar. Os recursos secaram e ninguém mais quer emprestar dinheiro a uma empresa no radar dos escândalos. As empreiteiras donas dos estaleiros estão no epicentro da Operação Lava-Jato. Seu interlocutor na Sete era ninguém menos do que Pedro Barusco, homem-chave no propinoduto.

Nos bastidores, os acionistas privados da Sete, entre eles os bancos BTG, Bradesco e Santander, travam uma guerra com a Petrobras, que até a semana passada resistia a assinar um documento que pode dar sobrevida à empresa. Trata-se de uma ratificação das condições do acordo firmado entre a estatal e a Sete Brasil em sua origem, no fim de 2011. Esse aceno é pré-requisito para que se destrave no BNDES um empréstimo de 8 bilhões de reais que fará a Sete respirar. Só que a Petrobras, mergulhada na pior crise de sua história, teme dar andamento a um negócio de custos elevados, tocado por empreiteiras para lá de submersas na lama da corrupção. Nas últimas semanas, os sócios da Sete bateram à porta do governo federal fazendo pressão para que a assinatura saísse. Os ânimos haviam se amainado na sexta-feira, após se saber que a presidente Dilma Rousseff dera ordens para que a estatal atendesse ao apelo dos acionistas. Mas há ainda outro obstáculo. O BNDES só irrigará o caixa da Sete depois que os executivos de todos os estaleiros fizerem uma declaração formal de que nunca tiveram conhecimento de nenhum desvio de recursos. Caso o imbróglio se estenda até o fim de fevereiro, a Sete terá de fechar as portas.

Criada para captar dinheiro, intermediar a contratação dos estaleiros e gerenciar o aluguel das sondas, a empresa nasceu com investimento de 8 bilhões de dólares de bancos, fundos privados e de pensão atraídos por uma promessa como poucas vezes se viu no setor de petróleo: um retorno garantido de 13% sobre o capital. O risco era ter de depender de um único cliente — a Petrobras —, mas isso soou palatável à época, já que recursos afluiriam dos bancos estatais e o mercado internacional ia de vento em popa. O generoso contrato tinha o claro propósito de fomentar a criação de uma indústria local. Era o preço da política do conteúdo nacional. A dura realidade, no entanto, vem enterrando o sonho petista. Com o preço do petróleo em queda e a crise deflagrada na estatal, não há mais como sustentar as cifras de antes. Desde novembro, a Sete parou de pagar os estaleiros, e a produção de dezessete das 28 sondas entrou em compasso de espera. "Esse modelo era claramente insustentável. O fracasso estava em seu DNA", diz o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

A Sete foi concebida, em primeiro lugar, com o propósito de aliviar as finanças da Petrobras, atraindo investidores privados para realizar uma das etapas mais caras da cadeia do petróleo: a produção de sondas. Mas outro motivo inconfessável também deu um empurrãozinho à nova empresa. Em 2010, antes da existência da Sete, foi a própria Petrobras que se encarregou da primeira licitação de sondas — eram 21. Segundo relataram a VEJA executivos que acompanharam de perto o processo, instaurou-se uma crise quando vieram à luz os vencedores. O consórcio da construtora Odebrecht, dono da proposta mais cara, ficara de fora, e o governo da Bahia, onde ficaria o estaleiro, não parava de pressionar a estatal. A criação da Sete trouxe a saída. A Petrobras ficou apenas com um lote de sete sondas e a nova empresa refez a licitação das outras. Ninguém se surpreendeu quando a Odebrecht foi escolhida.

O então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, indicou à presidência da Sete João Carlos Ferraz, da área financeira da estatal, e pôs abaixo dele Pedro Barusco, ex-braço-direito do diretor de Serviços Renato Duque. Ferraz logo estabeleceu linha direta com o ex-presidente Lula, que lhe telefonava com frequência e o recebeu mais de uma vez em seu instituto, em São Paulo. Já o agora deputado federal cassado André Vargas (ex-PT-PR) preferia visitar a Sete pessoalmente. Tais encontros passaram despercebidos aos acionistas, mas, com o tempo, ficou claro que Barusco mantinha relação próxima demais com o ex-ministro José Dirceu. Incomodados, os sócios pressionaram Ferraz, que, ainda em 2012, acabou afastando Barusco com uma licença médica. Em julho de 2013, bem antes de delatar o petrolão, ele foi finalmente demitido, mas sua sombra continua a pairar sobre a Sete Brasil.

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