O dom de converter as coisas redondas em quadradas
A crise política, com epicentro no gabinete da presidente Dilma Rousseff, tem, em 15 de março, sua nova data limite para fazer acontecer alguma coisa que provoque correção de rumos. Seja para recrudescer, seja para arrefecer. Não se trata do velho adiamento do início do ano brasileiro, mas de data da manifestação convocada, em sentido estrito, a favor do impeachment, e lato senso contra a ineficiência do governo. O PT joga suas esperanças em fazer a presidente começar a presidir a partir da pressão popular; os partidos aliados também aspiram a que a voz da população, que se fará ouvir ao vivo, como já se fez ouvir em pequisas, aproxime a presidente da realidade do país.
Depois de desfiar interminável relação de problemas que dão substância à crise, os políticos se voltam para o resultado das ruas. Que elas façam o trabalho de persuasão. Lula, o conselheiro presidencial, fez sua parte. Apesar de desalentado, concordou mais uma vez em socorrer a presidente, a quem recomendou sair do isolamento, aproximar-se do PMDB, aceitar a eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, incluir Michel Temer no conjunto de ministros que fazem a coordenação política, conversar com empresários, receber sindicatos, realizar projetos e fazer propaganda do governo.
Antes mesmo de viajar para férias na Bahia, durante o carnaval, Dilma teve um encontro com o especialista em marketing eleitoral, o jornalista João Santana. Na primeira saída do silencioso retraimento, Dilma fez marketing eleitoral e não propaganda das realizações do governo, como havia sido recomendado pela assessoria política. A presidente trouxe à cena a gestão da Petrobras no governo do adversário PSDB, de velhos carnavais, tentando dividir o ônus do escândalo de corrupção na estatal com o ex-presidente Fernando Henrique.
Como não era campanha eleitoral, deu-se mal. Ninguém a ouviu, a propaganda eleitoral não a tirou das cordas neste momento em que a campanha ficou para trás. A presidente ainda não apresentou, nem na realidade nem na propaganda, medidas concretas anticorrupção, ações para a educação, saúde e segurança, uma explicação convincente para o ajuste da economia e sobre o que mais virá por aí, ação de governante eleita e não mais de candidata. O uso do mesmo marqueteiro fez a boca torta.
Dilma, ainda inapetente para a relação política, criou um supermesão de coordenação, ao qual deu assento aos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Ricardo Berzoini (Comunicações), Miguel Rossetto (Secretaria Geral), Jaques Wagner (Defesa), José Eduardo Cardozo (Justiça, presença eventual) e a Giles Azevedo (assessor especial, presença eventual). Todos do PT, ninguém do PMDB, o maior partido aliado e o vice da chapa vitoriosa, e ninguém para conversar com os políticos.
O absurdo de Michel Temer não estar nesse núcleo já foi destacado mais de uma vez à presidente, bem como o PMDB já se cansou de explicar que o ministro propriamente da coordenação política, Pepe Vargas, não tem condições de articular nada com o Congresso, bem como não o tem Aloizio Mercadante, agente de atrito com nove entre dez parlamentares governistas. Já se fez chegar à presidente a informação de que, desse imenso conjunto de coordenadores políticos, apenas Jaques Wagner teria trânsito entre os diferentes partidos para conversar com o Congresso a aprovar medidas do interesse do governo.
Porém, o ministro da Defesa é o mais discreto dos coordenadores petistas e acredita-se que tenha sido obra de inimigos ocultos entre os amigos a sua inclusão precoce no grupo de políticos que poderão ser atingidos pela Lava-Jato. Nesse caso, partiria da própria central de crise o abate do voo de Wagner.
A presidente sabe que os partidos não suportam Mercadante, nem por isso deixou de impor sua presença nas reuniões políticas em lugar do coordenador Pepe Vargas. Quando foi avisada por Michel Temer que o PMDB faria um jantar com os ministros Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini para explicarem as medidas de ajuste e convencerem o partido a abraçá-las, ela pediu ao vice-presidente para enviar à reunião o ministro Mercadante. Ou seja, o chefe da Casa Civil não entrou no jantar como convidado, mas como olheiro da desconfiança de Dilma na sua equipe econômica.
A insensibilidade tem sido ampla, geral e irrestrita. Quando a água fica pela garganta, a presidente simula uma aceitação dos conselhos, até os pede, marca audiência para empresários, diz que vai mudar, mas não muda. O estilo é errático e deixa a todos no vácuo. A um pedido do presidente do PMDB para que recebesse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, logo depois de eleito e acatado como líder de todos os deputados, explicou que não, ainda, "não o digeri". Dois dias depois, estavam lá as assinaturas necessárias à instalação da CPI da Petrobras. São registros do próprio PT.
O caso dos encontros de José Eduardo Cardozo e advogados de empreiteiras implicadas na Lava-Jato revelou-se, na definição também corrente no partido, como mais uma produção de "aloprados", termo usado por Lula para definir o grupo de armação de dossiês da campanha de Mercadante para o governo de São Paulo. Nega-se o inegável e enreda-se no próprio novelo.
A providência da presidente Dilma, qual foi? Orientar os ministros do governo a saírem em socorro do ministro da Justiça. E também receber as empresas.
Lula já está funcionando mais ou menos no automático. Não nega os conselhos pedidos, mas vai fazendo a própria relação política à sua maneira, sem esperar o comboio. Amigos contam que ele até parou de reclamar. Recebeu empreiteiras, falou e ainda vai falar mais com o PT, vem a Brasília no meio da semana, foi ao Rio reunir-se com aquele PMDB que produziu o presidente da Câmara e o líder do partido, tem falado com os empresários, voltou seus movimentos à estaca zero.
Para quem queria tirar o poder do PMDB, missão que atribuiu ao chefe da Casa Civil mas também a Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação), Dilma acabou dando mais poder ao partido do vice. Na definição de um frequentador daquele epicentro da crise, Dilma tem o dom de transformar as coisas que estão redondas em quadradas. Depois de colher várias derrotas logo no dois primeiros meses de seu segundo governo, a presidente dá todos os sinais de que está armando situações que a levarão a novas derrotas. O que pode mudar o futuro determinado são os acontecimentos de 15 de março. Para os desesperançados, a presidente, seja qual for o desenlace, continuará sem entender as transformações pelas quais passa o Brasil.
A crise política, com epicentro no gabinete da presidente Dilma Rousseff, tem, em 15 de março, sua nova data limite para fazer acontecer alguma coisa que provoque correção de rumos. Seja para recrudescer, seja para arrefecer. Não se trata do velho adiamento do início do ano brasileiro, mas de data da manifestação convocada, em sentido estrito, a favor do impeachment, e lato senso contra a ineficiência do governo. O PT joga suas esperanças em fazer a presidente começar a presidir a partir da pressão popular; os partidos aliados também aspiram a que a voz da população, que se fará ouvir ao vivo, como já se fez ouvir em pequisas, aproxime a presidente da realidade do país.
Depois de desfiar interminável relação de problemas que dão substância à crise, os políticos se voltam para o resultado das ruas. Que elas façam o trabalho de persuasão. Lula, o conselheiro presidencial, fez sua parte. Apesar de desalentado, concordou mais uma vez em socorrer a presidente, a quem recomendou sair do isolamento, aproximar-se do PMDB, aceitar a eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, incluir Michel Temer no conjunto de ministros que fazem a coordenação política, conversar com empresários, receber sindicatos, realizar projetos e fazer propaganda do governo.
Antes mesmo de viajar para férias na Bahia, durante o carnaval, Dilma teve um encontro com o especialista em marketing eleitoral, o jornalista João Santana. Na primeira saída do silencioso retraimento, Dilma fez marketing eleitoral e não propaganda das realizações do governo, como havia sido recomendado pela assessoria política. A presidente trouxe à cena a gestão da Petrobras no governo do adversário PSDB, de velhos carnavais, tentando dividir o ônus do escândalo de corrupção na estatal com o ex-presidente Fernando Henrique.
Como não era campanha eleitoral, deu-se mal. Ninguém a ouviu, a propaganda eleitoral não a tirou das cordas neste momento em que a campanha ficou para trás. A presidente ainda não apresentou, nem na realidade nem na propaganda, medidas concretas anticorrupção, ações para a educação, saúde e segurança, uma explicação convincente para o ajuste da economia e sobre o que mais virá por aí, ação de governante eleita e não mais de candidata. O uso do mesmo marqueteiro fez a boca torta.
Dilma, ainda inapetente para a relação política, criou um supermesão de coordenação, ao qual deu assento aos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Ricardo Berzoini (Comunicações), Miguel Rossetto (Secretaria Geral), Jaques Wagner (Defesa), José Eduardo Cardozo (Justiça, presença eventual) e a Giles Azevedo (assessor especial, presença eventual). Todos do PT, ninguém do PMDB, o maior partido aliado e o vice da chapa vitoriosa, e ninguém para conversar com os políticos.
O absurdo de Michel Temer não estar nesse núcleo já foi destacado mais de uma vez à presidente, bem como o PMDB já se cansou de explicar que o ministro propriamente da coordenação política, Pepe Vargas, não tem condições de articular nada com o Congresso, bem como não o tem Aloizio Mercadante, agente de atrito com nove entre dez parlamentares governistas. Já se fez chegar à presidente a informação de que, desse imenso conjunto de coordenadores políticos, apenas Jaques Wagner teria trânsito entre os diferentes partidos para conversar com o Congresso a aprovar medidas do interesse do governo.
Porém, o ministro da Defesa é o mais discreto dos coordenadores petistas e acredita-se que tenha sido obra de inimigos ocultos entre os amigos a sua inclusão precoce no grupo de políticos que poderão ser atingidos pela Lava-Jato. Nesse caso, partiria da própria central de crise o abate do voo de Wagner.
A presidente sabe que os partidos não suportam Mercadante, nem por isso deixou de impor sua presença nas reuniões políticas em lugar do coordenador Pepe Vargas. Quando foi avisada por Michel Temer que o PMDB faria um jantar com os ministros Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini para explicarem as medidas de ajuste e convencerem o partido a abraçá-las, ela pediu ao vice-presidente para enviar à reunião o ministro Mercadante. Ou seja, o chefe da Casa Civil não entrou no jantar como convidado, mas como olheiro da desconfiança de Dilma na sua equipe econômica.
A insensibilidade tem sido ampla, geral e irrestrita. Quando a água fica pela garganta, a presidente simula uma aceitação dos conselhos, até os pede, marca audiência para empresários, diz que vai mudar, mas não muda. O estilo é errático e deixa a todos no vácuo. A um pedido do presidente do PMDB para que recebesse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, logo depois de eleito e acatado como líder de todos os deputados, explicou que não, ainda, "não o digeri". Dois dias depois, estavam lá as assinaturas necessárias à instalação da CPI da Petrobras. São registros do próprio PT.
O caso dos encontros de José Eduardo Cardozo e advogados de empreiteiras implicadas na Lava-Jato revelou-se, na definição também corrente no partido, como mais uma produção de "aloprados", termo usado por Lula para definir o grupo de armação de dossiês da campanha de Mercadante para o governo de São Paulo. Nega-se o inegável e enreda-se no próprio novelo.
A providência da presidente Dilma, qual foi? Orientar os ministros do governo a saírem em socorro do ministro da Justiça. E também receber as empresas.
Lula já está funcionando mais ou menos no automático. Não nega os conselhos pedidos, mas vai fazendo a própria relação política à sua maneira, sem esperar o comboio. Amigos contam que ele até parou de reclamar. Recebeu empreiteiras, falou e ainda vai falar mais com o PT, vem a Brasília no meio da semana, foi ao Rio reunir-se com aquele PMDB que produziu o presidente da Câmara e o líder do partido, tem falado com os empresários, voltou seus movimentos à estaca zero.
Para quem queria tirar o poder do PMDB, missão que atribuiu ao chefe da Casa Civil mas também a Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação), Dilma acabou dando mais poder ao partido do vice. Na definição de um frequentador daquele epicentro da crise, Dilma tem o dom de transformar as coisas que estão redondas em quadradas. Depois de colher várias derrotas logo no dois primeiros meses de seu segundo governo, a presidente dá todos os sinais de que está armando situações que a levarão a novas derrotas. O que pode mudar o futuro determinado são os acontecimentos de 15 de março. Para os desesperançados, a presidente, seja qual for o desenlace, continuará sem entender as transformações pelas quais passa o Brasil.
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